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HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO Del Vecchio

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GIORGIO DEL VECCHIO 
, 
HISTORIA DA FILOSOFIA 
 DO DIREITO 
Tradução e Notas de João Baptista da Silva 
~~~~ ~~~1n 
 ~ 
Belo Horizonte - 2010 
 
- 
Catalogação na Fonte da Biblioteca da Faculdade de Direito da UFMG e ISBN 
Departamento Nacional do Livro 
D367h 
DeI Vecchio, Giorgio, 1878 
 História da filosofia do direito I Giorgio DeI 
Vecchio ; tradução de João Baptista da Silva. 
Belo Horizonte: Ed. Líder, 2006. p. 284. 
ISBN: 85-88466-33-3 
1. Direito - Filosofia - História 2. Direito 
comparado 1. Silva, João Baptista da, trad. lI. 
Título 
CDU: 340.12(091) 
COORDENAÇÃO 
Dilson Machado de Lima 
REVISÃO 
Maria de Lourdes Costa Queiroz - Tucha 
EDITORA 
Editora Líder Rua Loreto, 25 - São Gabriel CEP: 
31.980-550 - Belo Horizonte - Minas Gerais 
Tel./Fax: (31) 3447-0375 Iiderjr@oLcom.br 
Copyright @ Dilson Machado de Lima Júnior - 2010 Licença 
editorial para Livraria Líder e Editora Ltda. Todos os direitos 
reservados. 
IMPRESSÃO 
Promove Artes Gráficas - (31) 3486-2696 - promoartes@terra.com.br 
Nenhuma parte desta edição pode ser reproduzida, sejam quais forem os meios ou formas, 
sem a expressa autorização da Editora. 
Impresso no Brasil 
 Printed in BraziJ 
Prefácio do autor 
Na falta de uma ampla e completa história da Filosofia 
do direito (falta que se sente não só em nossa literatura, mas 
também na estrangeira, não obstante a grande variedade de 
monografias), foi-me proposto, faz tempo, publicar, em edição 
separada, esta exposição resumida, que corresponde à parte 
histórica das Lições, do mesmo autor, na sétima edição que 
vem à luz ao mesmo tempo. 
É óbvio que um livro de tão pequenas dimensões, como 
este, não poderia preencher toda aquela enorme lacuna. 
Todavia (segundo observação do editor e de não poucos 
estudiosos), este compêndio poderá servir para integrar os 
cursos de Filosofia do direito, que contêm apenas uma 
exposição sistemática da matéria, e também para oferecer 
esboço e subsídio aos cultores de outros ramos mais ou menos 
afins do saber, que desejariam, todavia, conhecer as principais 
tendências do pensamento antigo e moderno sobre os problemas 
do direito e do Estado. I 
A exposição histórica vem acompanhada, 
freqüentemente, de observações e apreciações críticas que, 
todavia, não prejudicam, segundo a visão do autor, a maior 
objetividade possível e a exação nas referências das várias 
doutrinas. Mas a história do pensamento filosófico, e 
especialmente do pensamento filosófico-jurídico, não pode ser 
mera série de dados; deve, sim, ser um 
I A publicação da parte histórica das Lições em volume separado ocorre já em 
 algumas edições estrangeiras (por exemplo, na espanhola de 1930). 
 -- 
repensamento deles. Por essa mesma razão, o propósito deste 
livro será plenamente atingido somente se o leitor quiser 
retirar deles significado por suas próprias reflexões e juízos. 
Sumário 
---- 
INTRODUÇÃO... ................................................................. 11 
A FILOSOFIA GREGA ....................................................... 13 
Os primórdios... ............................................................... .13 
Os sofistas ...................................................................... ..14 
Sócrates ........................................................................... .16 
Platão ........................................................ " ....................... " ......................... .19 
Aristóteles ....................................................................... .23 
A escola estóica ............................................................... .30 
A escola epicuréia ........................................................... .32 
Os juristas romanos .......................................................... 34 
O CRISTIANISMO E A FILOSOFIA DO DIREITO 
NA IDADE MÉDIA .................................................................... .41 
A Patrística ...................................................................... 4 3 
A Escolástica ................................................................... .45 
Os escritores gibelinos e a doutrina contratualística ....... 49 
O Renascimento .............................................................. .57 
A FILOSOFIA DO DIREITO NA IDADE MODERNA ..... 61 
Maquiavel e Bodin .......................................................... .61 
Grócio e outros escritores de seu tempo .......................... 65 
Hobbes.............................................................................. 75 
Espinosa ........................................................................... 79 
Pufendorf ....................... ..., .............. ... .......... , ............. ...81 
Locke e outros escritores ingleses .................................... 84 
Leibniz, Thomasius e Wolf ................................................ 89 
 
 Vico e Montesquieu......................................................... 96 
 Rousseau e a Revolução Francesa ................................. 103 
 Kant ........ """"""""'" ......................................................... ... ........ ..1 09 
 Fichte e a escola do direito racional .............................. 125 
 O historicismo ............................................................. ..131 
O historicismo filosófico, ou idealismo objetivo 
 (Schelling, Hegel) ......................................................... .132 
 O historicismo político, ou a Filosofia da Restauração .138 
 O historicismo jurídico, ou a escola histórica do direito 141 
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA 
IT ÁLIA, NOS TEMPOS RECENTES ............................. 149 
1. Da época de Vico a 1870 ............................................... 149 
2. De 1870 até aos nossos dias ........................................... 168 
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA 
FRANÇA, NA BÉLGICA, ETC., NOS TEMPOS 
RECENTES (SÉCULOS XIX-XX) .................................. .197 
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA 
INGLATERRA E NOS ESTADOS UNIDOS, NOS 
TEMPOS RECENTES ..................................................... .209 
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA 
ALEMANHA, NA ÁUSTRIA E NA SUíÇA, NOS 
TEMPOS RECENTES .............................................................. .229 
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA 
ESPANHA, EM PORTUGAL, NA AMÉRICA LATINA, 
NA ROMÊNIA, NA HUNGRIA, NA GRÉCIA, NA 
HOLANDA, NA ESCANDINÁ VIA, ETC .............................. 243 
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NOS 
PAÍSES ESLAVOS (POLÔNIA, RÚSSIA, 
CHECOSLOV ÁQUIA, ruGOSLÁ VIA, BULGÁRIA) ........... 269 
"Compreender que há outros pontos de vista é o 
 início da sabedoria." 
Campbell 
 
INTRODUÇÃO 
É vantajoso conhecer a história de toda ciência. Mas a 
importância do conhecimento histórico revela-se espécialmente nas 
disciplinas filosóficas, tanto que, nestas, não se entende o presente 
sem o passado; o passado revive no presente. Os problemas filo- . 
sóficos hoje discutidos são, no fundo, os mesmos que se 
apresentaram, ainda que apenas em forma embrionária, aos 
pensadores da antiguidade. 
O exame dos sistemas filosóficos oferece-nos como uma 
série de. experimentos lógicos, nos quais podemos logo ver a quais 
conclusões se chega partindo de certas premissas, e delas podemos 
tirar partido na direção de um mais perfeito sistema, evitando-lhe os 
erros já cometidos e tirando proveito dos progressos atingidos. 
A história da Filosofia é ainda um meio de estudo e de pes 
- quisa que nos ajuda grandemente em nosso trabalho; oferece-nos 
um acumulado de observações, de raciocínios, de distinções, que 
será impossível a um único indivíduo reunir, como seria impossívela todo artífice inventar, ele próprio, ex novo, todos os instrumentos 
de sua arte. 
A história da Filosofia do direito, especificamente, nos 
mostra, antes de tudo, que em todo tempo se meditou sobre o 
problema do direito e da justiça, o qual, em verdade, não foi 
artificiosamente inventado, mas corresponde a uma necessidade 
natural e constante do espírito humano. 
Todavia, a Filosofia do direito, em sua origem, não se 
apresenta autônoma, mas mesclada à Teologia, à Moral, à Política; 
sóaos poucos se operou a distinção. 
11 
 
GIORGIO DEL VECCHIO 
Nos primeiros tempos a confusão é completa. Aparece-nos de 
modo característico no Oriente, em cujos livros sacros são tratados 
em conjunto a cosmogonia, a moral e os elementos de várias outras 
ciências, teóricas e práticas. Neles domina o espírito dogmático; o 
direito é concebido como um comando da divindade e como 
superior ao poder humano, e, por isso, não como objeto de discussão 
ou de conhecimento, mas apenas de fé. Assim, as leis positivas 
consideram-se indiscutíveis, e inquestionável o poder existente, 
como expressão da divindade. 
Nesse estágio próprio dos povos orientais, o espírito crítico 
não tinha ainda despertado. Deve-se, todavia, recordar que alguns 
desses povos, especialmente os hebreus, os chineses e os indianos, 
deram valiosos contributos aos estudos filosóficos, sobretudo no que 
concerne à Moral. 
2 
- 
FILOSOFIA GREGA 
Os primórdios 
A Grécia é a terra clássica da Filosofia, que assume nela um 
desenvolvimento próprio. Em um primeiro momento, a mente grega 
não se envolveu, porém, com problemas éticos e muito menos 
jurídicos, mas considerou apenas a natureza física. Assim, a Escola 
Jônica, a mais antiga (VI século a.c.), tentou a explicação dos 
fenômenos do mundo sensível reduzindo-os a certos tipos. Essa 
Escola, à qual pertenceram, dentre outros, Tales, Anaximandro, 
Anaximene, Heráclito, Empédocles (o qual formulou a teoria dos 
quatro elementos: água, ar, fogo e terra), não teve, porém, 
importância para o nosso estudo. 
Outra Escola quase contemporânea da Jônica, a Eleática, 
representada por Xenofonte, Parmênides, Zenão, de Eléa, e Melisso, 
de Samo, tentou o mesmo problema, de modo mais profundo do que 
aquela, no ponto em que, elevando-se a um conceito metafísico, 
sustenta que o ser é uno, imutável, eterno. 
Para ela há uma só distinção: o que é e o que não é; em 
seguida, negação, pois, do conceito de movimento e de vir-a-ser, 
que seria uma ilusão dos sentidos. Não seria possível um nascer, um 
morrer, um vir-a-ser. 
