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Diagnóstico social - Mary E. Richmond, trad. de José Alberto de Faria

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éAPÍTULO II i
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DEFINIÇÕES QUE INTERESSAM
À INVESTIGAÇÃO.t,
Aprimeiraconversaa ter com um necessitado,os primeiroscontactoscom a famíliacom quemelevive,asindagações
juntodos vizinhosque podemdar informaçõessegurasou
colaborar,o examede documentosquetenhamimportânciapara
a investigação,a relacionaçãofinal doselementosdispersos,todos
estesprocessosusadospelo serviçosocial dos casosindividuais
são passoscom os quais esperamosalcançarum resultadoútil.
Conduzem-nospor meio dum diagnósticosocial à elaboração
dum plano de tratamentoe sobrea correlaçãoentreo diagnós-
tico e o tratamentonuncaé demaisinsistir.Antes de voltarmos
a tratar dessa correlaçãona prática actual do serviço social,
julgamosvantajoso,mesmocorrenâoo risco de nos repetirmos,
prepararmosacessoà sua maisconcretamaterialização,estabele-
cendoumasdefiniçõesformais.
I-C~RTOS TERMOS USADOS FREQUENTEMENTE
.~
1.°- Diagnóstico.-O uso da palavradiagnósticonão se
aplicaapenasemmedicina:emzoologiae botânica,porexemplo,
significaumadefinição,breve,precisae oportuna.Comodiagnós-
tico socialela exprimequese procuraobterum conhecimento(2:-»)
tanto quanto possívelexactoda situaçãosociale personalidade
dumcertonecessitado.A investigaçãoou colheitadosdadosreais
é o primeirotempodo trabalho,seguindo-se-Iheo examecrítico,
a comparaçãodas realidadesaveriquadase por fim a interpreta-
ção e esclarecimentoda dificuldadesocial.Na práticacomum,as
trabalhadorassociaisdoscasosindividuaischamam«inquérito»a
todasestasoperações.mascomohabitualmentecometema faltade
se preocuparemmuitomaiscom a colheitados dadosdo quecom
. a .sua interpretaçãoe comparação,há conveniênciaeducativaem
usar no conjuntodo processoum termoque maisespecialmente
(
(25) Ver a maisampladiscussãono CapítuloXVIIIsobreComparação
e Interpretação.
27
DIAGNÓSTICO SOCIAL
designea sua finalidade.O inquéritoé indispensávelpara o
diagnóstico;entrano laboriosoe hábil apuramentoda verdade,
que se chama,com razão,pesquisasociale faz parteimportante
de muitasaveriguaçõessobre condiçõessociaisque, não sendo
tão profundamentedirigidascomo a pesquisa,podemdenomi-
nar-se investigaçõessociais.
Emborao termoinvestigaçãosejausadoemtodasas formas
de inquéritosocial,alugar que ele preenchena operaçãodo
diagnósticosocialé, emboranecessário,secundário.Outra van-
tagem da adopção do termo diagnósticoestá em que o seu
uso na medicinaimplicatambém,de certamaneira,a ideia do
momentoemque elese faz e os efeitosque se pretendem.Se não
há dúvida de que um diagnósticopodee deveserrevistoa todo
o tempo,a verdadeé que se liga a essetermoa noção dum
tempolimitadopara uma acção benéficaa exercercom brevi-
dade e essascaracteristicascorrespondeminteiramenteàs que
tambémse procuramcom o diagnósticoutilizado no traba-
lho social. .
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2.0- Testemunhas.-Sempreque se não tratede documen-
tos, as informaçõescolhidas no trabalhosocial são obtidaspor
meiode testemunhas.Estasnão são verdadeiramenteobservadores
experimentados,devendo-noslembrarde que o termoobservador
é usado nas ciências naturaise o de testemunhapertenceà
linguagemdos Tribunais.O observadoré um indivíduoqueteve
preparaçãopara observaros factosno sentidode contribuirpara
a negaçãoou confirmaçãoduma hipótese;a testemunhaconta
o que viu ou ouviu incidentalmentena suavidadiária.O obser-
vador segue um métodojá estabelecidoexperimentalmentee
duma maneíraimpessoal,ao passoque a testemunhanão segue
qualquermétodo,mas as suas tendêncíaspessoaise é exacta,
maisou menos,conformeas suasqualidadesinatasdeobservação
e de memória.Raramenteuma testemunharevelaos predicados
dum observadorjá feito,no sentidocientifico(26).
