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CENTRO UNIVERSITÁRIO DO ESTADO PARÁ DIREITO AGRÁRIO PROF. LIANDRO FARO 1. Notas introdutórias Quando falamos de Direito Agrário, podemos dizer que a partir do momento que surgiu o Estatuto da Terra na década de 60 nós tomamos um pouco mais de consciência da necessidade de firmar com o Direito Agrário, mas quando falamos dele, nós devemos pensar no ramo do Direito que foi pensado e planejado de forma específica para a questão rural. Começamos a criar um ritmo de legislação de contribuição pensando no seguinte: nós temos legislações variadas, do campo, da cidade, empresariais, contratuais, propriedade e posse, mas antes, todas as questões agrárias eram decididas por legislações e pensamentos que não tinham sido criadas para resolver esse tipo de problema específico. Tínhamos legislações variadas, mas quando aplicávamo-las para o Direito Agrário, os resultados e as políticas públicas não eram tão interessantes e não surgiam tantos efeitos. Então com isso, surgiu a necessidade de uma legislação própria, algo que fosse criado para as relações jurídicas que envolvam a zona rural. Então, o Direito Agrário surge como um clamor, uma necessidade de nós olharmos para o campo e observarmos que na zona rural nós temos uma relação jurídica diferenciada do resto de outras relações jurídicas. Exemplo: Se trabalharmos com contrato, não poderemos trabalhar da mesma forma que trabalhamos com contratos pelo Código Civil na cidade como trabalho no campo, é completamente diferente. Se eu trabalhar posse, pelo Código Civil é uma coisa e na zona rural é outra coisa completamente diferente. Posse em direito agrário não é para moradia. Numa cidade existe posse para moradia. O código civil permite a posse para moradia. Isso gerava muitos conflitos. Imaginemos uma imensa área completamente improdutiva e alguém está simplesmente morando naquela área, ocupando de qualquer forma e a pessoa diz que é possuidora. O direito agrário vai contestar e rever essa situação. Toda situação jurídica é diferenciada. Isso vale para todos os ramos do direito. Quando formos estudar a questão de aposentadoria, veremos que os trabalhadores rurais merecem realmente uma atenção especial por estarem no campo, é uma outra realidade jurídica, e eles só terão um tratamento diferenciado de forma mais ostensiva a partir da década de 90 quando surgiram as legislações voltadas para isso. Precisamos observar o campo com mais atenção, isso serve para que nós a partir de agora quando olharmos para as questões jurídicas que envolvam a zona rural, devemos pensar de forma diferenciada. Precisamos ver os princípios de forma diferenciada, as normas de maneira diferenciada. Teremos a questão da propriedade privada, ela no Código Civil é de uma maneira, mas a propriedade privada quando é regulamentada no campo é de outra maneira porque são coisas diferentes. Então, o Direito Agrário surge como sendo o ramo do Direito que vai ser aplicado a essas relações, que vai visar solucionar esses conflitos que estão no campo e harmonizar essas relações jurídicas no campo, cujos atores sociais são diversos. Numa cidade, nós temos relações menos heterogêneas. Conseguimos lidar com um universo um pouco menor, não tão díspares. Em modos gerais, será o mesmo padrão de pensamento. Mas, no campo, nós temos grandes produtores, pequenos produtores, médios produtores, trabalhadores rurais, empresas rurais, grandes empresas, projetos hídricos, hidrelétricas. Fora isso, sem contar as centenas de comunidades tradicionais. Precisamos de um direito que seja capaz de observar essas situações diferenciadas. Então, ele será o conjunto de regras e princípios, leis que estão devidamente expostas, leis que estão realmente sacramentadas, mas também por princípios. O Direito Agrário é extenso, mas não tanto quanto outros ramos do direito e em termos legislativos é uma questão ainda que está amadurecendo, já tem bastante lei, então os princípios são elementares para compreender o Direito Agrário. Existem situações jurídicas que só conseguiremos resolver através de princípios, que são os elementos norteadores que serão capazes de orientar o ramo do Direito. OBS: O Direito Agrário tem como fonte os costumes, e eles são extremamente importantíssimos, porque são relações jurídicas que muitas vezes ocorrem no campo que muito das vezes não tem qualquer simetria com a legislação que temos, é outra realidade, existem formas de contratos, relações, de se adaptar a terra, a proteção da terra, tão variado, que os costumes talvez sejam uma das principais fontes do Direito Agrário. A segunda fonte do Direito Agrário é o Estatuto da Terra, é uma legislação da década de 60, que passou a ser fonte do direito agrário. A terceira fonte do Direito Agrário é a Constituição Federal. Quarta fonte são as decisões judiciais e legislações em geral. 2. Conceito O Direito Agrário é um conjunto de regras e princípios, cujas fontes são essas citadas anteriormente que visa regulamentar a atuação do homem no campo, não que não exista reflexo nas cidades, isso só iremos conseguir ver com os exemplos, mas as normas de Direito Agrário são do campo, mas de acordo com várias decisões judiciais é possível que você possa aplicar em algumas relações que são feitas nas cidades, mas a priori, é o uso de regras e princípios da atuação do homem no campo. Como assim atuação do homem no campo? Quando trabalhamos a figura do Direito Agrário, talvez a principal política não é eliminar o campo e a zona rural. Toda política hoje é de manter as pessoas no campo, não de manter de forma forçosa e sim através de políticas públicas em gerais, porque é importante a produção no campo. Para manter as pessoas no campo, é preciso dar condições a elas e o direito agrário vai nortear essas políticas. Vai fazer com que essas pessoas, esses grupos econômicos, indivíduos, possam se fixar no campo, não pensem que Direito Agrário é para a zona rural seja extremamente desenvolvida para que essas pessoas do campo venham pra cidade, pelo contrário, isso seria extremamente prejudicial em vários sentidos, então, política agrícola é manutenção de pessoas no campo, oferecendo meios de produção, subsídio, trabalho digno, fiscalização, proteção, seja do pequeno, médio produtor, seja de uma comunidade tradicional, um grupo de pescadores, ribeirinhos, etc. Contudo, a maior regulamentação do Direito Agrário é a utilização do imóvel rural. Talvez a maior preocupação hoje do Direito Agrário seja a adequação da utilização do imóvel rural, seja ele público ou privado. Direito agrário não é só para o particular, é para o ente público também. Porque estamos falando disso? A maior origem dos conflitos hoje envolve imóvel rural, seja para aqueles que têm a propriedade ou não tem, seja ela pública ou privada. A maior preocupação do Direito Agrário hoje é a regulamentação da utilização do imóvel rural. Então criaremos políticas agrícolas para imóvel rural, subsídio do imóvel rural, regulamentação do imóvel rural, controle sobre o imóvel rural e assim vai. Quase metade das terras na Amazônia legal é do Poder Público, em que muitas vezes o Estado não faz uma proporção de regularização, não faz a devida utilização, não dá a função social adequada, não faz assentamento nas áreas púbicas. Grande parte dessas áreas são terras disponíveis, são bens dominicais que estão disponíveis e o Poder Público pode fazer o que ele quiser e não faz. Estão apenas ociosas. A maior preocupação do direito agrário é a regulamentação da utilização do imóvel rural. São criadas políticas públicas, subsídios para o imóvel rural, regulamentação para o imóvel rural, controlepara o imóvel rural e assim vai. 3. Finalidade Então depois de tudo isso, qual será a finalidade do Direito Agrário? É alcançar a justiça social agrária. É justamente a eliminação de conflitos. Para ser mais amplo, é a busca do desenvolvimento e não do crescimento. Qual a diferença de desenvolvimento e crescimento? Quando estamos falando de desenvolvimento, estamos falando dele em geral, do ponto de vista do desenvolvimento humano de qualidade de vida, o famoso Índice de Desenvolvimento Humano. Então quando falamos de política de desenvolvimento, estamos falando de política que visam o lado econômico, social, ambiental e cultural. Por isso que quando falamos de desenvolvimento sustentável, essa expressão vem porque você leva em consideração os diversos aspectos que envolvem o indivíduo, então a finalidade do Direito Agrário hoje é de alcançar a justiça social agrária para alcançar o desenvolvimento e não o crescimento, porque o crescimento é apenas do ponto de vista econômico. Exemplo: No IDH, o Brasil está bem lá pra trás no ranking. Mas quando falamos em crescimento econômico, o Brasil está bem mais a frente. O direito agrário não visa só o desenvolvimento econômico, mas ele ainda é visado porque na prática, querem fazer uma grande produção de soja, não importa o dano colateral que a soja vá fazer, querem fazer uma grande produção de gado (o Brasil é campeão nisso), mas o dano colateral, as relações trabalhistas relacionados com o meio ambiente são imensas. 4. Objeto Os objetos do Direito Agrário são: Os fatos jurídicos que surgem no campo. Ele tem por objeto os fatos jurídicos. Os fatos sempre surgem primeiramente do que a legislação, obviamente, então seu objeto é justamente estudar, legislar, trabalhar e regulamentar os fatos jurídicos do campo. Para vocês terem uma ideia, somente na década de 90 que surgiu uma regulamentação mais eficaz sobre imposto territorial rural e só agora que vamos definir de forma bem clara o imposto territorial que fosse pensado para o campo. São padrões e cobranças diferenciadas porque veio constitucionalizado em 1988 e foi regulamentado em 1992 com a lei de terras. 