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Trechos-Argumentação-jurídica-Manuel-Atienza (1)

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Trechos compilados da obra de Manuel Atienza: “As razões do Direito: Teoria da 
Argumentação Jurídica” 
 
Capítulo 1: Direito e Argumentação 
 
1. INTRODUÇÃO 
Ninguém duvida de que a prática do direito consista, fundamentalmente, em argumentar, 
e todos costumamos convir em que a qualidade que melhor define o que se entende por um 
“bom jurista” talvez seja a sua capacidade de construir argumentos e manejá-los com 
habilidade. Entretanto, pouquíssimos juristas leram uma única vez um livro sobre a matéria e 
seguramente muitos ignoram por completo a existência de algo próximo a uma “teoria da 
argumentação jurídica”. Este livro pretende expor – aliás, de modo incompleto – o que significa 
argumentar juridicamente, e além disso mostrar como outros autores têm definido esse tipo 
de argumento. Evidentemente, alguém pode evidenciar uma boa – até mesmo excelente – 
capacidade argumentativa e ao mesmo tempo ter muito pouco a dizer sobre essas duas 
questões. Mas essa circunstância (sem dúvida feliz) parece compatível com a pretensão de 
que um livro como este – de teoria do Direito – possa despertar, pelo menos em princípio, 
algum interesse entre os juristas em geral. 
Neste primeiro capítulo apresentarei o que podem ser considerados os conceitos básicos 
da teoria da argumentação jurídica e tentarei esclarecer, particularmente, a noção de 
argumento dedutivo. 
2. O ÂMBITO DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA 
A teoria (ou teorias) da argumentação jurídica tem como objeto de reflexão, obviamente, 
as argumentações produzidas em contextos jurídicos. Em princípio, pode-se distinguir três 
diferentes campos jurídicos em que ocorrem argumentações. O primeiro é o da produção ou 
estabelecimento de normas jurídicas. Aqui, por sua vez, se poderia fazer uma diferenciação 
entre as argumentações que acontecem numa fase pré-legislativa e as que se produzem na 
fase propriamente legislativa. As primeiras se efetuam como consequência do surgimento de 
um problema social, cuja solução – no todo ou em parte – acredita-se que possa ser a adoção 
de uma medida legislativa. Exemplo disso são as discussões a propósito da despenalização 
ou não (e em que casos sim ou não) do aborto, da eutanásia ou do tráfico de drogas, ou da 
regulamentação do chamado “tráfico de influências”. Outro tipo de argumentações surge 
quando um determinado problema passa a ser considerado pelo Poder Legislativo ou por 
algum órgão do Governo, tendo ou não sido previamente discutido pela opinião pública. 
Enquanto na fase pré-legislativa se pode considerar que os argumentos têm, em geral, um 
caráter mais político e moral do que jurídico, na fase legislativa os papéis se invertem, 
passando para o primeiro plano as questões de tipo “técnico-jurídico”. Em todo caso, as teorias 
da argumentação jurídica de que dispomos não se ocupam praticamente de nenhum desses 
dois contextos de argumentação. 
Um segundo campo em que se efetuam argumentos jurídicos é o da aplicação de normas 
jurídicas à solução de casos, embora essa seja uma atividade levada a cabo por juízes em 
sentido estrito, por órgãos administrativos no sentido mais amplo da expressão ou por simples 
particulares. Aqui, novamente, caberia distinguir entre argumentações relacionadas a 
problemas concernentes aos fatos ou ao Direito (esses últimos, em sentido amplo, poderiam 
ser designados como problemas de interpretação). Pode-se dizer que a teoria da 
argumentação jurídica dominante se centra nas questões – os casos difíceis – relativas à 
interpretação do Direito e que são propostas nos órgãos superiores da administração da 
Justiça. Mas a maior parte dos problemas que os tribunais como órgãos não jurisdicionais do 
Governo têm de conhecer e sobre os quais decidem é constituída de problemas concernentes 
aos fatos, e assim os argumentos que ocorrem, suscitados por eles, recaem fora do campo 
de estudo das teorias usuais da argumentação jurídica. 
Finalmente, o terceiro âmbito em que se verificam argumentos jurídicos é o da dogmática 
jurídica. A dogmática é, sem dúvida, uma atividade complexa, na qual cabe distinguir 
essencialmente as seguintes funções: 1) fornecer critérios para a produção do Direito nas 
diversas instâncias em que ele ocorre; 2) oferecer critérios para a aplicação do Direito; 3) 
ordenar e sistematizar um setor do ordenamento jurídico. As teorias comuns da argumentação 
jurídica se ocupam também das argumentações que a dogmática desenvolve para cumprir a 
segunda dessas funções. Esses processos de argumentação não são muito diferentes dos 
efetuados pelos órgãos aplicadores, uma vez que se trata de oferecer, a esses órgãos, 
critérios – argumentos – para facilitar-lhes (em sentido amplo) a tomada de uma decisão 
jurídica que consiste em aplicar uma norma a um caso. A diferença que, não obstante, existe 
entre os dois processos de argumentação poderia ser assim sintetizada: enquanto os órgãos 
aplicadores têm de resolver casos concretos (p. ex., se se deve ou não alimentar à força os 
presos que estão em greve de fome para obter determinadas mudanças em sua situação 
carcerária),1 o dogmático do Direito se ocupa de casos abstratos (p. ex., determinar quais são 
os limites entre o direito à vida e o direito à liberdade pessoal e qual dos dois deve prevalecer 
quando há conflito entre eles). Contudo, parece claro que a distinção não pode sempre (ou 
talvez quase nunca) ser feita de forma muito taxativa. Por um lado porque o praticante precisa 
recorrer a critérios fornecidos pela dogmática, pelo menos quando enfrenta casos difíceis (p. 
ex., para adotar uma decisão fundamentada na primeira questão proposta antes seria 
necessário responder, antecipadamente, à segunda), e ao mesmo tempo a dogmática se 
apoia também em casos concretos. Por outro, porque ocorre de os tribunais (ou certo tipo de 
tribunais) terem de resolver casos abstratos, isto é, suas decisões podem não consistir 
simplesmente em condenar X a pagar certa quantidade de dinheiro ou em absolver Y de 
determinado delito, mas também em declarar que determinada lei é inconstitucional, que um 
regulamento é ilegal ou que determinada norma deve ser interpretada em determinado 
sentido; além disso, alguns tribunais, ao decidirem um caso concreto, criam jurisprudência, o 
que significa que a regra em que baseiam a sua decisão – e que se expressa na ratio 
decidendi da sentença – tem um caráter geral e abstrato, e consequentemente vale para os 
casos futuros. 
 