Maior nexo com a nossa disciplina teria uma outra Escola 
- a Pitagórica. 
Conhecemos Pitágoras imperfeitamente, seja quanto à 
sua vida, seja quanto à sua doutrina. Nascido em Samo, em 
582 a.c., transferiu-se para a Itália Meridional, para Crotona, 
onde fundou uma seleta sociedade de adeptos da doutrina que 
professava. To 
13 
 GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRJA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
Os Sofistas 
Diálogos de Platão, nos quais Sócrates disputa freqüentemente com 
os Sofistas). Homens de grande eloqüência e bravura dialética, 
percorriam cidades, sustentando em seus discursos teses assaz 
disparatadas; compraziam-se em se opor às crenças dominantes, 
muitas vezes suscitando escândalo público em razão de seus 
paradoxos. 
É notável, sobretudo, o fato de que, então, começou-se a 
discutir, a criticar o princípio da autoridade, a abalar a fé tradicional, 
a despertar a atenção popular, isso em um período de discórdias 
internas, em que se encontrava a Grécia. O trabalho dos sofistas 
relaciona-se com essa efervescência. 
Os Sofistas eram individualistas e subjetivistas. Ensinavam 
que cada homem tem um modo próprio de ver e de conhecer as 
coisas, do que resultava a tese de que não pode existir uma 
verdadeira ciência objetiva e universalmente válida. Célebre é o dito 
de Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas" (DáV'tÚ)v 
XPll/lá'tú)v /lÉ'tpov av8pÚ)7to<;). Isto é: todo indivíduo possui 
uma visão própria da realidade. 
Em sentido bem diverso foi dito, por exemplo, por Kant, que 
a mente humana é a medida de todas as coisas. Kant entendia a 
mente humana como necessariamente idêntica em todos os 
indivíduos, e, por isso, afirmar que ela seja a medida de todas as 
coisas não destrói a validade universal da ciência. 
As formas subjetivas, segundo Kant, apreendem, de certa 
forma, a realidade, de maneira que toda experiência está por ser 
feita (mas estas formas são comuns a todos os sujeitos pensantes). 
Para os Sofistas, ao contrário, existem apenas as opiniões 
divergentes de cada individuo. 
Negando os Sofistas toda verdade objetiva, negam igualmente 
que exista uma justiça absoluta; também o direito, por si, é relati vo, 
é uma opinião mutável, a expressão do arbítrio e da força: 'justo é o 
que favorece o mais poderoso". Assim, Trasímaco se pergunta se a 
Justiça é um bem ou um mal, e responde: "A justiça é, em realidade, 
um bem alheio, uma vantagem para quem manda, um dano para 
quem obedece". 
davia, esse aristocrático sodalício, de caráter moral e religioso, 
sujeito a uma forte disciplina, durou pouco tempo porque, tendo 
surgido dissidência política, teve de refugiar-se em Metaponto, onde 
morreu por volta de 500 a.c. 
Parece que Pitágoras não escreveu. Seu ensinamento foi 
apenas oral. Suas teorias nos são conhecidas, em parte, por 
fragmentos de seus discípulos e, em parte, pelas contestações de 
Aristóteles. Especialmente importante é o escrito de Filolau, 
seguidor de Pitágoras e contemporâneo de Sócrates, com o título 
DEpt qJvcrEú)<; (Da natureza). Desse escrito chegaram-nos 
notáveis fragmentos. 
O pensamento fundamental da doutrina pitagórica é que a 
essência de todas as coisas é o número; ou seja, os princípios dos 
números são os princípios das coisas. Esse conceito matemático 
abriu ensejo a considerações astronômicas, musicais e também 
políticas. Na verdade, a Justiça é, para os pitagóricos, uma relação 
aritmética, uma equação ou igualdade; daí a retribuição, a troca, a 
correspondência entre o fato e o seu tratamento ('to 
avn7tE7tov8ó<;). Neste conceito (que se aplica também, mas 
não somente, à'pena) está o germe da doutrina aristotélica da 
Justiça. 
A Escola que por primeiro se decidiu a enfrentar os 
problemas do espírito humano, o problema do conhecimento e o 
problema ético foi a dos Sofistas, no VO século a.C. 
Os Sofistas, cujos principais foram Protágoras, Górgias, 
Hípias, Calixto, Trasímaco, Pródico, etc., nascidos na Grécia ou na 
Magna Grécia (Itália Meridional, Sicília), costituíam um grupo de 
pensadores e oradores que, mesmo ensinando doutrinas às vezes 
contrárias, tinham muitas características comuns. 
Conhecemos suas doutrinas não diretamente, mas mediante os 
escritos de seus adversários (fontes principais são, para nós, os 
14 15 
 
GIORGIO DEL VECCHIO 
Como se vê, os Sofistas eram moralmente céticos, e antes 
negadores ou destruidores que construtores. Com tudo isso, tiveram 
o grande mérito de ter desviado a atenção sobre dados e problemas 
inerentes ao homem, ao pensamento humano. A própria dúvida a 
respeito deles, levada à consciência pública, foi fecunda e benéfica, 
tendo projetado o espírito crítico sobre muitos problemas que antes 
não tinham sido postos para o pensamento. 
Desta forma, enquanto os filósofos da Escola J ônica tinham 
considerado apenas a natureza exterior, os Sofistas voltaram-se para 
a consideração de problemas psicológicos, morais e sociais. 
Foram eles que, por exemplo, puseram abertamente o 
problema se a justiça tinha um fundamento natural, quer dizer, se o 
que é justo por lei, ou,como diremos, por direito positivo, seja 
também justo por natureza (antítese entre VÓ!lCú ÕíKalOV = justo por 
lei, e <púcrtt ÕíKalOV = justo pela natureza), problema ao qual 
responderam em geral negativamente, observando que, se 
existisse um 
. justo por natureza, todas as leis seriam iguais. 
Mais importante ainda que esta resposta, porém, foi a 
colocação mesma do problema; em verdade, depois da solução 
negati va tentada pelos Sofistas, outros filósofos puderam tentar uma 
solução afirmativa para ela. 
Os Sofistas foram, em suma, o fermento que deu causa à 
grande Filosofia idealística grega, uma tlorescência do pensamento, 
da qual talvez nenhum outro povo pôde vangloriar-se. Essa 
tlorescência resume-se, principalmente, nos nomes de Sócrates, de 
Platão e de Aristóteles, que brilharam soberanamente na história do 
pensamento. 
Sócrates 
O grande adversário dos Sofistas foi Sócrates, que viveu em 
Atenas, de 469 a 399 a.c. Ele foi mais o sábio da vida que o filósofo 
teórico. 
6 
- HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
Também quanto a Sócrates estamos em condição análoga 
àquela em que nos vemos perante os Sofistas, isto é, não temos 
escritos autênticos dele; conhecemo-Io apenas por meio de 
referências de outros, porém de seus admiradores (ao contrário do 
que se deu com os Sofistas, cujas teorias nos foram transmitidas tão 
só por seus adversários), a saber: dos Diálogos, de Platão, e dos 
Memoráveis, de Xenofonte. 
Os Diálogos platônicos são, de longe, a fonte mais 
importante, mas neles o pensamento de Sócrates é muito superado 
pelo do grande discípulo, com o qual se confunde. Isto 
especialmente nos últimos diálogos. Os primeiros (Apologia, 
Eutifrone, Crito, etc.) reportam mais fielmente as palavras de 
Sócrates, as quais Platão recolheu de viva-voz. 
Sócrates disputava de maneira característica, devolvendo 
muitas perguntas e trazendo conclusões simples das respostas; 
afirmava nada saber, bem diversamente dos Sofistas, que 
presumiam saber tudo; golpeava-os com ironia, e os confundia, 
interrogando 
os (ironia = pergunta) sobre questões aparentemente simples, 
porém, no fundo, muito difíceis, e deste modo constrangendo-os 
indiretamente a dar-lhe razão. 
Em um ponto Sócrates avizinhou-se dos Sofistas, a saber: no 
haver dirigido o seu estudo ao homem. Sabe-se que a sua divisa era 
a inscrição délfica: "Conhece-te a ti mesmo" (yv&8t crwuróv). 
Ninguém mais que Sócrates insistiu na necessidade de conhecer a si 
mesmo. Mas nesse estudo chegou ele a conclusões opostas às dos 
Sofistas. Mostrou que cumpre distinguir o que é impressão dos 
sentidos, onde domina a variedade, o arbítrio individual, a 
instabilidade e a acidentalidade subjetiva, daquilo que é produto da 
razão, onde encontramos conhecimentos necessariamente iguais 
para todos. 
Assim, é preciso remontar dos sentidos à unidade conceitual, 
racional. Sócrates ensinava a inquirir o princípio da verdade. Saber e 
operar significa para ele uma coisa só, como ciência e virtude, já que 
esta não é senão a aplicação daquela. A virtude é a 
verdade conhecida e aplicada. 
17 
 HISTORlA DA l'lLOSOHA DO DIRElTO 
GIORGIO DEL VECCHIO 
Isto que se afmna do saber em geral vale também para o saber 
jurídico. Sobre cada coisa devemos saber ver a universalidade. 
Aqueles que vêem a variedade das coisas justas em cada tese ou 
norma jurídica, mas não a justiça em si, não são filósofos 
(q:nÀócroq>Ot = filósofos), mas q>lÀóÕOçOt = amantes da 
glória) isto é, não amantes da sabedoria, mas da opinião da 
nomeada. Sobre as contradições do mundo empírico, objeto da 
opinião, está a unidade do mundo inteligível, objeto da ciência. 
Filosofia é justamente o amor à ciência. 
Desta maneira, Sócrates deu os primeiros acenos de um 
sistema filosófico idealístico, mesmo não o construindo, como fez, 
depois, Platão. Ensinou o método do filosofar, com especial atenção 
para a Ética, reagindo contra o ceticismo prático dos Sofistas, por 
dirigir-se para o bem; ensinou a respeitar as leis (que os Sofistas 
haviam ensinado a desprezar), e não só as leis escritas, mas também 
aquelas que, mesmo não escritas, valem, como dizia, igualmente, 
em toda parte, e são impostas aos homens pelos deuses. Assim 
Sócrates afirmou a sua fé em uma justiça superior, por cuja validade 
não é necessária uma sanção positiva, nem uma formulação escrita. 
