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éAPÍTULO II i .. t \ DEFINIÇÕES QUE INTERESSAM À INVESTIGAÇÃO.t, Aprimeiraconversaa ter com um necessitado,os primeiroscontactoscom a famíliacom quemelevive,asindagações juntodos vizinhosque podemdar informaçõessegurasou colaborar,o examede documentosquetenhamimportânciapara a investigação,a relacionaçãofinal doselementosdispersos,todos estesprocessosusadospelo serviçosocial dos casosindividuais são passoscom os quais esperamosalcançarum resultadoútil. Conduzem-nospor meio dum diagnósticosocial à elaboração dum plano de tratamentoe sobrea correlaçãoentreo diagnós- tico e o tratamentonuncaé demaisinsistir.Antes de voltarmos a tratar dessa correlaçãona prática actual do serviço social, julgamosvantajoso,mesmocorrenâoo risco de nos repetirmos, prepararmosacessoà sua maisconcretamaterialização,estabele- cendoumasdefiniçõesformais. I-C~RTOS TERMOS USADOS FREQUENTEMENTE .~ 1.°- Diagnóstico.-O uso da palavradiagnósticonão se aplicaapenasemmedicina:emzoologiae botânica,porexemplo, significaumadefinição,breve,precisae oportuna.Comodiagnós- tico socialela exprimequese procuraobterum conhecimento(2:-») tanto quanto possívelexactoda situaçãosociale personalidade dumcertonecessitado.A investigaçãoou colheitadosdadosreais é o primeirotempodo trabalho,seguindo-se-Iheo examecrítico, a comparaçãodas realidadesaveriquadase por fim a interpreta- ção e esclarecimentoda dificuldadesocial.Na práticacomum,as trabalhadorassociaisdoscasosindividuaischamam«inquérito»a todasestasoperações.mascomohabitualmentecometema faltade se preocuparemmuitomaiscom a colheitados dadosdo quecom . a .sua interpretaçãoe comparação,há conveniênciaeducativaem usar no conjuntodo processoum termoque maisespecialmente ( (25) Ver a maisampladiscussãono CapítuloXVIIIsobreComparação e Interpretação. 27 DIAGNÓSTICO SOCIAL designea sua finalidade.O inquéritoé indispensávelpara o diagnóstico;entrano laboriosoe hábil apuramentoda verdade, que se chama,com razão,pesquisasociale faz parteimportante de muitasaveriguaçõessobre condiçõessociaisque, não sendo tão profundamentedirigidascomo a pesquisa,podemdenomi- nar-se investigaçõessociais. Emborao termoinvestigaçãosejausadoemtodasas formas de inquéritosocial,alugar que ele preenchena operaçãodo diagnósticosocialé, emboranecessário,secundário.Outra van- tagem da adopção do termo diagnósticoestá em que o seu uso na medicinaimplicatambém,de certamaneira,a ideia do momentoemque elese faz e os efeitosque se pretendem.Se não há dúvida de que um diagnósticopodee deveserrevistoa todo o tempo,a verdadeé que se liga a essetermoa noção dum tempolimitadopara uma acção benéficaa exercercom brevi- dade e essascaracteristicascorrespondeminteiramenteàs que tambémse procuramcom o diagnósticoutilizado no traba- lho social. . j ~ 2.0- Testemunhas.-Sempreque se não tratede documen- tos, as informaçõescolhidas no trabalhosocial são obtidaspor meiode testemunhas.Estasnão são verdadeiramenteobservadores experimentados,devendo-noslembrarde que o termoobservador é usado nas ciências naturaise o de testemunhapertenceà linguagemdos Tribunais.O observadoré um indivíduoqueteve preparaçãopara observaros factosno sentidode contribuirpara a negaçãoou confirmaçãoduma hipótese;a testemunhaconta o que viu ou ouviu incidentalmentena suavidadiária.O obser- vador segue um métodojá estabelecidoexperimentalmentee duma maneíraimpessoal,ao passoque a testemunhanão segue qualquermétodo,mas as suas tendêncíaspessoaise é exacta, maisou menos,conformeas suasqualidadesinatasdeobservação e de memória.Raramenteuma testemunharevelaos predicados dum observadorjá feito,no sentidocientifico(26). Os registosdos casos exigempor vezesque se aceitem tambémos de referências,tomandoestapalavracomoexprimindo aquelesque invocamo testemunhode outraspessoas.O fraco significadodestetermocorrespondeao pouco valor das provas de confiança,quaseequivalendoaos ..fiadores..das primeirasleis judiciais inglesasquando quaseapenasa prova admitidaera a das testemunhas,que juravampela culpa ou pela inocênciados réus. As trabalhadorassociais ficam algumasvezes satisfeitas com testemunhosassimfracos,tal comocom a sobriedadee dili- gências dum só indivíduo, como se com essasreferênciasse pudesseobter luz que guiasseo caminhodas dificuldadesreais ., '" (26) Ver o Capítulo 11sobreNaturezae utilizaçãodas realidadessociais. 