3. CONTEXTO DE DESCOBERTA E CONTEXTO DE 
JUSTIFICAÇÃO. EXPLICAR E JUSTIFICAR 
Na filosofia da ciência costuma-se distinguir (cf. Reichenbach, 1951) entre o contexto de 
descoberta e o contexto de justificação das teorias científicas. Assim, de um lado está a 
atividade que consiste em descobrir ou enunciar uma teoria e que, segundo a opinião geral, 
não é suscetível de uma análise de tipo lógico; nesse plano, cabe unicamente mostrar como 
se gera e se desenvolve o conhecimento científico, o que constitui tarefa para o sociólogo e o 
historiador da ciência. Mas do outro lado está o procedimento que consiste em justificar ou 
validar a teoria, isto é, em confrontá-la com os fatos a fim de mostrar a sua validade; essa 
última tarefa exige uma análise de tipo lógico (embora não apenas lógico) e se rege pelas 
regras do método científico (que não são aplicáveis no contexto da descoberta). Pode-se 
também estender a distinção ao campo da argumentação em geral e ao da argumentação 
jurídica em particular (cf. Wasserstrom, 1961, e Golding, 1984, p. 22-23). Assim, uma coisa é 
o procedimento mediante o qual se estabelece determinada premissa ou conclusão, e outra 
coisa é o procedimento que consiste em justificar essa premissa ou conclusão, e outra coisa 
é o procedimento que consiste em justificar essa premissa ou conclusão. Se consideramos o 
argumento que conclui afirmando ser “necessário alimentar à força os detentos do GRAPO”, 
a distinçãopode ser traçada entre as causas psicológicas, o contexto social, as circunstâncias 
ideológicas etc. que levaram um determinado juiz a emitir essa resolução, e as razões dadas 
pelo órgão em questão para mostrar que a sua decisão é correta ou aceitável (que está 
justificada). Dizer que o juiz tomou essa decisão devido às suas fortes crenças religiosas 
significa enunciar uma razão explicativa; dizer que a decisão do juiz se baseou em 
determinada interpretação do art. 15 da Constituição significa enunciar uma razão 
justificadora. De modo geral, os órgãos jurisdicionais ou administrativos não precisam explicar 
as suas decisões; o que devem fazer é justificá-las. 
A distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação não coincide com 
aquela existente entre discurso descritivo e discurso prescritivo, a não ser pelo fato de que em 
relação tanto a um quanto ao outro contexto se pode adotar uma atitude descritiva ou 
prescritiva. Por exemplo, pode-se descrever quais são as causas que levaram o juiz a emitir 
uma resolução no sentido indicado (o que significaria explicar a sua conduta), mas também 
se pode indicar ou recomendar determinadas mudanças processuais para evitar que a 
ideologia dos juízes (ou dos jurados) tenha um peso excessivo nas decisões a tomar (p. ex., 
fazendo com que tenham mais relevância outros elementos que fazem parte da decisão ou 
propondo ampliar as causas de rejeição de juízes ou jurados). E por outro lado pode-se 
descrever como o juiz em questão efetivamente fundamentou a sua decisão (baseou-se no 
argumento de que – de acordo com a Constituição – o valor vida humana deve prevalecer 
sobre o valor liberdade pessoal); ou então se pode dispor ou sugerir – o que exige, por sua 
vez, uma justificação – como o juiz deveria ter fundamentado a sua decisão (sua 
fundamentação devia ter se baseado em outra interpretação da Constituição que subordina o 
valor vida humana ao valor liberdade pessoal). 
Em todo caso, a distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação nos 
permite, por sua vez, distinguir duas perspectivas de análise das argumentações: a primeira 
seria a perspectiva de algumas ciências sociais, como a psicologia social, que esboçaram 
diversos modelos para explicar o processo de tomada de decisões a que se chega, em parte, 
mediante o uso de argumentos. No campo do Direito, um desses modelos é o dia 
da informação integrada, elaborado por Martin F. Kaplan (cf. Kaplan, 1983). Segundo ele, o 
processo de tomada de decisão por um juiz ou um jurado é resultado da combinação dos 
valores da informação com os da impressão inicial. O processo de decisão começa com a 
acumulação de unidades de prova ou informação; a isso se segue o processo de avaliação, 
em que a cada item informativo se atribui um valor numa escala específica para o julgamento 
que está se desenvolvendo; o terceiro passo consiste em atribuir um peso para cada 
informação; depois a informação avaliada e sopesada é integrada num julgamento singular, 
como, por exemplo, “probabilidade e culpabilidade”; e finalmente se leva em conta a impressão 
inicial, isto é, os preconceitos do juiz ou do jurado, que podem provir tanto de condições 
circunstanciais (p. ex., seu estado de humor no momento do julgamento) quanto de condições 
ligadas à sua personalidade (p. ex., preconceitos raciais ou religiosos). O modelo não pretende 
explicar apenas como se decide (e se argumenta) de fato, mas também sugere o que se 
poderia fazer para reduzir o peso dos preconceitos (dar um peso maior aos outros elementos) 
ou, então, sob que condições os julgamentos com jurados (o que implica também as 
argumentações dos jurados, que conduzem a determinada conclusão) poderiam ser tão 
confiáveis quanto os julgamentos com juízes profissionais. 
A segunda perspectiva seria a de outras disciplinas que estudam sob que condições se 
pode considerar justificado um argumento. Aqui, por sua vez, caberia falar de uma justificação 
formal dos argumentos (quando um argumento é formalmente correto) e de uma justificação 
material (quando se pode considerar que um argumento, num campo determinado, é 
aceitável). Isso permitiria distinguir entre a lógica formal ou dedutiva, por um lado, e o que às 
vezes se chama lógica material ou informal (na qual se incluiriam temas tais como a tópica ou 
a retórica), por outro. 
A teoria padrão da argumentação jurídica se situa precisamente nessa segunda 
perspectiva, isto é, no contexto de justificação dos argumentos, e em geral costuma ter 
pretensões tanto descritivas quanto prescritivas; trata-se, portanto, de teorias (como as de 
Alexy ou de MacCormick, abordadas mais adiante neste livro) que pretendem mostrar como 
as decisões jurídicas se justificam de fato e também (e ao mesmo tempo, pois segundo eles 
os dois planos em geral coincidem) como deveriam elas ser justificadas. Tais teorias partem 
do fato de que as decisões jurídicas devem e podem ser justificadas, e nesse sentido se 
opõem tanto ao determinismo metodológico (as decisões jurídicas não precisam ser 
justificadas porque procedem de uma autoridade legítima e/ou são o resultado de simples 
aplicações de normas gerais) quanto ao decisionismo metodológico (as decisões jurídicas não 
podem ser justificadas porque são puros atos de vontade) (cf. Neumann, 1986, p. 2 e 3). 
A primeira dessas duas posturas parece insustentável, especialmente no contexto do 
Direito moderno, no qual a obrigação estabelecida de “motivar” – justificar – as decisões 
contribui não só para torná-las aceitáveis –, e isso é particularmente relevante nas sociedades 
pluralistas que não consideram como fonte de legitimidade ou de consenso aspectos tais como 
tradição ou autoridade –, mas também para que o Direito possa cumprir a sua função de guia 
da conduta humana (Golding, 1984, p. 9); por outro lado, justificar uma decisão, num caso 
difícil, significa algo mais do que efetuar uma operação dedutiva que consiste em extrair uma 
conclusão a partir de premissas normativas e fáticas. E o mesmo ocorre com a segunda 
postura, isto é, com a opinião de que os juízes (ou jurados) não justificam – nem poderiam 
justificar propriamente – suas decisões, e sim as adotam de forma irracional – ou então sem 
a participação da razão – e depois as submetem a um processo de racionalização. Assim, 
alguns representantes do realismo americano – sobretudo Frank (1970) – sustentaram, 
efetivamente, que as sentenças judiciais “são desenvolvidas de modo retrospectivo, a partir 
de conclusões formuladas com caráter provisório” (p. 109); que não se pode aceitar a tese 
que apresenta o juiz “aplicando leis e princípios aos fatos, isto é, adotando alguma regra ou 
princípio [...] como sua premissa maior, empregando os fatos do caso como premissa menor 
e chegando então à resolução mediante processos de puro raciocínio” (p. 111); e que, 
resumindo, as decisões se baseiam nos impulsos do juiz, que fundamentalmente não extrai 
esses impulsos das leis e dos princípios gerais do Direito, mas sobretudo de fatores individuais 
que, entretanto, são “mais importantes que qualquer coisa que poderia ser referida como 
preconceitos políticos, econômicos ou morais” (p. 114). 
Mais adiante voltarei a tratar do silogismo judicial, mas a distinção que acabo de introduzir 
permite mostrar com clareza o erro em que incorrem esses últimos autores, que não é outro 
senão o de confundir o contexto de descoberta e o contexto de justificação. É possível que, 
de fato, as decisões sejam tomadas, pelo menos em parte, como eles sugerem, isto é, que o 
processo mental do juiz vá da conclusão às premissas e inclusive que a decisão seja, 
sobretudo, fruto de preconceitos; mas isso não anula a necessidade de justificar a decisão e 
tampouco converte essa tarefa em algo impossível; do contrário seria preciso negar também 
que possa ocorrer a passagem das intuições às teorias científicas ou que,por exemplo, 
cientistas que ocultam certos dados que se ajustam mal às suas teorias estejam, por isso 
mesmo, privando-as de justificação. 
 
[...] 
 
 
 
5. CORREÇÃO FORMAL E CORREÇÃO MATERIAL DOS 
ARGUMENTOS 
A caracterização feita do que é um argumento dedutivo apresenta, contudo, diversos 
motivos de insatisfação se passamos para o campo dos argumentos que se costuma articular 
no plano do Direito ou no da vida comum. Um primeiro motivo de insatisfação – aliás, óbvio – 
deriva precisamente do fato de que a lógica dedutiva só nos oferece critérios de correção 
formais, mas não se ocupa das questões materiais ou de conteúdo que, claramente, são 
relevantes quando se argumenta em contextos que não sejam os das ciências formais (lógica 
e matemática). Assim, por um lado, como vimos, a partir de premissas falsas pode-se 
argumentar corretamente do ponto de vista lógico; e, por outro, é possível que um argumento 
seja incorreto do ponto de vista lógico, embora a conclusão e as premissas sejam verdadeiras, 
ou pelo menos altamente plausíveis. Em alguns casos a lógica aparece como um instrumento 
necessário, mas insuficiente, para o controle dos argumentos (um bom argumento deve sê-lo 
tanto do ponto de vista formal quanto do material). Em outros casos é possível que a lógica 
(lógica dedutiva) não permita nem sequer estabelecer requisitos necessários com relação ao 
que deve ser um bom argumento; como veremos, um argumento não lógico – no sentido de 
não dedutivo – pode ser, contudo, um bom argumento. 
Por outras palavras, propor a questão da correção dos argumentos significa propor o 
problema de como distinguir os argumentos corretos dos incorretos, os válidos dos inválidos. 
Aqui é possível, entretanto, distinguir entre argumentos manifestamente inválidos e 
argumentos que parecem válidos mas não são, denominados falácias. O problema, é claro, 
coloca-se a propósito da distinção entre os argumentos válidos e as falácias (os argumentos 
manifestamente inválidos não são problemáticos, uma vez que não podem levar à confusão), 
coisa que a lógica dedutiva só consegue fazer pela metade. A razão disso é que não só 
existem falácias formais, isto é, argumentos que parecem corretos do ponto de vista formal – 
dedutivamente – mas não são, como também falácias não formais. Estas, por sua vez, podem 
se classificar em outras duas categorias, dando lugar as falácias de concernência e de 
ambiguidade. Nas primeiras, “as premissas não têm atinência lógica em relação às 
conclusões, e, portanto, são incapazes de estabelecer a sua verdade” (Copi, 1986, p. 83); 
assim ocorre, por exemplo, com o argumento ad ignorantiam, com o argumento ad 
hominem ou com a petitio principii. As segundas, pelo contrário, “aparecem em raciocínios 
cuja formulação contém palavras ou frases ambíguas, cujos significados oscilam e mudam de 
modo mais ou menos sutil no curso do raciocino” (Copi, 1986, p. 194). Naturalmente, a lógica 
formal dedutiva só nos fornece instrumentos plenamente adequados para fazer frente às 
falácias formais. 
 
[...] 
 