A obediência às leis do Estado é, pois, em todos os casos, 
para Sócrates, um dever. O bom cidadão deve obedecer também às 
leis más, para não encorajar o cidadão perverso a violar as boas. 
O próprio Sócrates pôs em prática esse princípio quando, 
acusado de haver introduzido novos deuses e de ter corrompido a 
juventude, e, tendo sido condenado à morte por esses pretensos 
delitos, quis que se executasse a condenação, e enfrentou 
serenamente a morte, da qual tinha podido escapar. 
A acusação de querer introduzir novos deuses, já acenada por 
Aristófanes nas Rãs, tinha sido possível porque Sócrates diziase 
inspirado por uma di vindade (õat/-lwv = divindade), que não era outra 
que não a sua consciência; e tal atitude, que parecia contrária à 
religião dominante, serviu de pretexto para seus inimigos. 
O modo sereno e sublime com que encarou a morte toma 
ainda mais admirável a sua figura e faz dele um precursor dos outros 
mártires do pensamento. Por seu ensinamento, com o qual pre 
tendeu procurar os princípios racionais do agir, Sócrates 
merece ser considerado um dos principais (se não 
absolutamente o primeiro) entre os fundadores da Ética. 
Platão 
As obras do grande discípulo de Sócrates, Platão (427-347 
a.c.), escritas em forma dialogal, apresentam o mestre discutindo 
com seus discípulos e com Sofistas, seus adversários, de modo que 
o inteiro sistema de Platão vem expresso aparentemente por 
Sócrates. Este, porém, não é o seu construtor. Sócrates iniciou na 
especulação filosófica, mas não produziu ele mesmo um completo 
sistema. O Sócrates de Platão não é, pois, o Sócrates histórico, mas, 
em grande parte, o próprio Platão. 
Das doutrinas deste último não podemos tratar senão 
enquanto contempla mais especialmente a nossa disciplina. 
Faremos um resumo dos dois diálogos Politéia ou República 
(melhor se traduziria "Estado"), e Nó/-lOt, ou "Leis", aos quais 
pode-se acres 
centar como terceiro, intermediário entre os dois, o intitulado 
TIoÀtnKÓç; (= O homem político) 
O mais importante é o primeiro, no qual Platão apresenta 
completamente a sua concepção ideal do Estado. Quer ele considerar 
a justiça no Estado, porque, como ele diz, aí a justiça se mostra mais 
claramente, sendo escrita em caracteres grandes, enquanto em cada 
homem é escrita em caracteres pequenos. 
Para Platão, o Estado é o homem em grande, isto é um 
organismo perfeito ou, antes, a mais perfeita unidade: um todo 
formado pelos vários indivíduos, e fmnemente constituído, como um 
corpo é formado de muitos órgãos, que, juntos, tomam possível a 
vida de 
les. Assim no indivíduo, como no Estado, deve reinar alguma 
harmonia, que se obtém pela virtude. A Justiça é a virtude por 
excelência, enquanto esta consiste em uma relação harmônica entre 
as várias partes de um todo. 
1
9 .8 
 
GIORGIO DEL VECCHIO 
A Justiça exige que cada um faça o que lhe cabe ('tá Éamoü 
1tpá't'tEtV). Platão traça com cuidado o paralelo entre o Estado e o 
indivíduo e o faz também nos particulares, dando à sua concepção 
base psicológica. Três partes ou faculdades existem na alma do 
indivíduo: a razão que domina, a coragem que atua, o senso que 
obedece. Assim, no Estado distinguem-se três classes: a dos sábios, 
destinada a dominar; a dos guerreiros, que devem defender oorganismo social; a dos artífices e agricultores, que devem nutri-lo. 
Como o indivíduo é dominado pela razão, o Estado é pela classe que 
representa justamente a sabedoria, isto é, pelos filósofos. 
A causa da participação e da submissão do indivíduo ao 
Estado é a falta de autarquia, isto é, a imperfeição do indivíduo, a 
sua insuficiência em si mesmo. O ser perfeito que basta a si mesmo, 
que tudo absorve e tudo domina, é o Estado. O fim do Estado é 
universal, compreende nele, por isso, suas atribuições, tanto quanto 
a vida de cada um. O Estado tem por fim a felicidade de todos 
mediante a virtude de todos. Note-se que, pela Filosofia grega 
clássica, felicidade e virtude não são termos antitéticos, mas 
coincidentes, porque a felicidade é a atividade da alma segundo a 
virtude, isto é segundo a sua verdadeira natureza. 
O Estado, segundo Platão, domina ainda a atividade humana 
em todas as suas manifestações; a ele compete promover o bem e 
todas as suas formas. O poder do Estado é ilimitado, nada é 
reservado exclusivamente ao arbítrio dos cidadãos, mas tudo está 
sob a competência e ingerência do Estado. Esta concepção 
absolutista é oposta àquela que foi, depois, sustentada por outros 
filósofos, segundo os quais existem limites determinados para a 
ação do Estado (Estado de direito: Kant). 
A concepção platônica é, de resto, a dominante no mundo 
helênico. Desta maneira, o Estado tem, antes de tudo, segundo os 
gregos, a função de educador. E no diálogo da República 
encontramos cumpridas dissertações sobre este tema. 
20 
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
São meios de educação, para Platão, sobretudo a Música (que 
compreende a primeira instrução literária), e a Ginástica. A 
Música gera uma disposição do ânimo apta ao acolhimento do bom 
e do belo. Em seguida, a Matemática (compreendida a 
Astronomia); segue, depois, para os mais capazes, o ensino das 
outras ciências e da Filosofia. 
Platão ocupa-se especialmente da preparação dos cidadãos 
para a vida pública. Os indivíduos melhores deverão chegar ao 
governo da coisa pública mediante gradual seleção e aplicada 
educação, e só depois dos cinqüenta anos de idade, dedicando-se 
exclusivamente a essa função, que é a mais alta entre aquelas do 
cidadão. 
Nesta concepção, o elemento individual é de todo sacrificado 
ao social e ao político. Falta inteiramente a idéia de que todo 
indivíduo tenha certos direitos próprios, originários. O Estado 
domina de modo absoluto. 
Para tomar mais legítima e estreita a estrutura política, Platão 
suprime as entidades sociais intermediárias entre o indivíduo e o 
Estado. Desta maneira, ele chega a sustentar a abolição da 
propriedade e da faIllilia, ou seja, a comunhão dos bens e dos 
haveres de 
modo a formar uma só faIllilia, para que resulte inteira e perfeita a 
unidade orgânica e a harmonia do Estado. Isto, porém, vale apenas 
para as duas classes superiores (ou seja, aquelas que participam 
mais diretamente da vida pública). Estamos ainda bem distantes das 
modernas concepções comunistas. 
De certo modo, a personalidade do homem não é 
adequadamente reconhecida por Platão. Em vão, por exemplo, se 
buscaria em Platão uma condenação da escravidão. Os escravos 
não 
estão incluídos nem mesmo nas três classes postas por ele para 
exercitarem as funções do Estado, do que se vê quanto erram 
aqueles que costumam considerar a teoria platônica ligada à do 
socialismo hodierno. 
Platão foi movido a construir seu Estado ideal apenas com 
preocupações éticas e políticas, nunca econômicas. 
2] 
 
GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
Estes, em resumo, os conceitos principais formulados 
por Platão no diálogo da República. 
O diálogo das Leis, composto mais tarde, quando Platão 
era mais que setenário, tem caráter di verso do precedente, 
porque não traça ele um ideal puro, mas, ao contrário, 
considera a realidade histórica nos seus caracteres 
contingentes, e mostra-nos freqüentemente um admirável 
senso de experiência prática. 
No diálogo da República, Platão tinha expressado a 
regra de que os sábios governariam segundo a sua sabedoria. 
Na verdade, se supomos que a sabedoria domina o 
mundo, as leis são supérfluas (cf. sobre isto o Político, 
294/299 e). Mas, se consideramos a prática e a natureza 
humana em concreto, vemos a necessidade delas. O diálogo 
das Leis põe exatamente a questão do que idealmente deveria e 
do que acontece na vida, e trata largamente do problema da 
legislação. 
 Os princípios fundamentais da República mostram-se, 
não 
obstante, os mesmos também no diálogo das Leis. Platão dá ao 
Estado uma função educativa, quer as leis acompanhadas das 
exortações e dissertações que lhe mostram os fins. 
Nas leis penais, tem-se um escopo essencialmente 
curativo. Platão considera os delinqüentes como doentes (pois 
que, segundo o ensinamento socrático, nenhum homem é 
voluntariamente injusto); a lei é o meio para cuidar dele; a 
pena, a sua medicina. 
Mas, em razão do delito, também o Estado é, em certo 
modo, doente, donde, se a saúde do Estado o exige, isto é, 
quando se trata de um delinqüente incorrigível, o delinqüente 
deverá ser eliminado ou suprimido para o bem comum. 
(Convém notar, a este propósito, a diferença entre a 
concepção de Platão e a da moderna Escola de Antropologia 
criminal; esta considera a delinqüência como um produto da 
degeneração física, enquanto que, para Platão, o delinqüente 
é, intelectualmente, um débil; e sua enfermidade é aberração, 
ignorância do verdadeiro, isto é, da virtude, que é o 
conhecimento do vero.) 
N o diálogo das Leis, Platão demonstra um maior respeito 
para com a personalidade individual (sempre, porém, apenas dos 
homens livres, excluídos os escravos). A família e a propriedade nos 
aparecem mantidas, e não mais sacrificadas a uma sorte de 
estatismo, como na República. Mas a autoridade do Estado 
permanece enorme e absorvente, por exemplo, no que concerne 
àrepartição da propriedade (onde há divisão dos cidadãos em 
diversas classes segundo o censo), à formação dos matrimônios e 
àvida conjugal (sujeita sempre a uma rigorosa vigilância), à 
atividade musical e poética (também essa regulada com precisão, 
em razão de fins educativos), à religião e ao culto, etc. 
