Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Metabolismo de Carboidratos 1. Introdução Os carboidratos são compostos que, em geral, apresentam a fórmulas empírica (CH2O)n e cujos representantes mais simples são chamados açúcares, como, por exemplo, a glicose. O tipo mais simples de carboidrato é constituído pelos monossacarídeos, chamados aldoses ou cetoses, segundo o grupo funcional que apresentam: aldeído ou cetona. A glicose é o principal carboidrato na Terra, entrando na constituição monomérica de celulose e amido. É também o único combustível utilizado por todas as células do nosso corpo. A glicose é, quantitativamente, o principal substrato oxidável para a maioria dos organismos, quase todas as células são potencialmente capazes de atender suas demandas energéticas apenas a partir deste açúcar. Apesar de a dieta humana conter pouca glicose livre, esta aparece em proporções consideráveis como amido, sacarose e lactose. A glicólise se caracteriza como uma via metabólica utilizada por todas as células do corpo, para extrair parte da energia contida na molécula da glicose, e gerar duas moléculas de lactato. A glicólise se constitui na etapa inicial no processo da oxidação completa de carboidratos envolvendo oxigênio molecular. Trata-se de uma rota central quase universal do catabolismo da glicose, a rota com o maior fluxo de carbono na maioria das células. A quebra glicolítica de glicose é a única fonte de energia metabólica em alguns tecidos de mamíferos e tipos celulares (hemácias, medula renal, cérebro e esperma, por exemplo). Nos próximos tópicos, descreveremos a oxidação total da glicose, bem como seu armazenamento e mobilização na forma de glicogênio (glicogênese e glicogenólise) e sua síntese de novo para suprir o cérebro (neoglicogênese). 2. Via glicolítica Para obterem ATP a partir de glicose, todas as células lançam mão de sua oxidação parcial a piruvato. Nas células anaeróbicas, a oxidação pára neste ponto. A conversão de glicose a piruvato permite aproveitar apenas uma parcela da energia total da glicose. Nas células aeróbicas, entretanto, o piruvato é subsequentemente oxidado, trazendo, naturalmente, um enorme ganho na produção de ATP. A etapa inicial da oxidação da glicose (até piruvato) ocorre através de uma sequência 2 de reações denominada glicólise, uma via metabólica que se processa no citossol. Seus produtos são ATP, (H + e ) , recebido por coenzimas, e piruvato. A quebra dos seis carbonos da glicose em duas moléculas de piruvato com três carbonos ocorre em dez passos; os primeiros cinco dos quais constituem a fase preparatória (fase de investimento) e os cinco seguintes, a fase de geração de ATP (fase de rendimento). A sequencia de reações pode ser acompanhada na figura 1. Na primeira etapa a glicose é fosforilada sob a ação da enzima hexocinase e a glicose-6-fosfato (G6P), gerada no citosol, não pode sair da célula. Essa reação é irreversível. Quando o fígado necessita exportar glicose para outros tecidos, a G6P sofre a ação da enzima glicose-6-fosfatase, que catalisa a reação reversa daquela catalisada pela hexocinase. A G6P é transformada, em seguida, no seu isômero frutose-6-fostato (F6P), por ação da enzima fosfoglicose isomerase. Finalmente a F6P recebe mais um grupamento fosfato e é transformada no composto frutose-1,6-bisfosfato. Esta reação também é irreversível e é catalisada pela fosfofruto-cinase, uma enzima alostérica. Na segunda etapa a frutose-1,6-bisfosfato sofre a ação da aldolase gerando uma molécula de diidroxiacetona fosfato e uma molécula de gliceraldeído-3-fosfato (GAP). Sob a ação da triose fosfato isomerase, diidroxiacetona fosfato é convertida em gliceraldeído-3-fosfato. Após, ocorre a produção de 1,3-bisfosfoglicerato, composto gerado pela ação da enzima gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase sobre o GAP. Essa enzima tem como coenzima o NAD (Nicotinamida adenina di-nucleotídeo). O composto 1,3-bisfosfoglicerato é um anidrido misto de um ácido carboxílico e ácido fosfórico, com um alto potencial energético permitindo que, na reação seguinte, catlisada pela fosfoglicerato cinase haja produção de ATP. Na reação 8, a enzima fosfogliceromutase reaposiciona a posição do grupo fosfato 3- Fosfoglicerato, dando origem a 2-fosfoglicerato (grupo fosfato ligado ao carbono 2), preparando o substrato para a próxima reação. A reação 9 é uma reação de desidratação catalisada pela enzima enolase. O 2-fosfoglicerato é desidratado formando uma molécula de água e fosfoenolpiruvato (PEP), um composto altamente energético. Foi devido a esta configuração energética que o grupo fosfato foi transferido da posição 3 para 2 na reação anterior. A outra reação onde ocorre síntese de ATP é catalisada pela piruvato cinase, enzima que transforma fosfoenolpiruvato em piruvato. Esta é a terceira reação irreversível da via glicolítica. 3 Figura 1. Via glicolítica 3. Destinos do Piruvato Em condições aeróbicas, o primeiro passo para a oxidação total do piruvato é a sua conversão a acetil – CoA. Nas células eucarióticas, o piruvato do citossol entra na mitocôndria, onde é transformado em acetil – CoA, conectando, portanto, a glicólise e o ciclo de Krebs. O piruvato é convertido a acetil – CoA, através de uma descarboxilação oxidativa, de acordo com a equação (figura 2): 4 Figura 2. Formacao de Acetil-CoA A reação de formação de acetil – CoA a partir de piruvato é irreversível e ocorre em quatro etapas seqüenciais, catalisadas por um sistema multienzimático, chamado complexo piruvato desidrogenase. Uma única partícula do complexo piruvato desidrogenase é maior do que um ribossomo e consiste em um núcleo central formado por dezenas de moléculas de diidrolipoil transacetilase cada uma com dois resíduos de ácido lipóico), as quais se associam dezenas de moléculas de piruvato desidrogenase e diidrolipoil desidrogenase. Fazem parte ainda da partícula várias moléculas de quinase e fosfatase, responsáveis pela regulação da atividade do próprio complexo, através de fosforilação e desfosforilação. A primeira etapa é a descarboxilação do piruvato pela piruvato desidrogenase, que transfere o grupo hidroxietil para o TPP, em uma reação análoga à do piruvato descarboxilase, que participa da fermentação alcóolica. Em seguida, a diidrolipoil transacetilase oxida o grupo hidroxietil a acetil, ligando-o ao ácido lipóico. Nesta oxidação, os elétrons são transferidos para o ácido lipóico (forma dissulfeto), reduzindo- o a ácido acetil lipóico. A mesma enzima transfere o grupo acetil para coenzima. A, formando acetil – CoA. O ácido lipóico (forma ditiol) é reoxidado pela diidrolipoli desidrogenase, uma flaoproteína contendo FAD como grupo prostético, que recebe os (H+ + e-) e os transfere finalmente para o NAD+. O NADH formado será oxidado na cadeia de transporte de elétrons. Em condições de anaerobiose, por outro lado, o piruvato serve como aceptor de elétrons do NADH , reciclando o NAD+. Esse processo é denominado de fermentação que pode ser lática ou alcoólica. Na fermentação lática o piruvato é reduzido a lactato através da enzima lactato desidrogenase. Essa redução é o que permite a reoxidação das moléculas de NADH, 5 sendo o próprio piruvato o aceptor de elétrons (figura 3). Este processo é observado em algumas espécies de bactérias, nas hemácias sanguíneas, nas fibras musculares de contração rápida e nas fibras musculares em geral, neste último caso quando a quantidade de oxigênio torna-se insuficiente (anaerobiose relativa), devido a um trabalho muscular muito intenso. O acúmulo de ácido láctico oriundo desse processo no músculo é o que causa a dor característicaposterior aos exercícios físicos de grande intensidade. Tal mecanismo é muito importante, uma vez que permite a continuidade do exercício, mesmo