11. LÓGICA JURÍDICA E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA 
Antes de passar a considerar essas teorias, convém esclarecer um último ponto: como a 
argumentação jurídica (ou a teoria da argumentação jurídica) se relaciona com a lógica 
jurídica. 
Por um lado, se pode dizer que a argumentação jurídica vai além da lógica jurídica porque, 
como vimos anteriormente, os argumentos jurídicos podem ser estudados também de uma 
perspectiva que não é a da lógica: por exemplo, da perspectiva psicológica ou sociológica, ou 
então da perspectiva não formal, às vezes chamada de “lógica material” ou “lógica informal”, 
e outras vezes de “tópica”, “retórica”, “dialética” etc. 
Por outro lado, a lógica jurídica vai além da argumentação jurídica no sentido de que tem 
um objeto de estudo mais amplo. Para esclarecer isso podemos utilizar uma conhecida 
distinção feita por Bobbio (1965) dentro da lógica jurídica. Na sua opinião, a lógica jurídica 
seria constituída pela lógica do Direito, que se concentra na análise da estrutura lógica das 
normas e do ordenamento jurídico, e pela lógica dos juristas, que se ocupa do estudo dos 
diversos raciocínios ou argumentações feitos pelos juristas teóricos ou práticos. Naturalmente, 
esses dois campos de estudo não podem se separar de maneira taxativa: por exemplo, a 
construção do silogismo jurídico não pode ser feita desconsiderando-se a análise lógica das 
normas jurídicas, já que – como vimos – uma de suas premissas e a conclusão são normas; 
e quando discutimos a questão de se a lógica se aplica ou não às normas, surgiu o problema 
das contradições entre normas, um problema típico da lógica do Direito ou – como hoje se 
costuma denominar – da lógica deôntica ou das normas. 
A análise lógica dos raciocínios jurídicos – a lógica dos juristas – é um campo de estudo 
tradicional da teoria do Direito. Contudo, a utilização da lógica formal moderna – isto é, da 
lógica matemática ou lógica simbólica – para esses propósitos é algo que ocorreu basicamente 
a partir da Segunda Guerra Mundial. A obra que se costuma considerar como pioneira é 
a Juristische Logik, de Ulrich Klug, cuja primeira edição data de 1951, embora – como explica 
o autor no prólogo – sua concepção da lógica jurídica já estivesse elaborada desde 
1939.14 Klug parte de uma concepção da lógica geral como “teoria da consequência lógica” 
(p. 2), o que lhe permite distinguir entre argumentos válidos e não válidos do ponto de vista 
lógico-formal. A lógica jurídica seria uma parte especial dessa lógica geral, ou seja, “a teoria 
das regras lógico-formais que são empregadas na aplicação do Direito” (p. 8). E nela, por sua 
vez, ele distingue entre a forma básica do raciocínio jurídico – o que chamamos de silogismo 
judicial ou jurídico —, que, na sua opinião, seria uma aplicação ao campo do Direito do 
silogismo tradicional modus barbara; e os argumentos especiais da lógica jurídica. Nessa 
última categoria incluem-se: o raciocínio por analogia (ou a simili), o raciocínio a contrario, os 
argumentos a fortiori (a maiore ad minus e a minori ad maius), o argurmentum ad absurdum e 
os argumentos interpretativos; estes são os que servem para estabelecer as premissas dos 
raciocínios dedutivos – seriam os meios a utilizar no que chamamos de “justificação externa” 
– e não fazem parte propriamente da lógica jurídica: são “princípios para a interpretação, não 
problemas lógico-jurídicos” (p. 197). 
Em sua análise dos raciocínios jurídicos, Klug não leva em conta, entretanto, a lógica 
deôntica ou lógica das normas. Essa disciplina se desenvolve também a partir de 1951 (ano 
em que aparece o ensaio de George H. von Wright, Deontic logic) e leva à concepção da 
lógica jurídica tanto como lógica do Dircito quanto como lógica dos juristas – não como uma 
aplicação da lógica formal geral ao campo do Direito, e sim como uma 
lógica especial, elaborada a partir das modalidades deônticas de obrigação, proibição e 
permissão. Esses operadores deônticos podem, assim, ser utilizados – como fizemos 
anteriormente – para dar conta dos (ou de alguns dos) raciocínios jurídicos. Vejamos, de modo 
resumido, como se propõe essa tarefa um autor como Kalinowski, que foi também um dos 
fundadores da lógica deôntica. 
Kalinowski (1973) considera raciocínios jurídicos aqueles que são exigidos pela vida 
jurídica, e apresenta para eles uma dupla classificação. Por um lado, distingue entre 
raciocínios de coação intelectual (lógicos), de persuasão (teóricos) e propriamente jurídicos 
(os que se baseiam em suposições, prescrições, ficções etc. estabelecidas pela lei). Por outro, 
ele separa os raciocínios normativos (em que pelo menos uma das premissas e a conclusão 
são normas) dos não normativos (que seriam jurídicos apenas por acidente). Os raciocínios 
normativos, por seu lado, podem ocorrer no plano da elaboração, da interpretaçãoou da 
aplicação do Direito. Concretamente, no plano da interpretação do Direito utilizam-se tanto 
argumentos extralógicos, baseados em meios puramente jurídicos (por exemplo, os 
argumentos a rubrica, pro subjecta materia etc.), quanto argumentos paralógicos, que se 
baseiam em técnicas retóricas (p. ex., os argumentos ab autoritate, a generali sensu, ratione 
legis estricta etc.) e argumentos lógicos, que se baseiam na lógica formal propriamente dita 
(p. ex., argumentos a fortiori, a maiori, a pari e a contrario). Contudo, os argumentos 
estritamente lógicos são regidos tanto por regras lógicas em sentido estrito (as da lógica 
deôntica fazem parte da lógica formal dedutiva) quanto por regras extralógicas, isto é, por 
regras jurídicas de interpretação do Direito. Além disso, Kalinowski considera que o primeiro 
tipo de regras se subordina ao segundo, o que poderia ser entendido no sentido de que a 
justificação interna depende da (ou é um momento logicamente posterior ao da) justificação 
externa. 
 
 
 
Capítulo 2: A Tópica e o Raciocínio Jurídico 
1. O CONTEXTO DO SURGIMENTO DA TÓPICA JURÍDICA 
O que normalmente se entende hoje por teoria da argumentação jurídica tem sua origem 
numa série de obras dos anos 1950 que compartilham entre si rejeição da lógica formal como 
instrumento para analisar os raciocínios jurídicos. As três concepções mais relevantes (às 
quais dedicarei, respectivamente, este capítulo e os dois seguintes) são atópica de Viehweg, 
a nova retórica de Perelman e a lógica informal de Toulmin. 
Em 1953 foi publicada a primeira edição da obra de Theodor Viehweg Topik and 
Jurisprudenz, cuja ideia fundamental consistia em reivindicar o interesse que, para a teoria e 
a prática jurídicas, tinha a ressurreição do modo de pensar tópico ou retórico. O livro de 
Viehweg teve grande êxito na teoria do Direito da Europa continental e se converteu, desde 
então, num dos centros de atenção da polêmica em torno do chamado “método jurídico”. Com 
relação às muitas discussões que, a partir daí, se sucederam – sobretudo, naturalmente, na 
Alemanha – entre partidários e os detratores da tópica, é preciso dizer que, em geral, o debate 
foi proposto em termos não muito claros, devido em grande parte ao caráter esquemático e 
impreciso da obra fundadora de Viehweg. 
 
[...] 
 
2. THEODOR VIEHWEG: UMA CONCEPÇÃO TÓPICA DO 
RACIOCÍNIO JURÍDICO 
2.1. O desenvolvimento histórico da tópica 
O livro de Viehweg, anteriormente mencionado, começa com uma referência a uma obra 
de Vico do início do século XVIII, na qual o autor contrapunha o método antigo, tópico ou 
retórico, ao método novo, o método crítico do cartesianismo, e propunha a necessidade de 
intercalar no novo método a tópica (que ensina a examinar uma coisa sob ângulos muitos 
diferentes; a tópica toma como ponto de partida não um primium verum, e sim o verossímil, o 
sentido comum, e o desenvolve mediante um tecido de silogismos e não mediante longas 
deduções em cadeia). A tópica constitui, com efeito, uma parte da retórica, isto é, de uma 
disciplina que teve uma grande importância na Antiguidade e na Idade Média e inclusive 
depois, até a época do racionalismo. 
As duas grandes contribuições da Antiguidade são as obras de Aristóteles e Cícero. 
A Tópica, de Aristóteles, era uma das seis obras que compunham o Organon. Nela, 
Aristóteles parte de uma caracterização dos argumentos dialéticos (dos quais se ocupam os 
retóricos e os sofistas) com relação aos argumentos apodíticos ou demonstrativos (dos quais 
se ocupam os filósofos), aos argumentos erísticos e às pseudoconclusões ou paralogismos. 
Os argumentos dialéticos (os da tópica) se diferenciam dos apodíticos porque partem do 
simplesmente provável ou verossímil, e não de proposições primeiras ou verdadeiras. Quanto 
ao mais, contudo, as conclusões dialéticas são iguais às apodíticas e, aocontrário das erísticas 
e das pseudoconclusões, formalmente corretas. A diferença essencial reside, pois, na 
natureza das premissas, que no caso dos argumentos dialéticos sãoendoxa, isto é, 
proposições que parecem verdadeiras a todos ou aos mais sábios, e dentre estes também a 
todos ou à maior parte, ou aos mais conhecidos ou famosos (Aristóteles,Tópica, I, 1, 5, 3). Por 
essa razão, no estudo dos argumentos dialéticos Aristóteles se ocupa, além da indução e do 
silogismo (os dois modos de inferir um enunciado de outro), da descoberta das premissas, da 
identificação do sentido das palavras, da descoberta de gêneros e espécies e da descoberta 
de analogias. 
A Tópica de Cícero (obra dedicada precisamente a um jurista) teve uma influência histórica 
maior do que a obra de Aristóteles e se distingue desta pelo fato de, fundamentalmente, tentar 
formular e aplicar um inventário de tópicas (quer dizer, de lugares-comuns, de pontos de vista 
que têm aceitação generalizada e são aplicáveis seja universalmente, seja num determinado 
ramo do saber) e não, como a de Aristóteles, de elaborar uma teoria. Em Cícero desaparece 
a distinção entre o apodítico e o dialético, mas em seu lugar surge uma distinção que tem uma 
origem estoica (e que lembra até certo ponto a distinção vista no tema anterior entre contexto 
de descoberta e contexto de justificação), entre a invenção e a formação do juízo. A tópica 
surge precisamente no campo da invenção, da obtenção de argumentos; e um argumento é, 
para Cícero, uma razão que serve para convencer de uma coisa duvidosa (rationem quae rei 
dubiae faciat fidem); os argumentos estão contidos nos lugares ou loci – os topoi gregos –, 
que são, portanto, sedes ou depósitos de argumentos; a tópica seria a arte de achar os 
argumentos (cf. García Amado, 1988, p. 68). A formação do juízo, pelo contrário, consistiria 
na passagem das premissas para a conclusão. 
Como parte da retórica, a tópica – como já disse – teve uma importância considerável na 
formação antiga e medieval. A retórica, com efeito, foi uma das sete artes liberais que integrou 
o Trivium, juntamente com a gramática e a dialética (a lógica medieval). O modo de pensar 
tópico surge, assim, como um contraponto do modo de pensar sistemático-dedutivo, do qual 
a geometria de Euclides é o exemplo paradigmático na Antiguidade. A desqualificação da 
tópica e sua perda de influência na cultura ocidental teriam ocorrido precisamente a partir do 
racionalismo e da irrupção do método matemático-cartesiano. 
2.2 Características da tópica 
Viehweg caracteriza a tópica por três elementos, que aliás aparecem estreitamente ligados 
entre si (cf. García Amado, 1988, p. 90): por um lado a tópica é, do ponto de vista de seu 
objeto, uma técnica do pensamento problemático; por outro lado, do ponto de vista do 
instrumento com que opera, o que se torna central é a noção de topos ou lugar-
comum;finalmente, do ponto de vista do tipo de atividade, a tópica é uma busca e exame de 
premissas: o que a caracteriza é ser um modo de pensar no qual a ênfase recai nas premissas, 
e não nas conclusões. 
Assim, a tópica é (de acordo com a distinção de Cícero aludida anteriormente) uma ars 
inveniende, um procedimento de busca de premissas (de tópicos) que, na realidade, não 
termina nunca: o repertório de tópicos sempre é necessariamente provisório, elástico. Os 
tópicos devem ser entendidos de um modo funcional, como possibilidades de orientação e 
como fios condutores do pensamento que só permitem alcançar conclusões curtas. A isso se 
contrapõe a ars iudicandi, a lógica demonstrativa que recebe as premissas e trabalha com 
elas, o que permite a elaboração de longas cadeias dedutivas. 
Por outro lado, os tópicos devem ser vistos como premissas compartilhadas que têm uma 
presunção de plausibilidade ou que, pelo menos, impõem a carga da argumentação a quem 
os questiona. Mas o problema essencial que se coloca com seu uso é que os tópicos não 
estão hierarquizados entre si, de maneiraque, para a resolução de uma mesma questão, seria 
necessário utilizar tópicos diferentes, que levariam também a resultados diferentes. 
 