2.8 '::...- DEFINiÇÕES QUE INTERESSAM .À. INVESTIGAÇÃO t- I ) e dos meiosde as extinguir.Por exemplo,um padreque indica a necessidadede certafamíliaser auxiliadafundadoapenasna observaçãode que conheceo homem há tempose podeabo- ná-Ia, em vez de conhecerfactosda vida dele que elucidassem seguramentesobre um plano eficaz de actuaçãoa favor da familia.A primeiradificuldadedo trabalhosocialestásempreem conseguir conhecer factos suficientementeabundantese apro- priados. (" 3.0-Factos.- Que significado devemosatribuir nós ao termofacto? Não deveo significadolimitar-seàs coisas,visíveisou tan- gíveiscomofeznotarJamesBradleyThayer(27).Os pensamentos e acontecimentossão tambémfactos. A questãode saberse uma coisa é ou não um factoestá na realidadeem apurar se pode ou Rão afirmar-sea certeza dela. As trabalhadorassociais,mesmo,não podemconsiderar-se ofendidasquando a si própriasperguntemse podemgarantiras afirmaçõesque fazem.Quando apenasse colheuuma ôu maís informações,semgrandevaloré frequenteverna ficha dumcaso social a nota «Fornecià secçãode inquéritotodosos dadosrefe- rentesa estecaso» ou «Pedirà Comissãoo seupareceremface dos factosque estãona sua posse».Mostramtambémas fichas, às vezes,que se mandaramcartaspara outrosEstadosda Amé- rica ou para outros paísessolicitandoacção a . respeitoduma família e apresentando"OSseguintesfactos»,quando taisfactos não passamde declaraçõesnão verificadas, de misturacomopi- niõese conjecturasde quemescrevea carta,como por exemplo a que se vai ler: «Uma instituiçãode serviçosocial dos casosindividuaisforneceua uma doutro Estadoa seguinteresposta:- «A associaçãode beneficênciaaqui de X, conhece a família de y, desde Janeiro de 1910; consultamos.asua ficha e ficamos cientesdas duas referênciasapontadasna sua carta. Há um ano a Associação pediu referênciassobreY em oficinase todos os patrõesdisseram mal dele. Diziam que era um individuo leviano,bebendomuito, trabalhando ma], mentirosoe reputadocomo ladrão. Ouvimos dizer que essehomemtem usado de vários nomes,por diversasocasiões.Supomosque a esposadeletem muito melhoresqualidadesque o maridomasa talrespeitoapenastemosinfor- maçõesde pessoasamigas. Os «factos»nestecaso consistiamema Associação,embor9.conhecendo a famíliadesde 1910,não terconhecidoo seuparadeiroseguidamentee apenas quando em duas ocasiõesselhe tinha solicitadoajuda para ela.Os patrõesque diziam ma] dele era afinal um só patrãocom quem ele trabalharaapenasum ano e de quem se despediuvoluntàriamente.Essepatrão,único, dizia que ele era leviano. A infolmaçãode que bebiamuitoproveioda donadumahospeda- ria e não dum patrãoe a acusaçãode roubo ,do irmãodesta,consistindoesse roubo no dumfatoque ele lhe emprestarae queo homemusou quandodeixou a casa destesparentes,ficando a dever o dinheiro da hospedagem.Y tinha ("7) Tratado preliminarsobretis rea/iJades,p. 191. 