Os registosdos casos exigempor vezesque se aceitem
tambémos de referências,tomandoestapalavracomoexprimindo
aquelesque invocamo testemunhode outraspessoas.O fraco
significadodestetermocorrespondeao pouco valor das provas
de confiança,quaseequivalendoaos ..fiadores..das primeirasleis
judiciais inglesasquando quaseapenasa prova admitidaera a
das testemunhas,que juravampela culpa ou pela inocênciados
réus. As trabalhadorassociais ficam algumasvezes satisfeitas
com testemunhosassimfracos,tal comocom a sobriedadee dili-
gências dum só indivíduo, como se com essasreferênciasse
pudesseobter luz que guiasseo caminhodas dificuldadesreais
.,
'"
(26) Ver o Capítulo 11sobreNaturezae utilizaçãodas realidadessociais.
2.8
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DEFINiÇÕES QUE INTERESSAM .À. INVESTIGAÇÃO
t-
I
)
e dos meiosde as extinguir.Por exemplo,um padreque indica
a necessidadede certafamíliaser auxiliadafundadoapenasna
observaçãode que conheceo homem há tempose podeabo-
ná-Ia, em vez de conhecerfactosda vida dele que elucidassem
seguramentesobre um plano eficaz de actuaçãoa favor da
familia.A primeiradificuldadedo trabalhosocialestásempreem
conseguir conhecer factos suficientementeabundantese apro-
priados.
(" 3.0-Factos.- Que significado devemosatribuir nós ao
termofacto?
Não deveo significadolimitar-seàs coisas,visíveisou tan-
gíveiscomofeznotarJamesBradleyThayer(27).Os pensamentos
e acontecimentossão tambémfactos.
A questãode saberse uma coisa é ou não um factoestá
na realidadeem apurar se pode ou Rão afirmar-sea certeza
dela. As trabalhadorassociais,mesmo,não podemconsiderar-se
ofendidasquando a si própriasperguntemse podemgarantiras
afirmaçõesque fazem.Quando apenasse colheuuma ôu maís
informações,semgrandevaloré frequenteverna ficha dumcaso
social a nota «Fornecià secçãode inquéritotodosos dadosrefe-
rentesa estecaso» ou «Pedirà Comissãoo seupareceremface
dos factosque estãona sua posse».Mostramtambémas fichas,
às vezes,que se mandaramcartaspara outrosEstadosda Amé-
rica ou para outros paísessolicitandoacção a . respeitoduma
família e apresentando"OSseguintesfactos»,quando taisfactos
não passamde declaraçõesnão verificadas, de misturacomopi-
niõese conjecturasde quemescrevea carta,como por exemplo
a que se vai ler:
«Uma instituiçãode serviçosocial dos casosindividuaisforneceua uma
doutro Estadoa seguinteresposta:- «A associaçãode beneficênciaaqui de X,
conhece a família de y, desde Janeiro de 1910; consultamos.asua ficha e
ficamos cientesdas duas referênciasapontadasna sua carta. Há um ano a
Associação pediu referênciassobreY em oficinase todos os patrõesdisseram
mal dele. Diziam que era um individuo leviano,bebendomuito, trabalhando
ma], mentirosoe reputadocomo ladrão. Ouvimos dizer que essehomemtem
usado de vários nomes,por diversasocasiões.Supomosque a esposadeletem
muito melhoresqualidadesque o maridomasa talrespeitoapenastemosinfor-
maçõesde pessoasamigas.
Os «factos»nestecaso consistiamema Associação,embor9.conhecendo
a famíliadesde 1910,não terconhecidoo seuparadeiroseguidamentee apenas
quando em duas ocasiõesselhe tinha solicitadoajuda para ela.Os patrõesque
diziam ma] dele era afinal um só patrãocom quem ele trabalharaapenasum
ano e de quem se despediuvoluntàriamente.Essepatrão,único, dizia que ele
era leviano. A infolmaçãode que bebiamuitoproveioda donadumahospeda-
ria e não dum patrãoe a acusaçãode roubo ,do irmãodesta,consistindoesse
roubo no dumfatoque ele lhe emprestarae queo homemusou quandodeixou
a casa destesparentes,ficando a dever o dinheiro da hospedagem.Y tinha
("7) Tratado preliminarsobretis rea/iJades,p. 191.
29
DIAGNÓSTICO SOCIÀL
usado durantealgum tempoo últimoapelidode seupadrastomasnão se tinha
averiguadoa razãoqueele alegavaparaterfeitoisso.Estaúltimadeclaraçãode
restonão passavadumasimplesopinião.'