[...] 
 
2.3. Tópica e jurisprudência 
A partir dessa caracterização da tópica, Viehweg sustenta que a jurisprudência na Roma 
antiga e durante a Idade Média foi, essencialmente, uma jurisprudência tópica. Na sua opinião, 
o estilo jurista romano se baseava na proposição de um problema para o qual se tratava de 
encontrar argumentos, e não na elaboração de um sistema conceitual. O objetivo principal da 
“ius civile” eram coleções de regras, de tópicas (p. ex., quod initio vitiosum est, non potest 
tractu tempore convalescere; nemo plus iuris ad alium tranferre potest quam ipse haberet 
etc.) que se legitimavam quando eram aceitos por homens notáveis, de prestígio (a 
importância da referência à autoridade para a tópica é uma constante desde Aristóteles). E 
outro tanto é preciso dizer sobre a jurisprudência medieval, no que diz respeito aos pré-
glosadores e também aos glosadores, mas, sobretudo, aos comentaristas domos italicus. Na 
Idade Média o estudo do Direito era precedido pelo da retórica (tanto nos canonistas – 
decretistas – quanto nos legistas), e daí o fato de muitos juristas famosos (começando por 
Irnerio) terem sido mestres de retórica antes de sê-lo no Direito. Viehweg assinala, em 
particular, que o estilo de ensino no mos italicus se baseava na discussão de problemas, 
aduzindo-se argumentos a favor e contra as suas possíveis soluções, e não tanto na 
configuração de um sistema; “O professor assinalava para os alunos”, acrescenta ele, “o 
trabalho de organização sistemática” (p. 100). Inclusive Leibniz – precursor da logística 
moderna – tratou, numa obra de juventude, de ligar o tradicional estilo de pensamento 
medieval ao pensamento matemático do século XVII, mas sua intenção de matematizar a 
tópica, de pôr sob controle matemático a ars inveniendi – que contava com o notabilíssimo 
precedente medieval da Ars Magna do maiorquino Ramón Llull – fracassou, devido 
basicamente às múltiplas vozes da linguagem natural. 
 
A partir da época moderna – continua Viehweg – a cultura ocidental optou por abandonar 
a tópica e substituí-la pelo método axiomático dedutivo. Esse método consiste em partir de 
uma série de princípios e axiomas que devem ter as propriedades de plenitude, 
compatibilidade e independência, mas ele não pode ser aplicado ao campo da jurisprudência. 
“Ao passo que algumas disciplinas podem encontrar princípios objetivos seguros e 
efetivamente fecundos para o seu campo, e por isso podem ser sistematizadas, outras não 
são sistematizáveis, por ser impossível encontrar em seu campo algum princípio que seja ao 
mesmo tempo seguro e objetivamente fecundo. Quando esse caso se apresenta, é possível 
apenas uma discussão de problemas. O problema fundamental preexistente se torna 
permanente, o que, no âmbito da atuação humana, não é algo inusitado. Nessa situação se 
encontra evidentemente a jurisprudência” (Viehweg, 1964, p. 129). O propósito, característico 
da época moderna, de atuar no Direito com um método dedutivo, isto é, de dotar de caráter 
científico a técnica jurídica, é, assim, equívoco, porque obrigaria a uma série de operações e 
mudanças no Direito que são inviáveis. Segundo Viehweg seria necessária a axiomatização 
do Direito, o estabelecimento da proibição de interpretar as normas, permitir o non liquet, uma 
intervenção contínua do legislador, e estabelecer preceitos de interpretação dos fatos que se 
orientassem exclusivamente para o sistema jurídico. Como isso é impossível, a alternativa que 
permanece aberta é a de não modificar a essência da técnica jurídica (i. e., seu caráter tópico), 
mas apenas concebê-la como uma forma de manifestação da incessante busca do justo, da 
qual emana o Direito positivo e que continua apresentada pelo Direito positivo (cf. Viehweg, 
1964, p. 124). A jurisprudência aparece, assim, como uma técnica que opera topicamente – 
dentro do sistema jurídico e que se opõe ao pensar investigador, praticado por disciplinas não 
dogmáticas como a história do Direito ou sociologia do Direito. 
A exposição que Viehweg faz da tópica culmina com uma referência a alguns exemplos da 
doutrina civilista alemã dos anos 1940 e 1950 que, na sua opinião, encarnariam o modelo 
tópico de jurisprudência por ele proposto, e que se basearia nos três pressupostos seguintes: 
1) “A estrutura total da jurisprudência só pode ser determinada a partir do problema”; a aporia 
fundamental é o problema de determinar o que é o justo aqui e agora. 2) “As partes integrantes 
da jurisprudência, seus conceitos e proposições, precisam ficar ligadas de um modo específico 
ao problema e só podem ser compreendidas a partir dele”. 3) “Os conceitos e as proposições 
da jurisprudência só podem ser utilizados numa implicação que conserve a sua vinculação 
com o problema. É preciso evitar qualquer outra” (Viehweg, 1964, p. 129-130). 
 
 
 
Capítulo 3: Perelman e a nova retórica 
1. O SURGIMENTO DA NOVA RETÓRICA 
No capítulo anterior, ao considerar a obra de Viehweg, já fiz referência à recuperação da 
tradição tópica e da retórica antigas que ocorre a partir da segunda metade do século XX. Mas 
não me referi ao autor que provavelmente contribuiu em maior grau para esse ressurgimento: 
Chaïm Perelman. 
Embora seja de origem polonesa, Perelman (nascido em 1912 e morto em 1984) viveu 
desde criança na Bélgica e estudou Direito e Filosofia na Universidade de Bruxelas. Começou 
a dedicar-se à lógica formal e escreveu a sua tese, em 1938, sobre Gottlob Frege, o pai da 
lógica moderna. Durante a ocupação nazista, Perelman se dedicou a realizar um trabalho 
sobre a Justiça (cf. Perelman, 1945; tradução em espanhol, Perelman, 1964), aplicando a 
esse campo o método positivista de Frege, o que supunha eliminar da ideia de justiça todo 
juízo de valor, pois os juízos de valor recairiam fora do campo do racional. Sua tese 
fundamental é de que se pode formular uma noção válida de justiça de caráter puramente 
formal, que ele enuncia assim: “Deve-se tratar do mesmo modo os seres pertencentes à 
mesma categoria.” 
Mas, dado o caráter formal dessa regra, é preciso contar com outros critérios materiais de 
justiça que permitam estabelecer quando dois ou mais seres pertencem à mesma categoria. 
Segundo Perelman, é possível distinguir os seis critérios seguintes, que definem outros tantos 
tipos de sociedade e de ideologia: a cada um o mesmo; a cada um segundo atribuído pela lei; 
a cada um segundo a sua categoria; a cada um segundo seus méritos ou sua capacidade; a 
cada um segundo seu trabalho; a cada um segundo suas necessidades. O problema que 
surge, então, é que a introdução desses últimos critérios implica necessariamente que se 
assumam juízos de valor, o que leva Perelman a propor a questão de como se raciocina a 
propósito de valores. 
 
[...] 
 