29 DIAGNÓSTICO SOCIÀL usado durantealgum tempoo últimoapelidode seupadrastomasnão se tinha averiguadoa razãoqueele alegavaparaterfeitoisso.Estaúltimadeclaraçãode restonão passavadumasimplesopinião.' A impressãogeral deixadapor estacarla, emboraaproxi- mando-seda verdade,é de que,vistoas informações,cada uma por si, não poderemserafirmadascom certeza,a insliluiçãopara onde elas forammandadasnão podia basearnelasum planode tratamentoque atacassea causada perturbaçãoverificada. Cada conjuntode conhecimentose actividadesorganizados tem de caminharno sentidodas circunstânciasque interessam ao obje!:tivoem vista. Vejamos um exenlPlode ordem geral:Um anuncianteescrevendono Printer's Ink diz que «muitos anúncioscontêmtrechosinúteis,cada um dos quais representa um facto desconhecidopor quem o copiou, suprindo a sua ignorânciacom palavrasescolhidas».Estamesmaopinião pode- ria haver a respeitode muitasfichasde casossociaise princi- palmenteas elaboradashá mais de dez anos. A reunião de dados em qualquercampo é dificultadaem primeirolugar por colheita defeituosaou por observaçãodeficienteda parte das pessoasque fornecemelementos;em segundolugar, por via da confusão entre os factos e as deduçõesque deles tiraramas testemunhasou as própriastrabalhadorassociais. A confusãoentre o facto e as deduções,mesmoquando os factosforamexactamenteobservados,foi assimexemplificada pelo Dr. S. J. Meltzer: Um médico deu..., por exemplo,5 grãos de fenacetinaa um doente com uma pneumonia,tendo 1050F. de temperaturano 7.0 dia da doença. A temperaturacaiu e o doentecurou-se.Um médicosemsensocríticopoderia assentarnas suas notasque a fenacetinatinhacuradoo doente.Isto porémnão era um facto masumadeduçãoe. .. errada;a cura proveioda criseda doença que coincidiu com o uso da fenacetinae, possivelmente,o desaparecimentoda febre deu-se por efeito da crise. O que o médico verificouforamos 3 factos seguintes: . 1.0"':'0doentetomoua fenacetinaque ele prescreveu;2.0-a queda da febree 3.0a curado doente.A ligaçãodesses3 factos... foi umfactodiferente daquelesa queele tinhaassistidorealmente. Um políticoamericanoque estavajustificandoumalei com a asserçãode que ela assentavaem factos,foi criticadonum artigo de fundo do «New-York EveningPost»,destamaneira: «Julga-se por vezesque determinaros factos e actuarsobre eles é a coisa mais fácil do mundo.Podemos princípiossernebulosose não apreender- mosas ideias,mas quando se têm inúmerosfactosdiantedos olhoscomoé que nos poderemosenganar?Todo aqueleque se.concentrapara pensar,sabeque julgar factosé uma das mais delicadasoperaçõesdo espíritohumano. Há em primeirolugar;a grandedificuldadede apurarse os factossão realmenteos que osIoutrosnos contam.Depoissurgeo árduodeverde evitaro «raciocinioinstin- tivo» pelo qual o factoapareceà vistacomo os olhos gostamde o ver. E por 30 DEFINiÇÕES QUE INTERESSAM À INVESTIGAÇÃO fim restaainda decidir qual a conclusãocorrectaa tirar dos factos,desdeque eles estejamclaramenteestabelecidos.Dizer em defesaduma condutadiscutida «Eu lidei com factos>não constituidefesa alguma a não ser que se possa demonstrarque se obtiveramos factosde maneiraperfeitae que se tratoucom elesda formamaisprópria>(29). 1. J T Por isso no limiardas nossasconsideraçõessobreas reali- dades sociais temoso deverde procurargarantira segurança dos factosrespeitantesà situaçãodo necessitado.Uma realidade que mereçaconfiançasuficienteem extensãoe eficáciaé o pri- meirorequisitopara conseguirum diagnósticoe o segundoterá de ser o claro racioc.ínioaplicadonas deduçõesque ajudarãoo nossointento. O empregoda dedução,ou seja, o acto de passardum facto,crençaou juizo sobrequalquermatéríaquecontribuapara ajuizardasdificuldadesdo necessitado,para o julgamentoulterior destas,é um elementoimportantepara um diagnósticocorrecto. Os riscosa que pode expor-seo serviçosocialdos casosindivi- duais e a sua relaçãocom pensamentose hipótesesque surjam são discutidoslargamentenumdos próximosCapítulos(30). 4.o-Realidades.