A impressãogeral deixadapor estacarla, emboraaproxi-
mando-seda verdade,é de que,vistoas informações,cada uma
por si, não poderemserafirmadascom certeza,a insliluiçãopara
onde elas forammandadasnão podia basearnelasum planode
tratamentoque atacassea causada perturbaçãoverificada.
Cada conjuntode conhecimentose actividadesorganizados
tem de caminharno sentidodas circunstânciasque interessam
ao obje!:tivoem vista. Vejamos um exenlPlode ordem geral:Um anuncianteescrevendono Printer's Ink diz que «muitos
anúncioscontêmtrechosinúteis,cada um dos quais representa
um facto desconhecidopor quem o copiou, suprindo a sua
ignorânciacom palavrasescolhidas».Estamesmaopinião pode-
ria haver a respeitode muitasfichasde casossociaise princi-
palmenteas elaboradashá mais de dez anos. A reunião de
dados em qualquercampo é dificultadaem primeirolugar por
colheita defeituosaou por observaçãodeficienteda parte das
pessoasque fornecemelementos;em segundolugar, por via da
confusão entre os factos e as deduçõesque deles tiraramas
testemunhasou as própriastrabalhadorassociais.
A confusãoentre o facto e as deduções,mesmoquando
os factosforamexactamenteobservados,foi assimexemplificada
pelo Dr. S. J. Meltzer:
Um médico deu..., por exemplo,5 grãos de fenacetinaa um doente
com uma pneumonia,tendo 1050F. de temperaturano 7.0 dia da doença.
A temperaturacaiu e o doentecurou-se.Um médicosemsensocríticopoderia
assentarnas suas notasque a fenacetinatinhacuradoo doente.Isto porémnão
era um facto masumadeduçãoe. .. errada;a cura proveioda criseda doença
que coincidiu com o uso da fenacetinae, possivelmente,o desaparecimentoda
febre deu-se por efeito da crise. O que o médico verificouforamos 3 factos
seguintes:
. 1.0"':'0doentetomoua fenacetinaque ele prescreveu;2.0-a queda da
febree 3.0a curado doente.A ligaçãodesses3 factos... foi umfactodiferente
daquelesa queele tinhaassistidorealmente.
Um políticoamericanoque estavajustificandoumalei com
a asserçãode que ela assentavaem factos,foi criticadonum
artigo de fundo do «New-York EveningPost»,destamaneira:
«Julga-se por vezesque determinaros factos e actuarsobre eles é a
coisa mais fácil do mundo.Podemos princípiossernebulosose não apreender-
mosas ideias,mas quando se têm inúmerosfactosdiantedos olhoscomoé que
nos poderemosenganar?Todo aqueleque se.concentrapara pensar,sabeque
julgar factosé uma das mais delicadasoperaçõesdo espíritohumano. Há em
primeirolugar;a grandedificuldadede apurarse os factossão realmenteos que
osIoutrosnos contam.Depoissurgeo árduodeverde evitaro «raciocinioinstin-
tivo» pelo qual o factoapareceà vistacomo os olhos gostamde o ver. E por
30
DEFINiÇÕES QUE INTERESSAM À INVESTIGAÇÃO
fim restaainda decidir qual a conclusãocorrectaa tirar dos factos,desdeque
eles estejamclaramenteestabelecidos.Dizer em defesaduma condutadiscutida
«Eu lidei com factos>não constituidefesa alguma a não ser que se possa
demonstrarque se obtiveramos factosde maneiraperfeitae que se tratoucom
elesda formamaisprópria>(29).
1.
J
T
Por isso no limiardas nossasconsideraçõessobreas reali-
dades sociais temoso deverde procurargarantira segurança
dos factosrespeitantesà situaçãodo necessitado.Uma realidade
que mereçaconfiançasuficienteem extensãoe eficáciaé o pri-
meirorequisitopara conseguirum diagnósticoe o segundoterá
de ser o claro racioc.ínioaplicadonas deduçõesque ajudarãoo
nossointento.
O empregoda dedução,ou seja, o acto de passardum
facto,crençaou juizo sobrequalquermatéríaquecontribuapara
ajuizardasdificuldadesdo necessitado,para o julgamentoulterior
destas,é um elementoimportantepara um diagnósticocorrecto.
Os riscosa que pode expor-seo serviçosocialdos casosindivi-
duais e a sua relaçãocom pensamentose hipótesesque surjam
são discutidoslargamentenumdos próximosCapítulos(30).
4.o-Realidades.-Confundem-se muitasvezesas palavras
realidadee prova; a realidadeé o últimofactoou reuniãode
factosque formam a baseda dedução; a deduçãoé um pro-
cessode raciocínioque leva a passarde factosconhecidospara
outrosque se desconhecem,ao passoque a prova é o resultado
do raciocínio.