Quanto à forma política, Platão critica tanto a monarquia 
quanto a democracia, na qual uma parte dos cidadãos comanda e 
outra serve; e propõe uma espécie de síntese, vale dizer, um governo 
misto, com vista especialmente ao regime de Esparta, em que, ao 
lado das duas formas, havia o Senado e os Éforos. 
Temos afirmado que no diálogo das Leis existe uma notável 
base histórica (há, por exemplo, uma exposição maravilhosa sobre a 
gênese do direito), e aparece uma consciência da realidade empírica 
muito maior que no da República. Também este, porém, onde o 
Estado aparece como pura concepção ideal, não falta uma conexão 
histórica, que é dada exatamente pelapólis grega, representada nos 
seus traços essenciais e ao mesmo tempo idealizada. 
Platão visava reagir contra o ceticismo dos Sofistas e as 
tendências demagógicas do seu tempo, afmnando que só os 
melhores deveriam governar, e para impedir a dissolução da coisa 
pública. Deve-se reconhecer também que a sua teoria política teve, 
ainda, um intento prático e uma referência às condições históricas 
da sua idade. 
Aristóteles 
Aristóteles (384/322 a.c.), nascido em Estagira, foi discípulo 
de Platão por bem vinte anos e, mais tarde, preceptor de Ale 
22 23 
 
GIORGIO DEL VECCHIO 
xandre Magno. Quando este subiu ao trono, Aristóteles fundou sua 
escola em Atenas, no Ginásio Liceu (dedicado a ApoIoAÚKElOÇ). 
Tratou o estagirita de quase todos os ramos do saber, e 
muitas ciências pode-se dizer que começaram com ele. Todavia, 
tendo grande parte de seus escritos andado perdidos, não se pode 
determinar até que ponto valeu-se ele das perquirições de outrem. 
O caráter do seu gênio é diverso do de Platão. Platão, por sua 
natureza, mais especulativo; Aristóteles, mais inclinado à 
observação dos fatos. Porém, em questões cardeais da Filosofia, ele 
não se distancia muito de seu mestre, e é equivocado apresentá-Ios 
como adversários e antagonistas, como às vezes se faz. É verdade 
que Aristóteles refuta expressamente algumas teorias de Platão. 
Temse mesmo acenado também para discórdias pessoais que se 
sabe existiram entre mestre e discípulo. Mas, provavelmente, se 
exagerou sobre este ponto, e se formaram lendas. Deve-se 
reconhecer que também Aristóteles foi essencialmente metafísico e 
idealista. 
Também a respeito deste filósofo deveremos limitar-nos ao 
exame das doutrinas que concemem à Filosofia do direito. As obras 
mais importantes são, por isso, a Política e a Ética. Desta têm-se 
três redações: Ética a Nicômaco, Ética Eudemia e a também dita 
Grande moral ou magna moralia, que em muitas partes se 
equivalem. Apenas a primeira (Ética a Nicômaco) é certamente 
obra de Aristóteles, enquanto a Eudemia é provavelmente obra de 
Eudemo, 
seu aluno, e a Grande Moral é um extrato das duas precedentes. A 
Política (IToÀ.t'nKá), em oito livros, não chegou a completar-se. 
Outro escrito, sobre Constituições (IToÀ.t'"CElm), que 
continha a descrição de 158 constituições, perdeu-se em grande 
parte (recentemente encontrou-se importante fragmento da 
Constituição dos Atenienses). 
Como para Platão, também para Aristóteles o sumo bem é a 
felicidade produzida pela virtude. O Estado é uma necessidade; não 
é simples aliança (O'U~I.taxía), isto é, associação temporal feita para se 
alcançar qualquer fim particular, mas é uma união orgânica 
24 
-- 
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
perfeita, que tem por finalidade a virtude e a felicidade universal; é 
uma comunhão necessária., tendente ao escopo da perfeição da 
vida. 
O homem é um animal político (ç<úov nOÀ.t'nKóV), isto é, 
chamado pela sua própria natureza à vida política; e o Estado 
logicamente existe antes dos indivíduos, tal como o organismo 
existe antes de suas partes. Vale dizer: como não é possível 
conceber, por exemplo, uma mão viva separada do corpo, assim não 
pode o indivíduo, propriamente, pensar sem o Estado. 
O Estado regula a vida dos cidadãos por intermédio das leis. 
Estas dominam toda a vida, porque o indivíduo não pertence a si, 
mas ao Estado. O conteúdo das leis é a justiça, e desta Aristóteles 
elaborou profunda análise. O princípio da justiça é a igualdade, a 
qual vem aplicada de vários modos. 
Aristóteles distingue, a seguir, a justiça em várias espécies. A 
primeira entre elas é a justiça distributiva ('"Cà ôíKmov Év '"Catç 
ôwvoJlmç, '"Co ÔWVE~ll'nKÓV), que se aplica na repartição das 
honras e dos bens, e visa a que cada um dos consociados dela receba 
uma porção adequada ao seu mérito (Ka'"C' àçíav). 
Se, pois - aduz Aristóteles - as pessoas não são iguais, 
também não terão elas coisas iguais. Com isto, evidentemente, não 
se faz mais que reafirmar o princípio da igualdade, pois que ele seria 
violado em sua função específica, se se desse igual tratamento a 
méritos desiguais. A justiça distributiva consiste pois em uma 
relação proporcional, que Aristóteles, não sem algum artifício, 
define como uma proporção geométrica (YEW~E'"CptK~ àvaÀ.oyta). 
A segunda espécie de justiça é a corretiva ou igualadora, que 
também se pode dizer retificadora ou sinalagmática, isto é, re 
guladora das relações mútuas ('"Cà Êv '"Colç cr~vaÀ.À.áy~a<H 
ÔlOp8w'nKÓV). Também aqui se aplica o princípio da igualdade, 
mas em forma diversa daquela vista antes; pois aqui se trata só de 
medir impessoalmente o dano ou o proveito, isto é, as coisas e as 
ações no seu valor objetivo, considerando-se como iguais os termos 
pessoais. Uma tal medida tinha, segundo Aristóteles, o seu próprio 
tipo na proporção aritmética (dpt8~lltK~ ávaÀ.oyÍa). 
25 
 
GIORGIO DEL VECCHIO 
Esta espécie de justiça tende a fazer que cada uma das 
duas partes que se encontre em uma relação venha a encontrar-
se, em relação à outra, em uma condição de paridade; de modo 
que nenhuma tenha dado nem recebido a mais nem a menos. 
Daí a definição desta forma de justiça como o ponto 
intermédio ou o meio entre o dano e a vantagem. Estes termos 
vão, porém, em sentido lato, aplicando-se não só às relações 
voluntárias ou contratuais, mas também àquelas que 
Aristóteles chama involuntárias (âKOÚcnCX), e que nascem do 
delito, mesmo que, porém, a seguir, se exija certa equiparação, vale 
dizer, exata corespondência entre o delito e a pena. 
 A justiça corretiva (igualitária ou retificadora) vale, pois, para 
toda sorte de troca e de interferência, de natureza ci vil ou penal. 
A respeito, sempre segundo Aristóteles, que, todavia, não 
desenvolve aqui muito claramente o seu pensamento, faz-se logo 
ulterior subdistinção. 
Ajustiça corretiva ou igualitária pode mostrar-se sob dois 
aspectos: enquanto determina a formação das relações de troca 
segundo certa medida, e se apresenta, então, como justiça 
comutativa, ou enquanto tende a fazer prevalecer tal medida no 
caso de controvérsias, com a intervenção do juiz, e se apresenta, aí, 
como justiça judiciária. 
Em matéria de delitos, a justiça corretiva exercita-se de 
forma necessária, imediatamente, na forma judicial, porque, aí, se 
tratata, necessariamnente, de reparar, contra a vontade de uma das 
partes, um dano advindo injustamente. Ao invés, em matéria de 
permutas ou de contratos, aquela justiça oferece normas, antes de 
tudo, aos próprios contratantes, e a atuação corretiva do juiz pode 
também não ser necessária. 
 Aristóteles preocupou-se com a dificuldade de aplicação das 
leis abstratas aos casos concretos e indicou um corretivo para a 
rigidez da justiça: a eqüidade, critério de aplicação da lei que 
permite adaptá-Ia a cada caso, temperando-lhe a dureza. 
26 
 HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
Para tornar claro este conceito, ele equipara a equidade a uma 
certa medida (régua lésbia*), feita de uma substância flexível, que 
permitia seguir a sinuosidade dos objetos a medir. 
Assim, as leis são formais, abstratas, esquemáticas. Sua justa 
aplicação exige certa adaptação. Esta adaptação é constituída da 
equidade, que, segundo Aristóteles, pode chegar, nos casos não 
contemplados propriamente pelo legislador, até a sugerir novas 
normas. 
Quanto às relações entre o Estado e os indivíduos, enquanto 
Platão queria afastados os graus intermediários, absorvidos nele, 
Aristóteles os conserva, concebendo assim o Estado como a mais 
elevada síntese da convivência, mas síntese que não elimina os 
agregados menores, como a família, mesmo a tribo, ou os vilarejos 
(KéD~CXt). 
Do primeiro agregado, a fanulia, passa-se ao segundo, a tribo, 
ou vila. Em seguida, a reunião das KW~CXt dá lugar à 7tóÀtç, ou 
seja, ao Estado grego (Note-se que a pólis grega é uma unidade 
política mais reduzida do Estado moderno). 
A consideração daqueles graus intermédios de convivência 
demonstra uma melhor concepção histórica em Aristóteles do que 
em Platão. Aqueles agregados são como as diversas etapas para 
formar o Estado. 