-Confundem-se muitasvezesas palavras realidadee prova; a realidadeé o últimofactoou reuniãode factosque formam a baseda dedução; a deduçãoé um pro- cessode raciocínioque leva a passarde factosconhecidospara outrosque se desconhecem,ao passoque a prova é o resultado do raciocínio. No diagnósticosocialas espéciesde realidadeaproveitável, provindoem larga escalada intervençãode testemunhas,nunca virão a mostrarum valor igual ao dos factosutilizadosnasciên- cias exactas.O maisquenos é possívelé obterprovasqueequi- valham a uma certezalógica. O tratam~ntosocial ainda falha maisem precisãodo que o tratamentodasdoenças,do qual diz o DI'. Meltzer que cada um deles é uma experiência.Sucede isso tambémno tratamentosocial,porqueo trabalhosocialainda não conseguiureunirmaisdo que um númerolimitadode expe- riências,em parteporqueo tratamentosocialexige,paraserbem sucedido,uma compreensãodo estudodo carácterpara o qual ainda não existeum conjuntosatisfatóriode dadose, por maioria de razões,porque p~raa trabalhadorasocial os factosde inte- resseparao diagnósticoe tratamentosãotãonumerososquedifícil serádeterminara alteraçãoprovenienteda deficiênciadumdeles. Pode-seobstar,contudo,emparte,a esteinconveniente,tentando distinguirqual a importânciado erro maiscaracterísticode cada tipode realidadeque se apurena investigação. (29)New-YorkEveningPostode19deAgostode1911. (30) Ver o Capov, sobreDeduções. 31 DIAGNÓSTICO SOCIAL ,,- TIPOSDE REALIDADES '0 direitoestabelececertasdistinçõesque nos prestamSér- viçosnestamatéria,emborasemlhesatribuirgrandevalor. A realidadena lei é empregadapara determinara exis- tênciadum facto que se discute;no trabalhosocial o problema é muitomaiscomplexo.Contudo,desdeque o serviçosocialdos casos individuaisparticipa,como os tribunais,dos riscose van- tagens que provêm da intervençãode testemunhas,convém lembrarmo-nossempredas classificaçõeslegais dos factosapu- rados(31). As realidadesadmitidasnos tribunaispodemser divididas em objectivas,testemunhaise circunstanciais..As outrasclassi- ficaçõesexistentesnão são de aplicaçãogeral,referindo-seantes a perigos ou insuficiênciasespeciaisdas realidadesoferecidas ao tribunale procurando-seentãouma regraque possaou não dar-lhesgarantia.Aquelastrêsespéciesdiferemsegundoa directriz das deduçõesque fizermosa respeitodelas;assimnasobjectivas não é precisofazerdeduções,nas testemunhaisé umaafirmação humanaa baseda dedução,nascircunstanciaisa baseda dedu- ção poderá ser qualquer,mas nunca uma afirmaçãohumana. Pode estadistinçãoparecerpouco clara masas explicaçõesque seseguemesclarecê-Ia-ão. . 1.°-Realidades objectivas.-Nestaespécieo factoé apre- sentadoaos nossossentidos.O exemploclássicodela na lei é o do alfaiatee do freguêsque não estãode acordo sobre se o casacoestáou não bemfeito. O alfaiatevai para o tribunal,o freguêsvesteo casacona audiênciae o juiz vê, ele próprio, se o casaco lhe serve ou não (32).As realidadesobjectivaspodem tornar-senuma base de deduçãoe habitualmenteassimsucede.Vê-se, por exemplo, que a pessoatem tal altura,tal conformaçãoe tal conjuntode feições.São realidadesobjectivasque se fazemdessamaneirae das quais podemoslogo deduzir que tal indivíduo tem deter- minadaidade(33). Nos casos sociais as realidades'objectivassão um dos termosque se obtêmlogo na primeiraobservação.A aparência da casadum necessitadoé manifestamenteumarealidadeobjec- tiva em relaçãoàs condiçõesem que ele vive; a comidaque (31)A autoraagradecereconhecidamenteao Prof. J. H. Wigmore, decanoda FaculdadedeDireitodaUniversidadedo t'\oroeste,pelasstlassuges- .tõese criticaa estapartedoCapitulo. (32) Tratadopreliminardasrealidades,deThayer,p. 263. (33) Veja-seJ. H. Wigmore:Tratadodosistemadasrealidadesnosjul- gamentospelasleiscomuns-vol.11,Séc.1150,Boston.-LiUleBrownfJCoo1~O4. 32 -- DEFINIÇÕES QUE INTERESSAM À INVESTIGAÇÃO , está na mesaé uma realidadeobjectivade que a famíliatem que comer e assimpor diante.Quando porém.a trabalhadora social, após qualquer verificaçãoa relata a outrem,aos seus chefes,por exemplo,isto que paraela é umarealidadeobjectiva é para esseschefesuma realidadetestemunhalporque eles a recebematravésdo depoimentoda trabalhadora. 2.o-Realidade testemunhal.