em ausência relativa de oxigênio. Figura 3. Fermentação lática. Em certos organismos, como as leveduras e alguns tipos de bactérias, a regeneração do NAD+ é feita por meio da fermentação alcoólica. Nesse processo, inicialmente, cada molécula de piruvato é convertida a um composto com dois carbonos (acetaldeído) em uma reação de descarboxilação através da ação da enzima Piruvato Descarboxilase (PPP), que gera uma molécula de CO2 e uma molécula de NADH. Esse acetaldeído serve de aceptor dos elétrons do NADH e reduz-se a álcool etílico (etanol) a partir da ação da enzima álcool desidrogenase (figura 4). 6 Figura 4. Fermentação alcoólica. 4. Ciclo de Krebs O piruvato proveniente de glicose origina acetil-CoA mitocondrial. Além da glicose, vários aminoácidos produzem piruvato e, portanto, acetil-CoA, ao serem degradados. A acetil-CoA pode, portanto, ser originária de carboidratos, aminoácidos e ácidos graxos e, qualquer que seja sua proveniência, será totalmente oxidada a CO2 pelo ciclo de Krebs, com a concomitante produção de coenzimas reduzidas. O ciclo de Krebs inicia-se com a condensação de acetil – CoA e oxaloacetato, formando citrato, uma reação catalisada pelo citrato sintase (figura 5). O citrato é isomerizado a isocitrato por ação da aconitase, com a formação intermediária de cis-aconitato. A isocitrato desidrogenase catalisa a oxidação de isocitrato a α-cetoglutrato, com redução de NDA+ e liberação de CO2. O α-cetoglutrato é então transformado a succinil-CoA, numa reação catalisada pela α-cetoglutrato desidrogenase, um complexo enzimático semelhante ao complexo piruvato desidrogenase. A succinil – CoA sintetase catalisa a transformação de succinil – CoA a succinato, numa reação que forma GTP (guanosina trifosfato), a partir de GDP (guanosina difosfato) e P. O GTP tem o mesmo nível energético do ATP e, portanto, a formação de GTP equivale à formação de ATP: o GTP pode reagir com ADP, dando ATP e regenerando GDP, por ação da nucleosídio difosfato quinase. A succinato desidrogenase é a única enzima do ciclo de Krebs que é parte integrante da membrana interna da mitocôndria: as demais estão em forma solúvel na matriz mitocondrial. O fumarato é hidratado a malato pela furmarase. Por fim o malato é oxidado a oxaloacetato pela acao 7 da malato desidrogenase e formação de NADH (figura 5). Como o oxaloacetato é sempre regenerado ao final de cada volta, o ciclo de Krebs pode oxidar acetil-CoA continuamente, sem gasto efetivo de oxaloacetato. Figura 5. Ciclo de Krebs Embora o ciclo de Krebs produza diretamente apenas 1 ATP, contribui para a formação de grande parte do ATP produzido pela célula, pois a energia da oxidação da acetil-CoA é conservada sob a forma de coenzimas reduzidas e, posteriormente, usada para síntese de ATP. A oxidação das coenzimas é obrigatoriamente feita pela cadeia de transporte de elétrons e, portanto, o ciclo de Krebs, ao contrário da glicose, só pode funcionar em condições aeróbicas. Os compostos intermediários do ciclo de Krebs podem ser utilizados como precursores em vias biossintéticas: oxaloacetato e α-cetoglutarato vão formar 8 respectivamente aspartato e glutamato. A eventual retirada desses intermediários pode ser compensada por reações que permitem restabelecer o seu nível. Entre essas reações, que são chamadas de anapleróticas por serem reações de preenchimento, a mais importante é a que leva à formação de oxaloacetato a partir do piruvato e que é catalisada pela piruvato carboxilase. O oxaloacetato além de ser um intermediário do ciclo de Krebs, participa também da gliconeogênese. A degradação de vários aminoácidos também produz intermediários do ciclo de Krebs, funcionando como reações anapleróticas adicionais (figura 5). 