A abolição da fanulia e da propriedade, concebida por Platão, 
encontra em seu discípulo uma oposição e uma confutação veemen 
* N. T. - Régua lesbiana - Define-a Larousse como regle de plomb qui pouvait se plier pour prendre 
le contourdês pierres à surface courbe ou brisée = "régua de chumbo que podia dobrar-se 
para tomar o contorno das pedras de superfície curva ou fragmentada" (GRAND diccionaire 
universal du XIXême siêcIe. Paris, 1865, tome treiziême, p. 856). A régua lesbinana é 
tomada, aqui, em sentido intelectual, no campo das idéias, mais pelas suas propriedades que 
pela figura em sua materialidade. Tal como a régua, que amolga ao ser aplicada a 
superfícies sinuosas, a eqüidade representa o amolgamento (adaptação) da conduta do juiz 
para atender a peculiaridades do caso que examina. Mas, por que lesbiana? Parece que a 
razão deve ser buscada na idéia de adaptação, presente na eqüidade e, também, na coisa, 
lesbianismo. Estarei certo ou obrando em fantasia? 
27 
 
GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
teso Desse contraste revela-se o temperamento diverso dos dois 
grandes filósofos: ao idealismo absoluto, puramente especulativo de 
um, opõe-se o espírito observador do outro, que busca nos próprios 
fatos sua relativa razão, e os graus de seu sucessivo 
desenvolvimento. 
A farrulia tem como elementos o homem, a mulher, os filhos 
e os servos, uma sociedade estabelecida perpetuamene pela 
natureza. Da união de várias farru1ias surge a vila, ou a comuna 
(KWfll1); da reunião de várias comunas, o Estado, que, ele só, 
possui a plena autonomia administrativa. Este é, portanto, o 
fim das outras comunidades dado pela natureza. Para não 
precisar da sociedade deve 
rá ser ou mais, ou menos que um homem, um animal, ou um 
deus. 
Aristóteles observa o fenômeno da escravidão, e também 
buscajustificá-Io demonstrando como os homens que são 
incapazes de se governarem deviam ser dominados. Alguns 
homens afirma ele - são nascidos para a liberdade; outros, para a 
escravidão. Tenta ainda provar com razões de índole prática a 
utilidade da escravidão. 
O Estado, na concepção aristotélica, tem necessidade de 
uma classe de homens dedicada às ocupações materiais, que 
sirva a outra classe, de condição privilegiada, permitindo a ela 
atender a formas superiores de atividade, especialmente à vida 
pública. Cumpre salientar que, então, a escravidão era 
geralmente considerada como necessidade para o Estado 
(Note-se que também o Estado romano tinha uma de suas 
bases nessa instituição. Pense-se, por exemplo, nas grandes 
obras públicas construídas pelos escravos. De mais a mais, a 
possibilidade de os cidadãos participarem livremente da vida 
pública, e de se dedicarem às letras e às ciências, dependia, 
em parte, da escravidão. Esta era um efeito, considerado 
legítimo, da conquista militar. Muitos dos escravos mais 
cultos, especialmente gregos, desempenhavam funções 
nobres, ajudando também aos seus donos naquilo que dizia 
respeito aos seus conhecimentos. Sabe-se que muitos escravos 
em Roma eram amanuenses e professores muito apreciados, e, 
ainda, adidos às numerosas bi 
bliotecas, especialmente ao tempo do Império. Talvez 
possamos, então, compreender, até certo ponto, como 
Aristóteles considerava necessária a escravidão a qual- dizia - 
se poderia abolir "se a lançadeira corresse por si sobre o 
tear"* 
Tais palavras demonstram como existia nele uma 
profunda compreensão da função econômica da escravidão no 
seu tempo. Na verdade, para a abolição da escravatura, nos 
tempos que se seguiram, contribuiu também o progresso da 
indústria, a invenção da máquina, etc. 
Todavia, podendo-se admitir, em certas fases históricas, 
a relativa razão da escravatura - e, neste ponto, são apreciáveis 
as razões de Aristóteles -, não é admissível a sua tese, quando 
pre 
tende dar para ela uma justificativa absoluta, uma vez que, 
por si mesma, a escravidão choca-se contra o direito à 
autonomia, que todo homem possui naturalmente; e não se 
pode sustentar que exista uma categoria de homens destinada 
pela natureza a servir. 
Enquanto Platão havia engendrado um ideal de Estado, 
Aristóteles, ao contrário, contempla, antes de tudo, a realidade 
dos Estados existentes, desenvolvendo uma série de análises. 
De sua coleção de Constituições políticas infelizmente a 
maior parte se perdeu, e apenas, como dissemos, foi 
encontrada a parte referente à Constituição dos Atenienses, 
traduzida em italilano por Ferrier, se bem que a Política 
contenha também considerações de 
caráter geral. Nela Aristóteles destaca o nexo das instituições 
políticas com as condições históricas e naturais; não, sem 
dúvida, o melhor absoluto, mas o relativo, e examina quais os 
governos mais adequados em relação aos vários elementos de 
fato. Acena ele, * N. T. - Aristóteles era o filósofo, mas não era profeta. O que lhe parecia impossível, e era, 
mesmo, no seu tempo (a lançadeira correr sozinha sobre o tear), o gênio inventivo de 
Ark Wrigst (Sir Richard - 1732/1792) fez realidade em 1769 quando, 
retomando experiências de James Hargreaves, patenteou o invento de uma máquina de tecer 
que substituiu o braço escravo, movida, inicialmente, pela força eqüestre, depois pela força 
hidráulica, abrindo a Revolução Industrial do século XVIII. 
28 
29 
 GIORGIO DEL VECCHIO 
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
por primeiro, para uma distinção entre os Poderes do Estado 
(Executivo, Legislativo e Judiciário). A Constituição política é o 
ordenamento desses Poderes. Segundo o poder supremo diga 
respeito a um, a alguns, a todos, Aristóteles distingue três tipos de 
constituições: monárquica, aristocrática, policial, que considera 
igualmente bons, desde que quem tenha o poder o exercite para o 
bem 
de todos (KOWOV crtl.upÉpov). Mas, se o poder é exercitado por 
quem governa para utilidade própria (t8wv crtl.UpÉpov), aquelas 
formans normais de governo degeneram, dando lugar, respectiva 
mente, à tirania, à oligarquia, à democracia (que melhor se diria 
hoje demagogia, nesse sentido). 
A escola estóica 
A escola estóica liga-se à escola cínica, mas é uma 
sublimação da idéia fundamental dos cínicos. Teve ela por primeiro 
fundador Zenão de Cipro, que começou a ensinar em Atenas, em 
308, a.c., e tomou o nome de stoá, ou pórtico de Atenas que era o 
lugar onde se ensinava. Além de Zenão, entre os antigos estóicos, 
são dignos de nota Cleante e Crisipo, que sucederam no ensino a 
Zenão. 
Entre os estóicos de uma era posterior, devem-se recordar, 
especialmente, Panésio, Posei dão, que foi mestre de Cícero em 
Rodes, em seguida, Sêneca, Epiteto (autor do famoso Enqueiridión, 
ou Manual, belamente traduzido por Lopardi, e Marco Aurélio). 
Os estóicos conceberam um ideal do saber humano, que 
possui aquele que venceu todas as paixões e vê-se liberado das 
influências externas. Somente desta maneira se obtém o acordo 
consigo mesmo, isto é, a verdadeira liberdade. 
Este ideal, que para os estóicos era personificado por 
Sócrates, deve ser tido em mira por todo homem, porque lhe é 
imposto pela reta razão. Existe uma lei natural que domina o mundo, 
e reflete-se também na consciência individual: o homem épartícipe, 
por sua natureza, de uma lei que vale unversalmente. O 
preceito supremo da Ética é, pois, para os estóicos, "viver 
segundo 
 ( I - I 
a natureza" (o!-!oÀOYOU!-!EVú)S; 111 <pucra 
Sl1v). 
Esse conceito de uma lei universal faz que se quebrem as 
barreiras políticas, e o homem se considera (como ocorria com os 
cínicos, mas aqui em um sentido mais alto) um cosmopolita, cidadão 
do universo. 
Como Platão, em homenagem à pólis (= cidade), suprimia a 
faml1ia e a propriedade, assim a escola estóica suprime os Estados 
particulares em reverência ao Estado universal. 
Até então dominava um ideal estritamente político no qual o 
fim supremo era, em suma, a pertença do indivíduoao Estado. Mas 
com a Filosofia estóica anuncia-se e se prepara uma moral mais 
abrangente e mais humana. 
 Vamos recordar, agora, duas escolas pós-aristotélicas de 
grande importância: a estóica e a epicuréia. 
A escola estóica deriva de uma precedente, dita escola 
dos cínicos, representada principalmente por Antístenes, que 
teve entre seus seguidores o famoso Diógenes. 
Antístenes foi primeiro discípulo de Górgias, e depois de 
Sócrates, mas colocou-se numa espécie de antagonismo com 
outros discípulos de Sócrates, especialmente com Platão. 
 Para os cínicos, a virtude é o só bem e consiste na 
modéstia, na 
continência, no contentar-se com pouco. O sábio quase não 
tem necessidades e despreza aquilo que os homens comuns 
desejam: ele segue apenas a lei da virtude, e não cuida das 
demais leis positivas. 
 Assim, ele não é estrangeiro em lugar algum; é 
cosmopolita, 
cidadão do mundo. 
De acordo com esta idéia, os cínicos desprezam todas as 
leis e os costumes dominantes, têm uma postura negativa 
perante o Estado e buscam desprender os cidadãos dos 
vínculos que os unem a ele, retomando à simplicidade 
primitiva do estado de natureza. 
30 31 
 
GIORGIO DEL VECCHIO 
o estoicismo afmna que existe uma liberdade que jamais 
qualquer opressão poderá destruir, aquela que deriva da supressão 
das paixões. O homem é livre se segue a sua verdadeira natureza, 
isto é, se aprende a vencer as paixões, postando-se independente 
delas. 
Nesse sentido, não há diferença entre livre e escravo. Temse 
uma sociedade do gênero humano, além dos limites assinalados 
pelos Estados políticos, fundada sob a identidade da natureza 
humana e da lei racional, que corresponde a ela. 
É por si mesmo significativo que encontremos entre os mais 
insignes escritores cultores e seguidores da Filosofia estóica um 
escravo, como Epiteto, e um Imperador, como Marco Aurélio. 
A Filosofia estóica prenuncia, de certo modo, o Cristianismo. 