No diagnósticosocialas espéciesde realidadeaproveitável,
provindoem larga escalada intervençãode testemunhas,nunca
virão a mostrarum valor igual ao dos factosutilizadosnasciên-
cias exactas.O maisquenos é possívelé obterprovasqueequi-
valham a uma certezalógica. O tratam~ntosocial ainda falha
maisem precisãodo que o tratamentodasdoenças,do qual diz
o DI'. Meltzer que cada um deles é uma experiência.Sucede
isso tambémno tratamentosocial,porqueo trabalhosocialainda
não conseguiureunirmaisdo que um númerolimitadode expe-
riências,em parteporqueo tratamentosocialexige,paraserbem
sucedido,uma compreensãodo estudodo carácterpara o qual
ainda não existeum conjuntosatisfatóriode dadose, por maioria
de razões,porque p~raa trabalhadorasocial os factosde inte-
resseparao diagnósticoe tratamentosãotãonumerososquedifícil
serádeterminara alteraçãoprovenienteda deficiênciadumdeles.
Pode-seobstar,contudo,emparte,a esteinconveniente,tentando
distinguirqual a importânciado erro maiscaracterísticode cada
tipode realidadeque se apurena investigação.
(29)New-YorkEveningPostode19deAgostode1911.
(30) Ver o Capov, sobreDeduções.
31
DIAGNÓSTICO SOCIAL
,,- TIPOSDE REALIDADES
'0 direitoestabelececertasdistinçõesque nos prestamSér-
viçosnestamatéria,emborasemlhesatribuirgrandevalor.
A realidadena lei é empregadapara determinara exis-
tênciadum facto que se discute;no trabalhosocial o problema
é muitomaiscomplexo.Contudo,desdeque o serviçosocialdos
casos individuaisparticipa,como os tribunais,dos riscose van-
tagens que provêm da intervençãode testemunhas,convém
lembrarmo-nossempredas classificaçõeslegais dos factosapu-
rados(31).
As realidadesadmitidasnos tribunaispodemser divididas
em objectivas,testemunhaise circunstanciais..As outrasclassi-
ficaçõesexistentesnão são de aplicaçãogeral,referindo-seantes
a perigos ou insuficiênciasespeciaisdas realidadesoferecidas
ao tribunale procurando-seentãouma regraque possaou não
dar-lhesgarantia.Aquelastrêsespéciesdiferemsegundoa directriz
das deduçõesque fizermosa respeitodelas;assimnasobjectivas
não é precisofazerdeduções,nas testemunhaisé umaafirmação
humanaa baseda dedução,nascircunstanciaisa baseda dedu-
ção poderá ser qualquer,mas nunca uma afirmaçãohumana.
Pode estadistinçãoparecerpouco clara masas explicaçõesque
seseguemesclarecê-Ia-ão. .
1.°-Realidades objectivas.-Nestaespécieo factoé apre-
sentadoaos nossossentidos.O exemploclássicodela na lei é o
do alfaiatee do freguêsque não estãode acordo sobre se o
casacoestáou não bemfeito.
O alfaiatevai para o tribunal,o freguêsvesteo casacona
audiênciae o juiz vê, ele próprio, se o casaco lhe serve ou
não (32).As realidadesobjectivaspodem tornar-senuma base
de deduçãoe habitualmenteassimsucede.Vê-se, por exemplo,
que a pessoatem tal altura,tal conformaçãoe tal conjuntode
feições.São realidadesobjectivasque se fazemdessamaneirae
das quais podemoslogo deduzir que tal indivíduo tem deter-
minadaidade(33).
Nos casos sociais as realidades'objectivassão um dos
termosque se obtêmlogo na primeiraobservação.A aparência
da casadum necessitadoé manifestamenteumarealidadeobjec-
tiva em relaçãoàs condiçõesem que ele vive; a comidaque
(31)A autoraagradecereconhecidamenteao Prof. J. H. Wigmore,
decanoda FaculdadedeDireitodaUniversidadedo t'\oroeste,pelasstlassuges-
.tõese criticaa estapartedoCapitulo.
(32) Tratadopreliminardasrealidades,deThayer,p. 263.
(33) Veja-seJ. H. Wigmore:Tratadodosistemadasrealidadesnosjul-
gamentospelasleiscomuns-vol.11,Séc.1150,Boston.-LiUleBrownfJCoo1~O4.
