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Teorias da Arquitetura e Urbanismo Mariana Rial Mariana Rial Belo Horizonte Janeiro de 2017 TEORIAS DA ARQUITETURA E URBANISMO COPYRIGHT © 2017 GRUPO ĂNIMA EDUCAÇÃO Todos os direitos reservados ao: Grupo Ănima Educação Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610/98. Nenhuma parte deste livro, sem prévia autorização por escrito da detentora dos direitos, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravações ou quaisquer outros. Edição Grupo Ănima Educação Diretor Rogério Salles Loureiro Gerentes de Operações Denise Elisabeth Himpel Gislene Garcia Nora de Oliveira Coordenadora de Produção Carolina Alcântara de Araújo Lopes Parecerista Paula Belfort Ilustração e Capa Delinea Tecnologia Educacional Equipe EaD Conheça a Autora Mariana Fontes Pérez Rial é arquiteta e urbanista, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo e mestre pela mesma instituição. Atua como docente em ensino superior nas áreas de Projeto Urbano e Projeto da Edificação desde 2011 e é atualmente pesquisadora do Núcleo de Tecnologia em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – NUTAU USP. Apresentação da disciplina VÍDEO NÍVEL DE ENSINO Graduação CARGA HORÁRIA 80h sobre o estudo das cidades. Tomamos como ponto de partida o início do que se chama comumente de “modernidade”, ou seja, o momento em que o modo de vida moderno, como vivemos até os dias atuais, surge com suas características mais marcantes. Esse ponto de partida pode ser localizado na História no século XVIII, com a Revolução Industrial e as primeiras transformações que configuram o que hoje chamamos de “a cidade moderna”. Vamos estudar as teorias da arquitetura ao longo dos séculos XIX e XX até o pensamento dos dias atuais. Nesse percurso, vamos ver juntos como se construiu a teoria do Movimento Moderno, que foi o mais importante do século XX. O Movimento Moderno “deu a cara” de grande parte das construções e das cidades do mundo atual; suas teorias, sintetizadas em uma série de postulados, foram colocadas em prática pela arquitetura e pelo urbanismo, resultando em inúmeros edifícios, principalmente residenciais e também em incontáveis planos urbanos e legislações urbanísticas em todo o mundo, tanto na esfera pública quanto na privada. No Brasil, foi a base teórica dos grandes nomes da arquitetura, como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha. O Movimento Moderno será estudado em detalhes, dos primeiros textos do início do século XX até sua disseminação em construções e em planos, depois da Segunda Guerra Mundial. Também veremos como foi, anos mais tarde, a crítica a esse movimento e aos seus resultados. Essa crítica teve início justamente com a profusão de iniciativas baseadas direta ou indiretamente nos postulados modernos. A partir delas, foi possível avaliar na prática o que funcionava e o que não funcionava desses postulados, que eram muito específicos e distintos do que se fazia anteriormente. Na arquitetura, esses eram principalmente a planta livre, dissociada da estrutura, o térreo dos edifícios sobre pilotis, a tipologia habitacional em prédios laminares, o uso de lajes de cobertura, entre outros. No urbanismo, destacam-se a separação das funções na cidade entre habitar, circular, trabalhar e recrear-se, a verticalização dos edifícios e a negação da rua tradicional. A cidade de Brasília é um excelente exemplo do urbanismo e da arquitetura do Movimento Moderno. Exaltados durante décadas, a crítica a esses princípios teve início na década de 1960 e aconteceu das mais diversas formas. O resultado dessa crítica é atualmente agrupado como “pós-modernismo”, mas abrange linhas teóricas bem diversas, que se sucederam desde então. O “pós-modernismo” também será abordado na disciplina. Como uma disciplina teórica, o conteúdo será voltado à reflexão para que você, aluno, consiga depois, sozinho, prosseguir no entendimento da arquitetura, situando projetos dentro das linhas teóricas de cada período, assim como sua inserção em um contexto social específico. Essa compreensão é fundamental para a leitura de projetos, obras e cidades. A aplicação prática do conhecimento adquirido com a disciplina de Teorias aparece na hora em que você é solicitado a projetar, já que, a partir dessa postura crítica e com o conhecimento do que se pensou até então, pode ser capaz de produzir projetos contemporâneos, inseridos no momento atual, coerentes com seu tempo e espaço. Esperamos, então, que você consiga compreender a partir da disciplina esse período tão importante para a arquitetura de hoje que foi o século XX, em sua plenitude. Esperamos que consiga também entender como são importantes o conhecimento da teoria e a reflexão crítica para o exercício da arquitetura e do urbanismo. Bons estudos! UNIDADE 1 003 Antecedentes à Modernidade 004 O pensamento crítico sobre a arquitetura até a Revolução Industrial 006 Século XIX: mudanças no processo de urbanização e seu rebatimento teórico 020 Primeiras transformações no pensamento sobre a arquitetura e a cidade 031 Respostas das Atividades de Fixação 042 UNIDADE 2 045 A descoberta da Modernidade: origens da Arquitetura Moderna 046 Alguns precedentes – um breve contexto histórico 048 A crença na racionalidade 051 Movimento moderno: primeira geração 055 Novos papéis da Arquitetura: o surgimento da habitação social como questão 067 Bauhaus 070 O Brasil e a Arquitetura nas primeiras décadas do século XX: teoria e prática 073 Respostas das Atividades de Fixação 083 UNIDADE 3 085 A Cidade Moderna: Urbanismo e Planejamento Urbano na Era Industrial 086 O socialismo utópico e o urbanismo 088 Os modelos de cidade ideal 096 De Ebenezer Howard a Le Corbusier: visões da cidade moderna 100 A escola de Chicag 111 O planejamento urbano 115 Respostas das Atividades de Fixaçã 121 UNIDADE 4 123 A Consolidação de um Modelo – Arquitetura e Urbanismo do Movimento Moderno 124 Os primeiros CIAMs 126 A carta de Atenas 132 O segundo pós-guerra e a necessidade da reconstrução na Europa. Produção em larga escala e consolidação do modelo 140 Teorização no planejamento urbano: a questão metropolitana, a descentralização e o planejamento regional 153 Respostas das Atividades de Fixação 167 UNIDADE 5 170 O Movimento Moderno no Brasil 171 O movimento moderno no Brasil 172 Lúcio Costa: teoria e prática 178 O planejamento tecnicista 196 Respostas das Atividades de Fixação 203 UNIDADE 6 205 A crítica ao modelo 206 Consequências teóricas da disseminação da arquitetura e do urbanismo modernos 207 Questionando os postulados: o team x 214 Aldo Rossi e o estudo do tipo na arquitetura 218 A questão do patrimônio 226 Respostas das Atividades de Fixação 237 UNIDADE 7 240 O Pós-Modernismo em arquitetura 241 Vertentes teóricas decorrente da crise do moderno: o pós-moderno 242 Novas abordagens teóricas do urbanismo 250 O planejamento estratégico urbano 257 Respostas das Atividades de Fixação 270 UNIDADE 8 272 Caminhos contemporâneos 273 O pensamento arquitetônico no final do século XX 274 O novo paradigma tecnológico e suas consequências 283 Urbanismo e contemporaneidade: as cidades do futuro e a questão ambiental 293 Respostas das Atividades de Fixação 301 REFERÊNCIAS 305 Antecedentes à Modernidade • O pensamento crítico sobre a arquitetura até a Revolução Industrial • Século XIX: mudanças no processo de urbanização e seu rebatimento teórico • Primeiras transformações no pensamentosobre a arquitetura e a cidade • Respostas das Atividades de Fixação Introdução Nesta unidade, veremos quais são as teorias existentes até o momento em que se dá a principal ruptura no pensamento arquitetônico desde o Renascimento: o Movimento Moderno. Vamos entender como as transformações na sociedade ocidental, decorrentes da Revolução Industrial, já no século XVIII, levaram progressivamente a uma transformação do modo de ver e de pensar a cidade e a maneira como se vivia nela. Também vamos conhecer como essas mudanças afetaram a maneira tradicional de construir, como levaram a novos valores estéticos da sociedade e como foram responsáveis por diferenciar progressivamente a arquitetura das demais artes. Com este estudo, vamos compreender o contexto amplo de transformações que se dão nesse período, intensificando-se na segunda metade do século XIX, para em seguida olhar em detalhe as novas teorias emergentes, seja no campo da arquitetura, seja no do urbanismo moderno. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 005 Podemos dizer que a arquitetura, entendida como a prática humana de edificar para o abrigo das diversas atividades, é tão antiga quanto a própria sociedade, desde suas organizações mais rudimentares, certo? Poucos discordariam dessa afirmação, afinal é possível identificar e estudar técnicas construtivas em registros arqueológicos dos mais remotos. Assim, entender a história da arquitetura poderia ser o mesmo que entender a história das edificações, ou da construção. Isso seria verdade, não fosse uma diferença fundamental: a arquitetura é também aquela que está no plano das ideias, aquela que está explícita só no registro do pensamento e que aparece implicitamente na arquitetura construída. Para entender de fato a arquitetura, mesmo a do presente, é preciso entender também o conjunto de ideias, de princípios que a orientam; é importante compreender como essas ideias, em cada momento histórico, foram construídas, como surgiram e se firmaram, como se transformaram em postulados e passaram a ser empregadas nas mais diversas construções. Esse conjunto (ou podemos dizer essas teorias) é o que dá sentido às construções e o que nos permite situá-las no tempo e no espaço. Diferentemente da prática construtiva, esse pensamento e essa reflexão sistematizada, contínua e registrada sobre o fazer arquitetônico não nos remetem às formações sociais mais antigas e rudimentares. Antecedentes à Modernidade TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 006 O pensamento crítico sobre a arquitetura até a Revolução Industrial O pensamento crítico, a reflexão sobre arquitetura na Idade Moderna, só pode ser situado a partir do Renascimento, com a chamada tratadística renascentista. A própria concepção do ofício de arquiteto, como entendido hoje, a partir da distinção pensar/fazer, começa com os humanistas do século XV. Ligados a uma tradição clássica recuperada das civilizações ocidentais antigas, grega e romana, os tratados como os de Leon Battista Alberti, “De re aedificatoria” (1452) (versão reescrita dos textos de Vitrúvio, arquiteto romano de aprox. 27 a.C., encontrados em 1416), e de Andrea Palladio, “Os Quatro Livros da Arquitetura” (1570), nortearam por séculos a produção arquitetônica ocidental. A revolução na pintura, na escultura e na arquitetura se deve à nova visão de mundo humanista do Renascimento (bem como à secularização associada a ela), que celebrava a racionalidade, a individualidade e a capacidade humana de fazer observações empíricas do mundo físico e agir com base nelas. Os estudiosos e artistas humanistas redescobriram os textos clássicos gregos e romanos – incluindo o De Architectura, escrito por Vitrúvio – e aspiraram a criar um mundo moderno que rivalizasse com o antigo (FAZIO; MOFFET; WODEHOUSE, 2011, pg. 303). Desse momento em diante, as diversas linhas teóricas que se seguiram retrataram uma relação constante na arquitetura, em geral representando a contratação de artistas/arquitetos para o projeto de edifícios marcantes, emblemáticos: igrejas, templos, castelos, palácios. Essa arquitetura tinha uma teoria correspondente centrada na forma, na busca por proporções ideais e na ornamentação. Sua relação com a história das artes plásticas é direta e indissociável. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 007 As construções vernaculares não entravam no campo da teoria. O mesmo é válido para as teorias do urbanismo, sempre ligadas a modelos de cidade ideal. Construções vernaculares são aquelas produzidas sem projeto, pelo saber popular. Estudos sobre a arquitetura vernacular no Brasil foram fundamentais para o panorama da arquitetura brasileira no século XX. Pensando assim, a história e a teoria da arquitetura podem ser periodizadas como uma sequência de movimentos estilísticos: Barroco/Rococó, Neoclassicismo, Romantismo, Historicismo. A Revolução Industrial vai transformar radicalmente essa relação da arquitetura com a sociedade. Daí em diante, não será mais possível identificar somente novos estilos, pois a questão central não será somente formal. Em seu lugar, surgirão discussões sobre a função dos edifícios, a adequação das estruturas e dos materiais empregados na construção e mesmo sobre o papel da arquitetura na construção da sociedade. São as transformações advindas dessa Revolução que dão origem ao que chamamos de modernidade. Nas palavras do arquiteto e historiador Leonardo Benevolo: Até a segunda metade do século XVIII, é fácil compreender os fatos da arquitetura dento de um quadro unitário: as formas, os métodos de projetar, o comportamento dos projetistas, dos que contratam as obras e dos que as executam [...] se desenvolvem no âmbito de um relacionamento substancialmente fixo e certo entre arquitetura e sociedade. [...]. Até aqui, portanto, aplica-se comodamente o procedimento usual da história da arte, que coloca em primeiro plano o estudo dos valores formais. Depois da metade do século XVIII [...] as relações entre arquitetura e sociedade começam a mudar radicalmente (BENEVOLO, 1976, p. 11). A Revolução Industrial vai transformar radicalmente a relação da arquitetura com a sociedade. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 008 Modernidade, modernização e modernismo: compreendendo os termos O termo “moderno” está ligado a vários outros termos: modernidade, modernização, modernismo. Compreender a diferença entre eles não é muito fácil, mas é importante para entender com maior precisão os diferentes momentos do Movimento Moderno, entender como ele não começou junto com a modernidade e também por que hoje não se pode dizer que a produção atual é arquitetura moderna, mas que o correto é falarmos em arquitetura contemporânea, por exemplo. Então, vamos lá! A palavra “moderno” significa, em termos gerais, tudo aquilo que é novo, que se opõe ao antigo. Essa definição não nos diz muito, e não é à toa que muitos autores se aprofundaram na discussão do que é realmente ser moderno. A conclusão que parece ser mais precisa associa o conceito de moderno ao chamado “progresso” (LOWY apud BRUNA, 2010). Com essa referência, é mais fácil entender que aquilo que é “moderno” tem associação direta com as transformações sociais que, como vimos até agora, têm origem na Revolução Industrial. A Idade Moderna, por exemplo, é para a história geral o período posterior à Idade Média, que começa já no século XV, mas a modernização da sociedade, ou seja, a transformação da sociedade derivada de novos métodos e técnicas, resultante do progresso científicoe tecnológico, essa é mais aparente só no século XVIII e com maior ênfase no XIX. No sentido mais restrito, a modernização implica uma transformação mais radical da sociedade e dos modos de vida, que não acontece nos séculos anteriores. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 009 Com base no exposto e de acordo, principalmente, com a síntese apresentada por BRUNA (2010), podemos resumir tais conceitos da seguinte maneira: • Modernização: é o processo econômico e social decorrente das transformações, “caracterizado pelo progresso tecnológico, pela industrialização, urbanização e explosão demográfica, pelo reforço do Estado central, da burocracia e pelo enorme crescimento das possibilidades de comunicação, das democracias e dos mercados (capitalistas) mundiais” (BRUNA, 2010, p. 22). Como processo, a modernização deve ser entendida então como algo que acontece de forma diferente em cada lugar, e também em tempos diferentes. Alguns autores afirmam, por exemplo, que a modernização é um processo ainda inacabado em várias sociedades. • Modernidade: é o modo de vida associado ao processo de modernização, ou como as pessoas vivem o processo de modernização. • Modernismo: o modernismo é como foi denominado o conjunto de movimentos artísticos associados à modernidade, que se opôs à tradição artística anterior. Para BRUNA (2010, p. 23), “A experiência da modernidade provoca reações na forma de manifestos culturais e movimentos artísticos de vanguarda. Estes são designados como modernismos”. As definições que acabamos de conhecer são importantes, pois nos ajudam a situar o aparecimento, na arquitetura, do chamado Movimento Moderno. Veremos ao longo de toda a disciplina a conceituação e os desdobramentos teóricos e práticos desse movimento, suas diversas etapas e também o esgotamento de seus princípios que dão origem ao que se chama pós-modernismo. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 010 Ainda que a história e a teoria arquitetônica, com algumas variações, situe o início do Movimento Moderno nas primeiras décadas do século XX, suas origens estão profundamente ligadas à modernização iniciada um século e meio antes, à modernidade que esse processo provoca e aos mais diversos movimentos artísticos, cuja linha condutora é a ruptura com a tradição anterior e que, exatamente por isso, se reúnem sob o título de modernismos. O século das luzes: Iluminismo e Racionalismo na teoria da arquitetura Leonardo Benevolo, em sua “História da Arquitetura Moderna” (1976), aceita como o início da Revolução Industrial o ano de 1750. Os processos de mecanização começaram a aparecer na Inglaterra e logo se expandiram por todo o continente europeu. As Revoluções Burguesas já tinham, nesse momento, estabelecido os princípios políticos da sociedade emergente com o parlamentarismo, substituindo o poder monárquico absolutista. Em 1789, na França, a Revolução Francesa faria o mesmo, radicalmente. Estabeleciam-se as bases de uma sociedade nova, laica e cuja crença na racionalidade se colocava acima de todas as outras. O conjunto do pensamento desse período é chamado de Iluminismo. O século XVIII testemunhou o nascimento do Iluminismo, movimento no qual cientistas e matemáticos lançaram as fundações para as conquistas modernas em seus campos; filósofos propuseram formas racionais de governo que foram colocadas em prática depois das Revoluções Norte-Americana e Francesa; arqueólogos e exploradores investigaram civilizações antigas e distantes para melhor entender outras culturas; e a mecânica tradicional, seguida pela engenharia moderna, inventou aparelhos e máquinas que viriam a transformar a indústria, o comércio e o transporte. Os historiadores iluministas também iniciaram a primeira cronologia escrita de eventos mundiais e, com ela, veio a compreensão das conquistas da arquitetura das várias civilizações ocidentais (FAZIO; MOFFET; WODEHOUSE, 2011, p. 397). Os processos de mecanização começaram a aparecer na Inglaterra e logo se expandiram por todo o continente europeu. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 011 Durante o século XVIII, do ponto de vista formal, a tradição clássica, que já se consolidara desde o Renascimento, permanece como guia tanto da produção arquitetônica como do ensino da arquitetura. A Escola de Belas Artes de Paris é a primeira a ser fundada em 1743, pelo arquiteto Jacques-François Blondel. Essa se torna ainda no século XVIII a principal referência para todo o mundo ocidental. O formato dos cursos de Arquitetura até hoje tem heranças do curso da Escola de Belas Artes, com base em aprendizados na forma de ateliers em que se fazem projetos, aulas teóricas e aulas técnicas. A Escola, desde o princípio, reúne um profundo conhecimento sobre a arquitetura clássica. As regras clássicas, que tinham se mantido inalteradas por toda a tratadística renascentista e também tinham norteado os projetos grandiosos do Barroco e do Rococó nas construções do Antigo Regime e da Igreja Católica por toda a Europa e pelo Novo Mundo (são exemplos grandiosos do Barroco do século XVI a Piazza San Marco, em Roma, de Gian Lorenzo Bernini, e o Palácio de Versailles, na França, em que trabalharam diversos arquitetos), também foram exaltadas pela arquitetura do século XVIII. Os alunos da Escola de Belas Artes, na década de 1750, passaram longos períodos em Roma. Algumas mudanças fundamentais, entretanto, prenunciam a ruptura que viria quase um século e meio depois, com o Movimento Moderno. A primeira e mais notável delas é o rigor na utilização das regras ainda tidas como universais da arquitetura clássica, aproximando a arquitetura do saber científico, do método. A pesquisa e a teorização se tornam sistemáticas no período iluminista e o que era verdade absoluta passa a ser posto à prova por meio da investigação, da arqueologia, dos estudos em geral. A facilidade nos deslocamentos com a melhoria dos transportes e das estradas permite um aumento significativo de intercâmbios culturais. Muitos arquitetos ingleses, franceses e, logo, norte-americanos passam longos períodos estudando as ruínas clássicas. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 012 O estudo da arquitetura inclui reproduções das obras clássicas, como as gravuras de Giovanni Battista Piranesi (1720-1778), que influenciam diversas obras do período. Esse rigor que se opunha às liberdades decorativas do Barroco dá origem ao Neoclassicismo, dominante por quase todo o século XVIII e característico da Escola de Belas Artes de Paris. São autores e obras literárias importantes do Neoclassicismo: Cours d’architecture (1771-77), do professor da Escola de Belas Artes de Paris, J. F. Blondel, Essai sur l’architecture (1755), de Marc-Antoine Laugier, Storia dell’arte antica (1764), de Johann Joachim Winckelmann. Os arquitetos do Iluminismo francês estavam interessados nas figuras geométricas primárias, isto é, o cubo, a esfera e a pirâmide como base lógica para a expressão da arquitetura – uma abordagem paralela à obra dos filósofos franceses contemporâneos, que exploravam a racionalidade como base para as questões humanas [...]. Os neoclássicos franceses mais criativos foram Etienne-Louis Boullée (1728- 1799) e Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806). (FAZIO; MOFFET; WODEHOUSE, 2011, p. 405) Saiba Mais: A respeito das discussões sobre arte e arquitetura que marcaram o século XVIII, veja a obra “Antigos Modernos: estudos das doutrinas arquitetônicas nos séculos XVII e XVIII”, de Ricardo Marques de Azevedo. No link, a resenha do livro, por Pedro PauloA. Funari. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ resenhasonline/10.117/4021>. Os novos programas Acompanhando as investigações teóricas iluministas, novos programas associados a uma vida e a uma cultura burguesas começaram a surgir no século XVIII, como os museus públicos, as bibliotecas e, na esfera urbana, os boulevards, passeios e jardins públicos, prenunciando as profundas transformações da cidade do século XIX. As novas maneiras de produzir também exigiam TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 013 instalações próprias, principalmente com o aumento da produção, como as instalações fabris, áreas para armazenamento com grandes vãos, etc. Essas mudanças nos programas precisam ser entendidas como associadas às transformações econômico-sociais: • As mudanças nas relações de trabalho, com o advento das máquinas (o aumento da produção e a substituição do trabalho artesanal; o fim das corporações de ofício; o trabalho assalariado; a formação de uma classe trabalhadora); • A ascensão de uma nova classe social dominante, a burguesia, e da ideologia liberal ligada a essa classe; • O surgimento dos estados laicos e a diminuição do poder religioso. Essas premissas estão associadas ao conjunto de transformações que dá origem ao que já caracterizamos como a sociedade moderna no ocidente. Do ponto de vista das ideias, os novos programas também estão ligados às ideias iluministas de racionalidade e ao conceito de liberdade, que é novo, derivado da razão. A ampliação da esfera pública é um aspecto de destaque que reforça a sociedade liberal. A democratização do acesso às artes e ao saber é também um fato novo, muito ligado aos ideais da Revolução Francesa. Lembremos que os ideais aclamados da Revolução eram: liberdade, igualdade e fraternidade. Museus públicos, bibliotecas, boulevards, passeios e jardins públicos prenunciavam as profundas transformações da cidade do século XIX. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 014 FIGURA 1 – Neoclássico francês Fonte: SCHINKEL, Karl Friedrich. Schauspielhaus. 1818. In.: FAZIO, Michael; MOFFETT, Marian; WODEHOUSE, Lawrence. A história da arquitetura mundial. 3. ed. Porto Alegre: AMGH, 2011. Audiodescrição: foto em branco e preto mostra uma fachada de composição rígida, aos moldes dos edifícios da Antiguidade. É a entrada de um edifício com escadaria central que chega a um pórtico constituído por frontão triangular com figuras clássicas em alto relevo, apoiado em seis colunas, simétrico a partir de um eixo central. No segundo pavimento, recuado, aparece um novo frontão triangular, a exemplo do inferior, também com ornamentação em alto relevo. QUESTÃO 1 - Leonardo Benevolo, em sua “História da Arquitetura Moderna” (1976), aceita como o início da Revolução Industrial o ano de 1750. Os processos de mecanização começaram a aparecer na Inglaterra e logo se expandiram por todo o continente europeu. As Revoluções Burguesas já tinham, nesse momento, estabelecido os princípios políticos da sociedade emergente, com o parlamentarismo substituindo o poder monárquico absolutista. Em 1789, na França com a Revolução Francesa, estabeleciam-se as bases de uma nova sociedade. A linha de pensamento teórico associada a esse período é conhecida como Iluminismo. A teoria da arquitetura, no século XVIII, também se identifica com o Iluminismo, cuja principal característica é: a. A crença na razão e na ciência humana. b. A fé no poder divino. c. A submissão ao poder do monarca. d. A supremacia da aristocracia e da nobreza. e. O retorno ao modo de vida medieval. O gabarito se encontra no final da unidade. ATIVIDADE DE FIXAÇÃO TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 015 As transformações sociais não param. Ao contrário, acentuam- se com a passagem ao século XIX. O crescimento demográfico acompanha o avanço tecnológico, sobretudo da população urbana. As principais cidades europeias se tornam grandes centros de concentração não apenas da produção industrial incipiente, mas também do saber e das artes. As capitais europeias são totalmente transformadas ao longo do século XIX, a partir de planos urbanos orientados a abrir os espaços da cidade para a crescente circulação de mercadorias e também para a movimentação de um número grande de pessoas. Os novos programas são explorados ao máximo, outros surgem como os conjuntos de escritórios. Porém, antes de entrar no estudo do próximo século, o XX, vamos ver a segunda questão mais marcante e transformadora para a arquitetura e seus teóricos, ainda no século XVIII: as mudanças na técnica. As técnicas construtivas da Revolução Industrial Mudanças ainda mais marcantes se devem ao início da Revolução Industrial [...]. É difícil encontrar algum aspecto da sociedade moderna que não tenha sido tocado – seja positiva ou negativamente – por essa mudança espetacular no modo pelo qual a sociedade ocidental tentou controlar o mundo. Quanto à arquitetura, novos materiais, novas tecnologias e novos sistemas de construção alteraram radicalmente as formas das edificações tradicionais e possibilitaram tipos inteiramente novos de prédios (FAZIO; MOFFET; WODEHOUSE, 2011, p. 397). É difícil elencar as inovações mais marcantes que, ao longo dos séculos XVIII e XIX, mais influenciaram a arquitetura, dada a profusão de ideias e técnicas do período. Pode-se dizer, sem grandes chances de equívoco, que a maneira com que se projeta atualmente foi moldada em sua essência nesse período. Bastaria dizer que a geometria descritiva, produto do século XVIII, permitiu pela primeira vez que os projetos fossem elaborados totalmente à distância do canteiro, assim como separou sua execução da presença do autor. Com o século XIX, as principais cidades europeias se tornam grandes centros de concentração não apenas da produção industrial incipiente, mas também do saber e das artes. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 016 A partir de então, foi possível separar, à maneira que fazemos hoje, o pensar do fazer. Outra mudança sem precedentes foi o estabelecimento, desde o fim do XVIII em alguns países e a partir da primeira década do XIX em quase todo o ocidente, do sistema métrico decimal. A padronização de medidas colaborou para a revolução em curso no comércio internacional, da mesma forma que foi crucial para que a atividade de projeto se disseminasse. O ensino da Arquitetura foi incorporando tais mudanças, enquanto novas escolas surgiam, autônomas ou inseridas em outros cursos. O primeiro curso de Arquitetura dos EUA foi fundado em 1861, no Massachusets Institute of Technology, MIT, em Chicago. No Brasil, a Escola Politécnica, em São Paulo, fundava em 1891 seu curso de engenheiros- arquitetos, e em 1917 era inaugurado o curso de Arquitetura do Mackenzie. As inovações aconteciam também de forma assoladora nas técnicas construtivas e no estudo dos materiais. Para diversos autores, o período entre os séculos XVIII e XIX ficou conhecido como a era do aço. Novas ligas e combinações permitiram o uso extensivo do aço nas construções de todo tipo, de máquinas a edifícios, de pontes a estradas de ferro; a produção aumentava no mesmo ritmo que a demanda. Desde o fim do XVIII, em alguns países e a partir da primeira década do XIX em quase todo o ocidente, ficou estabelecido o sistema métrico decimal. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 017 Com o avanço em materiais como o aço e o vidro, e com novos programas, surgiu um fato novo: astécnicas construtivas passavam cada vez mais a ditar as regras no canteiro de obras. Ainda que não de imediato, progressivamente os estilos perdiam o sentido, pois a questão formal passava a ser derivada das decisões técnicas: das escolhas estruturais, da função do edifício. O primeiro momento é o do distanciamento entre arquitetura e técnica construtiva, que fica a cargo dos engenheiros. O novo regime na França, após a Revolução Francesa, deu ênfase à razão, o que se traduz em desprestígio das artes em favor dos ensinos técnicos. A Escola de Belas Artes perdeu prestígio, assim como o ofício de arquiteto. Ganhou espaço a Escola Politécnica, que reuniu em 1795 os diversos cursos de Engenharia (BENEVOLO, 1976). Essa distinção é patente e ganha força à medida que as técnicas recebem elaboração e complexidade. Ao arquiteto fica delegado o “vestir” as construções, no estilo que queira. É uma questão de tempo até que a teoria passe a questionar a validade do disfarce das novas técnicas, em favor de um estilismo desprovido de sentido construtivo. A produção de arquitetura tem que ser compreendida, então, como um conjunto que reúne a produção dos arquitetos e aquela realizada pela engenharia. Os avanços na técnica e na pesquisa garantem que, em certo momento, as realizações da engenharia sejam mais destacáveis que as dos arquitetos, sobretudo na França. Na Inglaterra e na Alemanha, em que eram atividades mais próximas, essas duas se misturam livremente, como no exemplo primoroso do Palácio de Cristal (1851), obra do paisagista Joseph Paxton, em Londres. Os engenheiros civis ficaram encarregados do número cada vez maior de obras utilitárias – estradas, pontes, minas, fábricas, galpões, faróis e canais – enquanto os arquitetos trabalhavam nas edificações em que a estética e o simbolismo eram mais importantes que o pragmatismo. (FAZIO; MOFFET; WODEHOUSE, 2011, p.413). TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 018 FIGURA 2 – A Ponte de Edimburgo. Fonte: Ponte FORTH, Benjamin Baker e John Fowler, Edimburgo, Reino Unido, 1880-1890. Disponível em: <http://whc.unesco.org/en/list/1485>. Acesso em: 21/02/2017. Forth Bridge © Historic Scotland. Audiodescrição: foto colorida, fim de tarde. Vista em perspectiva da ponte sobre o rio, cuja estrutura metálica robusta é composta por arcos e tirantes rígidos, formando três conjuntos em formato de losango que se repetem. Vê-se que a ponte permite passagem somente de linha férrea. É com restrições iniciais, mas com progressiva consciência, que a teoria da arquitetura vai incorporando, ao longo do século XIX, as questões da técnica. O ensino também a incorpora. Logo, os arquitetos voltarão a se inserir nas discussões da construção como um todo, através de uma recusa intensa aos postulados do ensino na Escola de Belas Artes. Vejamos como foi a passagem ao novo século nas teorias da arquitetura. Passagem ao século XIX: romantismo e historicismo, os prenúncios dos novos tempos Ao fim do século XVIII, ganhava força dentro das artes o movimento conhecido como Romantismo. Esse movimento foi uma reação não apenas à rigidez do Neoclassicismo, mas às transformações rápidas e radicais da cidade industrial. Os males da cidade industrial eram o alvo do ataque romântico à sociedade moderna. É fundamental compreender o romantismo no contexto de mudanças pelo qual passa a Europa nas primeiras décadas do século XIX. O aumento populacional, as precárias condições de trabalho da Primeira Revolução Industrial e o crescimento acelerado das TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 019 cidades provocam, na prática, uma enorme quantidade de novos problemas, como veremos a seguir. A Primeira Revolução Industrial aconteceu no período compreendido entre 1750 e 1850, aproximadamente. No campo das ideias, aparece um sentimento de descrença na capacidade emancipadora da razão, tão exaltada pelos iluministas. A sociedade da máquina começou a ser contestada e culpada pelos males da modernidade. Os românticos, em todas as áreas, exaltaram os valores da sociedade pré-industrial e da proximidade com a natureza. Ganha muito destaque o desenho de jardins e parques, tornando famoso o paisagismo romântico. Apesar de sua natureza essencialmente burguesa, o Romantismo contesta a racionalidade iluminista e exalta, em todas as artes, a emoção e o sentimento, sobretudo na literatura. Na arquitetura, seu referencial absoluto, em oposição à racionalidade clássica, passa a ser a arquitetura religiosa medieval. O Neogótico é o estilo preferido dos românticos. O Neogótico teve sua força inicial na Inglaterra, local onde ao mesmo tempo a indústria se desenvolvia com maior velocidade e a presença do Neoclassicismo era menos determinante do que na França napoleônica. Sua expansão, porém, tomou toda a Europa nas primeiras décadas do século XIX, lado a lado com o Neoclassicismo. São expoentes do Neogótico Augustus W. N. Pugin (1812-1852) e Eugène Viollet-le-Duc (1814-1879). O romantismo nas artes e na arquitetura pode ser entendido como uma resposta às hostilidades do novo mundo urbano e industrial em expansão: a proximidade com a natureza, as imagens bucólicas, O Romantismo foi uma reação não apenas à rigidez do Neoclassicismo, mas às transformações rápidas e radicais da cidade industrial. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 020 as artes manuais e o enaltecimento do artesanato, em oposição aos novos produtos manufaturados. O neoclassicismo é associado a uma tradição a ser superada. O embate entre os dois estilos levará, a partir da segunda metade do século, ao questionamento dos estilos de maneira geral. Século XIX: mudanças no processo de urbanização e seu rebatimento teórico Tudo aquilo que vimos até agora, os novos programas, os novos materiais, a formação de uma sociedade e de um estilo de vida urbanos, mudanças que se iniciam timidamente na segunda metade do século XVIII, tudo ganha proporções inéditas no século XIX. Inúmeros novos edifícios são necessários para abrigar as atividades que se intensificam: edifícios públicos e administrativos, hospitais, prisões, escolas, universidades, teatros, museus, escritórios, uma enorme quantidade de construções redesenha as cidades europeias e do novo mundo no século XIX. As pesquisas, as viagens, a troca de referências e linguagens proporcionada pelo avanço nas comunicações e nos transportes se traduzem em uma grande liberdade na arquitetura. Benevolo (1976) mostra como tanto a teoria quanto a prática da arquitetura fazem uso do conhecimento produzido para criar TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 021 um repertório imenso, “baseado na arquitetura clássica, mas que incorpora variações derivadas de todo tipo de descobertas e pesquisas” (BENEVOLO, 1976, p. 29). Ao conjunto de estilos surgidos chamou-se historicismo, movimento que inclui o neogótico, o neoárabe, o neobizantino e assim por diante. “O historicismo pode ser considerado como uma espécie de redução ao absurdo da cultura renascentista e surge como um epílogo, que encerra o ciclo três vezes secular do classicismo europeu”. (BENEVOLO, 1976, p. 29). Ecletismo: estilos variados e a fragilização da tradição clássica Ao longo do século XIX, esses inúmeros estilos passaram a se misturar, dando origem ao Ecletismo. As técnicas e os materiais novos têm papel importante na diversidade de estilos, sobretudo o ferro. Utilizado amplamente nas estruturas por permitir realizações impressionantes, como grandes vãos e construções em altura, o ferro aparece como um problemaa ser equacionado pelos estilos, para a arquitetura do século XIX. Essa técnica permite desde a construção dos novos edifícios de Chicago até as impressionantes gares, ferroviárias da segunda metade do século, em todo o mundo, ou mesmo no Brasil, como a Estação da Luz, em São Paulo. Recobrir as estruturas e dar aspecto clássico, gótico, vitoriano ou qualquer outro, era uma questão de dar dignidade às novas estruturas, consideradas o esqueleto inevitável da nova época, mas despido de quaisquer valores estéticos. Essa visão era a orientadora da Escola de Belas Artes de Paris, e ainda foi por todo o século XIX a grande referência para a arquitetura mundial. Ao longo do século XIX, inúmeros estilos passaram a se misturar, dando origem ao Ecletismo. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 022 As exposições internacionais, a partir da metade do século, são os eventos em que se exibe a produção de destaque da arquitetura e é nelas em que fica mais patente a necessidade de disfarçar os novos processos construtivos. Vejamos, na videoaula a seguir, o que foi produzido de mais significativo nessas exposições. Videoaula “As exposições universais” Autora: Mariana Fontes Pérez Rial QUESTÃO 2 - O Romantismo, apesar de sua natureza essencialmente burguesa, contesta a racionalidade iluminista e exalta a emoção e o sentimento, sobretudo na literatura. Na arquitetura seu referencial absoluto, em oposição à racionalidade clássica, passa a ser a arquitetura religiosa medieval. Com base na afirmação, assinale a alternativa que aponta o estilo preferido dos arquitetos românticos do século XIX: a. Neoclássico. b. Moderno. c. Barroco. d. Neogótico. e. Renascentista. O gabarito se encontra no final da unidade. ATIVIDADE DE FIXAÇÃO TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 023 A polêmica entre o Neoclássico e o Neogótico Dentre todos os estilos disponíveis à livre escolha dos arquitetos, ainda prevalecem o Neoclássico, defendido pelo ensino tradicional da Escola de Belas Artes e, opondo-se a ele, o Neogótico dos românticos. A partir de 1830, ano em que mudanças profundas na política europeia como um todo reafirmam de uma vez por todas o poder da burguesia liberal, o estilo Neogótico também se consolida como um verdadeiro movimento. Destacam-se na teorização em defesa dos estilos medievais o inglês Pugin (autor de The true principles of pointed or christian architecture, 1841) e o francês Viollet-le-Duc (autor de Entretiens sur l’architecture (Discursos sobre Arquitetura), 1863), este último um dos responsáveis pela restauração da Catedral de Notre-Dame, Paris, e precursor da preservação do patrimônio. Outro personagem fundamental para a teoria e a valorização dos estilos medievais é John Ruskin, crítico inglês precursor do movimento Arts and Crafts. Ruskin é defensor da produção manual e crítico dos processos industriais, coloca na segunda edição de sua obra As Sete Lâmpadas da Arquitetura (1849) que “o único estilo adequado às obras modernas nos Países do Norte seja o gótico setentrional do século XIII” (BENEVOLO, 1976, p. 86). A polêmica entre os dois estilos, Neoclássico e Neogótico, aconteceu principalmente no meio acadêmico da Escola de Belas Artes de Paris, na segunda metade do século XIX. A crise do ensino instaurada por essa polêmica representa o rompimento com o tradicionalismo clássico no ensino da arquitetura. O principal representante do neogótico à época, Viollet-le-Duc, professor na escola, defende a flexibilização do classicismo e o estudo também O estilo Neogótico também se consolida como um verdadeiro movimento a partir de 1830. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 024 da arquitetura medieval, que não constava no currículo. Há uma forte recusa a essa mudança por parte dos professores ligados ao neoclássico, com idas e vindas na mudança dos programas das disciplinas. Ainda que a implantação do ensino medieval não aconteça nas primeiras tentativas, a transformação na cultura da escola é sem volta e os escritos de Viollet-le-Duc impactam profundamente os estudantes. A discussão entre os defensores de um e de outro estilo serve para expor a fraqueza teórica dos fundamentos que estabeleciam a arquitetura clássica como ideal e inquestionável, trazendo à tona seu caráter estilístico. Ao mesmo tempo, o estilo proposto como alternativa tampouco oferece soluções que deem respostas aos novos materiais e técnicas. O resultado, por um lado, é um afastamento progressivo entre arquitetura e construção, ou entre arquitetura e engenharia. Por outro, causa um abalo nas certezas do neoclassicismo e gera buscas incessantes, que darão as bases para a superação dos estilos e para o surgimento de algo novo com o Movimento Moderno. A reivindicação por uma reaproximação com a técnica, com o fazer, com os materiais e com uma “verdade estrutural” despida de estilismos é o próximo passo e, já presentes na retórica de Viollet-le-Duc, será um dos argumentos, dentre outras questões, na ruptura com a tradição das Belas Artes, que dá origem à arquitetura moderna. Já no contexto da segunda metade do século XIX, a figura central do neogótico, Violet-le-Duc, tem destaque, sobretudo por sua oposição ao classicismo e ao ecletismo da academia. Viollet-le-Duc é o sustentador da direção neogótica, mas elimina em sua polêmica toda referência romântica ou sentimental; aos seus olhos de cientista, o gótico não tem nada de confuso ou misterioso. [...] A reviravolta que Viollet-le-Duc imprime ao movimento neogótico, associando-o com o racionalismo, é importantíssima. [...] os livros de Viollet-le-Duc, que circulam por todo o mundo, têm grande importância para a formação da geração subsequente, da qual saem os mestres da art nouveau. (BENEVOLO, 1976, p. 127). TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 025 O avanço das novas técnicas: o concreto armado Já vimos como os processos construtivos e a teoria da arquitetura se afastaram progressivamente ao longo do século XIX, com o descolamento das grandes obras que exploram ao máximo o aço e o vidro e da discussão estilística centrada nos revestimentos que dominam a teoria. O surgimento de um novo material, cuja aplicação será rápida e em larga escala, aprofunda ainda mais essa questão e ajuda a precipitar a crise dos estilismos, já anunciada. Referimo-nos ao aparecimento do concreto armado. Quem desenvolveu o cimento Portland foi Joseph Aspdin, em 1824 (FAZIO, 2011). Considerado pelo historiador Sigfried Giedion como um “material de laboratório” (COHEN, 2012), por sua precisão química, fruto de extensos testes científicos, o uso do concreto se difundiu nas duas últimas décadas do XIX, principalmente na construção comum. Seu grande expoente foi o arquiteto Anatole de Baudot, discípulo de Viollet-le-Duc, cujo livro L’Architecture, le passé, présent (1916), exalta o concreto como o material sucessor do ferro. Projetistas dos Estados Unidos e da Europa usavam concreto armado, com destaque para Ernest Ransome (1844-1917) e François Hennebique (1842-1921) (FAZIO, 2011). TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 026 A crise do ecletismo e o aparecimento do art nouveau: o princípio da ruptura definitiva com a tradição Os avanços contínuos da segunda metade do século foram fatais para expor a fragilidade dos estilismos frente à nova realidade construtiva. A expansão da ferrovia como meio de transporte revolucionou a circulação de pessoas e de mercadorias; as cidades apresentavam população jamaisvista na história da urbanização, com poucas exceções. As técnicas construtivas que possibilitavam a nova vida urbana eram dominadas à excelência pelos engenheiros e exibidas nas exposições universais e nos espantosos arranha- céus da vibrante Chicago; os avanços deixavam a arquitetura cada vez mais em segundo plano. Da mesma forma, parecia mais e mais sem sentido aos arquitetos encobrir as estruturas com seus estilismos. O ensino da arquitetura clássica estava descompassado do que acontecia no exterior das academias e a crise era inevitável. O ecletismo, então, a princípio uma afirmação da individualidade criativa do arquiteto, que o aproximava do caráter de artista, já não era suficiente para garantir o papel social da arquitetura. Professores de Teoria da Arquitetura da Escola de Belas Artes exprimiam o sentimento de indefinição da arquitetura, flexibilizavam currículos, abriam o curso para novas perspectivas. Benevolo (1976) transcreve passagem marcante do professor Julien Guadet (1834-1908): O que é o curso de Teoria da Arquitetura? A pergunta pode parecer supérflua, uma vez que este curso existe por longos anos [...]. Parece, portanto, que sua tradição se encontra estabelecida, contudo... não vos esconderei que sinto em torno de mim algo como uma impressão de que este curso ainda está por ser criado (BENEVOLO, 1976, p. 151). Em 1894, os alunos de Julien Guadet que escutaram essas palavras seriam os grandes expoentes nas primeiras décadas do século XX: Auguste Perret, Tony Garnier. Os avanços contínuos da segunda metade do século foram fatais para expor a fragilidade dos estilismos frente à nova realidade construtiva. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 027 Na Inglaterra, seguindo os passos do movimento neogótico e os protestos de John Ruskin em relação à sociedade industrial e seus processos, surge o movimento Arts and Crafts, em defesa da qualidade nas artes aplicadas (em oposição às chamadas artes puras). Seu defensor, arquiteto e artista atuante também na política foi Wiliam Morris. A fundação de sua primeira firma, Morris, Marshall, Faulkner and Company, em 1862, é considerada pelo historiador Leonardo Benevolo como o início do Movimento Moderno. Morris é uma figura bastante representativa de sua época; além da arquitetura, seu engajamento político retratava as questões sociais emergentes com muita força na segunda metade do século XIX. Demonstrava preocupação com as condições da classe trabalhadora inglesa, levando-o à defesa ativa do Socialismo. Fazio (2011) lembra como esse fato leva “o historiador de arquitetura Nikolaus Pevsner a afirmar que a consciência social de Morris representa um dos pontos de origem do desenvolvimento do Modernismo europeu, que via a arquitetura como modeladora da sociedade.” (FAZIO; MOFFET; WODEHOUSE, 2011, p. 445). Com o Arts and Crafts e as polêmicas em torno do ecletismo, nas duas últimas décadas do século XIX inevitavelmente as artes tomam novos rumos, dando início à ruptura do século seguinte. Se na pintura alguns movimentos já compreendiam os novos tempos e deixavam para trás a recusa romântica na nova sociedade, com o impressionismo, o neoimpressionismo, o expressionismo, na arquitetura essa nova ordem terá sua expressão a partir do movimento autodenominado Art Nouveau. Não é sem motivo que o ponto de ruptura que acontece no campo teórico da arquitetura, como nas demais artes plásticas, denominou-se Arte Nova. Na próxima videoaula, vamos ver, a partir de diversas imagens, a expressão plástica desse movimento e suas características, precursoras em vários aspectos da Arquitetura Moderna. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 028 QUESTÃO 3 - Na passagem do século XVIII ao XIX o estilo Neoclássico predominante até então perde espaço para os demais estilos emergentes já ao longo do século anterior. Entre todos os estilos disponíveis à livre escolha dos arquitetos, passam então a prevalecer tanto o Neoclássico, defendido pelo ensino tradicional da Escola de Belas Artes, quanto o Neogótico, preferido dos românticos. A partir de 1830 o Neogótico se consolida como um verdadeiro movimento. Com base nessa afirmação, descreva o que foi a polêmica entre os estilos neoclássico e neogótico, e como esse fato influenciou a superação do ecletismo na passagem do século XIX ao XX. O gabarito se encontra no final da unidade. ATIVIDADE DE FIXAÇÃO Videoaula “Art Noveau” Autora: Mariana Fontes Pérez Rial Como vimos, o estilo art nouveau foi precursor em muitos aspectos da Arquitetura Moderna e pode ser encontrada nele toda a reação à tradição que dá origem à ruptura que o moderno significa. A profusão de construções e os elementos decorativos ligadas ao Art Nouveau constituem a sua riqueza. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 029 QUESTÃO 4 - A linha que unifica arquitetos e artistas englobados sob o movimento Art Nouveau é a ideia de produzir uma estética nova, seja nas artes aplicadas, seja na arquitetura. Com base no estudado sobre esse movimento, assinale a alternativa que contém os artistas consagrados do Art Nouveau: a. Louis Sullivan e William Morris. b. Victor Horta e Henry Van de Velde. c. Antoni Gaudí e J. F. Blondel. d. Victor Horta e Mies Van der Rohe. e. Viollet-le-Duc e Van de Velde. O gabarito se encontra no final da unidade. ATIVIDADE DE FIXAÇÃO Como vimos até aqui, a teoria arquitetônica teve suas bases tradicionais abaladas ao longo do século XIX, passando de um momento de flexibilização e maior liberdade imaginativa até o descrédito quase total, por seu descolamento da prática, que passava por uma transformação técnica e programática que exigia novas respostas. Esse panorama, de que tratamos com ênfase na produção europeia e seu repertório teórico, tinha paralelo nas antigas colônias do continente americano que, após os diversos processos de independência entre o fim do século XVIII e o começo do XIX, se firmavam como nações independentes e ganhavam, cada uma à sua maneira, um papel na ordem internacional do comércio. As questões relativas ao Brasil, até as últimas décadas do XIX, estão bastante vinculadas à cultura europeia, sobretudo à francesa. O percurso, porém, do pensamento arquitetônico norte-americano, ganha destaque já em meados do século XIX, e sua produção merece uma análise particular. Esse é o tema da nossa próxima videoaula. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 030 Videoaula “O século XIX nos EUA” Autora: Mariana Fontes Pérez Rial QUESTÃO 5 - O estilo Neogótico teve sua força inicial na Inglaterra, local onde ao mesmo tempo a indústria se desenvolvia com maior velocidade e a presença do Neoclassicismo era menos determinante do que na França napoleônica. Sua expansão, porém, tomou toda a Europa nas primeiras décadas do século XIX, lado a lado com o Neoclassicismo. O principal defensor do Neogótico francês, professor da Escola de Belas Artes de Paris, foi: a. Jacques-François Blondel. b. Henry Van de Velde. c. William Morris. d. Eugène Viollet-le-Duc. e. Barão de Haussmann. O gabarito se encontra no final da unidade. ATIVIDADE DE FIXAÇÃO Uma vez compreendida a teoria em relação à arquitetura que estava em discussão desde o século XVIII e ao fim do século XIX, devemos agora passar às questões específicas da teoria urbana. Podemos afirmar que, se a arquitetura viu, no século XIX, as bases para o desenvolvimento de algo totalmente novo, no século XX, como são o pensamento e o repertório do Movimento Moderno, o urbanismo passou por uma transformaçãoainda mais radical, já que a cidade moderna é a síntese de tudo o que foi tratado até agora. Urbanismo e planejamento urbano, em seu significado O urbanismo passou por uma transformação muito radical no século XX. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 031 moderno, foram de fato criados nesse momento histórico, diferente de tudo que acontecera anteriormente. Veremos brevemente como foi o panorama até as primeiras transformações, por volta da década de 1850. A revolução no pensamento sobre a cidade, na passagem dos séculos XIX ao XX, será tratada em profundidade no tema “a cidade moderna”. Primeiras transformações no pensamento sobre a arquitetura e a cidade Até o século XIX, não existia propriamente uma teoria urbana. Está claro que a história conta com diversos projetos de cidades anteriores, assim como conta com diversos exemplos de cidades construídas e modelos de cidade ideal, como as desenvolvidas durante o Renascimento, interessantes concepções de cidades amuralhadas com plantas geométricas elaboradas em detalhes. Projetos de cidade eram elaborados no âmbito das artes, ou soluções práticas eram dadas por meio de planos, como a ampliação de caminhos e a abertura de vias, como nos planos barrocos. O que difere então o pensamento urbano do século XIX e início do XX dos escritos anteriores? A diferença marcante, que caracteriza o início da urbanística moderna (BENEVOLO, 1976), é a visão do urbanismo como disciplina, como um novo campo científico. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 032 Entendido assim, o estudo das cidades passa a ser feito de forma sistemática. O principal motivo para essa mudança reside também na Revolução Industrial e suas consequências, já aparentes nas cidades inglesas em 1800. Vimos como o surgimento do Romantismo está ligado aos males da cidade moderna do fim do século XVIII. De fato, esses males não eram poucos: a pobreza, a violência urbana, as epidemias decorrentes da falta de higiene urbana. Tudo isso apareceu com o crescimento das cidades na Europa e, com alguma defasagem, nas principais cidades de todo o mundo. Londres é o exemplo máximo do período; sua população no fim do século XVIII ultrapassou um milhão de habitantes (BENEVOLO, 1976). É a primeira vez, desde o Império Romano, que uma cidade atinge esse número de habitantes. Esse dado é surpreendente, se pensarmos que quase dois mil anos se passaram para que as cidades se deparassem com problemas urbanos nessa escala! Drenagem, captação de esgotos, provisão de água corrente, iluminação pública. Todas essas questões que passaram séculos sem ter relevância em razão da pequena escala das aglomerações urbanas, eram urgentes em 1850. Resolvê-las era crucial para a sobrevivência tanto da economia quanto das próprias instituições da sociedade moderna. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 033 O pensamento sobre a cidade industrial O século XIX é o período em que o pensamento burguês, elaborado pelos Iluministas, tem de enfrentar questões mais complexas ligadas ao surgimento de uma nova classe, o proletariado. O pensamento sobre a sociedade capitalista, que produzirá movimentos como o anarquismo e o socialismo, não pode deixar de lado a compreensão da cidade e a superação de seus problemas. Os teóricos questionadores do liberalismo burguês, assim como os críticos do capitalismo, eram acompanhados por teorias específicas sobre a cidade. Surgem modelos de cidade diversos, desde os ligados à negação da cidade industrial até aqueles que veem a solução de todos os problemas sociais na própria indústria. As primeiras iniciativas atreladas a um pensamento crítico sobre as cidades estão ligadas ao chamado Socialismo Utópico. Assim como Morris, seus representantes estavam preocupados com as condições de vida da classe trabalhadora. Modelos foram desenvolvidos tanto para cidades associadas à produção de uma indústria, as chamadas cidades operárias, quanto para cidades indistintas, não necessariamente ligadas a uma única fábrica, cujo objetivo era aproximar a vida urbana da vida rural, mais bucólica e saudável, associando-a às novas imposições da produção industrial, em um convívio saudável, para esses teóricos. Os modelos de cidade produzidos pelos socialistas utópicos também têm sua explicação no fato de que esses autores não viam solução possível para as cidades existentes. Suas origens têm proximidade teórica com o Iluminismo na crença, na ciência e na educação, e com o romantismo no que se refere à constatação dos males modernos. Essas iniciativas não partem propriamente dos No século XIX, surgem modelos de cidade diversos, desde os ligados à negação da cidade industrial até aqueles que veem a solução de todos os problemas sociais na própria indústria. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 034 arquitetos. Em geral, são iniciativas de pessoas ligadas à indústria, distantes das teorias das artes. As cidades utópicas são definidas por um número máximo de habitantes e por características formais rígidas, dificilmente transportáveis para a prática. Seus principais representantes foram Robert Owen (1771-1858), industrial inglês que procurou implantar seu modelo através de seus negócios, na Inglaterra e na França; Charles Fourier (1772-1837), francês cujo modelo, o “falanstério”, ficou conhecido internacionalmente e serviu de referência para iniciativas posteriores, e Etienne Cabet (1788-1856). Algumas tentativas foram levadas a cabo por essas três figuras, porém com pouco sucesso. A reviravolta de 1848 e o retorno conservador puseram um fim às esperanças ligadas aos modelos urbanísticos do socialismo utópico. O termo “utópico” lhes foi dado depois, em oposição ao “socialismo científico”, referente àquele teorizado por Marx e Engels. Os socialistas científicos julgavam os ideais de “bom para todos” como uma incompreensão do modo de produção e da luta de classes, foi então que surgiu o termo “utópico”. Ainda assim, essas iniciativas foram resgatadas no fim do século, como no caso das “cidades-jardim” (esse modelo, amplamente utilizado, aparece com a obra “As cidades-jardim do amanhã”, de Ebenezer Howard, publicado em 1902), e também se tornaram referências anos mais tarde, já que aspectos pioneiros no estudo das cidades pelo socialismo utópico aparecem como determinantes no urbanismo do Movimento Moderno, como o conceito de densidade demográfica, a “unidade habitacional”, entre outros. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 035 Também podemos dizer que está no socialismo utópico a origem da premissa mais importante do Movimento Moderno, a capacidade de transformação social inerente à arquitetura e ao urbanismo, algo totalmente novo. As reformas urbanísticas do século XIX À parte as ideias e modelos ligados ao socialismo utópico, que ficarão em sua quase totalidade no campo teórico, a modernização das cidades foi uma necessidade do próprio modo de produção capitalista. Era necessário transformar as cidades, com seus traçados ainda medievais, em locais que favorecessem a circulação livre das mercadorias e também a passagem das tropas militares sem grandes barreiras, em uma época marcada por guerras e revoltas populares urbanas por todo o continente europeu. Se os edifícios se tornaram múltiplos e variados com os novos programas, como vimos, também os espaços públicos ganharam novas funções. Praças, passeios, boulevards e belvederes respondiam, na escala urbana, às mesmas demandasde uma burguesia crescente e rica, e contrastavam com bairros em que se concentrava extrema pobreza. Em meados do século XIX, as condições de vida de grande parte da população, agora inserida em um contexto de produção industrial e aglomeração urbana (não é um exagero romântico), são de fato péssimas. A quantidade enorme de população pobre nas cidades, as péssimas condições de moradia e de trabalho da classe trabalhadora, frutos de décadas de um liberalismo predominante, levaram a um ambiente urbano terrível e cheio de contrastes entre os espaços da burguesia e aqueles da população pobre. Lembremos que, diferentemente da nobreza e da aristocracia dominantes no Antigo Regime, a burguesia é uma classe social essencialmente urbana, ligada ao comércio e à indústria, própria da cidade moderna. Os conflitos são patentes e explícitos quando transportados para o contexto urbano. Em meados do século XIX, as condições de vida de grande parte da população eram péssimas. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 036 A descrição de toda a teoria marxista da luta de classes é, sem dúvida, fruto da observação não apenas da economia pura, mas de sua tradução espacial, que é a cidade moderna. A crise política, que já se instaurava desde a década de 1830, provocava em meados do século ainda mais conflitos na Europa. Nos 50 anos que se seguiram, as transformações foram de toda ordem: políticas, econômicas, técnicas e artísticas. O movimento revolucionário de 1848 e sua repressão dão lugar, logo em seguida, a um retorno conservador em diversos países europeus. Enquanto a teoria econômica abre caminho para alternativas ao capitalismo e o crescimento das teorias socialistas, os Estados conservadores se apropriam também da nova ciência, urbanística, para moldar as cidades também como uma forma de controle social, em seu sentido amplo. Foi nesse contexto que se implantaram os marcantes planos urbanos, que desenharam as principais capitais como as conhecemos hoje, iniciados com o precursor plano do então prefeito Barão de Haussman (cujos trabalhos duraram de 1853 a 1869) para Paris. Em seguida, com a transformadora chegada da ferrovia, redesenhavam-se através de grandes avenidas e eixos monumentais quase todas as cidades ocidentais, com planos históricos como o do Ring de Viena, ou o de Barcelona, projeto do engenheiro Ildefons Cerdà. Vamos conferir alguns detalhes dessas reformas na notícia apresentada a seguir. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 037 O HOMEM QUE CONSTRUIU A PARIS QUE CONHECEMOS HOJE Jonathan Glancey Da BBC Culture 12 fevereiro 2016 Paris ainda é uma das cidades mais visitadas do mundo, e o distrito do Marais é um dos mais populares entre os milhões de pessoas que frequentam a cidade a cada ano. Popular entre aristocratas antes de Luís XIV (o “Rei Sol”) transferir a corte para Versailles, essa animada região de ruas estreitas e casas históricas caiu no abandono nos séculos seguintes, antes de renascer nas últimas décadas como um charmoso labirinto de lojas fashion, cafés, restaurantes, museus e galerias. Ao andar por essas agitadas ruas medievais, é difícil acreditar que elas já foram consideradas “o inimigo”, algo que deveria ser demolido imediatamente. E quem queria fazer isso era ninguém menos que o imperador francês Napoleão III e seu chefe de departamento de Paris, George-Eugène Haussmann. Como grande parte de Paris, Marais fedia horrivelmente em 1853, quando o imperador deu instruções a Haussmann para reconstruir a cidade com grandes e salubres avenidas. Regiões inteiras da cidade seriam demolidas e substituídas por avenidas. “Era a reconstrução de Paris”, escreveu Haussmann, orgulhoso, em seu livro de memórias. O homem demolição Administrador público, sem nenhum treinamento em arquitetura ou planejamento urbano, Haussmann transformou Paris em um enorme canteiro de obras por 20 anos. Apesar de ter sido forçado a deixar o cargo em 1870, quando o imperador enfrentava críticas por excesso de gastos públicos, seus projetos continuaram sendo seguidos até o final dos anos 1920. Concebido e executado em três fases, o plano incluía a demolição de 19.730 prédios históricos e a construção de 34 mil novos. Antigas ruas foram substituídas por grandes e amplas avenidas, caracterizadas por fileiras de prédios neoclássicos em tons de creme, alinhados e proporcionais. Além das grandes avenidas, Haussmann construiu grandes quarteirões, parques inspirados no Hyde Park, de Londres, um sistema de esgoto abrangente, um novo aqueduto que dava acesso amplo à água doce, uma rede de canos de gás subterrâneos para iluminar ruas e prédios, fontes complexas, banheiros públicos grandiosos e fileiras de árvores. Essa infraestrutura urbana foi combinada com novas e ousadas estações de trem – Gare du Nord e Gare de L’Est – a opulenta Ópera de Paris, novas escolas, igrejas, mais de 20 praças, ambiciosos teatros na Place du Châtelet, o gigante mercado de comida de Les Halles (do livro O Ventre de Paris, de Èmile Zola) e uma sensacional rede de avenidas radiais saindo do Arco do Triunfo, no centro da Place de l’Étoile, de Haussmann. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 038 Rebatizada de Place Charles de Gaulle, l’Étoile é um pesadelo para motoristas estrangeiros: você tenta dirigir entre carros velozes vindo de várias direções diferentes enquanto tenta negociar – ou lutar – para abrir caminho no entorno do arco, monumento de celebração da vitória de Napoleão. Haussmann criou grandes quarteirões, sistema de esgoto e parques como o Bois de Boulogne. Transformação radical Nenhuma outra grande cidade, antes ou desde então, sofreu uma transformação tão radical quanto Paris em tempos de paz. Foram necessários inúmeros trabalhadores – qualificados e não qualificados – assim como arquitetos, engenheiros e paisagistas. Ele devolveu a saúde à cidade após anos de cólera e tifo. Deu aos parisienses de todas as classes parques onde brincar e relaxar. Teoricamente, suas largas avenidas permitiam que tropas do governo se movimentassem livremente para manter a ordem em um tempo de barricadas, protestos e outros distúrbios. E, em uma época em que a cidade dobrou seu tamanho e a população triplicou, ela deu a Paris um senso de unidade com um ar de prosperidade burguesa. O que ainda surpreende é que tantas partes da cidade tenham sido destruídas e refeitas no que parece uma extravagância do imperador Haussmann. Mas Napoleão III estava seguindo os passos de seu tio, Napoleão Bonaparte, que também tinha grandes projetos para Paris. “Se ao menos os céus tivessem me dado mais 20 anos de poder e um pouco de lazer”, escreveu ele no exílio após a batalha de Waterloo, “uma pessoa procuraria em vão pela antiga Paris; não sobraria nada a não ser vestígios”. Em 1925, o visionário arquiteto franco-suíço Le Corbusier publicou seu Plan Voisin para Paris, um projeto patrocinado por Gabriel Voisin, pioneiro da aviação francesa e fabricante de carros de luxo. O plano iconoclasta planejava demolir grande parte do centro da cidade ao norte do Sena. No lugar entrariam parques, de onde sairiam prédios residenciais altos. Os carros andariam pela cidade em elevados de concreto livres de pedestres. O plano de Le Corbusier foi considerado radical demais e não foi para a frente. Mas, antes dele, Haussmann também foi criticado. O renomado estadista Jules Ferry (1832-93) escreveu: “Choramos com os olhos cheios d’água pela velha Paris, a Paris de Voltaire... a Paris de 1830 e 1848, quando vemos os grandes e intoleráveis novos prédios, a custosa confusão, a vulgaridade triunfante, o terrível materialismo que vamos transmitir para os nossos descendentes.”Ou, como o historiador do século XX Réné Héron de Villefosse coloca, pensando particularmente na transformação de Haussmann na Île de TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 039 la Cité, “O velho barco de Paris foi torpedeado pelo Barão Haussmann e afundou durante seu reinado. Foi talvez o maior crime do megalomaníaco governador e também seu maior erro. Seu trabalho causou mais danos que centenas de bombardeios.” Sempre teremos Paris Quando, em 1944, as forças aliadas marcharam para liberar a cidade e Adolf Hitler ordenou que Paris fosse destruída, o comandante alemão Major General Dietrich von Choltitz se recusou a obedecer. Paris era bonita demais para ser arrasada. Os planos de Haussmann foram impressionantes pelo fato de ele ter conseguido resultados com padrões tão altos e uniformes em tão pouco tempo. Administrador público, Haussmann era um homem que se impunha e, apesar de ser um músico talentoso, não era sentimentalista. Ele demoliu até a própria casa em que nasceu – 55 rue Faubourg-du-Roule –, apesar de ter boas memórias da infância. Sobre sua primeira reunião com Haussmann, em 1853, Napoleão III escreveu: “Eu tinha diante de mim um dos homens mais extraordinários de nosso tempo, grande, forte, vigoroso, com energia, e ao mesmo tempo esperto e malandro, com a alma cheia de recursos”. A parceria entre o ambicioso imperador francês e seu governante foi notória. Um ano após a demissão de Haussmann por excesso de gastos, porém Napoleão III caiu após a derrota da França na Guerra Franco-Prussiana. Ele foi para o exílio em Chislelhurst, Kent, onde morreu em 1873. Após sua demissão, Haussmann foi eleito deputado em Ajaccio, Córsega, onde Napoleão Bonaparte nascera. Ele encontrou tempo para escrever três volumes de memórias. Elas não são muito lidas atualmente, mas sua memória ainda vive na nova Paris que ele moldou – e em cidades como Barcelona, que seguiram seu exemplo –, mas não nas estreitas, mas amadas ruas do Marais. BBC Culture. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/ noticias/2016/02/160203_vert_cul_criador_paris_lab>. Acesso em: 16 jan. 2017. O planejamento urbano – uma introdução Reformas em cidades não eram inexistentes até esse momento; ao contrário, urbanismo barroco é conhecido por suas intervenções monumentais. Entretanto, há algo de muito novo na implantação das ideias do Barão de Haussmann. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 040 Se bem que de tendências autoritárias, Haussmann não pode se comportar como os urbanistas barrocos, que executam um plano predisposto com absoluta regularidade, aproveitando o poder absoluto de quem o encomenda; age sob o controle do Parlamento e do Conselho Municipal, manipula dinheiro público do qual deve prestar contas aos corpos administrativos centrais. [...] deve em suma levar em conta a separação de poderes de um Estado moderno (BENEVOLO, 1976, p. 110). Assim, temos aqui o fator determinante para a transformação do que antes era uma prática eventual de urbanismo em uma ciência totalmente nova: o planejamento urbano. Esse fator é, sem dúvida, o Estado Moderno. Logo, em grande parte dos países, o planejamento será alavancado também pela democracia liberal. O planejamento urbano é, além de uma necessidade econômica da cidade, uma prática associada às respostas do Estado a uma nova demanda, um Estado que responde agora a uma sociedade organizada e que será, muito em breve, eleito através do voto. Isso significa, de maneira mais clara, que há agora uma sociedade constituída por pessoas com voz, através das eleições diretas, capazes de interferir nas forças produtivas e a quem os representantes do poder devem se reportar. Essa é uma diferença crítica em relação ao momento anterior, já que dar resposta a demandas sociais não era determinante para a manutenção do poder do rei, do imperador ou da igreja, instituições dominantes até o século XVIII. As novas bases políticas estabelecidas com a sociedade burguesa tinham mudado essa situação para sempre. As consequências desse fato serão aprendidas ao longo desta disciplina. QUESTÃO 5 - Discorra sobre quem foi o Barão de Haussmann, qual sua importância para a história do urbanismo e em quais exemplos pode ser encontrada sua influência. O gabarito se encontra no final da unidade. ATIVIDADE DE FIXAÇÃO O planejamento urbano é, além de uma necessidade econômica da cidade, uma prática associada às respostas do Estado a uma nova demanda. TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 041 Resumo Nesta unidade, vimos quais as linhas teóricas principais do pensamento em arquitetura e urbanismo, a partir das transformações iniciais da Revolução Industrial em meados do século XVIII. Vimos também como essas origens se desdobraram em correntes até antagônicas ao longo do século XIX, mostrando por fim, nas últimas décadas deste, o esgotamento da tradição clássica para a compreensão da produção arquitetônica que surgia e daquela que viria a seguir. Com nosso estudo, constatamos que o pensamento arquitetônico até o momento estudado tem como objeto os edifícios singulares, deixando de lado a produção da cidade em suas construções cotidianas. A questão da moradia, assim, não entra na discussão. A habitação como tema somente aparecerá no contexto da passagem ao século XX e será uma das mais peculiares e transformadoras. Essa será a linha condutora das principais transformações atreladas à Arquitetura Moderna. A mudança de premissas, colocando a arquitetura não mais como arte, mas como disciplina e prática a serviço da sociedade, esse é o divisor de águas dessa nova fase. Videoaula “Título do vídeo” Autor: Fulano TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 042 QUESTÃO 1 - Gabarito da questão 1: A) A crença na razão e na ciência humana. Justificativas: Justificativa da alternativa a: O principal tema do Iluminismo é a crença na razão humana. Justificativa da alternativa b: O principal tema do Iluminismo é a crença na razão humana. Justificativa da alternativa c: O principal tema do Iluminismo é a crença na razão humana. Justificativa da alternativa d: O principal tema do Iluminismo é a crença na razão humana. Justificativa da alternativa e: O principal tema do Iluminismo é a crença na razão humana. QUESTÃO 2 - Gabarito da questão 2 (objetiva): D) Neogótico. Justificativas: Justificativa da alternativa a Os românticos do século XIX se aproximavam do culto à arquitetura medieval, distanciando-se do neoclássico e do racionalismo. Justificativa da alternativa b Os românticos do século XIX se aproximavam do culto à arquitetura medieval, distanciando-se do neoclássico e do racionalismo. Justificativa da alternativa c Os românticos do século XIX se aproximavam do culto à arquitetura medieval, distanciando-se do neoclássico e do racionalismo. ATIVIDADES DE FIXAÇÃO RESPOSTAS TEORIAS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO unidade 1 043 Justificativa da alternativa d Os românticos do século XIX se aproximavam do culto à arquitetura medieval, distanciando-se do neoclássico e do racionalismo. Justificativa da alternativa e Os românticos do século XIX se aproximavam do culto à arquitetura medieval, distanciando-se do neoclássico e do racionalismo. QUESTÃO 3 - Padrão de resposta da questão 3 A polêmica entre os dois estilos, Neoclássico e Neogótico, aconteceu principalmente no meio acadêmico da Escola de Belas Artes de Paris, na segunda metade do século XIX, e representa o rompimento com o tradicionalismo clássico no ensino da arquitetura. O principal representante do neogótico à época, Viollet-le-Duc, defende a
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