-É uma afirmaçãodumapes- soa. Há, para a trabalhadorado serviço-socialdos casosindivi- duais uma importantedistinçãoa fazer,entrea realidadeteste- munhalfornecidapor quemcontaum factoque viu ou ouviue a daqueleque apenaso afirmaporqueoutroslho contaram.Esta últimarealidadeé a dosque contamsejao quefor por «ouviremdizer» ou «diz-se».Quando uma afirmaçãopassade boca em boca é muitofácil que tal aconteça,espalhando-seum erro. No tribunalfaz-se logo a pergunta:- V. viu ou ouviu o que se passou?E se a testemunharesponde:Não; foi a Sr.aJones quem mo disse,o juiz ordena imediatamente:- Vão buscara Sr.a Jones, para ela nos dizer o que viu, e assimvão fazendo os juízos sucessivosatése encontrarquemrealmentetenhavisto directamente. A trabalhadora&ociale o historiadornão podemdispen- sar uma noção que venha do «diz-se»,como fazemos tribu- nais; mas devemser entãomuitocautelosose, sempreque seja possível,fazeremtodas as tentativaspara encontrarquemreal- mentetenha visto ou ouvido directamente.Poucas coisas dão mais força ao diagnósticosocial como o hábito de descobrir nas conversascom testemunhaso valor das suas afirmaçõese apreciaçãodas observaçõesou dos boatos que ouvem. «Um acontecimentoé contado por três cronistas,diz Langlois, mas estastrêsnarrações,que concordamtão admiràvelmente,são na realidadeapenasuma, se se verificarque dois delescopiaram do terceiroou que os três foram todos beber a uma única e mesmafonte»(34). Os exemplosseguintesde risco do «diz-se»sãotiradosdo estudoque fizemosde fichasde casossociais: 11 -L H. Levin, das CaridadesJudias Federadasde Baltimoreconta-nos o tratamentodumcasoemque foi necessárioconsultarumnegociantesobreum antigo empregado.O negocianterespondeuque o seu gerentedizia que o homemera negligente,lento e pouco sériono seutrabalho.Felizmentefoi pro- curado o gerentee informouque a sua opinião se firmavaapenasem que o homem vinha tarde para o trabalhoe saia o mais cedo que podia, acrescen- tando que ele dizia fazer isso por ter de tomarcontada suacasa.A trabalha- dora social verificou que a sua mulher era doente,não podendo por isso cuidar dos filhos, pelo que tinha de ser ele a servi-Iaa ela e aos pequenos. (Nem o negociantenem o gerentequeriamfaltar à verdade).A informaçãodo gerente,fundadanasprimeirasimpressões,mostravaclaramenteo factoe a dedu- (34) Introduçãoao estudoda História,p. 94. I It lfI' 3 33 ~ DIAGNÓSTICO SOCIAL ção a tirar dele, sendopor issofácil ajustá-Iaà averiguaçãoda realidadeobtida pela trabalhadorasocial. -Os pais duma criancinha que andava a ser tratadanum dispensário viviam em casa duma pessoaamiga. Uma enfermeiradum lactárioquevisitara os filhos dessapessoaamiga disse no dispensárioque esteseramsifilíticos,do que resultou a visitadorado dispensárioaconselhara separaçãode pratos, toalhas, etc., mas vendo depois as fichas dos pequenosda hospedeira,veri- ficouque lá não estavaescritoque sofressemde sífilismasde sarna. Ora a enfermeiratinha obtido a informaçãode haver sifilis dada pela própria mãedas crianças.Verifica-sepOis que por muitopróximoque a decla- rantevivessedas crianças,visto ser a sua própriamãe,não podia,numahipó- tesecomo esta,aceitar-sea informaçãodum leigo, mas sim a do médicoou a ficha por.ele assinada. -E levada, a altas horas da noite, pela polícia, uma raparigapara o hospital.A dona da casa onde ela vivia declaraà visitadorado serviçosocial do hospital, no dia seguinte,que a raparigatinha sido apanhadana rua pOI estarum tantobêbada,segundodisseo polícia. Na esquadra,o guardadeclarou que nunca vira a raparigae quea encontrouinconscientee que lhe não parecia embriagada.Dois médicosque a observaramdisseramque a rapariga tivera ataquescardíacos.A dona da casa foi a origem do boato da raparigatersido apanhadapela polícia, e o polícia a origemda informaçãoinicial referenteao que ele próprio observarana