32
--
DEFINIÇÕES QUE INTERESSAM À INVESTIGAÇÃO
, está na mesaé uma realidadeobjectivade que a famíliatem
que comer e assimpor diante.Quando porém.a trabalhadora
social, após qualquer verificaçãoa relata a outrem,aos seus
chefes,por exemplo,isto que paraela é umarealidadeobjectiva
é para esseschefesuma realidadetestemunhalporque eles a
recebematravésdo depoimentoda trabalhadora.
2.o-Realidade testemunhal.-É uma afirmaçãodumapes-
soa. Há, para a trabalhadorado serviço-socialdos casosindivi-
duais uma importantedistinçãoa fazer,entrea realidadeteste-
munhalfornecidapor quemcontaum factoque viu ou ouviue a
daqueleque apenaso afirmaporqueoutroslho contaram.Esta
últimarealidadeé a dosque contamsejao quefor por «ouviremdizer» ou «diz-se».Quando uma afirmaçãopassade boca em
boca é muitofácil que tal aconteça,espalhando-seum erro.
No tribunalfaz-se logo a pergunta:- V. viu ou ouviu o
que se passou?E se a testemunharesponde:Não; foi a Sr.aJones
quem mo disse,o juiz ordena imediatamente:- Vão buscara
Sr.a Jones, para ela nos dizer o que viu, e assimvão fazendo
os juízos sucessivosatése encontrarquemrealmentetenhavisto
directamente.
A trabalhadora&ociale o historiadornão podemdispen-
sar uma noção que venha do «diz-se»,como fazemos tribu-
nais; mas devemser entãomuitocautelosose, sempreque seja
possível,fazeremtodas as tentativaspara encontrarquemreal-
mentetenha visto ou ouvido directamente.Poucas coisas dão
mais força ao diagnósticosocial como o hábito de descobrir
nas conversascom testemunhaso valor das suas afirmaçõese
apreciaçãodas observaçõesou dos boatos que ouvem. «Um
acontecimentoé contado por três cronistas,diz Langlois, mas
estastrêsnarrações,que concordamtão admiràvelmente,são na
realidadeapenasuma, se se verificarque dois delescopiaram
do terceiroou que os três foram todos beber a uma única e
mesmafonte»(34).
Os exemplosseguintesde risco do «diz-se»sãotiradosdo
estudoque fizemosde fichasde casossociais:
11
-L H. Levin, das CaridadesJudias Federadasde Baltimoreconta-nos
o tratamentodumcasoemque foi necessárioconsultarumnegociantesobreum
antigo empregado.O negocianterespondeuque o seu gerentedizia que o
homemera negligente,lento e pouco sériono seutrabalho.Felizmentefoi pro-
curado o gerentee informouque a sua opinião se firmavaapenasem que o
homem vinha tarde para o trabalhoe saia o mais cedo que podia, acrescen-
tando que ele dizia fazer isso por ter de tomarcontada suacasa.A trabalha-
dora social verificou que a sua mulher era doente,não podendo por isso
cuidar dos filhos, pelo que tinha de ser ele a servi-Iaa ela e aos pequenos.
(Nem o negociantenem o gerentequeriamfaltar à verdade).A informaçãodo
gerente,fundadanasprimeirasimpressões,mostravaclaramenteo factoe a dedu-
(34) Introduçãoao estudoda História,p. 94.
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It
lfI'
3 33
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DIAGNÓSTICO SOCIAL
ção a tirar dele, sendopor issofácil ajustá-Iaà averiguaçãoda realidadeobtida
pela trabalhadorasocial.
-Os pais duma criancinha que andava a ser tratadanum dispensário
viviam em casa duma pessoaamiga. Uma enfermeiradum lactárioquevisitara
os filhos dessapessoaamiga disse no dispensárioque esteseramsifilíticos,do
que resultou a visitadorado dispensárioaconselhara separaçãode pratos,
toalhas, etc., mas vendo depois as fichas dos pequenosda hospedeira,veri-
ficouque lá não estavaescritoque sofressemde sífilismasde sarna.
Ora a enfermeiratinha obtido a informaçãode haver sifilis dada pela
própria mãedas crianças.Verifica-sepOis que por muitopróximoque a decla-
rantevivessedas crianças,visto ser a sua própriamãe,não podia,numahipó-
tesecomo esta,aceitar-sea informaçãodum leigo, mas sim a do médicoou a
ficha por.ele assinada.