2. A CONCEPÇÃO RETÓRICA DO RACIOCÍNIO PRÁTICO 
2.1. Lógica e retórica 
Perelman parte – como já indiquei – da distinção básica de origem aristotélica entre 
raciocínios analíticos ou lógico-formais, por um lado, e raciocínios dialéticos ou retóricos, por 
outro, e situa sua teoria da argumentação nesse segundo item. Seu objetivo fundamental é 
ampliar o campo da razão para além dos confins das ciências dedutivas e das ciências 
indutivas ou empíricas, a fim de poder dar conta também dos raciocínios que ocorrem nas 
ciências humanas, no Direito e na Filosofia. O que interessa a ele, concretamente, é a 
estrutura da argumentação, a sua lógica, e não, por exemplo, os seus aspectos psicológicos; 
com isso, ele pretende seguir um programa semelhante ao de Frege: enquanto este renovou 
a lógica formal ao partir da ideia de que nas deduções matemáticas se encontram os melhores 
exemplos de raciocínios lógicos, Perelman parte da ideia de que a análisedos raciocínios 
utilizados pelos políticos, juízes ou advogados (embora no Tratado apareçam sobretudo 
exemplos de obras literárias) deve ser o ponto de partida para a construção de uma teoria da 
argumentação jurídica. 
A lógica formal se move no terreno da necessidade. Um raciocínio lógico-dedutivo, ou 
demonstrativo, implica – como vimos – que a passagem das premissas para a conclusão é 
necessária: se as premissas são verdadeiras, então a conclusão também será, 
necessariamente. Ao contrário, a argumentação em sentido estrito se move no terreno do 
simplesmente plausível. Os argumentos retóricos não estabelecem verdades evidentes, 
provas demonstrativas, e sim mostram o caráter razoável, plausível, de uma determinada 
decisão ou opinião. Por isso, é fundamental, na argumentação, a referência a um auditório ao 
qual se trata de persuadir. Se Perelman escolhe, para designar a sua teoria, o nome “retórica” 
e não “dialética”, isso se deve precisamente à importância que ele dá à noção de auditório, 
que certamente é a noção central da sua teoria (cf. Fisher, 1986, p. 86), e ao fato de que 
“dialética” lhe parece um termo mais equívoco, pois ao longo da história ele foi utilizado com 
múltiplos significados: para os estoicos e os autores medievais era sinônimo de lógica, em 
Hegel – e em Marx –, como se sabe, tem um sentido completamente diferente etc. 
Por outro lado, Perelman considera a argumentação como um processo em que todos os 
seus elementos interagem constantemente, e nisso ela se distingue também da concepção 
dedutiva e unitária do raciocínio de Descartes e da tradição racionalista. Descartes via no 
raciocínio um “encadeamento” de ideias, de tal maneira que a cadeia das proposições não 
pode ser mais sólida do que o mais frágil dos anéis; basta que se rompa um dos anéis para 
que a certeza da conclusão se desvaneça. Ao contrário, Perelman considera que a estrutura 
do discurso argumentativo se assemelha à de um tecido: a solidez deste é muito superior à 
de cada fio que constitui a trama (Perelman, 1969). Uma consequência disso é a 
impossibilidade de separar radicalmente cada um dos elementos que compõe a 
argumentação. Não obstante, para efeitos expositivos, Perelman e Olbrecht-Tyteca, 
no Tratado, dividem o estudo da teoria da argumentação em três partes: os pressupostos ou 
limites da argumentação; os pontos ou teses de partida; e as técnicas argumentativas, quer 
dizer, os argumentos em sentido estrito. 
 
2.2. Os pressupostos da argumentação 
Uma vez que toda argumentação pede a adesão dos indivíduos – o auditório a que se 
dirige –, para que haja argumentação são necessárias certas condições prévias, como a 
existência de uma linguagem comum ou a participação ideal do interlocutor, que precisa ser 
mantida ao longo de todo o processo da argumentação. Na argumentação pode-se distinguir 
três elementos: o discurso, o orador e o auditório; mas este – como já indiquei – tem um papel 
predominante e se define como “o conjunto de todos aqueles em quem o orador quer influir 
com a sua argumentação” (Perelman e Olbrecht-Tyteca, 1989, p. 55). Perelman deixa claro 
como a distinção clássica entre três gêneros oratórios, o deliberativo (diante da assembleia), 
o judicial (diante dos juízes) e o epidítico (diante dos espectadores que não têm de se 
pronunciar), se faz precisamente do ponto de vista da função que em cada um deles 
desempenha o auditório. E concede por certo uma considerável importância ao gênero 
epidítico (quando o discurso parte da adesão prévia do auditório, como ocorre nos panegíricos, 
nos sermões religiosos ou nos comícios políticos), pois o fim da argumentação não é apenas 
conseguir a adesão do auditório, mas também acrescentá-la. Contudo, a classificação mais 
importante de tipos de argumentação feita por Perelman se baseia na distinção entre a 
argumentação que ocorre diante do auditório universal, a argumentação diante de um único 
ouvinte (o diálogo) e a deliberação consigo mesmo. 
Nos últimos anos, sobretudo, concedeu-se grande importância ao conceito perelmaniano 
de auditório universal, que, embora esteja longe de ser um conceito claro, pelo menos 
no Tratado parece caracterizar-se por estes aspectos: 1) é um conceito limite, no sentido de 
que a argumentação diante do auditório universal é a norma da argumentação objetiva; 2) 
dirigir-se ao auditório universal é o que caracteriza a argumentação filosófica; 3) o conceito de 
auditório universal não é um conceito empírico: o acordo de um auditório universal “não é uma 
questão de fato, e sim de direito” (ibid., p. 72); 4) o auditório universal é ideal no sentido de 
que é formado por todos os seres dotados de razão, mas por outro lado é uma construção do 
orador, quer dizer, não é uma entidade objetiva; 5) isso significa não apenas que oradores 
diferentes constroem auditórios universais diferentes, mas também que o auditório universal 
de um mesmo orador muda. 
Uma das funções que esse conceito desempenha na obra de Perelman é a de permitir 
distinguir (embora se trate de uma distinção imprecisa, como ocorre também com a distinção 
entre os diversos auditórios) entre persuadir e convencer. Uma argumentação persuasiva, 
para Perelman, é aquela que só vale para um auditório particular, ao passo que uma 
argumentação convincente é a que se pretende válida para todo ser dotado de razão. 
Enfim, a argumentação, ao contrário da demonstração, está estreitamente ligada à ação. A 
argumentação é, na realidade, uma ação – ou um processo – com a qual se pretende obter 
um resultado; conseguir a adesão do auditório, mas só por meio da linguagem, quer dizer, 
prescindindo do uso da violência física ou psicológica. Por outro lado, sua proximidade com a 
prática faz com que, na argumentação, não se possa falar propriamente de objetividade, mas 
sim de imparcialidade: “Ser imparcial não é ser objetivo, é fazer parte do mesmo grupo que 
aqueles a quem se julga, sem ter antecipadamente tomado partido de nenhum deles.” (ibid., p. 
113) A noção de imparcialidade, por outro lado, parece estar em contato estreito com a regra 
de justiça (ser imparcial implica que, em circunstâncias análogas, se reagiria do mesmo modo) 
e com a de auditório universal (os critérios seguidos teriam de ser válidos para o maior número 
possível e, em última instância, para o auditório universal – cf. ibid., p. 115). 
[...] 
 
2.4. As técnicas argumentativas 
2.4.1. Classificação dos argumentos 
No Tratado, Perelman e Olbrecht-Tyteca partem de uma classificação geral das técnicas 
argumentativas, dos argumentos, em dois grupos, conforme possam ser vistos como 
procedimentos de união (“unem elementos distintos e permitem estabelecer entre eles uma 
solidariedade que pretenda seja estruturá-los, seja valorá-los positiva ou negativamente”) 
(Perelman e Olbrecht-Tyteca, 1989, p. 299) ou de dissociação (seu objetivo é “dissociar, 
separar, dissolidarizar elementos considerados componentes de um todo ou pelo menos de 
um conjunto solidário no interior de um sistema de pensamento”) (ibid., p. 299-300). Por sua 
vez, os primeiros se classificam em: argumentos quase lógicos, cuja força deriva de sua 
proximidade – mas não identificação – em relação aos argumentos puramente lógicos ou 
matemáticos; argumentos baseados na estrutura do real, quer se trate de uniões de sucessão 
ou de uniões de coexistência; e argumentos que dão a base para a estrutura do real, tomando 
como fundamento o caso particular ou a semelhança de estruturas existentes entre elementos 
pertencentes a domínios distintos (analogia). Para esclarecer um pouco mais as coisas desde 
o princípio, pode ser útil oferecer o seguinte quadro, que contém a maior parte das técnicas 
argumentativas estudadas no Tratado: 
 
TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS 
De reunião ou associação: 
– argumentos quase lógicos 
– lógicos 
– contradição 
– identidade– completa: definição 
– parcial: 
– regra de justiça 
– reciprocidade 
– transitividade 
– matemáticos 
– de inclusão: 
– relação parte-todo 
– relação parte-todo de um todo 
– dilema 
– argumentos jurídicos: 
– a pani 
– a contrario 
– de comparação: argumento do sacrifício 
– probabilidades 
– argumentos baseados na estrutura do real 
– uniões de sucessão 
– baseadas no nexo causal 
– argumento pragmático 
– relação fato-consequência e meio-fim 
– argumento meio-fim 
– argumentação por etapas 
– argumento do esbanjamento 
– argumento da direção 
– argumento da superação 
– uniões de coexistência 
– relação ato-pessoa: argumento de autoridade 
– relação indivíduo-grupo 
– relação simbólica 
– dupla hierarquia 
– diferenças de grau e de ordem 
– argumentos que dão a base para a estrutura do real 
– argumentação pelo caso particular 
– exemplo 
– ilustração 
– modelo 
– raciocínio por analogia 
De dissociação. 
 
[...] 
 