A escola epicuréia 
A escola estóica opõe-se à escola epicuréia, que, por sua 
vez, foi precedida da escola cirenaica ou hedonística, fundada 
por Aristipo de Cirene. Segundo esta escola, o prazer é o único 
bem e não existem outros fundamentos de obrigação, além 
daqueles que derivam da finalidade do prazer. 
Epicuro, que fundou sua escola em Atenas em 306 a.c., e 
a continuou até o ano de sua morte (270), partiu do mesmo 
conceito fundamental dos cirenaicos, mas teve o mérito de dar 
um desenvolvimento mais amplo e mais razoável à doutrina 
hedonística. 
Para Epicuro a virtude não é o fim supremo, como para 
os estóicos, mas um meio para chegar à felicidade. Assim, 
enuncia-se o princípio utilitário, ou hedonístico, avesso à 
moral estóica; e podese afirmar que as escolas éticas 
posteriores dividiram-se segundo essas duas concepções, em 
contínuo contraste. 
Pessoalmente, Epicuro foi um homem sábio e pregava a 
temprança como a primeira virtude para assegurar o prazer. 
Segundo a sua doutrina, não é necessário procurar o prazer, 
nem evi 
tar toda dor, mas conduzir-se de maneira que o êxito final ou 
o 32 
-- 
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
resultado constitua a maior quantidade possível de prazer e a menor 
possível, de dor. 
Isto implica certo cálculo ou medida de utilidade. No caso, a 
falta de moderação abrevia a vida, prejudica o organismo e diminui, 
assim, a faculdade de gozar. 
Neste ponto, Epicuro chegou a oferecer preceitos éticos. 
Além disso, a escola de Epicuro manifestajá uma teoria sobre a 
distinção qualitativa, ou graduação dos prazeres. 
Diferentemente da Escola Cirenaica, que considerava 
sobretudo as sensações físicas, Epicuro dá maior peso aos prazeres e 
às dores do espírito, que são mais duradouros do que aquelas. A 
amizade é consderada por Epicuro como o maior dos prazeres. Isto 
mostra como sua doutrina não é apenas materialista. 
Dessa graduação dos prazeres origina-se, porém, a crítica do 
utilitarismo, uma vez que, admitindo-se prazeres inferiores e 
superiores, há necessidade de um critério de escolha, de uma régua 
qualitativa e não quantitativa, pela qual o sumo bem pode ser a 
satisfação da consciência, a ser alcançada até mesmo a preço de uma 
dor física. Supera-se, assim, a singela doutrinna hedonística, que 
busca o prazer pelo prazer, sem distinções. 
Merece ainda consideração a parte da doutrina de Epicuro que 
conceme ao Estado. Também aqui domina a concepção utilitária. 
Epicuro nega que o homem seja social por natureza. Em sua origem 
estaria em luta permanente com os outros homens, mas esta luta, 
gerando dor, vem a ser abolida com a formação do Estado. 
Assim, para Epicuro, o direito é apenas um pacto utilitário, e 
o Estado é o efeito de um acordo que os homens poderiam romper 
toda vez que em tal união não encontrassem a utilidade pela qual a 
concluíram. 
Como se vê, o Estado de Epicuro está, pois, em condição de 
anarquia potencial. Tem-se, aqui, a primeira formulação 
(prescindindo-se de qualquer aceno dos Sofistas) da doutrina 
platônica e aristotélica, que, ao contrário, fundava o Estado sobre a 
natureza mesma dos homens. 
33 
 GIORGIO DEL VECCHIO 
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
Veremos depois, os sucessivos desenvolvimentos da 
teoria contratualista, na Idade Média e na moderna. 
Os juristas romanos 
conceitos fundamentais da melhor Filosofia grega, expressos em 
forma elegante e clara, para torná-los bem acessíveis ao povo 
romano. 
O próprio Cícero apela para o bom senso natural, para a 
persuação comum dos homens, dando ao seu discurso caráter 
popular. A sua tese principal é que o direito não é um produto do 
arbítrio, mas dado pela natureza. Natura juris ab homines repetenda 
est natura( = "A essência do direito deve ser procurada pelos homens na 
natureza"). Tem-se, aí, como ensinaram os estóicos, uma lei eterna, 
que é uma expressão da razão universal. Portanto, ele combate os 
céticos, os quais, afirmando a impossibilidade do conhecimento, e a 
mutação e relatividade de todas as coisas, deduziram daí a 
impossibilidade de uma justiça absoluta (em especial a Cameades 
que, com sua pregação cética, causara em Roma certa turbação, 
abalando as convicções comuns, e sustentando que o critério do 
justo não é fundado na natureza. 
Cícero opõe-se a esses argumentos, e observa que nem tudo 
que é posto como direito é justo, que, em tal caso, também as leis 
dos tiranos formariam o direito. O direito funda-se em opinião 
arbitrária, mas existe um justo natural, imutável e necessário, pelo 
testemunho inferido da própria consciência do homem. 
Este conceito é desenvolvido por Cícero com grande 
eloquência: Est quidem vera lex recta ratio, naturae congruens, 
diffusa in omnes, constans, sempiterna... neque est quaerendus 
explanator, aut interpres eius alius. Nec erit alia lex Romae, alia 
Athenis, alia nunc, alia posthac, sed et omnes gentes et omni 
tempore una lex, et sempiterna, et immutabilis continebit... cui qui 
non parebit, ipse se fugiet, ac naturam hominis 
aspernatus hoc ipso luet, maximas poenas, etiamsi cetera suplicia, 
quae putantur, eftugerit (= "Na verdade, a reta razão é uma lei 
conforme à natureza, difusa em todos, constante, eterna... não exige 
quem a explique, ou um outro intérprete. Nem existe outra lei em 
Roma, outra em Atenas, outra agora, outra depois, mas uma só lei 
existirá para todas as pessoas e em todo tempo, 
Roma não teve uma filosofia original. Mas como no Oriente 
o supremo objeto da atividade espiritual foi a religião e na Grécia, a 
Filosofia, em Roma foi o direito. Nisto, a sabedoria romana excele. 
Houve em Roma, certamente, correntes filosóficas, mas elas 
derivaram daGrécia. Pode-se dizer que todas as Escolas gregas 
tiveram em Roma representantes próprios. O Epicurismo, por 
exemplo, teve Lucrécio Caro que, no poema De rerum natura, expôs 
com eloquência as teorias de Epicuro; o Estoicismo teve Sêneca e 
Marco Aurélio, etc. 
Cícero (106/43 a.C.) foi aquele a quem pertence o mérito de 
ter tomado popular a Filosofia em Roma, o intermediário típico 
entre o pensamento grego e o latino. Autor de obras às quais deu 
esplendor de forma e de eloquência, mas cujo conteúdo é quase 
todo grego. Ele mesmo afirmou que seus escritos "apografa sunt", 
e acrescenta: Verba tantum aftero, quibus abundo (= "apenas lhes 
dou as palavras, nas quais sou fértil"). 
Suas obras mais importantes para o direito são: De 
Republica, De Legibus, De OfficÜs, além de De finibus bonorum et 
malorum, Tusculararum desputationum libri quinque, etc. 
Do De Republica chegou-nos apenas cerca de uma terça 
parte, descoberta em maio de 1819 em um palimpsesto vaticano. O 
De legibus é também incompleto, mas talvez tenha sido deixado 
assim pelo próprio autor. 
Cícero não pertenceu propriamente a nenhuma Escola, mas 
sentiu a influência de muitas, a começar pela Estóica, à qual se 
filiava 
seu mestre Poseidon. Foi eclético. O título e a forma de algumas de 
suas obras (De Republica, De legibus) são platônicos; o conteúdo é 
aristotélico e estóico; encontram-se neles, em suma, revigorados, 
os 
34 35 
 
GIORGIO DEL VECCHIO 
eterna, imutável... quem não lhe obedecer foge de si mesmo, e tendo 
desprezado a natureza do homem, sofrerá por isso mesmo as 
maiores penas, embora fuja de outros sofrimentos, que imagine"). 
Além do jus naturale, e em imediata pertinência com ele, 
existe umjus gentium, observado por todos os povos, que serve de 
base a suas relações recíprocas porque se funda sobre suas comuns 
necessidades, não obstante as modificações que as diversas 
circunstâncias tomam necessárias. 
 Por último, existe o jus civile, vigente para cada povo, em 
particular. 
Entre os termos dessa tricotomia (jus naturale, jus gentium e 
jus civile) não existe contradição, sendo eles antes determinações 
graduais de um mesmo princípio. 
Ainda, para Cícero é o Estado um produto da natureza. Um 
instinto natural leva o homem à sociabilidade, e precisamente à 
convivência política. Renova-se, assim, a doutrina aristotélica. 
Os juristas romanos tiveram, em geral, uma cultura 
filosófica. O estoicismo foi, entre todos os sistemas da filosofia 
grega, o que teve mais sorte em Roma, porque melhor correspondia 
à índole austera, ao caráter fortemente rígido do cidadão romano. 
Também 
o ideal cosmopolítico dos estóicos tinha certa repercussão positiva 
no crescente domínio de Roma. 
O conceito de uma lei natural, comum a todos os homens 
torna-se familiar aos juristas romanos, como uma crença implícita e 
subentendida na sua própria noção do direito positivo. É apontado 
como o fundamento deste a naturalis ratio, que não significa a 
mera razão subjetiva, individual, mas aquela racionalidade que está 
inscrita na 
ordem das coisas e é, por isso, superior ao arbítrio humano. Há, 
portanto, uma lei da natureza, imutável, não feita a propósito, mas 
já existente, nata; lei uniforme e não sujeita a mutações por obra 
huma 
na (Jus naturale est id quod semper bonum et aequum est = 
"Direito natural é aquilo que é bom e eqüitativo sempre"). 
36 
-- 
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
O conceito de jus naturale liga-se ao da eqüidade. A 
eqüidade significa propriamente uma equalitação, tratamento igual 
de coisas e assuntos iguais, um critério que obriga a reconhecer o 
que é idêntico no substrato das coisas, além do vário e do acidental. 
A idéia de eqüidade e a de lei natural tomam-se fatores de 
progresso no direito. O direito positivo é uma modificação do 
direito natural, com elementos de acidentalidade e de arbítrio. As 
condições de lugar e de tempo mudam, a utilidade sugere normas 
particulares, e isso os juristas romanos reconhecem amplamente. 