5. Natureza jurídica Qual a natureza jurídica do Direito Agrário? Direito público ou privado? As duas coisas, pois ele é extremamente híbrido, então tem normas de natureza pública e privada. Existe propriedade privada, contratos, posse, que são todos de natureza privada. Mas teremos também norma de natureza pública, como reforma agrária, desapropriação para fins de reformar agrária, assentamento, etc., então será extremamente híbrido, é composto pelos dois ramos do direito. Diferente do direito civil, que é de natureza privada e tem forte influência do direito público. 6. Autonomia do direito agrário Depois de tudo que foi visto até agora, nós conseguimos identificar que o Direito Agrário tem autonomia hoje. Existem quatro elementos para podermos dizer se aquele ramo do Direito é autônomo ou não. A autonomia é muito importante porque o Direito Agrário nunca um ramo muito autônomo, sempre foi vinculado ao Direito Ambiental, então nunca teve uma autonomia, mas ao longo desses últimos 10 anos, o Direito Agrário se consolidou como Direito autônomo, existem leis que foram criadas especificamente para esse ramo do Direito, então tem autonomia legislativa. Existe o estatuto da terra, a CF, por exemplo. Além da autonomia legislativa, nós temos autonomia judicial. Hoje existem varas agrárias, existem decisões que surgem especificamente ao Direito Agrário, do juiz singular ao STF. Os juízes produzem norma ao Direito Agrário, os Tribunais também. Também possui autonomia administrativa, pois temos uma parte dentro do Ministério voltado para as questões agrárias, órgãos de terra, o Iterpa, varas voltadas para o Direito Agrário, INCRA, Defensoria Pública Agrária, promotores agrários, ouvidoria agrária, etc. E por último a autonomia científica, então como o Direito Agrário é muito novo para estudarmos, então essa autonomia é no sentido de uma cadeia, pois existem pós- graduação em Direito Agrário, Mestrados, etc. 7. Princípios 7.1. Função social da propriedade rural Quando trabalhamos a figura do Direito Agrário, talvez a principal princípio seja a Função Social da Propriedade Rural. Como foi dito anteriormente, o maior desafio de estudo do Direito Agrário é justamente a propriedade rural, então buscar essa funcionalização dessa propriedade talvez seja um grande desafio. Quando falamos em Função Social da Propriedade Rural teremos três tipos de conceitos: teremos o conceito da Função Social da Propriedade em geral, a Função Social da Propriedade Urbana e temos a Função Social da Propriedade Rural, então existem três conceitos que rondam. Mas o Direito Agrário vai trabalhar a Função Social da Propriedade Rural, então a busca dele é justamente sobre essa propriedade. Então vamos pensar somente que a Função Social da Propriedade é justamente fazer com que aquele imóvel rural possa atender aos interesses de uma política de desenvolvimento. 7.2. Proteção ao pequeno produtor Seja o pequeno produtor familiar individual ou empresa rural. Talvez um dos desafios é manter as pessoas no campo, porque para manter um pequeno produtor no campo precisa dar condições para esse grupo, precisa dar subsídios, incentivar, estruturar o campo dando meio de acesso, vias de acesso, dar uma infraestrutura básica de educação, saúde, pavimentação em estrada, saneamento básico, incentivo financeiro, facilitar acesso a créditos nos bancos públicos, etc., então proteger esse grupo é extremamente importante para nós. Nós sempre vimos e sempre tivemos políticas de produção das grandes empresas e extratoras de minérios. A quantidade de subsídio, incentivo que a VALE já recebeu, já fez deixar de arrecadar milhões. Claro que essas grandes empresas são importantes, afinal elas mantêm o Brasil como líder de produção de gado, extração de minério, produção e exportação de grãos. 7.3. Propriedade mínima Vocês já ouviram falar do mínimo existencial? É uma ideia parecida que o Direito Agrário criou que é o mínimo de propriedade possível e esse mínimo quer dizer de extensão da propriedade. Todo indivíduo que for ter acesso á terra precisa ter o mínimo de propriedade possível. Existem cinco dimensões da propriedade agrária no Brasil: Mini Fúndio, Média propriedade, grande propriedade e latifúndio. O que nós pretendemos é simplificar pelo menos a pequena propriedade. Imóvel rural não é feito para moradia, se não você não produz, então eu posso dar uma propriedade pra Rafa, acesso moradia e etc., mas a propriedade é tão pequena que não tem como produzir, por isso que para cada região os imóveis rurais podem mudar de tamanho. Aqui no Pará existem regiões que a menor propriedade possível tem que ser de 100 hectares, menor que isso é uma propriedade que não produz. O que movimenta as nossas feiras, os supermercados são os pequenos produtores, por isso é importante protege-los. Os pequenos produtores podem ser uma família ou empresa. O importante é proteger o pequeno, seja empresa ou familiar. Parecido com o “mínimo existencial”, o direito agrário criou o mínimo de propriedade possível. Mínimo é no sentido de extensão da propriedade. Todo indivíduo que for ter acesso à terra, ele precisa ter o mínimo de propriedade possível, que é chamado de propriedade mínima. Imóvel rural não foi feito para moradia. A propriedade tem que ter um tamanho para que seja possível PRODUZIR. Em cada região, é preciso que os imóveis rurais tenham um tamanho mínimo específico. Aqui no Pará, existemregiões que a menor propriedade possível tem que ser de 100 hectares. Menos do que isso, não produz, não consegue sobreviver. Um hectar são 10 metros quadrados. O poder público não pode inventar de dividir no meio para assentar duas pessoas nessa área. No Sudeste há imóveis rurais de 25 hectares, que é a menor propriedade rural lá. Depois estudaremos com mais detalhes, isso é só para falar que o direito agrário também se preocupa com o mínimo existencial. 7.4. Acesso à terra e aos meios de produção Durante muito tempo o acesso à terra era a única politica que nós tínhamos, mas não davam acesso aos meios de produção, então o Direito Agrário não visa ter acesso à moradia e sim acesso à terra para trabalho. O acesso à moradia não é princípio básico do direito do trabalho e sim terra para trabalho! Ano passado teve a denúncia no fantástico de que os assentados estavam vendendo madeira ilegal e as terras que tinham ganhado de maneira ilegal para pessoas estrangeiras. O cara ganhou uma terra e não tem a mínima condição de comprar um terçado, então, se não puder produzir, passará fome. Exemplo: Alguns quilombolas sobrevivem há décadas extraindo madeira ilegal e vendendo. É ilegal, mas é a forma de eles sobreviverem há anos. Eles cortam, queimam a madeira, causando danos ao meio ambiente. Mas, é como conseguem sobreviver. Então, dar acesso à terra sem dar acesso aos meios de produção é a mesma coisa que não dar acesso à terra. 7.5. Supremacia do interesse público É obvio que existem muitas normas de natureza privada, mas o interesse público sempre vai prevalecer. 7.6. Preservação do meio ambiente A preservação do meio ambiente é uma questão bastante interessante porque antigamente o Direito Agrário e o Direito Ambiental andavam muito desvinculados e isso não é certo, porque a maior riqueza de uma propriedade rural é a exploração de recursos naturais. Invariavelmente haverá dano ambiental em uma atuação agrária, tanto que hoje o imóvel rural é pensado para proteção do meio ambiente. Há o cadastro de imóvel rural, uma norma eminentemente de direito agrário, mas essencial para a proteção do meio ambiente. Então, a consequência da utilização de um imóvel rural no meio ambiente passou a ser política prioritária do Direito Agrário. Isso é tão importante que hoje em dia para ter um imóvel rural regularizado, você precisa fazer o geo refenciamento. É uma visão via satélite do imóvel rural, que visa saber onde é reserva legal, onde é APP, onde é área de produção. Esse cadastro, que é uma questão puramente ambiental, tem que ser registrada (averbada) no cartório. O direito ambiental interliga-se com a questão agrária. Hoje o imóvel rural está intimamente interligado com a proteção do meio ambiente. As normas e os órgãos hoje se interligam. Existe uma forte propaganda hoje sobre isso, como cadastros e informações unificadas. Não podemos pensar no imóvel rural só para fins de produção, como era antes da CF de 1988. O imóvel rural era visto do ponto de vista do crescimento econômico. A consequência da utilização de um imóvel rural no meio ambiente passou a ser política prioritária do direito agrário. Hoje, no contrato agrário você é obrigado a colocar uma cláusula de proteção ao meio ambiente. Isso vai ser detalhado depois. 