rape~iga.Os médicosforama primeirae única fonte de informaçãoquanto ao seu estado físico, que era o que interessava na hipótese. -Uma trabalhadorado serviço social dos casos individuais, conta o seguinteexemplorecentedo «diz-se»:Um vizinho da Sr.a B., disseque ela se desmazelavacom uma filhinha, pelo que tinha recebidoordemda escolapara lhe mandarcortar o cabelo, de onde a investigadoraconcluiu que a pequena tinha piolhos. Na escola,porém,informaramque tinhamaconselhadoo cortedo cabelopor causadumaerupçãoda pele. Noutra ocasiãoum cunhadoda mulher disseque a enfermeirada clínica tinha dito duma formapejorativaque estava farta da Sr.a B.. Ora o inquéritomostrouque estaenfermeiraestavaa tratar de internara criançanumpreventórioe não tinhaencontradoa Sr.aB. emcasa, emborarepetidasvezes lá tivesseido (a mulhersaía para o seutrabalho,o de lavar e engomarroupa) e disseraapenasque desistiade encontrar-secom ela. Quem referiu'estecaso,e quetemumaformaturaemdireito, entendeque há muitasfichas em que se notamcertasfaltasna verificaçãodo valor das provasque atingemo carácterde qual- quer necessitado,havendo mesmotendênciada partedalgumas trabalhadorasdo serviçosocial dos casosindividuaisem aceitar, sem mais indagação, qualquer testemunhodesfavorável,desde que ele dê uma explicaçãoe permitaclassificarmais ràpida- mentequalquercaso. Em sua opinião as regrasdo direito exigemque se pro- cure, nessescasos,apurar melhor as realidadades,o que seria uma salvaguarda.Além dissoas fichassociaisde que ela tivera notícianão mostravamque na apreciaçãodos dadosse tivessem procuradodiminuiros prejuízosque, indubitàvelmente,éxistiam. Prejuízosou ideiaspreconcebidasdas testemunhassão condições que exigem argúcia,como se verá na discussãodas realidades testemunhaisquese faz a seguir. 3.o-Realidades circunstanciais.-É o aceita-tudo,porque inclui tudo o que não provenhada directêlafirmaçãohumana, 34 f" DEFINIÇÕES QUE INTERESSAM .À. INVESTIGAÇÃO tomandopor directaafirmaçãoaquela que, se for verdadeira, dá o imediatofundamentoda conclusão,ao passo que se for indirectaa afirmaçãodará, se for verdadeira,apenasensejopara se ir procuraro fundamentoda conclusãoque se procure.Supo- nhamosque se está a indagaro fundamentode certohomem ter ou não afeição à família, questãode grande importância práticanas decisõesde algunscasos.Se a mulherdeclaraque o marido não cuida dela e dos filhos, ela está a fornecer uma realidade testemunhaldirecta. Pode estar enganada ou fantasiarde má fé, mas a declaraçãoapoiará imediatamentea conclusãoe o juízo dessaconclusãoapenasdependeráda com- petênciae tendênciado espíritoque a mulhertenhapara fazer tal declaração.Quando porémela cita circunstânciasde que se pode deduzir o modo de ser afectivodo homem,dizendoque ele lhe entrega,dumaféria de 22 dólares,apenas6; Cjuepassa metadedo tempolivre fora de casae que em casaestásempre irritado,quando lá aparece,etc.,taisdeclarações,queseriamum testemunhodirectoquanto aos seushábitos,constituem,quanto à indiferençapela família,um testemunhoindirecto.Este teste- munho indirecto terá de ser submetidoàs mesmasprovas de competênciae tendênciaqueo testemunhodirecto,porqueambos são afirmaçõesdum ser humano,com as deduçõesque se tiram do testemunhoindirectoe que serão aproveitadas,não para o facto em si, masparaoutroquedelepossaconcluir-se.Devemos então perguntar: Tomadosem conjunto,pode dessesdois teste- munhosdeduzir-seo facto? Dar pouco para a casa,viver fora dela muito tempoe andar irritado,mesmoque se prove serem factos verdadeiros,significameles realmenteo que a mulher julga? Há outrasexplicaçõesa procurar?Se as há, tema traba- lhadora do serviçosocial dos casos individuaisde procurá-Ias. Testemunhosindirectosvários, que se forem colhendo, ir-se-ão acumulando,e embora cada um deles seja fraco só por si, formarão,no conjunto,um todo de