Mas, não obstante, está neles o cuidado permanente de reconduzir o 
direito às suas mais profundas raízes, de confrontar a norma com 
seu fundamento natural, tolhendo as desarmonias e desigualdades, 
igualando equiparando, com o objetivo de corrigir o que seja iníquo 
ou irracional. 
O simples reconhecimento de que o direito positivo é 
contrário ao direito natural não basta, por si, para aboli-Io, mas 
determina uma tendência à sua reforma ou.modificação, também no 
momento da aplicação judicial, por meio da equidade. 
Advirta-se que o magistrado romano tinha um poder mais 
vasto que o do magistrado moderno; tanto que, assumindo o cargo, 
o pretor publicava as regras que informariam sua jurisdição 
(edictum). 
O direito natural permanece o mais alto critério teórico. Dele 
deduzem-se as máximas mais gerais; por exemplo, aquela segundo a 
qual todos os homens são iguais e livres por natureza (segundo o 
ensinamento da Filosofia estóica). 
Desta maneira, os juristas romanos reconhecem, 
expressamente, que a servidão é contrária ao direito natural; 
porémjustificam-na em nome do jus gentium, sendo ela usada por 
todos os povos (em conseqüência das guerras). 
Outro princípio do direito natural é, por exemplo, a 
legitimidade da defesa (Adversus periculum naturalis ratio permitit 
se defendere = "Diante do perigo a razão natural permite a defesa"), ou 
seja, vim vi reppelere (repelir a violência pela violência). 
37 
 
GIORGIO DEL VECCHIO 
Ulpiano oferece do direito natural uma formulação que não 
se encontra em outros escritores: o direito natural -diz- é 
quod natura omnia animalia docuit ( = "aquilo que a natureza ensinou 
a todos os animais"). 
Com isso estende a validade do direito natural também aos 
animais em geral. Mas, em substância, nada mais faz que dar 
expressão restrita àquilo que também era para todos um fIrme 
princípio, ou seja, que o fundamento do direito está na natureza 
mesma das coisas, naqueles motivos que, desenvolvidos maiormente 
no 
homem, estão, também, em germe, nos animais inferiores. 
Uma questão importante em tomo das idéias jurídicas dos 
romanos é a que concerne ao jus gentium, denominação usada em 
diversos sentidos acuradamente distintos. 
Entende-se porjus gentium, em primeiro signifIcado, o 
complexo de normas que, no Estado romano, são aplicáveis aos 
estrangeiros (isto é, entre estrangeiros e estrangeiros, e entre 
estrangeiros e cidadãos romanos, uma vez que os estrangeiros eram 
excluídos do jus civile. 
De regra, para estas relações internacionais se estabeleceu 
um direito simples, despojado daquelas formalidades solenes, das 
quais era revestido o direito próprio do povo romano. 
O jus gentium é o modo simples e sufIciente para regular as 
relações às quais são admitidos também os estrangeiros. 
Quanto ao segundo sentido em que se entende o jus gentium, 
é provável que se tenha chegado a ele com o seguinte processo: a 
princípio, os romanos não conceberiam esse direito como superior 
ao civil, antes, como um direito primitivo e rudimentar; depois, o 
estudo da FilosofIa grega fez reconhecer naquela própria 
simplicidade a indicação da natureza, o reflexo da lei natural; em 
seguida, 
vislumbrou-se nele um elemento de superioridade, considerou-se o 
jus gentium como expressão das exigências primordiais e comuns 
a todos os povos, como revelação mais direta da razão universal. 
Entende-se, então, por direito das gentes o direito positivo comum 
38 
- 
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
a todos os povos (quasi quo jure omnes utuntur = "o direito que 
todos usam"). 
Assim, um fato da experiência assume, pouco a pouco,um 
significado filosófico, chegando-se à triconomia: direito natural 
(universal, o mesmo sempre, perpétuo), direito das gentes 
(elementos comuns que se encontram nos vários direitos positivos), 
direito civil (com suas particularidades, que são determinações 
posteriores das espécies precedentes). 
Freqüentemente o jus gentium é confundido com o jus 
naturale. Mas aquele é conceito essencialmente romano, nascido da 
experiência histórica dos romanos; já este é conceito expresso pela 
Filosofia grega. Isto não exclui, porém, que os romanos possam ter 
tido alguma intuição nesse sentido, antes ainda da influência daquela 
FilosofIa. 
Os dois conceitos tendem a encontrar-se, e talvez pareçam 
coincidir; têm, todavia, um significado diverso, e certamente são 
também contrapostos, de tal modo que não se pode aceitar a tese 
segundo a qual constituiriam eles uma só coisa. 
Assim, por exemplo, os juristas romanos reconheceram a 
escravidão como contrária ao direito natural (pelo qual todos nascem 
livres); encontraram, todavia, para ela, justifIcativa na prática 
comum dos povos, no jus gentium. 
Bastaria isto para demonstrar a diversidade dos dois 
conceitos. De resto, os juristas romanos não foram notáveis nas 
abstrações teóricas, nas idéias puramente filosóficas, mas no 
traspasse delas para a prática do direito positivo, na sua aplicação, 
satisfazendo sempre, com genial agudeza, as exigências lógicas e as 
necessidades mutáveis da realidade. 
Consagrando o maior respeito pelas formas tradicionais e 
históricas dos institutos, e não rompendo nunca de maneira violenta 
a continuidade do seu desenvolvimento, os juristas romanos jamais 
perderam de vista a vida concreta e a natureza das coisas, e 
souberam fazer progredir continuamente o direito segundo o 
coteúdo das 
39 
 
GIORGIO DEL VECCHIO 
novas exigências, mas com uma técnica formal perfeita. Nisto está a 
sua glória máxima. A nossa disciplina tem por fontes clássicas a 
Filosofia grega e a Jurisprudência romana. 
40 
~ 
o CRISTIANISMO E A FILOSOFIA DO 
 / 
 DIREITO NA IDADE MEDIA 
A sublime doutrina religiosa e moral que, nascida na 
Palestina, difundiu-se em poucos séculos em grande parte do mundo 
civil, produziu uma mutação profunda na concepção do direito e do 
Estado. 
Originariamente, porém, a doutrina cristã não teve 
significado jurídico ou político, mas tão só moral. 
O princípio da caridade não se desenvolveu para obter 
reformas políticas e sociais, mas para reformar as consciências. 
Seguiam, sim este princípio, a liberdade, a igualdade de todos os 
homens, e a unidade da grande farm1ia humana, porém, como 
corolário da pregação evangélica; mas essas idéias não se opuseram 
diretamente à ordem poÍítica estabelecida. 
A própria escravidão não foi combatida, mas respeitada como 
iQstituição humana, porém afmnando-se a fraternidade dos homens 
pela lei divina. Ao contrário, chegaram alguns Padres da Igreja a 
considerá-Ia como ocasião propícia para que os escravos se 
exercitassem na paciência, e na obediência aos patrões, e os patrões 
na brandura com os escravos. Não se sustenta, em suma, a 
necessidade de abolir, na prática, a escravidão, mas contentou-se 
com mitigá-Ia, através do princípio cristão da caridade e do amor. 
A doutrina do Evangelho foi essencialmente apolítica. Todos 
os seus ensinamentos tiveram, originariamente, um sentido 
espiritual: "Não vim para ser servido, mas para servir - O meu 
Reino não é deste mundo - Dai a César o que é de César, e a Deus, o 
que é de Deus". Os tributos devem ser pagos ao Estado, não à 
Igreja. 
Todavia, a doutrina da Igreja teve efeitos e influência 
notáveis também -sobre a Política e sobre as ciências atinentes a ela. 
41 
 
GIORGIO DEL VECCHIO 
Um primeiro efeito, de natureza metodológica, é a 
aproximação do Direito à Teologia. Posto que um Deus pessoal 
governa o mundo, considera-se o direito como fundado sob um 
comando divino. O Estado como instituição divina. E a vontade 
divina é conhecida não tanto pelo raciocínio, quanto pela revelação; 
antes de ser demonstrada, deve ser crida, aceita pela fé. 
Somente no Renascimento, no qual se verificou, de certo 
modo, um ressurgimento da Filosofia e da cultura greco-latina, 
reafIr 
mou-se a doutrina clássica segundo a qual o direito deriva da 
natureza humana, independentemente da Teologia. 
Outro resultado do Cristianismo, ou melhor, da forma 
histórica do Cristianismo, é reconhecido na nova concepção do 
Estado em relação à Igreja. 
Na antiguidade clássica apenas existia o Estado, como 
unidade perfeita. O indivíduo tinha a suprema missão de ser bom 
cidadão, de dar ao Estado tudo de si mesmo. 
Com o Cristianismo, ao contrário, outro fim é proposto ao 
indivíduo: o fim religioso, do outro mundo. A meta última não é a 
vida civil, mas a conquista da felicidade eterna, da beatitude celeste, 
que se alcança mediante a subordinação à vontade divina 
representada pela Igreja. 
No Estado clássico, a religião era uma magistratura a ele 
submetida; na Idade Média, a Igreja tende a sobrepor-se ao Estado, 
dado que, enquanto o Estado cuida das coisas terrenas, a Igreja se 
ocupa das eternas; daí a pretensão de usar o Estado como 
instrumento do fim religioso. Portanto, a Igreja afirma-se como 
autoridade autônoma, superior ao Estado. 
Desta maneira, o relacionamento político complica-se. Dos 
dois termos cidadão e Estado, aproxima-se um terceiro, a Igreja. O 
princípio fundamental, o ideal do Cristianismo, a irmandade dos 
homens 
em Deus é mais vasto e elevado que o ideal grego da era clássica. 
Em geral, os gregos não tinham visto mais, além do Estado, 
da poUso O caráter cosmopolítico é assinalado apenas pela 
filosofia estóica que, em algum aspecto, prenuncia o Cristianismo. 
42 
....... 