7.7. Direitos culturais Com a questão dos direitos culturais, o Direito Agrário tem sido forçado a se adaptar a isso, então, hoje parte de uma premissa do Direito Agrário fazer com que todas as políticas agrárias que fossem desenvolvidas no campo respeitem as adversidades culturais existentes no campo. A política agrícola nunca se preocupou com a questão das adversidades culturais, ela sempre observou o campo como se fosse um espaço que só existisse produtor, pequeno produtor e grande produtor. Não observavam que a maior população existente na zona rural trata de pessoas que já moram lá, que culturalmente já moram lá, que são frágeis no ponto de vista econômico e político. Então, englobar esses sujeitos que já estão aqui há tantos anos é um desafio muito grande. Então, hoje, é princípio básico do Direito Agrário fazer com que haja uma interlocução dos diversos direitos culturais existentes no campo. Nós tínhamos antes uma preocupação com a produtividade e vimos que só ela não é importante, porque a questão do meio ambiente também é importante, então vimos que hoje só o meio ambiente não é suficiente e vimos que também a questão da diversidade cultural é muito importante, então, o Direito Agrário vai tentar englobar todas essas questões que são necessárias. Então, como falado no início, o direito agrário não pode ser só uma política de imóveis rurais. Não é só isso. É também um conjunto de normas para proteger a diversidade cultural. Isso será visto ao longo do semestre. CENTRO UNIVERSITÁRIO DO ESTADO PARÁ DIREITO AGRÁRIO PROF. LIANDRO FARO 1. Posse agrária: 1.1 Notas introdutórias: Na verdade, o direito agrário não criou nenhum instituto extremamente novo. Os institutos básicos, na verdade, vêm de outros direitos, principalmente do direito civil. Nós vamos ver que outros institutos foram criados pelo direito civil e pensados em uma outra situação, e que em virtude da nossa pouca habilidade em questão de direito agrário, a gente sempre aplicava esses institutos do direito civil para questões agrárias. A posse é um instituto civilista que foi pensada no direito civil, mas que o direito agrário está dando uma reformulada. O direito agrário está reformulando isso. Ele vai pegar o instituto posse e vai criar uma posse que seja destinada e pensada para questão agrária, então, não dá para nós pensarmos em posse ou propriedade em uma perspectiva extremamente civilista, mas isso é o que vem sendo feito ao longo do tempo, infelizmente. Em grande parte das vezes, nós vamos pegar esse instituto posse e aplicar de acordo com o direito civil. Quando a gente pensa em posse, a primeira coisa que nós temos que entender é que foram teorias criadas no século XIX, final do século XVIII e inicio do século XIX. Esse instituto posse foi pensado e depois reformulado em direito civil, que é extremamente patrimonial. Era uma posse vinculada a propriedade, uma posse pensada na propriedade e para proteger a propriedade. Por isso, são duas teorias: teoria objetiva e teoria subjetiva, que foram criadas no século retrasado e que o código civil de 1916 e o código civil de 2002 ainda adotam essas teorias. O mais impressionante de tudo é que essas teorias são usadas em pleno início do século XXI. Essas teorias que foram pensadas são ainda aplicadas no nosso direito civil. Elas não conseguem se adaptar à nossa região, a nossa realidade, lembremos da necessidade que nós temos de criar um ramo do direito que possamos aplicar a questão agrária. Nós precisamos de um direito que observe a diversidade porque a posse do campo é muito diversa, ela é muito diferente dessa posse que nós vemos no dia a dia. Quando se trata de posse e apossamento de terra de imóvel rural, nós temos pequeno produtor, empresário, multinacional, comunidades tradicionais, diversas e centenas comunidades tradicionais, então a posse tem uma diversidade complexa e o direito civil nunca deu complexidade para o caso, é um tom tonalístico e simples, então, há uma necessidade de se afastar do direito civil e reformular a questão de posse em um ponto de vista agrário. Conceito de possuidor no código civil: para o direito civil o possuidor é aquele que exerce de forma plena ou não um dos poderes inerente a propriedade, então, para o direito civil, o indivíduo, para ser considerado possuidor, ele não precisaexercer plenamente atos materiais sobre o bem. Já que não precisa exercer plenamente, iremos chamar isso de posse simples. Então, o direito civil vai dizer que para o indivíduo ser possuidor, basta ele exercer posse simples mediante intermediário, mediante pagamento de tributos, mediante posse intercalada, etc. O indivíduo não precisa usar o bem efetivamente, basta ele conservar o bem, usar uma vez ou outra que para o direito civil isso já é posse. Isso não pode ser aplicado para a nossa realidade. Nós temos na realidade de zona rural, de imóvel rural no Brasil que grande parte dos imóveis são ociosos, grande parte dos imóveis são improdutivos, grande parte dos imóveis rurais não estão tendo a sua destinação adequada, por isso vão gerando os conflitos. Então, não tem mais como acreditar que a posse simples do direito civil pode ser aplicada para questão agrária, e é isso que vem sendo aplicado, mas está perdendo cada vez mais espaço. Veremos como os tribunais estão decidindo a questão de posse agrária no Brasil. Em que pese tenhamos uma necessidade de reformulação, ainda tem muito tribunais que decidem uma análise puramente civilista. É uma realidade diferente, um conjunto de direitos diferentes, princípios diferentes e por óbvio, é uma posse diferente, que é o que o direito agrário chamou de posse agrária. A necessidade de reformular o instituto civilista é para atender ao interesse do direito agrário. O principal objeto do direito agrário é a propriedade, buscando a sua função social. 1.2. Conceito de posse agrária: A posse agrária é aquela em que o indivíduo, mediante o labor, torna produtivo o imóvel rural. Temos aqui uma posse qualificada. A posse agrária é uma posse qualificada porque o indivíduo, para ser possuidor de um imóvel rural, ele precisa labutar na terra, ele precisa trabalhar, ele precisa tornar aquele imóvel rural produtivo. O possuidor, para que ele tenha posse de um imóvel rural, ele precisa trabalhar independentemente se ele é proprietário ou não. É uma posse qualificada porque uma simples posse, o simples conservar o bem não é posse. Exemplo: Se eu tenho um imóvel rural e nesse imóvel rural, eu tenho apenas o intermediário, não produzo, vou lá uma vez ou outra, eu só conservo, eu não tenho a posse agrária, eu não tenho a posse daquele bem. É uma posse qualificada porque para que eu seja considerado possuidor, tenho que exercer plenamente os atos de posse. Colocamos aqui a posse labor, então, para ser possuidor do imóvel rural não basta a moradia. Para ser possuidor de imóvel rural não basta a simples moradia. O indivíduo pode morar, pode estar lá o tempo todo de pé durante a vida inteira, mas se ele não produzir no imóvel rural, ele não tem posse naquele bem, ele não merece proteção daquele bem. Essa produtividade pode ser de grande e alta escala ou pode ser para subsistir a pessoa. O importante é a terra gerar frutos, no sentido de que ela tenha uma utilidade econômica, seja para vender, circular, produzir, até porque o direito agrário, hoje, protege a propriedade familiar, que é uma propriedade extremamente substancial. Então, a posse agrária no brasil ela requer o trabalho, ela requer a produtividade. 1.3 Objeto: O imóvel rural ele tem duas grandes destinações: a produtividade e a questão ambiental. Exemplo: Se eu tenho um imóvel rural, aquele imóvel rural serve apenas para fins ambientais, para a conservação do meio ambiente, reserva legal, área de preservação permanente, parque, etc? Eu tenho um imóvel rural que serve só para questão ambiental, é por obvio que eu tenho posse agrária. Entretanto, essa não é a nossa maior realidade. A nossa maior realidade é produtividade. A nossa maior realidade é justamente a produção. Então, se eu tenho um imóvel rural e eu provoquei um dano e exaustivo naquele bem e eu já não tenho mais a reserva legal´, para compensar eu posso ter um outro imóvel rural só para fazer uma compensação, uma reserva legal, só para compensar o dano. Então, se eu tenho esse imóvel só para fins de compensação, eu tenho a posse agrária daquele bem e aquele bem está cumprindo com a destinação final. Exemplo: Tenho um sítio. Imóvel rural não é isso, não é sítio, não é um sítio aqui em Benevides que é necessariamente um imóvel rural, pelo contrario, aquilo é um imóvel urbano grande parte das vezes. Vamos estudar isso depois para diferenciar um do outro. O imóvel rural são aqueles imóveis que você vai para produzir em larga escala, seja larga escala para produzir a própria subsistência, seja em larga escala para você produzir para vender. Você vai produzir apenas, você não vai para morar. Temos que entender que para a posse civil, eu posso simplesmente morar, mas para o direito agrário propriamente dito, isso não é o essencial. Tanto que para usucapir o imóvel rural, é preciso trabalhar, é preciso produzir. Se a pessoa só morar no imóvel, ela não pode usucapir porque a maior questão da posse agraria é a busca da funcionalização daquele bem. Existem doutrinadores que criaram a expressão “função social da posse de imóvel rural”, que acaba sendo diferente da função social da propriedade rural. Existe uma diferença, mas no fundo eles se assemelham, eles se intercalam, mas são diferentes. Nós não estamos estudando aqui a função social da propriedade, até porque a função social da propriedade rural se aplica ao proprietário e aqui, estamos simplesmente falando de posse. O objeto da posse agrária é o imóvel rural. Alguém pode ter posse sobre uma simples caneta ou sobre um prédio, por exemplo, mas quando ouvirmos falar de posse agraria, nós temos que pensar em imóvel rural, que é justamente o instituto diferenciado para isso. 1.4 Finalidade: A finalidade da posse agrária é uma finalidade