5. Gliconeogênese Gliconeogênese ou neoglicogénese ou ainda neoglucogénese ("formação de novo açúcar") é a rota pela qual é produzida glicose a partir de compostos aglicanos (não- açúcares ou não-carboidratos), sendo a maior parte deste processo realizado no fígado (principalmente sob condições de jejum) e uma menor parte no córtex dos rins. Em humanos, os principais precursores são: lactato, glicerol e aminoácidos, principalmente alanina. Exceto por três sequências específicas (Piruvato para PEP, Frutose1.6-bifosfato para frutose-6-p, Glicose-6-p para glicose), as reações da gliconeogênese são inversas às da glicólise. Em mamíferos, a maioria dos tecidos é capaz de suprir suas necessidades energéticas a partir da oxidação de vários compostos, tais como aminoácidos, açúcares e ácidos graxos, porém alguns tecidos dependem quase completamente de glicose como fonte de energia metabólica. Para o cérebro humano e o sistema nervoso, assim como os eritrócitos, testículos, medula renal e tecidos embriônicos, a glicose sanguínea é a única ou principal fonte de energia. Apenas o cérebro requer cerca de 120g de glicose a cada dia - mais do que metade de toda a glicose armazenada como glicogênio em músculos e fígado. A longo prazo, todos os tecidos também requerem glicose para outras funções, tais como a síntese da ribose dos nucleotídeos ou da porção carboidrato de glicoproteínas e glicolipídeos. Portanto, para sobreviver, os organismos precisam ter mecanismos para manutenção dos níveis sanguíneos de glicose. Quando a concentração de glicose circulante vinda da alimentação diminui, o glicogênio hepático e muscular é degradado (glicogenólise) fazendo com que a glicemia volte a valores normais. Entretanto, o suprimento de glicose desses reservatórios não é sempre suficiente; entre as refeições e durante longos jejuns, ou após exercícios vigorosos, o glicogênio é depletado (consumido), situação que também ocorre quando há 9 deficiência do suprimento de glicose pela dieta ou por dificuldade na absorção pelas células. Nessas situações, os organismos necessitam de um método para sintetizar glicose a partir de precursores não-carboidratos. Isso é realizado pela via chamada gliconeogênese, a qual converte piruvato e compostos relacionados de três e quatro carbonos em glicose. A maioria das etapas da gliconeogênese usa as mesmas enzimas que catalizam o processo da glicólise, porém, o fluxo de carbonos, é claro, é na direção reversa. Entretanto, em três pontos as reações da glicólise são irreversíveis in vivo (por liberarem energia livre em forma de calor): conversão de glicose em glicose 6-fosfato pela hexoquinase, a fosforilação da frutose 6-fosfato em frutose 1,6-bisfosfato pela fosfofrutoquinase-1 e a conversão de fosfoenolpiruvato em piruvato pela piruvato quinase. Para contornar essas barreiras energéticas, reações e enzimas especiais são necessárias em três desvios (figura 6): 1° desvio: Dentro da mitocôndria, a piruvato-carboxilase catalisa a formação de oxalacetato a partir de ATP e CO2, liberando ADP + Pi. A partir daí, pode-se tomar 2 caminhos: a) Ação da PEP-carboxilase (PEPCK) mitocondrial, formando fosfoenolpiruvato a partir de GTP, e liberando GDP + CO2. b) Redução do oxalacetato para produção de malato, ganhando dois H. O malato, por sua vez, irá sair da mitocôndria e será oxidado, perdendo 2 H e voltando a ser oxalacetato. Este oxalacetato sofrerá ação da PEP-carboxilase citosólica, que o transformará em fosfoenolpiruvato. O caminho a ser tomado depende da concentração de NADH citosólico. Se for alta, a via b é inibida, pois causa acúmulo de produtos (malato e oxalacetato). O piruvato então toma a via a, transformando-se em fosfoenolpiruvatoainda dentro da mitocôndria. Caso a concentração de NADH no citosol seja baixa, acontece o contrário, e a via b é estimulada por falta de produtos. 2º desvio: No citosol, a frutose-1,6-bifosfato é hidrolisada pela frutose-1,6- bifosfatase, liberando um Pi e formando frutose-6-fosfato, que logo em seguida será isomerizada a glicose-6-fosfato pela fosfoglicose-isomerase. 