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
Enquanto o ideal cristão se toma fator histórico e princípio de 
organização social, assume, todavia, alguns caracteres próprios de 
todo sistema político; como força social, não chega a uma 
verdadeira universalidade, mas toma-se um fim antitético de outras 
forças. Politicamente, a Igreja firmou-se, em certo modo, como 
partido guelfo, em oposição ao gibelino: como Estado, frente a 
outros Estados. 
A Filosofia Cristã (que, nascida na Idade Antiga, 
desenvolveu-se e predominou especialmente na Idade Média), 
divide-se em dois principais períodos: o da Patrística e o da 
Escolástica. 
No primeiro fixam-se os dogmas, os artigos de fé, por obra 
dos padres da Igreja (donde o nome). No segundo, surge uma 
elaboração dos dogmas, notadamente em razão dos elementos 
trazidos pela Filosofia grega. 
É também importante notar que os padres da Igreja 
deduziram dos juristas romanos a concepção do direito natural 
(dando-lhe, todavia, uma base teológica), dominante sobre toda a lei 
positiva. 
Esta concepção, transmitida aos canonistas e em geral aos 
estudiosos da Idade Média, foi desenvolvida pela Filosofia 
escolástica, como se depreende, sobretudo, do sistema de Santo 
Tomás, e teve uma certa função diretiva em toda a civilização 
futura. 
Pode-se, pois, dizer que os elementos essenciais do 
pensamento clássico não ficaram de todo perdidos, não obstante a 
revolução operada pelo Cristianismo; antes, passaram a dever a ele 
uma nova vida. 
A Patrística 
A Patrística, que vai das origens do Cristianismo até aos 
tempos de Carlos Magno (800), pode dividir-se também em dois 
períodos, separados pelo Concílio de Nicéia (325). Entre os padres 
da Igreja, depois dos Apóstolos, recordaremos: Tertuliano, 
Clemente de Alexandria, Orígenes, Lactâncio, Ambrósio, etc. O 
mais im 
43 
 
GIORGIODEL VECCHIO 
portante é Santo Agostinho (354/430), que escreveu numerosas 
obras. Nasceu em Tagaste, na Numídia (Algéria), e morreu como 
Bispo de Hipona (Bona). 
Especialmente na obra em vinte e dois livros, De Civitate 
Dei, desenvolveu suas teorias sobre a história do gênero humano, 
sobre o problema do mal e sobre o destino ultraterreno do homem, 
sobre a Justiça e sobre o Estado. 
Em nenhuma outra obra se pode observar melhor a diferença 
entre o conceito grego clássico e o cristão, a respeito do Estado. 
Enquanto os gregos haviam exaltado o Estado como supremo fim do 
homem, Santo Agostinho enaltece a Igreja e a comunhão das almas 
em Deus. 
A civitas terrena, que não significa propriamente um Estado 
determinado, mas, em geral, o reino da impiedade (societas 
impiorum), descende do pecado original, sem o qual não existiriam 
senhorias políticas, nem juízes, nem penas. O Estado teve, 
portanto, 
origem de delitos (Caim e Rômulo foram fratricidas); e o próprio 
Império Romano aparece a Santo Agostinho corrompido e viciado 
pelo paganismo. 
A Civitas terrena é, pois, caduca, e deve ser substituída pela 
Civitas Dei (ou Civitas Coelestis), que já existe, em parte, na terra, e 
reinará sozinha, por último. 
Por civitas Dei Santo Agostinho entende a comunhão dos 
fiéis, que se organizam como uma cidade divina, uma vez que são 
predestinados a participar da vida e da beatitude celestes. 
O Estado terreno tem, assim, escopo louvável e deriva, 
também, da vontade divina e da natureza, enquanto se propõe 
manter a paz temporal entre os homens. Mas está sempre 
subordinado à cidade celeste, isto é, à Igreja, que tende a procurar a 
paz eterna. 
Pode o Estado justificar-se apenas relativamente, enquanto 
deve servir sobretudo como instrumento a fim de que a Igreja atinja 
os seus próprios fins (portanto, deve ele repelir as heresias). Por 
último, o Estado terreno desaparecerá, para dar lugar ao 
restabelecimento do reino de Deus. 
44 
....... 
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
Esta concepção enormemente catastrófica das coisas humanas 
explica-se, em parte, pelas experiências políticas do tempo de Santo 
Agostinho, que viu o Império sendo invadido pelos bárbaros. 
Em geral, Santo Agostinho elaborou a doutrina cristã em 
todas as suas partes mais severas (a predestinação, a condenação 
eterna da maior parte dos homens, etc.). A Filosofia política de 
Santo Agostinho representa o triunfo da ascese. Em tal condição, 
que tende a esvaziar o Estado, as aspirações ultramundanas levam 
vantagem sobre os valores da vida terrena. 
Notemos, ainda, que a obra De Civitate Dei pode ser 
considerada como o primeiro ensaio de Filosofia da História, sob o 
ponto de vista cristão. Santo Agostinho reconhece na História o 
cumprimento dos desígnios da Providência Divina. Desta forma, 
indic~, por exemplo, a tomada de Roma pelos bárbaros como um 
produto do juízo universal. 
A Escolástica 
Tem-se, com a Escolástica, um retomo parcial à 
Filosofia clássica. Na segunda metade da Idade Média 
aparecem obras, especialmente da Filosofia grega, que 
estiveram perdidas no obscuro período precedente; ou seja, 
tinham permanecido perdidas, foram reencontradas e postas 
em destaque. Todavia, foram estudadas com métodos 
dogmáticos, com o propósito de, a todo modo, harmonizá-Ias 
com os dogmas religiosos. 
Este o caráter fundamental da Filosofia escolástica. 
Aristóteles toma-se o doutor por excelência; mas, estudado e 
interpretado com aquelas premissas, nem sempre foi 
apresentado na sua verdadeira luz. 
Porisso, ocorreu que, depois, na reação contra a 
Escolástica, a Filosofia do Renascimento (por exemplo, 
Telésio, Bacon, etc.) 
declarou-se antiaristotélica. . 
Os Escolásticos arquitetaram engenhos rniraculsos na 
elaboração dos dogmas e no esforço de harmonizar com eles a 
Filosofia 45 
 
GIORGIO DEL VECCHIO 
clássica. Tomaram-se insuperáveis na agudeza e na sua habilidade 
dialética, especialmente no distinguir. 
Mesmo conservando o caráter dogmático, a Filosofia 
escolástica tentou desenvolver os dogmas religiosos com uma 
análise racional, até onde permitiam os limites da fé. O influxo do 
pensamento clássico é, todavia, visível, e assaz fecundo. 
Isto se mostra sobretudo nas doutrinas de Santo Tomás de 
Aquino (1225/1274), o principal representante da escolástica. Sua 
obra maior é a Suma Teológica, compêndio sistemático do saber 
filosófico do seu tempo, obra pela qual conquista a qualidade de 
Cabeça Doutrinal do Catolicismo. 
Cumpre recordar, ainda, entre as outras obras suas, um 
Tratado, De regimine principum, do quaIlhe pertencem apenas o 
primeiro livro e parte do segundo, enquanto os outros dois livros 
são atribuídos ao seu discípulo Ptolomeu de Luca (Ptolomaeus 
Lucensis). 
Santo Tomás deu sistematização mais orgânica ao 
ensinamento cristão. Aludiremos apenas à parte que concerne à 
nossa disciplina. 
 O fundamento da doutrina jurídica e política de Santo Tomás 
é a divisão da lei. 
 Distingue ele três ordens de leis: a lei eterna, a lei natural e a 
lei humana. 
 A lei eterna é a mesma razão divina que governa o mundo 
(ratio divinae sapientiae = "razão da divina sabedoria"), que 
ninguém pode conhecer inteiramente em si mesma (Legem 
aetemam nullus potest cognoscere, secundum quod in ipsa est, nisi 
solus Deus et beati, qui Deum per essentiam vident = "Ninguém 
pode conhecer a lei eterna, segundo o que ela é em si, a não ser 
Deus e os bemaventurados, os quais vêem a Deus em sua essência" 
Summa theol., 1 a, 2a, q. 93, art. 2), não obstante poder-se ter dele 
uma noção parcial através de suas manifestações. 
A lex naturalis é, ao contrário, cognoscível diretamente pela .. 
razão, sendo precisamente uma participação da lei eterna na criatu'" 
46 
..,.........
- 
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO 
ra racional, segundo a sua própria capacidade (Lex naturalis nihil 
aliud est quam participatio legis aetemae in rationali creatura = "a 
lei natural nada mais é do que a participação da lei eterna, na criatura 
racional", secundum proportionem capacitatis humana e naturae = 
"de conformidade com a proporção da capacidade da natureza 
humana" - Ib., q. 91, art. 2 e 4). 
A lex humana é uma invenção do homem pela qual, partindo 
dos princípios da lei natural, vai-se às aplicações particulares (ib., 
q.91, art. 3; q. 95, art. 2). Ela pode derivar da lex naturalis, per 
modum conclusionum (= "à maneira de conclusões") ou per 
modum determinationis (= "mediante uma determinação") segun- . 
do resulte de premissas da lex naturalis, como conclusão de um 
silogismo, quer dizer, uma especificação maior daquilo que é 
afirmado de modo geral na lex naturalis. 
O problema prático é: a lex humana deve ser obedecida 
também quando contrasta com a lex aetema e a lex naturalis? Ou 
seja, até onde o cidadão deve obedecer às leis do Estado? 
Segundo a doutrina tomística, a lex humana deve ser 
obedecida também quando vá contra o bem comum, isto é, mesmo 
quando constitua um dano, e isto para a manutenção da ordem 
(propter vitandum scandalum vel turbationem = "para evitar o 
escândalo ou a turbação"). Não deve, porém, ser obedecida quando 
implique uma violação da lex divina (contra Dei mandatum = 
"contra ordem de Deus"). Tal seria, por exemplo, uma lei que 
impusesse um falso culto. 
Na doutrina do Estado é ainda mais visível a influência de 
Aristóteles, e também evidente a diferença entre a teoria tomística e 
a de Santo Agostinho. 
Para Santo Tomás, o Estado é um produto natural e 
necessário à satisfação das necessidades humanas; deriva da 
natureza social do homem e subsistiria também independentemente 
do pecado.

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