-E levada, a altas horas da noite, pela polícia, uma raparigapara o
hospital.A dona da casa onde ela vivia declaraà visitadorado serviçosocial
do hospital, no dia seguinte,que a raparigatinha sido apanhadana rua pOI
estarum tantobêbada,segundodisseo polícia. Na esquadra,o guardadeclarou
que nunca vira a raparigae quea encontrouinconscientee que lhe não parecia
embriagada.Dois médicosque a observaramdisseramque a rapariga tivera
ataquescardíacos.A dona da casa foi a origem do boato da raparigatersido
apanhadapela polícia, e o polícia a origemda informaçãoinicial referenteao
que ele próprio observarana rape~iga.Os médicosforama primeirae única
fonte de informaçãoquanto ao seu estado físico, que era o que interessava
na hipótese.
-Uma trabalhadorado serviço social dos casos individuais, conta o
seguinteexemplorecentedo «diz-se»:Um vizinho da Sr.a B., disseque ela se
desmazelavacom uma filhinha, pelo que tinha recebidoordemda escolapara
lhe mandarcortar o cabelo, de onde a investigadoraconcluiu que a pequena
tinha piolhos. Na escola,porém,informaramque tinhamaconselhadoo cortedo
cabelopor causadumaerupçãoda pele. Noutra ocasiãoum cunhadoda mulher
disseque a enfermeirada clínica tinha dito duma formapejorativaque estava
farta da Sr.a B.. Ora o inquéritomostrouque estaenfermeiraestavaa tratar
de internara criançanumpreventórioe não tinhaencontradoa Sr.aB. emcasa,
emborarepetidasvezes lá tivesseido (a mulhersaía para o seutrabalho,o de
lavar e engomarroupa) e disseraapenasque desistiade encontrar-secom ela.
Quem referiu'estecaso,e quetemumaformaturaemdireito,
entendeque há muitasfichas em que se notamcertasfaltasna
verificaçãodo valor das provasque atingemo carácterde qual-
quer necessitado,havendo mesmotendênciada partedalgumas
trabalhadorasdo serviçosocial dos casosindividuaisem aceitar,
sem mais indagação, qualquer testemunhodesfavorável,desde
que ele dê uma explicaçãoe permitaclassificarmais ràpida-
mentequalquercaso.
Em sua opinião as regrasdo direito exigemque se pro-
cure, nessescasos,apurar melhor as realidadades,o que seria
uma salvaguarda.Além dissoas fichassociaisde que ela tivera
notícianão mostravamque na apreciaçãodos dadosse tivessem
procuradodiminuiros prejuízosque, indubitàvelmente,éxistiam.
Prejuízosou ideiaspreconcebidasdas testemunhassão condições
que exigem argúcia,como se verá na discussãodas realidades
testemunhaisquese faz a seguir.
3.o-Realidades circunstanciais.-É o aceita-tudo,porque
inclui tudo o que não provenhada directêlafirmaçãohumana,
34
f"
DEFINIÇÕES QUE INTERESSAM .À. INVESTIGAÇÃO
tomandopor directaafirmaçãoaquela que, se for verdadeira,
dá o imediatofundamentoda conclusão,ao passo que se for
indirectaa afirmaçãodará, se for verdadeira,apenasensejopara
se ir procuraro fundamentoda conclusãoque se procure.Supo-
nhamosque se está a indagaro fundamentode certohomem
ter ou não afeição à família, questãode grande importância
práticanas decisõesde algunscasos.Se a mulherdeclaraque
o marido não cuida dela e dos filhos, ela está a fornecer
uma realidade testemunhaldirecta. Pode estar enganada ou
fantasiarde má fé, mas a declaraçãoapoiará imediatamentea
conclusãoe o juízo dessaconclusãoapenasdependeráda com-
petênciae tendênciado espíritoque a mulhertenhapara fazer
tal declaração.Quando porémela cita circunstânciasde que se
pode deduzir o modo de ser afectivodo homem,dizendoque
ele lhe entrega,dumaféria de 22 dólares,apenas6; Cjuepassa
metadedo tempolivre fora de casae que em casaestásempre
irritado,quando lá aparece,etc.,taisdeclarações,queseriamum
testemunhodirectoquanto aos seushábitos,constituem,quanto
à indiferençapela família,um testemunhoindirecto.Este teste-
munho indirecto terá de ser submetidoàs mesmasprovas de
competênciae tendênciaqueo testemunhodirecto,porqueambos
são afirmaçõesdum ser humano,com as deduçõesque se tiram
do testemunhoindirectoe que serão aproveitadas,não para o
facto em si, masparaoutroquedelepossaconcluir-se.Devemos
então perguntar: Tomadosem conjunto,pode dessesdois teste-
munhosdeduzir-seo facto? Dar pouco para a casa,viver fora
dela muito tempoe andar irritado,mesmoque se prove serem
factos verdadeiros,significameles realmenteo que a mulher
julga? Há outrasexplicaçõesa procurar?Se as há, tema traba-
lhadora do serviçosocial dos casos individuaisde procurá-Ias.