 
3. A LÓGICA JURÍDICA COMO ARGUMENTAÇÃO 
Como já vimos, Perelman distingue entre uma retórica geral e uma retórica aplicada a 
campos específicos, como é o caso do Direito. Ao estudo das técnicas e raciocínios próprios 
dos juristas, ele chama, entretanto, lógica jurídica. Mas a lógica jurídica não é, para Perelman, 
um ramo da lógica formal aplicada ao Direito, porque os raciocínios jurídicos não podem 
absolutamente ser reduzidos a raciocínios lógico-formais (e daí as suas diferenças com 
Kalinowski ou Klug), sendo na verdade – como já disse – um ramo da retórica: a argumentação 
jurídica é, inclusive, o paradigma da argumentação retórica. Em resumo, trata-se novamente 
da distinção entre raciocínios analíticos e dialéticos, que remonta a Aristóteles: “O papel da 
lógica formal é fazer com que a conclusão seja solidária com as premissas, mas o da lógica 
jurídica é mostrar a aceitabilidade das premissas [...]. A lógica jurídica, especialmente a judicial 
[...] se apresenta, resumindo, não como uma lógica formal, e sim como uma argumentação 
que depende da maneira como os legisladores e os juízes concebem a sua missão e da ideia 
que eles fazem do Direito e do seu funcionamento na sociedade.” (Perelman, 1979b, p. 232 e 
233) Contudo, Perelman vai além de Aristóteles (cf. Alexy, 1978, p. 159), pois ao passo que, 
para este, a estrutura do raciocínio dialético é a mesma do silogismo (a diferença residiria 
exclusivamente na natureza das premissas – no caso do raciocínio dialético são apenas 
plausíveis), Perelman entende que a passagem das premissas para a conclusão se produz 
de forma diferente na argumentação: “Enquanto isso no silogismo a passagem das premissas 
para a conclusão é necessária, não ocorre o mesmo quando se trata de passar de um 
argumento para uma decisão. Essa passagem não pode ser de modo algum necessária, pois, 
se fosse, não nos encontraríamos, em absoluto, diante de uma decisão, que supõe sempre a 
possibilidade de decidir de outra maneira ou de não tomar nenhuma decisão.” (Perelman, 
1979b, p. 11) 
Por outro lado, a especificidade do raciocínio jurídico parece consistir no seguinte: ao 
contrário do que ocorre nas ciências (em particular nas ciências dedutivas) e semelhante ao 
que ocorre na filosofia e nas ciências humanas, na argumentação jurídica é difícil chegar a um 
acordo entre as partes; quer dizer, a argumentação tem o caráter de uma controvérsia. 
Entretanto, consegue-se superar essa dificuldade mediante a imposição de uma decisão 
baseada na autoridade, ao passo que, na filosofia e nas ciências humanas, cada uma das 
partes permanece em sua posição. Em particular, a autoridade judicial desempenha, na 
concepção de Perelman, um papel central, e daí o fato de se considerar que é no 
procedimento judicial que “o raciocínio jurídico se manifesta por antonomásia” (ibid., p. 201). 
 
 
 
Capítulo 4: A Teoria da Argumentação de Toulmin 
 
1. UMA NOVA CONCEPÇÃO DA LÓGICA 
As ideias de Toulmin a que vou me referir neste capítulo constituem – como as de Viehweg 
e as de Perelman – uma tentativa de dar conta da argumentação a partir de um modelo que 
não é o da lógica dedutiva. Mas Toulmin não busca a sua inspiração numa recuperação da 
tradição tópica ou retórica. Ele parte da ideia de que a lógica é algo que tem relação com a 
maneira como os homens pensam, argumentam e efetivamente inferem, e constata, ao 
mesmo tempo, que a ciência da lógica se apresenta – e se apresentou historicamente, desde 
Aristóteles – como uma disciplina “autônoma” e sem preocupação com a prática. Toulmin não 
pretende dizer, apenas, que o modelo da lógica formal dedutiva não pode ser transferido para 
o campo do que se costuma chamar de “razão prática”, e sim que a lógica – tal como 
habitualmente é entendida – não permite dar conta, tampouco, da maior parte dos argumentos 
que se articulam em qualquer outro âmbito, inclusive o da ciência. Na realidade, o único campo 
para o qual seria adequada a concepção da argumentação que a lógica utiliza é o da 
matemática pura. 
Devem-se a Toulmin importantes contribuições em diversos campos da filosofia, como o 
da teoria ética (cf. Toulmin, 1979, e Jonsen e Toulmin, 1988), o da filosofia da ciência (Toulmin, 
1972) e o da lógica; este é, contudo, o único que nos interessa aqui. Suas ideias fundamentais 
a esse respeito estão expostas num livro de 1958, The uses of argument(Toulmin, 1958), 
constituído em grande parte pela reunião de artigos que ele havia publicado nos 
imediatamente anteriores. Em termos gerais, pode-se dizer que sua filosofia se situa 
basicamente nas perspectivas de crítica ao formalismo e primazia da linguagem natural, 
abertas pelo “segundo Wittgenstein” (cf. Janik e Toulmin, 1973); e, particularmente, sua teoria 
da argumentação deve muito – segundo o próprio Toulmin – a J. Wisdom e G. Ryle, dois 
filósofos que se enquadram precisamente nesse tipo de direção analítica. 
A intenção de Toulmin – como ele mesmo indica (1958, prefácio) – é “radical” e consiste 
em se opor a uma tradição que parte de Aristóteles e pretende fazer da lógica uma ciência 
formal, comparável à geometria. Toulmin, ao contrário, propõe-se deslocar o centro de 
atenção da teoria lógica para a prática lógica; a ele não interessa uma “lógica idealizada”, e 
sim uma lógica eficaz ou aplicada (working logic); e, para produzir essa eficácia, ele escolhe 
como modelo não a geometria, mas jurisprudência: A lógica (podemos dizer) é jurisprudência 
generalizada. Os argumentos podem ser comparados a litígios jurídicos e as pretensões que 
fazemos e a favor das quais argumentamos em contextos extrajurídicos, a pretensões feitas 
diante dos tribunais; ao passo que os casos que apresentamos ao tornar bom cada tipo de 
pretensão podem ser comparados entre si. Uma tarefa fundamental da jurisprudência é 
caracterizar o essencial do processo jurídico: os procedimentos pelos quais se propõem, se 
questionam e se determinam as pretensões jurídicas, e as categorias em cujos termos se faz 
isso. Nossa investigação é paralela: tentaremos, de modo semelhante, caracterizar o que se 
pode chamar de “o processo racional” (Toulmin, 1958, p. 7). O paralelismo entre lógica e 
jurisprudência permite situar no centro a função crítica da razão (cf. ibid., p. 8). Um bom 
argumento, um argumento bem fundado, é aquele que resiste à crítica e a favor do qual se 
pode apresentar um caso que atenda aos critérios exigidos para merecer um veredito 
favorável. Caberia, inclusive, dizer que “nossas pretensões extrajurídicas precisam ser 
justificadas não perante suas majestades, os juízes, e sim diante do tribunal da razão” (p. 8). 
A correção de um argumento não é, assim, uma questão formal, quer dizer, algo que dependa 
exclusivamente da forma das premissas e da conclusão (dadas algumas proposições de certa 
forma, delas se pode inferir outra de determinada forma), e sim é uma questão de 
procedimento, no sentido de algoque precisa ser julgado de acordo com critérios (substantivos 
e historicamente variáveis), apropriados para cada campo de que se trate. 
 
[...] 
 
2. UMA CONCEPÇÃO NÃO FORMAL DA ARGUMENTAÇÃO 
2.1. Introdução. O que significa argumentar? 
O ponto de partida de Toulmin é a constatação de que um dos nossos modos de 
comportamento é constituído pela prática de raciocinar, de dar aos outros razões a favor do 
que fazemos, pensamos ou dizemos. Embora exista uma grande variedade de usos da 
linguagem, é possível distinguir entre um uso instrumental e um uso argumentativo. O primeiro 
ocorre quando as emissões linguísticas atingem seus propósitos diretamente, sem 
necessidade de produzir “razões” adicionais; por exemplo, quando se dá uma ordem, se pede 
algo etc. O uso argumentativo, pelo contrário, supõe que as emissões linguísticas fracassam 
ou têm êxito segundo possam se apoiar em razões, argumentos ou provas. Esse uso ocorre, 
por exemplo, quando se propõe uma pretensão jurídica (p. ex., “X tem direito a receber a 
herança”), se comenta uma execução musical, se apoia um candidato a um emprego etc. As 
situações e problemas com relação aos quais se argumenta podem ser muito diferentes, e, 
assim, o raciocínio muda conforme as situações. Entretanto, é possível propor algumas 
questões que são comuns: uma dessas questões é a de qual é a estrutura dos argumentos, 
isto é, de que elementos se compõem os argumentos, que funções cumprem esses elementos 
e como eles se relacionam entre si; outra é a força dos argumentos, isto é, a questão de com 
que intensidade e sob que circunstâncias o material apresentado na argumentação oferece 
um apoio com relação à pretensão, que é objetivo da argumentação. 
Antes de entrarmos na análise dessas questões, convém, entretanto, precisar o alcance 
dos termos básicos a utilizar. Assim, o termo “argumentação” é usado para a referência à 
“atividade total de propor pretensões, pô-las em questão, respaldá-las, produzindo razões, 
criticando essas razões, refutando essas críticas etc.” (Toulmin-Rike-Janik, p. 14). O termo 
“raciocínio” é usado, com um sentido mais restrito do que o anterior, para a referência à 
“atividade central de apresentar as razões a favor de uma pretensão, assim como para mostrar 
de que modo essas razões têm êxito em dar força à pretensão” (ibid.). No que se refere a 
“argumento”, diferenciam-se dois sentidos do termo. No primeiro sentido, um argumento é um 
encadeamento de raciocínio (“a train of reasoning”), isto é, “a sequência de pretensões e 
razões encadeadas que, entre si, estabelecem o conteúdo e a força da proposição, a favor da 
qual um determinado orador argumenta” (ibid.). No segundo sentido, os argumentos são algo 
em que as pessoas se veem envolvidas, isto é, são “interações humanas, por meio das quais 
se formulam, debatem e/ou contornam tais sequências de raciocínios” (ibid., p. 15). O que 
mais interessa a Toulmin são os argumentos nesse segundo sentido. Finalmente, quem 
participa de um argumento manifesta a sua racionalidade ou a sua falta de racionalidade, 
conforme se mostre aberto ao argumento (open to argument), isto é, reconhece a força das 
razões ou procura contestá-las etc., ou fica surdo ao argumento (deaf to argument), isto 
é, ignora as razões contrárias ou as contesta com asserções dogmáticas. 
 