produtiva, porque só merece proteção aquele que tem vínculo laborativo com a terra, então, para o direito agrário, só merece proteção, só merece respaldo legal, seja judicial ou administrativo, o indivíduo que dá finalidade de produção para aquele bem, que trabalha naquele bem. A destinação agrícola é uma das finalidades primordiais do imóvel rural. Então, sem essa finalidade, o individuo não merece proteção. Podemos perceber que para o mesmo instituto, vão ter análises diferentes. Então, é muito fácil ter um grande conflito, uma grande discussão, porque um vai querer pegar a posse por uma perspectiva civilista e o outro vai querer dizer a posse na perspectiva agrária. Então, existe um conflito ai de interpretações, mas, para o direito agrário, é assim que tem sido visto, então, com isso nós precisamos verdadeiramente avançar nessa discussão. Não dá para ficar estagnado dizendo que posse é tudo a mesma coisa, as mesmas circunstâncias, etc. 1.5 Características: Só é possuidor aquele individuo que pessoalmente e diretamente exerce o trabalho, ele não tem intermediários. Para o direito agrário, o individuo só é possuidor se ele exercer pessoalmente aquela posse, se pelo esforço próprio, ele torna a terra dele produtiva. Quando estamos falando sobre “exercer pessoalmente a posse”, não precisa ser uma só pessoa para ser considerado produtor, mas essa pessoa é a responsável e está alí presente. Em outro caso, se outra pessoa produzir em desconhecimento ou em detrimento do dono, essa pessoa, que é um estranho, ela vai ser possuidora. Se tem um proprietário que não produz e tem essa pessoa estranha que produz, essa pessoa, por estar diretamente na posse ela, é a possuidora. Pergunta de aluno: contrato alguém para trabalhar no imóvel rural. Se eu contrato alguém para trabalhar e eu estiver lá supervisionando, orientando? Vou ser considerado possuidor. A exceção a essa regra o casode arrendamento (será estudado). Exemplo: Liandro vou chega com o Paulo diz chegar “olha, tu queres trabalhar? Quero! Vamos fazer um contrato? Vamos!” Então, Liandro cedeu aquele imóvel dele para aquele terceiro (Paulo) trabalhe, mas como é uma relação contratual, uma relação de negócio, Liandro também considerado possuidor. Porque essa questão de posse pessoal? Não é que eu não posso trabalhar com outras pessoas na terra, não é que eu não possa desenvolver atividades em colaboração com pessoas. É que para eu poder me alocar como possuidor daquele imóvel rural, eu preciso estar exercendo atividade diretamente, não que eu que tenha que roçar, não que eu que tenha que cortar madeira, eu posso contratar, mas eu estou trabalhando, eu estou tendo uma atividade naquela área. Nós vamos ver que muitas vezes, esses proprietários se ausentam da terra e deixam um encarregado e esse encarregado não produz necessariamente naquela terra, então, não vai haver posse para essa pessoa. 2. Posse Jurídica x Posse de Fato: Posse jurídica é aquela posse no papel. São aquelas posses obtidas mediante um negócio jurídico. É uma ficção jurídica. Há tipos de posse que basta assinar o contrato, basta assinar e já é possuidor daquele bem sem ingressar necessariamente naquela área. É uma ficção jurídica. Seria tipo o proprietário, seria uma posse presumida porque a pessoa realizou um negócio jurídico. Então, a posse jurídica é aquela posse que o indivíduo adquire mediante negócio jurídico, entretanto, para o direito agrário, para a posse agrária, o que vale é a posse de fato, é a primazia da realidade, o que vai valer é o que de fato ocorre. A posse agrária se sobrepõe ao direito de propriedade. Por isso que esse conceito (primazia da realidade) é a que mais importa. Importa quem de fato está cumprindo com a função social do imóvel rural. 3. Posse Trabalho (pro labore): O termo técnico da posse trabalho é “pro labore”. A principal característica da posse agrária é uma posse pro labore, que seria a posse para o trabalho, não para fins familiares, não para fins de moradia, mas tem que tem que produzir, tem que labutar que essa é a principal característica e esse é o termo técnico, que é justamente a posse pro labore. Isso, na prática das decisões judiciais é extremamente difícil. O direito hoje, privilegia o indivíduo que cumpre com o interesse coletivo, então, não importa quem é o proprietário do direito, o que importa é quem trabalha, importa é quem torna o bem útil para a coletividade. Por isso que no direito agrário, o que mais importa é não deixar a terra ociosa ou improdutiva. 4. Posse boa-fé x trabalho: Uma pessoa é possuidora e ela está de boa-fé por mais que ela não seja a proprietária quando desconhece o vício de negócio e age como se dono fosse. Então, para o direito civil, o que é um possuidor de boa-fé? É aquele indivíduo que adquire uma posse na qual ele não é proprietário, mas ele já sabia que ele não sabia que não poderia adquirir. Ele desconhecia o vício, ele estava inocente, ele não tinha intenção de prejudicar terceiros, então, o fato de não ter a intenção de prejudicar terceiros, dá a boa-fé, com isso, há vários benefícios. A pessoa vai receber indenização, não vai ter que indenizar, etc. Então, existem vários benefícios, mas, para isso, o indivíduo não pode saber que ele está cometendo um ato ilícito, ele precisa desconhecer, ele precisa ser enganado, se fazer de inocente para poder ser possuidor de boa- fé. É por obvio que se a pessoa invade o bem sabendo que aquele bem não é dela, ela está ocupando aquele bem é por obvio que vai ser de má-fé. Em grande parte dos conflitos fundiários, os invasores eles sabem que aquele bem tem um proprietário particular, só que eles vão ver que aquele bem não está sendo ocupado, eles vão ver que aquele bem não tem nenhum tipo de produção, ele está ocioso e eles vão invadir aquele bem, o imóvel rural. A pergunta que se faz é: esses invasores que ocupam o bem e que produzem nesse bem são de boa-fé ou má-fé? Se for pelo direito civil, se identificar que eles sabiam que aquele bem tinha proprietário e mesmo assim eles invadiram, vão agir de má-fé para o direito civil, mas, para o direito agrário, isso foi reformulado, mas como? Para o direito agrário, o que dá a boa-fé à posse, não é saber ou não saber, é trabalhar. Se o individuo tornou a terra produtiva, ele é possuidor de boa-fé. Então, para o direito agrário, o que caracteriza a boa-fé do indivíduo não é ele saber ou não, é ele estar trabalhando, é ele produzir. Exemplo: o Jean já está ali naquela área um tempão, ele é possuidor. Se eu disser que o Jean está de má-fé, o Jean vai ter que me indenizar tudo o que ele produziu, plantou, colheu, tudo o que ele fez na minha terra ele vai ter que me indenizar, e vai sair com uma mão na frente e outra atrás, ele vai sair no prejuízo. Se ele for de boa-fé, pelo contrário, o Jean pode até me devolver o bem, mas eu vou ter que indenizar o Jean por tudo o que ele fez ao longo dos anos, e ele não vai ter que indenizar por tudo aquilo que ele usufruiu. Nós temos um direito agrário que vai dizer o seguinte: esse indivíduo que produziu, que deu uma destinação, que contribuiu com a sociedade, ele é de boa-fé. Isso é muito difícil porque não é o que o nosso código civil fala. O nosso maior problema é que a gente vê os conflitos fundiários e só vê o que a vida nos mostra. Um grupo de MST invade um imóvel improdutivo, é essa a ideia que nós temos, mas 99,9% dos casos o conflito não é esse, o conflito não é em cima de uma terra produtiva, o conflito é: proprietário que não produz com dezenas de pessoas que estão produzindo, esse é o maior conflito que existe. Para legitimar a posse daquele indivíduo, para tornar realmente legítima aquela posse, ele precisa trabalhar. Com ele trabalhando, ele adquire a posse e adquire a boa-fé. Ele produzindo, adquire a posse e a boa-fé. Digamos que ele sabia que o imóvel era do proprietário que deixou aqui e abandonou, ele sabia porque ele quebrou a cerca e invadiu. Ele vai ser possuidor mesmo assim, desde que ele tenha produtividade e tenha dado destinação àquele imóvel que estava ocioso. Isso é olhar mais para as circunstâncias coletivas do que as individuais. Exemplo: Se eu produzi um benefício para a sociedade, produzindo num imóvel estava ocioso e improdutivo, porque eu vou ser duplamente penalizado? Eu vou perder a posse e além de perder a posse, eu vou ter que indenizar todo mundo e o proprietário do bem, então não faz sentido isso. E o proprietário que não foi ativo, ele vai ganhar duas vezes, porque ele vai ganhar a posse de volta e ainda vai ser indenizado por tudo aquilo que ele não produziu e que outra pessoa produziu. Se eu sou possuidor de má-fé e enriqueço a posse alheia, o que o direito civil fala? Liandro, você utilizou de má-fe, você enriqueceu utilizando propriedade alheia, indenize o proprietário porque é dele o direito. Se fôssemos aplicar isso sempre na questão rural, imagine o conflito que isso é. Quer dizer que o possuidor que está dando uma destinação social, que está cumprindo, ele vai ser penalizado duas vezes e o proprietário que não fez nada vai ser beneficiado, porque ele não produziu e ainda vai ter que dar a indenização em cima daquilo que o cara produziu. Não faz sentido isso, isso você é chancelar cada vez mais a ociosidade, improdutividade e especulação imobiliária. 