Testemunhosindirectosvários, que se forem colhendo,
ir-se-ão acumulando,e embora cada um deles seja fraco só
por si, formarão,no conjunto,um todo de valor. A realidade
circunstancialé caracteristicamenteum termoa juntar a outros
e a confiançaque nela se possater varia com as condiçõesem
relaçãocom a naturezamaterialdo facto,como,por exemplo,
fios eléctricos,carvão, gás, drogas, utensíliosde cozinha, etc.,
ao passo que a confiançano testemunhodirectodependede
certostraçoshumanospossuídosem graus diversospor todasas
testemunhas,como as tendências,a honestidade,a atenção,a
memória,a sugestibilidade,etc., relaçãoessaque serádiscutida
no Capítuloimediato.Apesar da dificuldadede fazerdeduçõescorrectasa partir
das realidadescircunstanciais,estaespéciede testemunhooferece
a vantagemde não dependerdumapossívelflutuaçãodo carácter
da testemunhae esse contrasteaprecia-sebem, por exemplo,
quando pelo examedum golpeque uma criançatemnascostas
pode indiscufivelmenteconcluir-seque a criança foi feridacom
35
I
DIAGNÓSTICO SOCIAL
um instrumentoe que o pai mentequando diz que ela caiu de
uma escadaabaixo. A trabalhadorado serviçosocial dos casos
individuaisteráde seguiros dois caminhos,da averiguaçãodas
realidadestestemunhaisdirectase indirectas,mas no emprego
destasúltimasterá que adaptaras provasobtidasa um número
quaseinfinitode hipóteses.
Ao lado destasvariedadesprincipaisda realidadehá outras
de.menorimportânciaque precisamde ser conhecidaspela tra-
balhadorasocial:
4.°- O testemunhooral.- Define-sepor si próprio;é aquele
sobrequemelhorse basearáo diagnosticador social.
5.o-A realidadedocumental.-Podeserdeváriasespéciese
vai desdedocumentospuramentelegaisa cartasformaisou a sim-
ples comunicaçõesescritasde quaisquerparticulares.O emprego
destaespéciede testemunhotemtantaimportânciaque será tra-
tadono CapituloXIII,sobreFontesDocumentais.
Basta aqui lembrar que é sempre perigosoconfiar na
memóriade quem quer que tenha lido um documento,sendo
indispensávellermo-lo nós próprios, como se aconselhaem
direito. Se um inquilino diz: «O senhoriodespediu-me»,será
bom exigir o documento,onde se lerá por exemplo: «Senão
pagar a sua renda atéà proxima2.a-feira,tereide o despedir»,
o queé bemdiferente.
6.o-,A realidadepericial.-É uma espéciede prova teste-
munhal e é empregadaquando há necessidadedum saber ou
experiênciaespecialpara observare julgar, caso frequentena
intervençãodo médico para decisõessociais.A única desvan-
tagemque poderáter estetestemunhoé o da tendênciaque as
própriasespecializaçõesfazemcriar, não tantona medicinacomo
em outrasprofissões:Assim, um polícia é especialistano crime,
sendo por isso vulgar, dadas as suas tendênciasprofissionais,
ver crimesemtodaa parte.
7.o-A realidadedo carácternão precisade ser definida.
- Desde que a trabalhadorasocial tentadescobriras possibili-
dadesde melhorara situaçãodum necessitadopensará,natural-
mente,em deduzirdo carácterdestee do da sua famíliaaquilo
que possater interesseparase alcançaremos .benefíciosprevistos
ou o quepossaimpedi-los.
Há anos quando o tratamentosocial oscilavaentreo dar
ou o negarcarvão e génerosde mercearia,considerava-seessa
averiguaçãodos traços do carácterindispensávelnos tribunais
para se obteruma decisãofavorávelou contrária.As preocupa-
çõesda trabalhadorasocial,taiscomoas do advogado,nãoeram
então atendidas.Desde que a opinião da trabalhadorasocial
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DEFINIÇÕES QUE INTERESSAM À INVESTIGAÇÃO
apenas assentassenos elementosreferentesao caráctere neles
firmasseuma decisão contra um pedido de auxílio, tratava-se
duma presunçãoe ela não poderia ser aproveitadacontra a
pessoaque precisavadesseauxilio; seria então precisoque se
fizesseaveriguaçãosobrea justiçaou não dessapresunção.