10 3º desvio: Nesta etapa faz-se a conversão de glicose-6-fosfato em glicose. O grupo fosfato ligado ao carbono 6 da glicose-6-fosfato sofre hidrólise catalisada pela glicose-6- fosfatase. O produto dessa reação é a glicose não fosforilada que, assim, pode atravessar a membrana plasmática. A enzima glicose-6-fosfatase só ocorre no fígado e rins. Figura 6. Gliconeogênese A neoglicogênese é uma reação de síntese porque utiliza um precursor de 3 carbonos e tem como produto final a glicose, com seis carbonos. Assim como as demais 11 reações de síntese, a neoglicogênese consome energia na forma de ATP. Para cada molécula de glicose formada a partir de piruvato, seis moles de pontes de fosfato de alta energia são clivadas : quatro ATP, dois GDP, e dois NADH , que são utilizados nas reações catalisadas por piruvato carboxilase, fosfoenolpiruvato carboxiquinase e fosfoglicerato quinase. Dois moles de ácido pirúvico são requeridos para a síntese de um mol de glicose. Reação Global 2 Ácido pirúvico + 4 ATP + 2 GTP + 2 NADH + 6 H2O -----------> Glicose + 4 ADP + 2 GDP + 6 Pi + 2 NAD + 2 H+ 6. Glicogênese e glicogenólise O glicogênio é um polímero de glicose e constitui uma forma de armazenamento deste açúcar; é utilizado principalmente pelo fígado e músculos quando a oferta de glicose supera as necessidades energéticas imediatas destes órgãos. O glicogênio hepático degradado produzindo glicose, que é exportada para manter a glicemia (concentração de glicose sanguínea) nos períodos entre as refeições e no jejum noturno. O glicogênio muscular provê energia exclusivamente para a própria fibra muscular em contração intensa, quando a demanda energética ultrapassa o aporte de oxigênio, sendo, então, convertido a lactato. O glicogênio é um polissacarídeo altamente ramificado. Os resíduos de glicose são unidos por ligações glicosídicas entre os carbonos 1 e 4 (ligações α - 1, 4) nos segmentos lineares, e as ramificações são formadas por ligações entre os carbonos 1 e 6 (ligações α - 1, 6). O glicogênio apresenta dois tipos de extremidades, chamadas redutora e não redutora. A degradação do glicogênio consiste na remoção sucessiva de resíduos de glicose, apartir das extremidades não redutoras, por ação da glicogênio fosforilase. Esta enzima quebra a ligação α - 1,4 por reação com fosfato, liberando um resíduo de glicose como glicose 1-fosfato (figura 7). A ação da glicogênio fosforilase prossegue ao longo da cadeia, terminando 4 resíduos antes de uma ramificação. Uma transferase transfere 3 destes resíduos para uma outra extremidade do glicogênio, neste ponto, um resíduo de glicose unido por uma ligação α-1,6. Esta ligação é hidrolisada por uma α-1,6 glicosidase, também chamada enzima desramificadora. 12 A degradação, entretanto, não é completa, restando um núcleo não degradado que serve de ponto de partida para a ressíntese. O glicogênio é sintetizado por uma via diferente da via de degradação. A síntese consiste na repetida adiação de resíduos de glicose às extremidades não redutoras de um núcleo de glicogênio. A glicose a ser incorporada deve estar sob uma forma ativada, ligada a um nucleotídio de uracila, constituindo a uridina difosfato (UDP-G). O UDP-G é produzido, a partir de glicose, por uma série de reações (figura 7). O primeiro passo envolve a síntese de glicose-1-fosfato e UTP: Glicose 1-fosfato + UTP + H2O → UDP-glicose + 2 Pi Essa reação é catalisada pela UDP-glicose pirofosfatase. Essa reação seria reversível se não fosse pela rápida hidrólise exergônica (o que implica a necessidade de água) do pirofosfato a ortofosfato (catalisada pela pirofosfatase). Na segunda reação, UDP-glicose é transferida ao grupo hidroxila da cadeia de glicogênio existente, formado uma ligação glicosídica α-1,4. Essa reação é catalisada pela glicogênio sintetase. Essa enzima só consegue promover essa adição se a cadeia contiver no mínimo quatro unidades. Assim, a proteína glicogenina é utilizada como uma "molécula primária". Ligações α-1,6 são criadas pela enzima glycogen branching Figura 7. Esquema geral da síntese e degradação de glicogênio. 