5. Racionalidade: A posse agrária, acima de tudo, em que pesa seja uma posse de trabalho a produtividade, tem que ser racional. A racionalidade diz respeito a você utilizar os recursos naturais com moderação para não exaurir osrecursos naturais do imóvel rural. O imóvel rural é para produção e trabalho? Ok, mas, existem leis ambientais e que não pode simplesmente utilizar todo o recurso natural porque ele vai se tornar improdutivo, prejudicial à coletividade. A posse agrária, em que pese privilegiar o trabalho, esse trabalho tem que ser usado com moderação no imóvel rural. Não pode sair explorando todo o imóvel rural, cortando toda a madeira, usar reserva legal, usar a área de preservação permanente a título de produtividade. 6. Posse de bem público (imóvel rural): Prestemos bastante atenção a isso porque tem decisões do STJ e decisões do STF para essa questão, com vários desdobramentos. O bem público do imóvel rural vai ter vários caracteres, várias características diferenciadas. O que é o bem publico? Os bens públicos são aqueles bens que integram o conjunto patrimonial de determinado ente público. Existem 3 tipos de bens públicos: O de uso comum, que são aqueles bens em que pese serem públicos, quem utiliza é a coletividade. A coletividade usa esses bens e não pode impedi-la de usar. O de uso especial é bem público também, mas aquele bem vai ter uma destinação especifica, ele vai ser afetado. São bens públicos afetados. Por exemplo, o poder publico tem imóvel rural em domínio dele. Se esse imóvel rural for destinado para fazer um parque, unidade de conservação, ele vai ser de uso especial. O poder público tem um bem, que mediante decreto, lei, ele vai dar uma destinação específica para aquele bem, e depois que ele for afetado, ele vai ter que continuar tendo aquele uso especial até que venha uma outra lei ou norma para dizer que ele não tem mais aquele exercício. Exemplo mais prático: Carro. O poder público comprou um carro. Isso é bem público. Se ele pegar aquele carro e usar como uma ambulância, é um bem publico de uso especial, é a mesma coisa. Os bens dominicais, que são aqueles bens que não estão sendo afetados, não têm destinação especial. São bens sem uso especifico, que um dia vão ser usados. Podem ser usados, como podem não ser usados. Os bens de uso dominical são aqueles bens que chamados de “os bens disponíveis do poder público”. Ele pode ceder, vender, licitar, arrendar, ele pode fazer “o que ele quiser”, desde que respeite a legislação para isso, mas são bens disponíveis. Se tem um prédio que funciona um hospital em uso especial, o poder público não pode pegar aquele prédio e vender, ele é indisponível, não pode mexer. Vai ser hospital até que um dia venha uma outra lei e diga que aquele prédio não é mais hospital. Vai desafetar aquele bem. Para entender de forma mais clara, os dominicais são aqueles bens que não têm uma utilidade especifica. Decisão do STJ: Existia um imóvel rural que era terra devoluta. Terra devoluta é um bem público dominical, é uma terra publica dominical, ou seja, era um bem que não tinha destinação. É aquele bem que está sem qualquer atividade. Nesse imóvel rural, que era terra devoluta e que era um bem público, diversas famílias e dezenas de famílias ocuparam esse imóvel rural e fizeram como se fossem mini fazendas. Eram imóveis rurais que as pessoas trabalhavam. Resumindo: elas exerciam a posse agrária sobre esse bem, elas produziam, elas trabalhavam. Já estavam mais de 50 anos na posse daquele bem, então o avô morreu passou para o pai, pai morreu passou para o filho e assim foi de geração para geração os imóveis rurais que foram sendo utilizados por aquelas pessoas. O Estado de Minas Gerais não tinha nenhum motivo muito aparente entrou com uma ação possessória contra essas pessoas para poder retirar a posse do bem, para recuperar esse imóvel rural. Primeira coisa: Para que serve uma ação possessória? para discutir a posse e pegar o bem de volta, para pegar a posse de volta. Só pode usar a ação possessória aquele indivíduo que era possuidor, perdeu a posse e quer a posse do bem de volta. A discussão foi a seguinte: O poder publico nunca teve posse desse bem, o poder público nunca usou esse bem. Por se tratar de imóvel rural, as famílias é que deram a destinação e foi provado no processo, fizeram perícia, testemunha. Tinha gente há mais de 50 anos na posse daquele bem, produzindo, trazendo riqueza. Tinha produção, as pessoas já tinham enriquecido, já tinham conseguido transformar em uma empresa rural, agricultura familiar, produzindo emprego, renda, circulação. Não estamos falando de pequenas invasões onde as pessoas vão comer terra praticamente porque não tem como produzir, aqui as pessoas estavam produzindo há muito tempo e já estavam há muito tempo ali. O Estado de MG entrou com a ação e a questão chegou ao STJ. O poder público poderia entrar com essa ação possessória? As pessoas que estavam ali exercendo uma posse agrária realmente eram possuidoras? Não. Para o STJ, não existe posse de bem público mesmo que o indivíduo esteja supostamente cumprindo com a função social. O STJ é bem rigoroso, a decisão é unânime no STJ e em todos os tribunais do país seguem o STJ. Não existe posse de bem publico. Há o argumento de que são pessoas pobres, são pessoas que vão morrer de fome, são pessoas que estão produzindo, cumprindo com a função social, trabalho, moradia, circulação, vai ficar todo mundo desempregado. O STJ é bem curto em relação a isso, não existe posse de bem público, então, por mais que o indivíduo esteja tendo uma posse agrária em um imóvel rural público, ele não é possuidor. O imóvel rural público, na verdade, qualquer imóvel público, mas para ser mais especifico, o imóvel rural público tem prerrogativas de proteção. O STJ deu prerrogativa ao imóvel público. O STJ falou nessa decisão que o poder público, em imóvel rural dele, não precisa produzir, não precisa trabalhar, não precisa dar destinação específica para dizer que ele tem posse. Teremos uma aula de função social em que veremos se o poder público é obrigado a cumprir com a função social do bem público. Tem diversas discussões que o STF inclusive já se meteu nesse assunto e que vamos falar depois, mas existe uma reflexão sobre isso. O poder público é obrigado ou não é obrigado? Ou a função social da propriedade é só para o particular? O STJ já entendeu de uma forma bem rasa que o poder público não é obrigado a exercer atos de posse, nem simples, nem qualificada. Pode nunca ter pregado uma madeira lá naquele imóvel rural, ele vai ser possuidor. o poder público nunca perde a posse de seu bem. Ele é possuidor desde a origem daquele bem. As pessoas estavam no bem há 50 anos, foi antes da CF 88. Não interessa, o STJ não abre mão, e o STF já analisou casos semelhantes e disse que por mais que aquela posse tenha sido antes da CF 88, que deu todas essas prerrogativas ao poder público, as pessoas que estavam no bem não têm posse. Imaginemos se o STJ reconhece a posse a essas pessoas? Essas pessoas são humildes, mas a quantidade de ocupação irregular no Brasil é muito grande. Aqui em Belém, nós temos muitas ocupações em área pública. Pessoas que constroem prédio, casa. Já pensou se fossem indenizar todo mundo que ocupa bens públicos? Essas pessoas além delas não terem posse, elas não recebem sequer uma indenização, não recebem nada. Gastaram 1 milhão para reformar o bem, mas não vão receber nada. Se não tem posse, não tem direito a indenização. Mesmo estando de boa-fé, não existe posse. As pessoas vão sair com uma mão na frente e outra atrás. Quando houver conflito judicial, a posse agrária em bem público nem sequer é analisada, a posse agrária não vai ter qualquer importância, como se trata de conflito judicial sobre bem público, a posse agrária não tem qualquer relevância. Tudo isso que a gente estudou desde a aula passadaaté hoje, não vai ter relevância em se tratando de bem público. Entretanto, administrativamente, a decisão é outra. Quando se trata de conflitos judiciais, o STJ já decidiu. No entanto, se tiver uma posse agrária de bem público e o possuidor vai até o ente público pela via administrativa e peça a regularização, ele vai ter o dever de regularizar. Exemplo: Se ele não regularizar a posse agraria ele vai chegar ao Sonivaldo e vai dizer que ele esta ocupando o bem público, aí o Sonivaldo vai dizer que exerce a posse agrária. “Aqui eu produzo, trabalho, moro com minha família”. Com isso, o Sonivaldo vai receber a regularização do ente público. Quando o indivíduo tem uma posse agrária de bem público e ele pede a regularização, o poder público tem o dever de regularizar. Se o poder público quiser aquela terra porque vai dar uma outra destinação àquela terra, já era para o Sonivaldo (no exemplo acima). Mas não é a maioria dos casos, a maioria é o poder público regularizar. O poder público tem uma despesa muito grande para entrar com uma ação judicial para tirar todo mundo. Tem muita área pública que para o poder público não é interessante recuperar porque ele não vai fazer nada, então é melhor ele regularizar as pessoas porque ele arrecada, controla. Administrativamente falando, se algúem exerce uma posse agrária em um bem público, existe um dever de regularização fundiária. A posse se transforma em propriedade. Pode ser realizada pelo ITERPA, CODEM (órgão municipal de Belém), INCRA. CENTRO UNIVERSITÁRIO DO ESTADO PARÁ DIREITO AGRÁRIO PROF. LIANDRO FARO Ação Possessória e Vara Agrária Essa matéria é extremamente importante por vários motivos, primeiro porque vai cair na prova, e segundo porque essa é a nossa prática, é o que está acontecendo no Estado do Pará, e como funcionam as varas agrárias, então isso é muito importante que