2.2. O modelo simples de análise dos argumentos 
Num argumento pode-se sempre distinguir quatro elementos: a pretensão, as razões, a 
garantia e o respaldo. O primeiro deles, a pretensão (claim), significa tanto o ponto de partida 
quanto o ponto de chegada do nosso proceder na argumentação. Como exemplos de 
pretensões, podem servir estas: “Essa nova versão de King Kong tem mais sentido 
psicológico do que a original”; “A epidemia foi causada por uma infecção bacteriana, 
transmitida de uma sala para outra pelos utensílios do serviço de alimentação”; “A melhor 
medida provisória para a companhia é investir esse dinheiro em bônus municipais a curto 
prazo”; “X tem direito de receber a herança”. 
Assim, no início da argumentação alguém (vamos chamá-lo de proponente) propõe um 
problema diante de outro ou de outros (oponente). Caso o oponente questione de alguma 
forma a pretensão (do contrário não surge a necessidade de argumentar), o proponente terá 
de dar razões (grounds) a favor de sua pretensão inicial, que sejam ao mesmo tempo 
relevantes e suficientes. Por exemplo: “A menina não se limita a gritar e correr: ela tem algum 
tipo de troca com King Kong e demonstra sentimentos pessoais em relação a ele”; “Nossas 
investigações excluíram todo o resto, e finalmente encontramos um defeito na máquina de 
lavar louça do restaurante”; “Os bônus podem ser vendidos com facilidade, produzem um 
rendimento aceitável e estão livres de impostos”; “X é o único filho de Y, que morreu sem 
deixar testamento”. 
Assim, as razões não são teorias gerais, mas apenas os fatos específicos do caso, cuja 
natureza varia de acordo com o tipo de argumentação de que se trate; numa argumentação 
jurídica típica, por exemplo, as razões serão os fatos que integram o caso concreto da norma 
aplicável ao caso discutido. O oponente poderá, então, discutir novamente os fatos, mas, caso 
os aceite, poderá, inclusive, exigir do proponente que justifique a passagem das razões para 
a pretensão. Os enunciados gerais que autorizam essa passagem constituem 
a garantia (warrant) do argumento. A natureza das garantias depende também do tipo de 
argumento de que se trate, de maneira que poderá consistir numa regra de experiência, numa 
norma ou princípio jurídico, numa lei da natureza etc. Em todo caso, as garantias não são 
enunciados que descrevem fatos, mas regras que permitem ou autorizam a passagem de uns 
enunciados a outros. Poder-se-ia dizer que, enquanto os fatos ou razões são como os 
ingredientes de uma torta, a garantia é a receita que permite obter o resultado, combinando 
os ingredientes. Ou, dito de outro modo, a distinção entre razões e garantia é a mesma que 
se estabelece na argumentação jurídica entre enunciados de fato e normas; essa distinção 
jurídica viria a ser um caso especial de uma distinção mais geral (cf. Toulmin 1958, p. 100). 
Nos exemplos anteriores, o que funciona como garantia seriam enunciados gerais do seguinte 
tipo: “A existência de uma relação sentimental entre King Kong e a heroína do filme (permite 
considerar que o filme tem) profundidade psicológica”; “O defeito da lava-louça permite 
explicar esse tipo de epidemia”; “As vantagens dos bônus municipais a curto prazo fazem com 
que (justificam que) se trate realmente de um bom investimento”; “Os filhos são os herdeiros 
(devem ser os herdeiros) dos pais quando estes morrem sem deixar testamento”. 
 
O proponente estabeleceu agora uma garantia para o seu argumento, mas isso nem 
sempre é o bastante. Há ocasiões em que é necessário mostrar também que a garantia é 
válida, relevante e com peso suficiente; sobretudo quando há diversas formas possíveis de 
passar das razões à pretensão, o proponente terá de mostrar que a sua garantia é superior a 
qualquer outra. Para isso, ele deverá indicar o campo geral de informação ou 
o respaldo (backing) pressuposto na garantia apresentada e que, naturalmente, variará 
conforme o tipo de argumento. Como exemplo de tais respaldos, poderão servir os seguintes 
enunciados: “Os critérios habituais sobre o que significa ‘profundidade psicológica’ num filme”; 
“O campo geral de experiência científica sobre bactérias de origem hídrica e sobre o seu 
controle”; “Os usos nos negócios sobre o que se considera um bom investimento”; “O artigo 
930 do Código Civil”. Deve-se levar em conta que, enquanto os enunciados das garantias são 
hipotéticos (os exemplos anteriores poderia adotar essa forma; assim, “Se alguém morre sem 
deixar testamento, então o filho dessa pessoa tem direito à herança” etc.), o respaldo pode se 
exprimirna forma de enunciados categóricos sobre fatos (cf. Toulmin, 1958, p. 105). A garantia 
não é, portanto, uma simples repetição dos fatos registrados no respaldo, ela tem um caráter 
prático, mostra de que maneira se pode argumentar a partir de tais fatos (Toulmin, 1958, p. 
106). Por outro lado, embora tanto o respaldo quanto as razões se refiram a fatos, eles se 
distinguem entre si, dentre outros aspectos, porque enquanto sempre se precisa de alguma 
razão para poder falar de argumento, o respaldo só se torna explícito se se questiona a 
garantia. 
[...] 
Por certo, um argumento pode fazer parte de uma cadeia de argumentos e não se 
apresentar isoladamente. Mas parece que isso poderia continuar sendo representado sem 
maiores problemas segundo o modelo proposto. Assim, a pretensão de um argumento pode 
funcionar também como uma razão a favor de uma nova pretensão; as razões podem se 
converter em pretensões, que precisam, portanto, de um novo argumento para ser justificadas; 
e a garantia também pode ser vista como a pretensão de um novo argumento, e, nesse caso, 
o que antes era o respaldo passará a cumprir, agora, a função das razões, colocando-se com 
isso a necessidade de uma nova garantia para passar das razões à pretensão etc. 
 
2.3. O modelo geral. A força dos argumentos 
Os elementos anteriores fazem com que tenhamos um argumento válido ou correto. Uma 
questão diferente – como já foi dito – é a de qual é a força de um argumento. Por um lado a 
conclusão, a pretensão, pode ser afirmada com um grau de certeza maior ou menor. Assim, 
enquanto na matemática (e na lógica dedutiva) a passagem para a conclusão ocorre de 
maneira necessária, na vida prática isso não costuma acontecer, mas sim G (de grounds 
= razões), W (de warrant = garantia) e B (de backing = respaldo) prestam a C 
(claim = pretensão) um apoio mais fraco do que costuma manifestar por meio 
de qualificadores modais (qualifiers) como “presumivelmente”, “como toda a probabilidade”, 
“plausivelmente”, “segundo parece” etc. Por outro lado, o apoio fornecido a C pode sê-lo 
apenas em determinadas condições, isto é, existem determinadas circunstâncias 
extraordinárias ou excepcionais que podem solapar a força dos argumentos e as 
chamadas condições de refutação (rebuttals). 
[...] 
Ao esquema anterior, todavia, é preciso acrescentar duas especificações. A primeira: todos 
os elementos da argumentação estão ligados entre si, de forma que, entre eles, há uma forte 
dependência. A segunda: para que seja possível a argumentação – e os argumentos adquiram 
força – é necessário que haja pontos de partida em comum. Esses pressupostos comuns 
caracterizam cada uma das empresas racionais (direito, ciência, arte, negócios, ética), em 
cujo interior se argumenta. Por exemplo, os argumentos judiciais são fortes na medida em que 
servem para os fins mais profundos do processo jurídico; os argumentos científicos o são 
apenas na medida em que servem para fazer progredir nosso conhecimento científico etc. E, 
em última instância, o que funciona como respaldo final dos argumentos, diante de qualquer 
tipo de audiência, é o senso comum, pois “todos os seres humanos têm necessidades 
semelhantes e vivem vidas semelhantes, e assim compartilham fundamentos de que 
necessitam para usar e compreender métodos semelhantes de raciocínio” (Toulmin-Rieke-
Janik, 1984, p. 119). Consequentemente, o mundo da argumentação e do raciocínio não está 
partido em muitos grupos sem comunicação mútua, cada qual com a sua maneira diferente 
de pensar e de raciocinar. Em lugar disso, todos somos membros de uma “comunidade 
racional” e, dessa maneira, parte do júri que decidir finalmente sobre a correção da 
argumentação. 
 
[...] 
 
2.6. A argumentação jurídica 
Além do estudo das falácias, numa teoria da argumentação é importante considerar as 
diversas ligações existentes entre a linguagem e o raciocínio, as peculiaridades de alguns 
tipos de raciocínio, aos quais se costuma atribuir uma importância especial (p. ex., o 
argumento por analogia, a partir de generalizações, a partir de signos, a partir de causas e de 
autoridade) e, sobretudo, deve-se levar em conta que a atividade de argumentar tem 
características especiais conforme o campo ou a empresa racional de que se trate. Toulmin 
distingue basicamente estas cinco: o Direito, a ciência, a arte, os negócios e a ética. 
No que se refere, em particular, à argumentação jurídica, Toulmin considera, como já foi 
mencionado, que, de todas as instituições sociais, é o sistema jurídico que proporciona o foro 
mais intenso para a prática e a análise do raciocínio. Em princípio, o Direito (por meio dos 
tribunais de primeira instância) proporciona um foro para argumentar sobre as diferentes 
versões dos fatos implicados num conflito, que não pôde ser solucionado pelo recurso à 
mediação nem pela conciliação. 
 
[...] 
 