13 Várias doenças hereditárias relacionadas ao armazenamento de glicogênio são conhecidas. Isso se deve a ausência ou diminuição de uma das enzimas envolvidas no metabolismo do glicogênio. A tabela abaixo mostra as doenças hereditárias bem como suas consequências. 7. Via das Pentoses Fosfato A via das pentoses fosfato é uma via alternativa de oxidação de glicose e a única via de produção de ribose 5-fosfato, a pentose constituinte dos nucleotídios que compõe os ácidos nucleicos e várias coenzimas. A glicólise e em outras vias degradativas, o substrato é oxidado, gerando coenzimas reduzidas cuja oxidação produz ATP. Na síntese de muitos compostos ocorre o reverso: há consumo de ATP e redução do substrato. O doador de elétrons para esta redução não é o NADH, mas uma coenzima semelhante: a nicotinamida adenina dinucleotídio fosfato (NADPH). É na via das pentoses fosfato que o NADP+ é reduzido a NADPH. De fato, nesta via, a energia derivada da oxidação da glicose é armazenada sob a forma de poder redutor (NADPH) e não de ATP como na glicólise. A via das pentoses consta de uma parte oxidativa, que produz NADPH, e uma parte não oxidativa, que interconverte açúcares fosforilados. A via das pentoses fosfato compreende uma etapa inicial, oxidativa, em que a glicose 6-fosfato é convertida a ribulose 5-fosfato por suas oxidações sucessivas, catalisadas por desidrogenase específicas para NADP+. A equação geral desta etapa é: Glicose 6-fosfato + 2 NADP+ + H2O Ribulose 5-fosfato + 2(NADPH + H+) + CO2 8. Metabolismo de outros carboidratos importantes 14 A sacarose dietária constitui uma fonte quantativamente importante de monossacarídios para o homem; a lactose, o açúcar presente no leite, tem importância principalmente nos primeiros meses de vida. Estes dissacarídios são hidrolisados no intestino delgado, por sacarose e lactose, respectivamente. A sacarose produz glicose e frutose; lactose libera glicose e galactose. Não sendo hidrolisada, a lactose permanece no intestino delgado, onde sofre fermentação bacteriana de sua conversão a intermediários da glicólise. A frutose é convertida a diidroxiacetona fosfato e gliceraldeído 3-fosfato e entra na via glicolítica. Em outros tecidos (adiposo e músculo), a frutose é convertida a frutose 6- fosfato pela hexoquinase. Algumas doenças metabólicas relacionadas aos carboidratos são comuns, tais como, galactosemia, deficiência hereditária de galactose 1-fosfato uridil transferase, que causa uma serie de problemas devido ao acumulo de galactitol e frutosonuria, pelo defeito no metabolismo de frutose. Um resumo do metabolismo dos carboidratos é mostrado na figura 8. 15 Figura 8. Resumo do metabolismo dos carboidratos. 9. Regulação do metabolismo de açúcares A regulação do metabolismo de açucares depende na sua maior parte da ação hormonal da insulina e do glucagon. O músculo possui algumas diferenças com o fígado, principalmente no que se refere a exportação de glicose, onde esse é o papel do fígado para manter a glicemianormal. A regulação da glicólise é complexa pela sua importância na geração de energia na forma de ATP e pela produção de vários intermediários glicolíticos destinados a biossíntese. Na maioria das células, a velocidade da glicólise é determinada, principalmente, pela regulação alostérica das enzimas hexocinase, fosfofrutocinase−1 (PFK−1) e piruvato−cinase. As reações catalisadas por essas enzimas são irreversíveis e podem ser “ligadas” ou “desligadas” por efetores alostéricos. Por exemplo, a hexocinase é inibida pelo excesso de glicose-6-fosfato. Vários compostos de “alta energia” atuam como efetores alostéricos. Por exemplo, elevadas concentrações de AMP (um indicador de baixa produção de energia) ativa a PFK−1 e apiruvato−cinase. Por outro lado, teores elevados de ATP (um indicador que as necessidades energéticas das células foram atingidas) inibem as duas enzimas. O citrato e a acetil−CoA, que acumulam quando existe ATP em quantidade suficiente, inibem a PFK−1 e a piruvato−cinase, respectivamente. A frutose−2,6−bifosfato, produzida por indução de hormônio da PFK−2, é um indicador de altos níveis de glicose disponível e alostericamente ativa a PFK−1. O acúmulo de 16 frutose−1,6−bifosfato ativa a piruvato−cinase, promove um mecanismo de controle (a frutose−1,6−bifosfato é um ativador alostérico). Além disso, após uma refeição rica em carboidratos, a insulina promove o aumento na síntese das enzimas glicocinase, fosfofrutocinase−1 e piravato−cinase. Por outro lado, a síntese dessas mesmas enzimas é reduzida quando o glucagon plasmático está aumentado e a insulina reduzida, como no jejum ou diabetes. A síntese e a degradação do glicogênio são cuidadosamente reguladas para evitar a perda de energia. As enzimas das diferentes vias, a glicogênio−fosforilase e a glicogênio−sintase nas formas a (ativa) e b (inativa ou pouco ativa), são reguladas pelo controle alostérico e pela modificação covalente das enzimas modulada por hormônios. A atividade dessas enzimas é, também, amplamente dependente da disponibilidade de vários intermediários e co-fatores. Portanto, a glicogênese e a glicogenólise são reguladas de tal modo que as quantidades de glicose liberadas são ajustadas segundo as necessidades do organismo. A glicogênio-sintase e a glicogênio- fosforilase estão sob controle alostérico por diferentes efetores. A forma inativa (ou pouco ativa) da glicogênio-fosforilase encontrada no músculo em repouso, é denominada glicogênio−fosforilase b, e é ativada por AMP e inibida por ATP e glicose−6−fosfato. A glicogênio−sintase, ao contrário, é ativada pela glicose−6−fosfato. A interconversão das formas a e b da glicogênio-sintase e da glicogênio−fosforilase é regulada reciprocamente por meio de fosforilação−defosforilação (quando uma enzima é estimulada a outra é inibida) e são catalisadas por enzimas que estão sob controle hormonal (insulina, glucagon e adrenalina) ou estímulo nervoso (íons Ca2+). Devido a seu efeito sobre a proteína-cinase dependente de AMPc, através da geração de AMP cíclico, a adrenalina inibe a síntese do glicogênio. A glicogênio-sintase e a glicogênio-fosforilase são afetadas pela fosforilação de modo diferente: a glicogênio- fosforilase a (ativa) está ligada ao fosfato, enquanto a glicogênio-sintase (ativa) está na forma desforilada (figura 9). 17 Figura 9. Regulação do metabolismo do glicogênio por modificação covalente das enzimas moduladas por hormônios. A velocidade da gliconeogênese é afetada principalmente pela disponibilidade de substratos, efetores alostéricos e hormônios. Dietas ricas em gorduras, a inanição e o jejum prolongado elevam as concentrações de lactato, glicerol e aminoácidos e estimulam a gliconeogênese. As quatro enzimas-chave da gliconeogênese (piruvato−carboxilase, fosfoenolpiruvato−carboxicinase, frutose−1,6−bifosfatase e glicose−6−fosfatase) são afetadas em diferentes graus por moduladores alostéricos. Por exemplo, a frutose−1,6−bifosfatase é ativada pelo ATP e inibida pelo AMP e pela frutose−2,6−bifosfato. A acetil−CoA é um modulador alostérico positivo da piruvato−carboxilase. A concentração da acetil−CoA, um produto da degradação dos ácidos graxos, está elevada durante a inanição. Como em outras vias bioquímicas, os hormônios afetam a gliconeogênese por alterações na concentração dos efetores alostéricos e por modificações na velocidade de síntese das enzimas−chave. O glucagon (elevado quando o nível de glicose diminui) 18 reduz a síntese da frutose−2,6−bifosfato, ativando a função fosfatase da PFK−2. A redução do teor da