possamos desenvolver isso ao longo da nossa carreira profissional. Quando pensamos no Direito Agrário, estamos pensando em um Direito que foi criado especificamente para questões fundiárias porque não podemos pegar as legislações gerais e sair aplicando nas relações que se realizam no campo porque são relações diferenciadas e por isso elas precisam ser tratadas diferenciadamente. A diferença da interpretação na análise é extremamente importante, e quando se começa a analisar a questão de ação possessória, que é justamente conflito sobre posse, nós teremos um problema muito maior porque hoje o maior problema fundiário ocorre em decorrência de conflito possessório, pois são pessoas que estão discutindo, seja judicialmente ou não, a posse de um bem, a posse de um imóvel rural. Então isso seria um dos maiores dramas, porque há mortes, conflitos e diversos outros problemas no campo em decorrência disso, então, hoje em dia, o Pará é o campeão em conflitos fundiários e muitos deles acabam parando no judiciário. E o judiciário tem que começar a analisar esses diversos problemas e muitas vezes, o nosso judiciário é apenas um reflexo de uma sociedade extremamente patrimonializada, fechada, que não analisa diversos problemas com uma questão ótica social diferente. O conflito fundiário no Brasil é historicamente complicado. É um grave problema social, político, econômico e que merece ser analisado de uma forma diferente, e é claro que não vamos analisar os diversos problemas que chegam ao judiciário e sim somente a questão possessória. Quando falamos de vara agrária, é importante entender que as varas agrárias são criações da Constituição Federal, que exige a criação de varas agrárias para justamente tratar de conflito sobre posse envolvendo imóvel rural. As varas agrárias são varas especializadas, cuja competência é de processar e julgar os conflitos fundiários envolvendo posse e propriedade de imóvel rural, principalmente os conflitos de natureza coletiva. É uma vara especializada para esse tipo de problema. As varas especializadas são uma forma de nós termos uma vara para tratar única e exclusivamente desse tipo de problema, o que é extremamente útil e necessário, porque o juiz de vara cível fica envolvido em tantos outros problemas, que ele não consegue dar atenção especial para esse tipo de conflito que assola o país e que é extremamente importante de ser resolvido. Para ocupar essas varas agrárias, os promotores, defensores e juízes precisam fazer especialização em Direito Agrário para aprender aquela situação, se sensibilizar com a mesma, analisar dados, técnicas, artigos científicos, trabalhos, etc. Já aconteceu um problema que tinha juíza que nunca tinha feito uma especialização em Direito Agrário, mas tinha Doutorado e artigos no assunto, mas não podiam assumir, porque a legislação diz que deve ter especialização de 360 horas. No entanto, o CNJ já autoriza que quem tem mestrado ou doutorado, pode ocupar esse cargo. Entretanto, em que pese ser um mandamento constitucional, poucos estados criaram varas agrárias e o Estado do Pará foi o primeiro da federação a criar varas agrárias específicas. Foram criadas por lei 12 varas agrárias, mas só foram implantadas cinco, o que é um número extremamente pequeno considerando a dimensão do nosso estado. As cinco são Castanhal, Santarém, Altamira, Redenção e Marabá. A de maior competência é a vara de Castanhal, que é responsável por mais de 70 municípios. Belém não tem porque não tem mais imóvel rural. Agora vamos ver o que realmente está acontecendo com o nosso Estado, qual o nosso maior problema. Esses cinco juízes são aparentemente novos. 35, 40 e poucos anos, e são juízes que fizeram a especialização, que têm uma nova perspectiva sobre o Direito Agrário, são juízes que estão mais sensíveis, mais compreensíveis e não são extremamente dogmáticos no ponto de vista negativo. O que acontece? O maior número de ações é a ação possessória. 90% das ações que tramitam nas varas agrárias têm natureza possessória. Não iremos tratar da reivindicatória e dos outros tipos de conflito. Tecnicamente, pela nossa legislação existem quatro requisitos básicos para poder ingressar com uma ação possessória, com base no CPC e CC. Os requisitos para entrar com ação possessória são: a posse, provar a agressão, tipo de agressão e a data da agressão. Quando o CPC e CC falam sobre posse, eles estão falando sobre posse simples, uma posse com base no CC, que resumindo de forma bem didática, é uma posse simples. Quando fazemos análise, não importa se o imóvel é rural, urbano. Se entrar com a ação possessória independentemente de qual natureza é, se é urbana ou rural, você terá que provar esses requisitos, então, provamos através de uma posse simples. Essa é a ação possessória e é assim que vem sendo julgado qualquer tipo de ação possessória no Brasil inteiro. Os nossos juízes das varas agrárias (e não é no Brasil inteiro isso) tem feito de uma forma diferente essa análise. Como é que eles vão avaliar isso? O conflito fundiário vai se dar sobre imóvel rural. No imóvel rural, o que importa é a posse agrária, e qual é a sua finalidade? Trabalho, produtividade, etc. É posse simples ou qualificada? Qualificada. Para o indivíduo ser possuidor de um imóvel rural, ele tem que ter a posse qualificada (produzir, trabalhar, etc.) não basta apenas morar. Não basta exercer meros atos de posse, nem deixar alguém cuidando do bem dele, nem ter um pedacinho de terra com uma produção. Eles vão dizer que a ação possessória envolvendo o conflito fundiário e imóvel rural, você analisa através da perspectiva da posse agrária. Essa posse não é cível, é uma posse agrária. Se estivermos numa vara agrária especializada para tratar de conflitofundiário de imóvel rural, será analisado a partir da perspectiva agrária. Então, eles vão abandonar as interpretações genéricas e criar uma nova interpretação desse direito. Ao criar essa nova interpretação, eles criam novos requisitos para isso, porque eles vão implementar requisitos do Direito Agrário, as ações possessórias. Eles dizem que o indivíduo, para poder ingressar com uma ação possessória para pedir a posse do bem, ele tem que provar no judiciário que a posse dele é qualificada, ou seja, que ele cumpre com a Função Social da Propriedade. Então, se estou ingressando com uma ação possessória para pedir um imóvel rural de volta, tenho que provar para o juiz que eu, o autor da ação, estou cumprindo com a Função Social. Tenho que provar a posse agrária e não a civil. Então, sobre essa interpretação, é aplicado o Estatuto da Terra que fala sobre o imóvel rural, posse, produtividade e principalmente na CF de 88 no artigo que fala sobre Função Social. Então o que os juízes falam? No imóvel rural, não temos que analisar a perspectiva civilista e processualista simplesmente, devemos analisar com base no estatuto da terra e o próprio estatuto diz que posse agrária e imóvel rural é produtividade, a finalidade do imóvel rural é ser produtivo. Logo, só pode ser protegido da posse aquela pessoa que produz, porque ela que é o possuidor e não a pessoa que tem título de propriedade. A Constituição Federal de 88 que fala que todo imóvel rural tem que cumprir com a sua função social. O indivíduo que for ingressar com a ação possessória, seja ele proprietário ou não, tem que provar que a área dele cumpre com a Função Social. O que o juiz alega com base nisso? O primeiro argumento é que a ação possessória de imóvel rural tem que ser analisada à luz das duas legislações citadas anteriormente (Estatuto da Terra e Constituição Federal). O segundo argumento é que o possuidor só pode ser protegido se ele provar que ele cumpre com a função social, que ele trabalha na área. O terceiro argumento diz que o Código Civil e o Código de Processo Civil devem ser aplicados de forma subsidiária e devem ser analisados sob o enfoque constitucional. O quarto argumento é que esse requisito não é extralegal, porque em que pese não estar no CC ou CPC, está presente no Estatuto da terra e CF. O quinto argumento diz que o judiciário tem competência para analisar esses tipos de conflitos sociais. Esses juízes das varas agrárias são novos e possuem uma reflexão maior, eles sabem da realidade, convivem com centenas de conflitos fundiários, então, o que eles fazem? Inclusive, para poder conceder a liminar, ele manda o autor comprovar que ele cumpre com a função social. Tem que provar se existe produtividade, que tipo de produtividade, quando, onde, o que, etc. não basta dizer que é o dono. Sempre antes de conceder a liminar, os juízes fazem audiência de justificação. A audiência de justificação não é uma audiência preliminar nem de conciliação, e sim uma audiência que o juiz faz para ouvir o autor e o réu, para que o autor esclareça a situação. Nessa audiência, não basta dizer que é possuidor, o autor tem que provar que cumpre com a função social. O juiz avalia quem trabalha, se o réu é o que trabalha e produz. Independentemente se ele é invasor, ele ficará com a posse do bem. Então, em nenhum momento, o juiz leva em consideração o título de propriedade. Para avaliar essa produtividade, o juiz tem feito duas coisas bastante interessantes, uma das principais coisas é a inspeção judicial, o juiz vai à área para saber o que está acontecendo, eles vão nomear um perito judicial para que ele vá à área e faça avaliação a fim de saber quem produz, o que produz e quanto produz. É um conflito muito grande entre quem produz e quem não produz. É claro