Há ainda instituiçõespúblicase particularesque mantêm
esseponto de vista; mas a trabalhadorasocial estudaa perso-
nalidade,não para ver se há punição ou compensaçãoa dar
(como,por exemplo,o internamentonumasiloou qualqueroutro
auxílio) mas para determinarse os elementosdo caráctercon-
tribuirão para facilitar ou dificultaro plano de reconstrução
social que se temem vista.A maleabilidadedo métodode tra-
balho a adoptar para tratamentode qualquercaso influi mais
do queo estudodoscaracterespessoais.
Tendo a escolhado métodosido sensatae não havendo
presunçãomais forte para um diagnósticodo que para outro,
não poderá exigir, nesta hipótese,a trabalhadorado serviço
social dos casos individuais,tal como o médico,muitasprovas,
mas para se defenderde juizos enganadoresem que possacair,
deveráprocurarprovas,mesmoas fornecidaspelosque depuse-
ram desfavoràvelmenteacercado necessitadoemquestão.
A relativaimportânciadas variedadesindicadasneiteCapi-
tulo é, a muitos títulos,maior para o cientista,o historiador
ou o advogado do que para a trabalhadorasocial. Esta terá
de aprendercom o advogado os riscos a que a expõemos
vários tipos de realidadespara o devido apuramento,e com o
historiadora vantagemdum rigoroso conhecimentodas fontes
de informaçãoe da confiançaque elas devemmerecer.Com o
médicoe com o psicólogotemela muitomaisaindaque apren-
der do que com o advogadoou o historiador,porquantoa
ciência,muitomaisprovàvelmentedo que o direitoou a história,
projectamimensaluz sobreas necessidadessociaise a formade
as remediar.
RESUMO DO CAPíTULO lU
1.0-0 diagnósticosocial é a tentativapara conseguir definir o mais.
exactamentepossívela situaçãosociale a personalidadedumcertonecessitado.
A colheita dos dados de investigaçãoou das realidades,constituio elemento
inicial do diagnóstico,fazendo-sea seguiro examecríticoe a comparaçãodas
realidadesapuradas,e por fim a sua interpretação,definindo as dificuldades
sociais existentes.Para usar uma só palavraque compreendatodos os tempos
dessa operaçãoé preferívelo termodiagnósticoao termoinvestigação,ainda
que o diagnósticoseja,na realidade,o que sefaz emúltimolugar.
2.0-A ideia de .diagnósticosocial» inclui a de esteterde sefazernum
tempolimitado(podendocontudoser revistoem qualquerocasião)e a de que
tememvistasempreumaacçãobeneficente.
3.0- A palavrafacto não é aqui limitadaao que é tangível.Os pensa-
mentose acontecimentostambémsão factos.A questãode umacoisaserou não
um facto estáantesem se determinarse podeou não serafirmadacomcerteza.
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DiAGNÓSTICO SOCiAL
A colheitados factospode ser dificultadapor defeitode observação,por falha
na compilaçãoou por umaconfusãoentreos própriosfactose as deduçõesque
delesse fizeram.
4.o-A realidadeobjectivaé aquelaquese apresentaaos nossossentidos.
A testemunhalé a que se obtémde afirmaçõesde sereshumanos;a circuns-
tancial é a que aceita-tudo,engloba tudo o que não proveio de afirmações
directasdos sereshumanose, sendoverdadeira,estabelecebaseparadeduções.
5.0- Estastrês espéciesde realidades,que sãode aplicaçãogeral,podem
distinguir-sepelo sentidodas deduçõesque delasse possamfazer;na realidade
objectivanão há deduçãoalgumaa fazer; na testemunhala baseda dedução
é uma asserçãohumana; na circunstancial pode ser qualquer a base da
dedução.
6.0-Na realidadecircunstancialhá que distinguircuidadosamenteentre
quem viu ou ouviu o facto supostoe quem afirmao que outroslhe disseram.
Este últimocaso é a realidadedo diz-se e deveserponderadocuidadosamente
para o que será precisauma experiênciasegura para lidar com testemunhas,
a fim de descobrir em toda a extensãopossível o fundamentopessoaldas
asserçõesque elas fizerame a parteem que utilizaramafirmaçõesdos outros
ou simplesboatos.
7.0- Há ainda a considerar uma diferençaimportanteentrerealidade
directae indirecta.A realidadecircunstancialé sempreindirectae, caracteriza-
damentecumulativa.Na realidade directa as provas únicas a obterquanto à
confiança que mereçamsão aplicadas aos elementosque definemo carácter
humano,como a honestidade,as tendências,a atenção,a memóría,a sugesti-
bilidade,etc.
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