frutose−2,6−bifosfato reduz a ativação da PFK−1 e desinibe a frutose−1,6−bifosfatase. Outro efeito do glucagon nas células hepáticas é a inativação da enzima glicolítica piruvato−cinase. (A proteína−cinase C, uma enzima ativada pelo AMPc, converte a piruvato−cinase em sua conformação fosforilada inativa). Os hormônios também influenciam a gliconeogênese por alterações na síntese de enzimas. Por exemplo, a síntese de enzimas gliconeogênicas é estimulada pelo cortisol (um hormônio esteróide produzido no córtex da supra-adrenal). A ação da insulina promove a síntese de novas moléculas de glicocinase, PFK−1 e PFK-2. O glucagon promove a síntese de novas moléculas de PEP−carboxicinase, frutose−1,6−bifosfatatase e glicose−6−fosfatase. O controle hormonal da gliconeogênese é importante no suprimento de ácidos graxos para o fígado além de regular as enzimas, tanto glicolíticas como gliconeogênicas. O glucagon aumenta a concentração dos ácidos graxos no plasma pela lipólise no tecido adiposo, em ação oposta da insulina. A grande disponibilidade de ácidos graxos, estimulada pelo glucagon, resulta em maior oxidação dos ácidos graxos para formar acetil−CoA pelo fígado, permitindo a síntese da glicose. Por outro lado, a insulina tem efeito oposto. O glucagon e a insulina também regulam a gliconeogênese no fígado por influenciar o estado de fosforilação de enzimas hepáticas, tais como, a piruvato−cinase e fosfofrutocinase. A figura 10 mostra de forma esquemática a regulação do metabolismo dos carboidratos no fígado pela ação dos hormônios insulina e glucagon 19 Figura 10. Metabolismo dos carboidratos no fígado pela ação da insulina e glucagon. Resumo • O metabolismo dos carboidratos está centrado na glicose porque esse açúcar é uma molécula combustível importante para a maioria dos organismos. Se as reservas de energia são baixas, a glicose é degradada pela via glicolítica. As moléculas de glicose não utilizadas para a produção imediata de energia são armazenadas como glicogênio (em animais) ou amido (em vegetais). • Durante a glicólise (seqüência de 10 reações), a glicose é fosforilada e clivada para formar duas moléculas de gliceraldeído−3−fosfato. Cada gliceraldeído−3−fosfato é então convertido em uma molécula de piruvato. Uma 20 pequena quantidade de energia é armazenada em moléculas de ATP e NADH. Em organismos anaeróbicos, o piruvato é reduzido a lactato. Durante esse processo, o NAD+ é regenerado para a continuação da glicólise. Na presença de O2, os organismos aeróbicos convertem o piruvato a acetil−CoA e, então, a CO2 e H2O. A glicólise é controlada principalmente por regulação alostérica de três enzimas – hexocinase, fosfofrutocinase 1 (PFK−1) e piruvato−cinase e pelos hormônios insulina e glucagon. • Durante a gliconeogênese, moléculas de glicose são sintetizadas a partir de precursores não−carboidratos (lactato, piruvato, glicerol e certos aminoácidos). A seqüência de reações na gliconeogênese correspondea reações da via glicolítica, mas no sentido inverso. As três reações irreversíveis da glicólise (síntese do piruvato, conversão da frutose−1,6−bifosfato a frutose−6−fosfato e a formação de glicose a partir da glicose−6−fosfato) são substituídas na gliconeogênese por reações energeticamente favoráveis. • A via das pentoses-fosfato, na qual a glicose-6-fosfato é oxidada, ocorre em duas etapas. Na etapa oxidativa, duas moléculas de NADPH são produzidas enquanto a glicose−6−fosfato é convertida em ribulose−5−fosfato. Na etapa não−oxidativa, a ribose−5−fosfato e outros açúcares são sintetizados. Se a célula necessita mais NADPH que ribose−5−fosfato (componente dos nucleotídeos e ácidos nucléicos) então os metabólitos da etapa não−oxidativa são convertidos em intermediários glicolíticos. • Vários açúcares diferentes da glicose são importantes no metabolismo dos vertebrados. Entre eles estão: frutose, galactose e a manose.
Compartilhar