que os proprietários não ficarão satisfeitos e vão recorrer, e os tribunais irão analisar isso em nível de instrumento ou até de apelação, e os nossos desembargadores que não tem especialização em Direito Agrário, que não tem toda essa análise constitucional, todas as decisões que chegam ao tribunal são reformadas, sem exceção. Existem vários argumentos que os desembargadores usam, mas vamos falar dos mais recorrentes. Esse tipo de decisão causa insegurança jurídica, no sentido de que o juiz, ao criar uma norma que o CPC não exige, causa insegurança jurídica porque dá poder ao juiz que não pode ter. O segundo requisito é que o judiciário interfere no poder que não é dele, ele vai provocar uma intervenção no poder executivo. Porque causa essa interferência? Isso talvez seja um dos argumentos mais fortes, que diz que quem avalia a função social da propriedade de acordo com a CF, é a União através do INCRA. Para dizer hoje se a propriedade cumpre ou não a Função Social é só o INCRA que pode dizer, porque tem uma lei específica para isso. Então, o juiz não tem a competência técnica para dizer se cumpre ou não com a função social. Ter uma plantação imensa ou ter 10 cabeças de gado não significa que a pessoa está cumprindo com a função social. Para esses desembargadores, o Estatuto da Terra e a CF não substituem a lei processual civil, porque em nenhum momento eles falam sobre ação possessória. Essas decisões das varas agrárias tem sido referência para outras decisões no Brasil, principalmente Nordeste. CENTRO UNIVERSITÁRIO DO ESTADO PARÁ DIREITO AGRÁRIO PROF. LIANDRO FARO Posse Agroecológica 1. Notas introdutórias: Nós vimos até agora que existem dois tipos de posse de forma tradicional. Existe a posse civil e vimos que existe a posse agrária, mas o que acontece? O direito agrário, para se desvincular um pouco mais do direito civil, quando ele olha a forma de apossamento urbano, ele vai conseguir identificar uma forma de apossamento partindo da perspectiva privada também, particular, individual, produtiva porque o campo sempre foi motivo e alvo para expansão agrícola, do pequeno produtor ao grande produtor. O campo é alvo de produção. A gente consegue enxergar a posse agrária. Por mais que ela seja útil para a gente, ela não consegue contemplar todas as formas de apossamento urbano. A campo, a zona rural possuem sujeitos diversificados; A forma de utilização da terra é uma forma diversificada, ela é uma forma variada porque os grupos que estão habitando, utilizando esse espaço são grupos diversificados, mas o direito até então, depois de muito conflito, ele só conseguiu enxergar produtores. Toda a política pública, toda a legislação foi pensada e enviada para olhar para o campo partindo da perspectiva produtiva, por isso que se criou a posse agrária como sendo modelo de posse do campo. A posse agrária, quando ela começou a surgir a partir da década de 70, ela começou a se desvencilhar da posse civil e ela é um modelo, ainda é um modelo, infelizmente. O campo serve para a produção, o que não está errado, eu não estou dizendo que o campo não serve para a produção, o problema é que você exclui uma infinidade de possibilidade de produção da terra. Existem grupos no campo da posse rural que vão utilizar a posse de forma diferenciada, que não olham para a terra do ponto de vista exclusivamente econômico e nem produtivo. Que grupos são esses? O grupo dos índios. Essa posse agroecológica veio para contemplar e observar os povos e comunidades tradicionais. Ela veio observar que existe uma forma de apossamento do imóvel rural de uma maneira nunca antes vista. Por mais que a posse agraria já fosse uma ruptura, ela ainda continuava com uma perspectiva estritamente legalista. Propriedade privada, individuale produtiva são os pilares de uma posse agrária, entretanto, ao se deparar no campo, ao se deparar com essa expansão agrícola, nós vamos observar que existem esses grupos. Existe um grupo que antecede esse tipo de forma imposto pelo estado, isso aqui é uma forma de apossamento priorizado para o Estado. A posse agrária, o Estado regulamenta, o Estado diz como é e como deve ser, mas o Estado não reconhecia até então, uma forma de apossamento diferenciada, uma posse que as pessoas não tivessem o objetivo de produzir, uma forma que a posse fosse utilizada para sobrevivência cultural, que não tivesse o objetivo de produzir, uma posse que não tivesse o objetivo maior de manifestação cultural. Exemplo: Vamos supor que todos nós fôssemos produtores. Estamos aqui na área há muito tempo. O Estado tem algumas formas de proteger os indivíduos, uma delas é criando uma unidade de conservação. Se o estado criar essa unidade de conservação para proteger a gente, que somos uma forma de produção aqui na terra, estamos aqui não sei quanto tempo, estamos aqui para proteger o meio ambiente, etc. Isso se chama de reserva extrativista do Estado. Se aqui não tiver nada e nem ninguém e não puder ter apossamento urbano, pode ser uma unidade de conservação, mas de forma com conservação urbana, com parque com alguma proteção ambiental. Então, se tiver uma reserva extrativista que são grupos urbanos dentro de uma proteção ambiental, você vai basear também em uma posse agroecológica. Se for só posse ambiental e não tiver grupo humano, não vai ser posse agroecológica, vai ser posse ambiental, é um outro instituto, que é puramente ambiental. Aqui não, aqui o instituto não é plenamente ambiental, é também ambiental. As formas de apossamento das comunidades tradicionais são anteriores ao próprio Estado, é só a gente pensar nos grupos indígenas, grupos quilombolas. Desde a formação do Brasil já existiam esses grupos. A reserva extrativista tem como fundamento também a posse agroecológica. A nossa reserva extrativista do Estado do Pará, que é a maior do Norte, é Curuçá. É a maior reserva extrativista porque tem o maior mangal, a maior forma de produção, de utilização daquela área. De uma forma tradicional secular, criou-se a reserva extrativista e o Município inteiro tem uma reserva extrativista. Esse grupo de pessoas não foi assim, esse instituto aqui nós que denominamos, é uma denominação nossa, nós é que criamos um instituto para classificar, porque nós ainda temos a necessidade de classificar muito antes do Estado. Principalmente os grupos indígenas e quilombolas, que já se formam desde 1500, 1600. Existem novos grupos tradicionais que só tem 200 anos. Essa posse agroecológica é justamente um instituto que visa contemplar e proteger essa forma de apossamento cultural. Nós precisamos reconhecer que no campo existe uma diversidade de apossamento. Mas é uma forma de romper com a posse capitalista, é jargão, mas é porque a posse capitalista é produtiva, econômica e produzida aqui. 2. Conceito: Primeiramente quem criou essa expressão foi um professor daqui da UFPA, Benatti que criou esse conceito e está muito vinculado com a posse étnica. Esse conceito hoje é um divulgado no Brasil e no mundo a partir de um livro dele que se chama posse ecológica e manejo florestal, José Benatti, o que ele quis dizer com essa expressão? Agro é no sentido de agrário mesmo, da região agrária da posse agrária também, porque você vai usar um imóvel rural em uma zona rural, você vai utilizar os recursos naturais da terra, você vai produzir, você vai sobreviver, você vai utilizar, plantar, etc. Esses grupos vivem na área indígena e não vivem do sol, eles precisam explorar os recursos naturais. Agora, a expressão ecológica é no sentido mais amplo possível, é no sentido de ecologia, é no sentido de que esses grupos utilizam os recursos naturais, eles utilizam a terra, mas sempre do ponto de vista ecológico, de proteção do meio ambiente. Esses grupos encaram a natureza como sendo um ente, não como sendo um recurso puramente econômico. Essa expressão “ecológica” é porque que eles encaram o meio ambiente e os recursos naturais com respeito, como uma entidade, como algo importante na vida deles, imprescindível para a vida deles. O autor usa uma expressão interessante, ele usa uma “simbiose”. Os grupos não usam os recursos naturais com uma gana de se acabar, eles usam para sobreviver, eles dão uma relação de importância para a natureza, respeito, veneração. Então, a expressão agroecológica é porque a natureza e esses grupos se dão bem de uma forma ampla, eles defendem a biodiversidade ecológica porque ali eles vão conseguir desenvolver a cultura deles também no espaço, então, é esse o sentido de ecologia. É um sentido amplo e bem genérico. - A posse agroecológica é aquela em que grupos utilizam o território de forma tradicional visando a sobrevivência material e imaterial. Utilizamos agora a expressão território, mas iremos fazer uma diferença entre território e terra. Terra: é o espaço que é delimitado pelo Estado. Enquanto que o território é um espaço de representação de identidade. A terra é o Estado que demarca, delimita, então, terra particular, terra quilombola, terra indígena foi o Estado que chegou e delimitou a demarcação pela sua legislação vigente, então, terra de assentamento, terra privada são espaços que o Estado demarcou. Território é muito mais amplo porque reúne espaços em que as pessoas se identificam naquele espaço, tem identidade com aquele espaço, se sentem representados naquele espaço e aquele espaço dá a elas autonomia. Território tradicional é um espaço onde esses grupos tradicionais voltados para os grupos culturais, é um espaço onde eles conseguem se reproduzir culturalmente, se