valor. A realidade circunstancialé caracteristicamenteum termoa juntar a outros e a confiançaque nela se possater varia com as condiçõesem relaçãocom a naturezamaterialdo facto,como,por exemplo, fios eléctricos,carvão, gás, drogas, utensíliosde cozinha, etc., ao passo que a confiançano testemunhodirectodependede certostraçoshumanospossuídosem graus diversospor todasas testemunhas,como as tendências,a honestidade,a atenção,a memória,a sugestibilidade,etc., relaçãoessaque serádiscutida no Capítuloimediato.Apesar da dificuldadede fazerdeduçõescorrectasa partir das realidadescircunstanciais,estaespéciede testemunhooferece a vantagemde não dependerdumapossívelflutuaçãodo carácter da testemunhae esse contrasteaprecia-sebem, por exemplo, quando pelo examedum golpeque uma criançatemnascostas pode indiscufivelmenteconcluir-seque a criança foi feridacom 35 I DIAGNÓSTICO SOCIAL um instrumentoe que o pai mentequando diz que ela caiu de uma escadaabaixo. A trabalhadorado serviçosocial dos casos individuaisteráde seguiros dois caminhos,da averiguaçãodas realidadestestemunhaisdirectase indirectas,mas no emprego destasúltimasterá que adaptaras provasobtidasa um número quaseinfinitode hipóteses. Ao lado destasvariedadesprincipaisda realidadehá outras de.menorimportânciaque precisamde ser conhecidaspela tra- balhadorasocial: 4.°- O testemunhooral.- Define-sepor si próprio;é aquele sobrequemelhorse basearáo diagnosticador social. 5.o-A realidadedocumental.-Podeserdeváriasespéciese vai desdedocumentospuramentelegaisa cartasformaisou a sim- ples comunicaçõesescritasde quaisquerparticulares.O emprego destaespéciede testemunhotemtantaimportânciaque será tra- tadono CapituloXIII,sobreFontesDocumentais. Basta aqui lembrar que é sempre perigosoconfiar na memóriade quem quer que tenha lido um documento,sendo indispensávellermo-lo nós próprios, como se aconselhaem direito. Se um inquilino diz: «O senhoriodespediu-me»,será bom exigir o documento,onde se lerá por exemplo: «Senão pagar a sua renda atéà proxima2.a-feira,tereide o despedir», o queé bemdiferente. 6.o-,A realidadepericial.-É uma espéciede prova teste- munhal e é empregadaquando há necessidadedum saber ou experiênciaespecialpara observare julgar, caso frequentena intervençãodo médico para decisõessociais.A única desvan- tagemque poderáter estetestemunhoé o da tendênciaque as própriasespecializaçõesfazemcriar, não tantona medicinacomo em outrasprofissões:Assim, um polícia é especialistano crime, sendo por isso vulgar, dadas as suas tendênciasprofissionais, ver crimesemtodaa parte. 7.o-A realidadedo carácternão precisade ser definida. - Desde que a trabalhadorasocial tentadescobriras possibili- dadesde melhorara situaçãodum necessitadopensará,natural- mente,em deduzirdo carácterdestee do da sua famíliaaquilo que possater interesseparase alcançaremos .benefíciosprevistos ou o quepossaimpedi-los. Há anos quando o tratamentosocial oscilavaentreo dar ou o negarcarvão e génerosde mercearia,considerava-seessa averiguaçãodos traços do carácterindispensávelnos tribunais para se obteruma decisãofavorávelou contrária.As preocupa- çõesda trabalhadorasocial,taiscomoas do advogado,nãoeram então atendidas.Desde que a opinião da trabalhadorasocial 36 DEFINIÇÕES QUE INTERESSAM À INVESTIGAÇÃO apenas assentassenos elementosreferentesao caráctere neles firmasseuma decisão contra um pedido de auxílio, tratava-se duma presunçãoe ela não poderia ser aproveitadacontra a pessoaque precisavadesseauxilio; seria então precisoque se fizesseaveriguaçãosobrea justiçaou não dessapresunção. Há ainda instituiçõespúblicase particularesque mantêm esseponto de vista; mas a trabalhadorasocial estudaa perso- nalidade,não para ver se há punição ou compensaçãoa dar (como,por exemplo,o internamentonumasiloou qualqueroutro auxílio) mas para determinarse os elementosdo caráctercon- tribuirão