 
Capítulo 5: Neil MacCormick: Uma Teoria Integradora da Argumentação Jurídica 
 
1. INTRODUÇÃO 
1.1. A teoria padrão da argumentação jurídica 
Como o leitor (que começou a ler este livro no início e sem muitas interrupções) 
seguramente se lembrará, no primeiro capítulo procurei oferecer uma introdução à teoria da 
argumentação jurídica, centrada basicamente em dois aspectos lógico-dedutivos e, sobretudo, 
em seus limites. Depois, nos três capítulos seguintes, examinei diversas concepções surgidas 
nos anos 1950 (a tópica de Viehweg, a nova retórica de Perelman e a lógica informal de 
Toulmin), que, embora diferindo entre si em diversos aspectos importantes (como, p. ex., 
quanto ao seu alcance, ao aparato analítico etc.), têm, contudo, algo em comum – a rejeição 
do modelo da lógica dedutiva: como vimos, esses autores não tratam simplesmente de mostrar 
que a concepção lógico-dedutiva tem seus limites (o que, sem dúvida, deve ter ficado claro 
depois do primeiro capítulo); eles também afirmam que pretender reconstruir a argumentação 
jurídica a partir disso é um equívoco ou, pelo menos, tem valor muito reduzido. 
Contudo, e pelas razões já expostas, parece que nenhuma das três concepções pode ser 
aceita, sem problema, como uma teoria satisfatória da argumentação jurídica. Todas elas 
contêm, sem dúvida elementos relevantes – o grau de interesse, na minha opinião, coincide 
precisamente com o da ordem da exposição –, mas não são complexas o suficiente ou, pelo 
menos, deixam a desejar quanto ao desenvolvimento. Seu papel fundamental consiste, 
sobretudo, em ter aberto um novo (ou relativamente novo) campo de investigação, em ter 
servido como precursoras das atuais teorias da argumentação jurídica. 
Durante as duas últimas décadas, com efeito, os estudos sobre a argumentação jurídica – 
e sobre a argumentação em geral – tiveram um grande desenvolvimento (Neumann, 1986, p. 
1), a ponto de esse campo constituir, sem dúvida, um dos principais centros de interesse da 
atual teoria e filosofia do Direito. De certo modo, a teoria da argumentação jurídica é a versão 
contemporânea da velha questão do método jurídico. 
Dentre as diversas teorias que surgiram nestes últimos anos, duas – elaboradas por Neil 
MacCormick e por Robert Alexy – são, na minha opinião, as que têm maior interesse e talvez 
também as que foram mais discutidas e alcançaram maior difusão. Neste capítulo e no 
próximo me ocuparei, respectivamente, dessas duas concepções, que, de certo modo, 
constituem o que se poderia chamar de teoria padrão da argumentação jurídica. De fato, 
outras teorias, formuladas aproximadamente na mesma época, e que também tiveram uma 
difusão considerável – como as de Aulis Aarnio (1987) e Aleksander Peczenick (1989) – 
poderiam ser consideradas desenvolvimentos da teoria de Alexy ou, ao menos, são, no 
essencial, compatíveis com a sua teoria. 
Por outro lado, isso absolutamente não quer dizer que MacCormick e Alexy representam 
pontos de vista antagônicoscom relação à argumentação jurídica ou, em geral, com relação 
à teoria do Direito. O curioso, contudo, é que, embora provindo de tradições filosóficas e 
jurídicas muito diferentes – no caso de MacCormick, basicamente Hume, Hart e a tradição 
da common law (não apenas a inglesa, mas também a escocesa); no de Alexy, Kant, 
Habermas e a ciência jurídica alemã – eles chegam, no final, a formular concepções da 
argumentação jurídica essencialmente semelhantes (cf. Alexy, 1980, e MacCormick, 1982). 
 
[...] 
 
2. UMA TEORIA INTEGRADORA DA ARGUMENTAÇÃO 
JURÍDICA 
2.1. A justificação dedutiva 
MacCormick parte da consideração de que, pelo menos em alguns casos, as justificações 
que os juízes articulam são de caráter estritamente dedutivo. 
 
[...] 
 
2.2. Pressupostos e limites da justificação dedutiva. Casos fáceis e casos difíceis 
Mas a justificação dedutiva tem seus pressupostos e seus limites. Um primeiro pressuposto 
é que o juiz tem o dever de aplicar as regras do Direito válido; sem entrar no mérito de qual 
seja a natureza desse dever, o que parece claro é que a justificação dedutiva se produz no 
contexto de razões subjacentes (cf. Páramo, 1988) que justificam a obrigação dos juízes em 
questão (p. ex., a certeza do Direito, a divisão de poderes etc.) e que, às vezes (como no caso 
anteriormente comentado), tais razões pesam mais do que o dever de fazer justiça (digamos, 
justiça em abstrato). Um segundo pressuposto é que o juiz pode identificar quais são as regras 
válidas, o que implica aceitar a existência de critérios de reconhecimento, compartilhados 
pelos juízes. 
Mas, além disso, a justificação dedutiva tem seus limites, no sentido de que a formulação 
das premissas normativas ou fáticas pode suscitar problemas. Ou, em outras palavras, além 
de casos fáceis (como o caso Daniels), os juízes podem se deparar também com casos 
difíceis. MacCormick faz uma divisão quatripartite de casos difíceis, que podem envolver 
problemas de interpretação, de pertinência, de prova ou de qualificação. Os dois primeiros 
afetam a premissa normativa e os dois últimos, a premissa fática. 
Um problema de interpretação existe quando não há dúvida quanto a qual seja a norma 
aplicável (quer dizer, temos uma norma da forma p→q), mas a norma em questão admite mais 
de uma leitura (p. ex., ela poderia ser interpretada no sentido de p’→q, ou então p”→q). 
 
[...] 
 
Os problemas de prova se referem ao estabelecimento da premissa menor (p). Provar 
significa estabelecer proposições verdadeiras sobre o presente e, a partir delas, inferir 
proposições sobre o passado. Assim, aceita-se que a testemunha é honesta, sua memória é 
confiável etc.; que a casa do acusado e da vítima eram contíguas e que, em ambas, 
apareceram manchas de sangue; que a cabeça e os braços da vítima apareceram num pacote 
no sótão do acusado; que o acusado e outra mulher tinham a chave da casa da vítima... de 
tudo isso, se pode inferir que o acusado, Louis Voisin, matou a vítima, Emilienne Gerard.65 O 
que nos leva a afirmar essa última proposição não é uma prova da sua verdade (pois esse 
tipo de prova, isto é, que uma proposição corresponda a determinados fatos, só é possível 
com relação a enunciados particulares que se refiram ao presente), e sim um teste de 
coerência, o fato de que todas as peças da história parecem se ajustar bem (e que não se 
tenha infringido nenhuma regra processual de avaliação da prova). Mais adiante me deterei 
sobre o significado da noção de coerência. 
 
[...] 
 
2.3. A justificação nos casos difíceis. O requisito de 
universalidade 
O problema agora é este: o que significa argumentar juridicamente quando a justificação 
dedutiva não basta? Mais exatamente, MacCormick propõe esse problema com relação a 
questões normativas (que, como se viu, podem incluir também os problemas de qualificação), 
mas me parece que a solução dada por ele pode se estender também para os problemas de 
prova. Dito de forma resumida, sua tese consiste em afirmar que justificar uma decisão num 
caso difícil significa, em primeiro lugar, cumprir o requisito de universalidade, e, em segundo, 
que a decisão em questão tenha sentido em relação ao sistema (ou seja, que cumpra os 
requisitos de consistência e de coerência) e em relação aomundo (o que significa que o 
argumento decisivo dentro dos limites marcados pelos critérios anteriores – é um argumento 
consequencialista). 
O requisito de universalidade, como se sabe, também está implícito na justificação 
dedutiva. Ele exige que, para justificar uma decisão normativa, se conte pelo menos com uma 
premissa que seja a expressão de uma norma geral ou de um princípio (a premissa maior do 
silogismo judicial). Evidentemente, quando se justifica uma determinada decisão, d, é preciso 
oferecer razões particulares, A, B, C, a favor dela, mas tais razões particulares não são 
suficientes; é preciso, além disso, um enunciado normativo geral que indique que, ocorrendo 
as circunstâncias A, B, C, deve-se sempre tomar a decisão d (cf. MacCormick, 1987). De 
modo semelhante, explicar cientificamente um acontecimento implica não só mostrar as suas 
causas, mas também sustentar alguma hipótese de tipo geral que una as causas ao efeito. 
Resumindo, MacCormick não estaria fazendo outra coisa senão reproduzindo o esquema de 
argumentação de Toulmin, exposto no capítulo anterior: a favor de uma pretensão ou 
conclusão, é preciso apresentar não só razões concretas (os data ou grounds), mas também 
a garantia (warrant) que permite passar das razões à conclusão. 
MacCormick chama a esse requisito “exigência de justiça formal” (de fato, ele coincide com 
a “regra de justiça formal” de Perelman), e, na sua opinião, ele tem um alcance que se estende 
tanto ao passado (um caso presente deve ser decidido de acordo com o mesmo critério 
utilizado nos casos anteriores) quanto, sobretudo, ao futuro. 
 
[...] 
 
Para uma decisão ter sentido com relação ao sistema ela precisa – como já indiquei – 
satisfazer aos requisitos de consistência e de coerência. Uma decisão satisfaz ao requisito 
de consistência quando se baseia em premissas normativas, que não entram em contradição 
com normas estabelecidas de modo válido. E essa exigência – embora MacCormick não o 
faça – precisa ser estendida também à premissa fática; assim, quando há um problema de 
prova, as proposições sobre o passado (o fato cuja existência se infere) não devem entrar em 
contradição com as afirmações verdadeiras sobre o presente. Portanto, pode-se entender que 
o requisito de consistência deriva, por um lado, da obrigação dos juízes de não infringir o 
Direito vigente e, por outro, da obrigação de se ajustar à realidade em termos de prova. 
Mas a exigência de consistência é demasiado fraca. Tanto com relação às normas quanto 
com relação aos fatos, as decisões devem, além disso, ser coerentes, embora, por outro lado, 
a consistência não seja sempre uma condição necessária para a coerência: a coerência é 
uma questão de grau, ao passo que a consistência é uma propriedade que simplesmente se 
dá ou não se dá; por exemplo, uma história pode ser coerente em seu conjunto, embora 
contenha alguma inconsistência interna (cf. MacCormick, 1984b, p. 38). Mas o que se deve 
entender por coerência? 
 
[...] 
 
 Na ideia de coerência (de coerência normativa), baseiam-se dois tipos de argumentos 
que têm um papel muito importante na resolução dos casos difíceis: os argumentos a partir 
de princípios e os argumentos por analogia. Na opinião de MacCormick, os princípios se 
caracterizam, em primeiro lugar, por serem normas gerais, o que faz com que cumpram uma 
função explicativa (esclarecem o sentido de uma norma ou de um conjunto de normas), e, em 
segundo, porque têm um valor positivo, o que faz com que cumpram uma função 
dejustificação (se uma norma pode ser subsumida sob um princípio,

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