manifestar culturalmente. Território tradicional são esses espaços dos grupos tradicionais, onde eles reconhecem como sendo suficientes para sua sobrevivência. A terra é o Estado que demarca, o território são os grupos que vão se delimitar, são os grupos que vão dizer qual o espaço dele, porque o espaço territorial tem a ver com identidade, cultura, reconhecimento, pertencimento. Território tradicional é isso que foi falado, porém, voltado para as questões culturais, é um espaço onde eles conseguem se reproduzir culturalmente, se manifestar culturalmente, se sentem reproduzidos naquele espaço e o espaço dá para eles autonomias. Território tradicional são espaços onde esses grupos tradicionais reconhecem como sendo suficientes para a sua sobrevivência. A terra é o Estado que demarca, o território são os grupos que vão se delimitar, são os grupos que vão dizer qual o espaço deles, porque o espaço territorial tem a ver com identidade, cultura, reconhecimento, pertencimento. Nem todas as vezes que o Estado demarca a terra, contempla o espaço deles, pelo contrário, quando o Estado vai demarcar terra é sempre menor que o espaço, eles acreditam que são menores. Para eles, quando o Estado demarca terra não é nem o território deles. O correto é falar hoje em território indígena, território quilombola. Inclusive, a legislação da OIT em 2010 também utiliza a expressão território. Por enquanto, são só conceitos, depois vamos falar de legislação. 3. Finalidade: Reprodução física. Existem diversas finalidades e uma das finalidades são as reproduções físicas. As reproduções físicas aqui são biológicas mesmo, esses espaços precisam contemplar que esses grupos eles não vão diminuir, eles vão aumentar sempre e a não ser que haja qualquer intervenção ou alguma chacina desse tipo, esses grupos aumentam biologicamente. Precisamos contemplaro espaço e uma forma de posse que contemple também as futuras gerações. Não podemos pensar que aqui tem 10 pessoas, então, vamos demarcar como se fosse para 10 pessoas, não. Essas pessoas vão reproduzir, elas vão ter netos, bisnetos, e esse grupo só vai aumentando. Interessante nós pensarmos nisso porque na década de 80, um grande antropólogo chamado Darcides David, ele acreditava que os índios iam ser exterminados do Brasil pela forma que eles eram tratados até então, eles eram arrematados. Então, ele acreditava que os índios iam ser exterminados porque a diminuição desde a década de 50 até 80, em 30 anos eram drásticos, diminuíram drasticamente por conta dessa expansão agrícola. Quando falamos de expansão agrícola, dizemos que a nossa região é uma região agrária, então, é preciso expandir para uma expansão agrícola, precisa crescer para a região agrícola, precisa crescer para explorar os recursos naturais. Então, para a expansão agrícola, o Estado incentivando essa expansão agrícola, vai se deparar com esses grupos, só que esses grupos sempre foram e são ainda a parte mais fraca dessa relação. Nesse contexto, os grupos foram acabando, exterminados, grupos inteiros foram exterminando, grupos inteiros foram exterminados com dinamite. Com a quantidade que temos hoje de indígenas, a rigor, é muito pouco considerado dentro da população brasileira, mas é um grupo que conseguiu se reproduzir. Eles precisam ter esse espaço para adequar isso, então, precisam fazer a reprodução física e material (subsistência). A reprodução material é você precisar sobreviver, alimentar, plantar, produzir. A maioria desses grupos hoje não vive mais do extrativismo em razão da quantidade de dano ambiental, eles não vivem mais de pesca, mas precisam se reproduzir. Se formos pensar, isso aqui seria uma posse agrária. Até então, isso aqui representa a posse agrária. Tem produtividade, por mais que não tenha a subsistência ou não produtividade ensejaria a posse biológica. As pessoas vão para o campo, do campo elas vão se reproduzir, mas mais do que isso aqui, tem a reprodução cultural, esse espaço, eles têm que ter um espaço em que esses grupos possam se manifestar culturalmente, tem que ser um espaço em que elas possam contemplar a manifestação cultural. Tanto é assim, que os benefícios de demarcar um território com um grupo tradicional é fazer um grupo e que permaneçam como um grupo culturalmente diferenciado. Se eu não tiver um um espaço que eles possam se manifestar culturalmente, eles vão acabar, aquelas pessoas não vão sobreviver, é óbvio. Todas vão morrer, isso vai acabar com a diversidade cultural, vai acabar com a cultura. Em Santa Catarina foi feita uma política pública na década de 80/90 muito interessante e que depois de 30 anos foi feito um estudo, o que aconteceu? O Estado notou que existia uns grupos indígenas e tinha uma área nesse grupo indígena que o Estado disse “olha, eu vou incentivar vocês e vocês serão produtores” pegou esse mesmo território e individualizou em lote, as famílias indígenas foram divididas em lotes. Esse grupo indígena aceitou e 20 anos depois que foi feito um estudo, se observou que aquele grupo que tinha uma manifestação cultural forte, já não tinha mais. Isso porque eles foram individualizados e eles foram perdendo o sentido de grupo, em sentido de cultura, reforço, identidade. É isso que os grandes teóricos falam, então, se quiserem impedir que os grupos tradicionais cresçam, existem duas grandes políticas que o Estado faz e uma delas é não respeitar a língua falada deles, principalmente em grupos indígenas, e o outro é você não conceder espaço produtivo para eles, aí acaba com aquela etnia, acaba com aquele grupo. Então, esse território tem que ser capaz de que esse grupo possa se manifestar naturalmente. Exemplo: Isso é muito variado. Liandro já visitou aldeia que eles tinham espaços de veneração que era o cemitério deles, era enorme e você olhava assim e para eles era um espaço extremamente importante, os ancestrais que vinham trazer informações, ensinamentos e mexer naquele espaço ali era morte, era no sentido impensável isso. Tinha espaço para produção cultural, para forma de produtividade, para manifestação no sentido de dança e uma infinidade. Então, esses territórios são importantes, nós temos que pensar nessas áreas não apenas para proteger o índio como pessoa, tem que proteger porque eles merecem uma proteção, a cultura deles faz parte de um bem emocional, então, quando chegamos em uma posse agroecológica, temos que pensar também na questão cultural, na questão de identidade. Dentro dessa cultura, dentro dessa perspectiva cultural, vamos trabalhar com tradição, língua, organização social. Se tiram uma terra deles, eles vão se perder. A outra finalidade que não é a principal é na biodiversidade, é na proteção da biodiversidade. Não podemos pensar em demarcar esse território porque queremos proteger o meio ambiente, mas, é como se fosse uma questão secundária, tipo por tabela. Uma das finalidades por tabela é a biodiversidade porque esses grupos cuidam da biodiversidade, eles vivem com a biodiversidade, eles compreendem a biodiversidade. Eles protegem a biodiversidade, a fauna, flora, o ecossistema, então, existe a perspectiva ambiental também. 4. Fundamentos constitucionais: Existem outras legislações, existem fundamentos constitucionais com a nossa própria constituição de 1988 trouxe a proteção desse tipo de posse. Existem outras legislações infraconstitucionais que eu vamos tratar ao longo do tempo. A constituição federal só trouxe de forma ostensiva e de forma direta a proteção de dois grupos de maneira direcionada mesmo. Então, existem dois grupos que a constituição federal trouxe de maneira direta, que são os grupos indígenas, através do art. 231 e 232 da CF. É um capítulo inteiro e aqui ele não trata apenas da terra indígena, ele trata do direito indígena como um todo e o outro grupo são os quilombolas que é o art. 68 do ADCT. Em que pese ser ADCT e ter força constitucional, são os dois únicos grupos que vamos estudar nas próximas aulas que são os diretamente protegidos pela constituição. Pela primeira vez, a Constituição fala de quilombola. A CF de 1988, pela primeira vez, tem um capítulo inteiro para falar de direito indígena, mas, existem outros artigos, que é o art. 214, 215, 216 da CF, esses artigos eles não tratam de nenhuma maneira sobre terra, posse, eles tratam de cultura, tratam da questão de direito a diversidade, pluralismo, proteção a diversas manifestações culturais. São por esses artigos que a gente consegue falar que o nosso estado democrático é um estado multicultural que abarca diversas manifestações culturais e que o estado é obrigado a incentivar e proteger essas manifestações, então, através destes argumentos genéricos, a gente contempla outros grupos de comunidades tradicionais, seringueiros, quebradores de coco babaçu, ribeirinhos e entre outros grupos que não conseguimos denominar. Tudo isso ligado ao art. 1, III da CF que fala sobre dignidade da pessoa humana. 5. Características: A característica agroecológica que podemos observar, a primeira delas é: área coletiva comum. Toda posse agroecológica que o professor conhece e já estudou, seja indígena, quilombola ou outro grupo constitucional, a característica de área coletiva é a que mais não se tem a perspectiva de individualidade de propriedade privada, sempre é uma área comum, é uma área que pertence ao grupo e não que pertence a uma pessoa, então, sempre a posse é coletiva, ela não é uma posse individual. Entretanto, não quer dizer que por mais
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