para facilitar ou dificultaro plano de reconstrução social que se temem vista.A maleabilidadedo métodode tra- balho a adoptar para tratamentode qualquercaso influi mais do queo estudodoscaracterespessoais. Tendo a escolhado métodosido sensatae não havendo presunçãomais forte para um diagnósticodo que para outro, não poderá exigir, nesta hipótese,a trabalhadorado serviço social dos casos individuais,tal como o médico,muitasprovas, mas para se defenderde juizos enganadoresem que possacair, deveráprocurarprovas,mesmoas fornecidaspelosque depuse- ram desfavoràvelmenteacercado necessitadoemquestão. A relativaimportânciadas variedadesindicadasneiteCapi- tulo é, a muitos títulos,maior para o cientista,o historiador ou o advogado do que para a trabalhadorasocial. Esta terá de aprendercom o advogado os riscos a que a expõemos vários tipos de realidadespara o devido apuramento,e com o historiadora vantagemdum rigoroso conhecimentodas fontes de informaçãoe da confiançaque elas devemmerecer.Com o médicoe com o psicólogotemela muitomaisaindaque apren- der do que com o advogadoou o historiador,porquantoa ciência,muitomaisprovàvelmentedo que o direitoou a história, projectamimensaluz sobreas necessidadessociaise a formade as remediar. RESUMO DO CAPíTULO lU 1.0-0 diagnósticosocial é a tentativapara conseguir definir o mais. exactamentepossívela situaçãosociale a personalidadedumcertonecessitado. A colheita dos dados de investigaçãoou das realidades,constituio elemento inicial do diagnóstico,fazendo-sea seguiro examecríticoe a comparaçãodas realidadesapuradas,e por fim a sua interpretação,definindo as dificuldades sociais existentes.Para usar uma só palavraque compreendatodos os tempos dessa operaçãoé preferívelo termodiagnósticoao termoinvestigação,ainda que o diagnósticoseja,na realidade,o que sefaz emúltimolugar. 2.0-A ideia de .diagnósticosocial» inclui a de esteterde sefazernum tempolimitado(podendocontudoser revistoem qualquerocasião)e a de que tememvistasempreumaacçãobeneficente. 3.0- A palavrafacto não é aqui limitadaao que é tangível.Os pensa- mentose acontecimentostambémsão factos.A questãode umacoisaserou não um facto estáantesem se determinarse podeou não serafirmadacomcerteza. 37 DiAGNÓSTICO SOCiAL A colheitados factospode ser dificultadapor defeitode observação,por falha na compilaçãoou por umaconfusãoentreos própriosfactose as deduçõesque delesse fizeram. 4.o-A realidadeobjectivaé aquelaquese apresentaaos nossossentidos. A testemunhalé a que se obtémde afirmaçõesde sereshumanos;a circuns- tancial é a que aceita-tudo,engloba tudo o que não proveio de afirmações directasdos sereshumanose, sendoverdadeira,estabelecebaseparadeduções. 5.0- Estastrês espéciesde realidades,que sãode aplicaçãogeral,podem distinguir-sepelo sentidodas deduçõesque delasse possamfazer;na realidade objectivanão há deduçãoalgumaa fazer; na testemunhala baseda dedução é uma asserçãohumana; na circunstancial pode ser qualquer a base da dedução. 6.0-Na realidadecircunstancialhá que distinguircuidadosamenteentre quem viu ou ouviu o facto supostoe quem afirmao que outroslhe disseram. Este últimocaso é a realidadedo diz-se e deveserponderadocuidadosamente para o que será precisauma experiênciasegura para lidar com testemunhas, a fim de descobrir em toda a extensãopossível o fundamentopessoaldas asserçõesque elas fizerame a parteem que utilizaramafirmaçõesdos outros ou simplesboatos. 7.0- Há ainda a considerar uma diferençaimportanteentrerealidade directae indirecta.A realidadecircunstancialé sempreindirectae, caracteriza- damentecumulativa.Na realidade directa as provas únicas a obterquanto à confiança que mereçamsão aplicadas aos elementosque definemo carácter humano,como a honestidade,as tendências,a atenção,a memóría,a sugesti- bilidade,etc. 38
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