Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FUNÇÕES DA LITERATURA As obras literárias carregam dentro de si uma riqueza tal que enriquece a quem as manuseia ou lê. No seu livro Poética, Aristóteles dá a entender que a literatura tem três funções: a cognitiva, a estética e a catártica. Outros estudiosos acrescentaram uma quarta função: a político-social. FUNÇÃO COGNITIVA A função cognitiva se refere à aquisição do conhecimento. Em Literatura, o escritor tem uma percepção (conhecimento) pessoal da realidade que o rodeia. A essa percepção costuma-se chamar de inspiração, estalo, insight… Impulsionado por esse estímulo, ele (o escritor) produz textos que comunicam esse conhecimento ou percepção, onde sentimento e razão se fundem. A obra literária, por conseguinte, exprime esse seu conhecimento intuitivo e estético a respeito da realida que o rodeia. No texto abaixo, Dois e dois: quatro, de Ferreira Gullar, o poeta revela seu conhecimento sobre a vida, que apesar de expressar uma percepção bem pessoal, acaba apresentando aquilo que a maioria das pessoas percebem da vida. Dois e dois: quatro Como dois e dois são quatro Sei que a vida vale a pena Embora o pão seja caro E a liberdade pequena. Como teus olhos são claros E a tua pele, morena Como é azul o oceano E a lagoa, serena Como um tempo de alegria Por trás do terror me acena E a noite carrega o dia No seu colo de açucena - sei que dois e dois são quatro Sei que a vida vale a pena Meso que o pão seja caro E a liberdade pequena. É isso que faz com que um texto se torne uma obra-prima, pois o poeta não usa argumentos científicos ou filosóficos para comunicar o que pensa. Se vale da sua experiência e da sua sensibilidade, utilizando os princípios da métrica. FUNÇÃO ESTÉTICA Por ser a Literatura uma arte, ela nos remete à nossa capacidade de apreciar o belo, o bonito, ao prazer que sentimos diante das coisas agradáveis, que tocam os nossos sentidos, as nossas emoções, o nosso intelecto. No caso da Literatura, isso se relaciona ao emprego adequado da metrificação, do ritmo, da rima, das figuras de linguagem, da articulação dos personagens, da estruturação do enredo, entre outros elementos. Olavo Bilac, um dos poetas brasileiros que mais se esmerou em utilizar uma perfeita técnica na arte literária, expressou seu ideal de escritor no poemaProfissão de Fé, onde ele compara o trabalho do poeta ao artesanato de um ourives na produção de uma jóia. Invejo o ourives quando escrevo: Imito o amor Com que ele, em ouro, o alto relevo Faz de uma flor. Por isso, corre, por servir-me, Sobre o papel A pena como em prata firme Corre o cinzel. Torce, aprimora, alteia, lima A frase: e, enfim, No verso de ouro engasta a rima Como um rubim. Quero que a estrofe cristalina Dobrada ao jeito Do ourives saia da oficina Sem defeito: Assim procedo. Minha pena Segue esta norma, Por te servir, Deusa serena, Serena Forma! FUNÇÃO CATÁRTICA A palavra catártica vem de catarse (do grego catharse), que significa purificação, purgação. Foi usada por Aristóteles ao afirmar que as tragédias (representações teatrais) purificam as emoções. Em Literatura, podemos entender que a catarse é uma espécie de descarga emocional que provoca no leitor ou no escritor um certo alívio da tensão ou da ansiedade psicológica ou moral. Ao vivenciar as emoções e tensões transmitidas pelos personagens das narrativas (seja da prosa ou da poesia), o leitor ou o escritor estaria descarregando sua próprias tensões, medos, frustrações e assim se libertando (purificando) dessas emoções negativas. No caso do escritor, o ato de escrever pode se constituir em uma catarse, porque muitas vezes, ele escreve para desabafar, pôr para fora suas tensões e sublimar suas frustrações. Portanto, a Literatura, ao provocar essa sensação de alívio emocional e purificação moral está desempenhando sua função catártica. Manoel Bandeira, poeta brasileiro, confessa que foi nessas condições de tensão que escreveu seu famoso poema Vou-me embora pra Pasárgada: “Vou-me embora pra Pasárgada foi o poema de mais longa gestação em toda a minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego (…). Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas” ou “tesouro dos persas” suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias (…). Mais de vinte anos depois, quando eu morava só, na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda sensação de tudo o que eu não tinha feito na minha vida por motivo de doença, saltou-me, de súbito, do subconsciente, esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!” Senti na redondilha, a primeira célula de um poema e tentei realizá-lo, mas fracassei. (…). Alguns anos depois, em idênticas circunstâncias de desalento e tédio, me ocorreu o mesmo desafio de evasão da “vida besta”. Desta vez o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim. Gosto desse poema porque vejo nele, em escorço, toda a minha vida; e também porque parece que nele soube transmitir a tantas outras pessoas a visão e promessa da minha adolescência – essa Pasárgada onde podemos viver pelo sonho o que a vida madrasta não nos quis dar. Não sou arquiteto, como meu pai desejava, não fiz nenhuma casa, mas reconstruí, e “não como forma imperfeita neste mundo de aparências”, uma cidade ilustre, que hoje não é mais a Pasárgada de Ciro, e sim a “minha Pasárgada”. Vamos ao poema: Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconsequente Que Joana, a Louca, da Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei em pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! Deito na beira do rio Mando chamar a mãe d’água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste mais triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar Vou-me embora pra Pasárgada - Lá sou amigo do rei - Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada FUNÇÃO POLÍTICO-SOCIAL A obra literária também serve de instrumento de conscientização das pessoas e de transformação da sociedade. Por isso, a Literatura atua como um agente de participação nos movimentos e lutas sociais de uma época e de um povo nos quais o escritor se acha inserido. Muitos chamam a isso de “literatura engajada”. São exemplos de obras com essa função político-social: o poema O Navio Negreiro, de Castro Alves, denunciando a escravidão e incitando o povo a acabar com ela; o romance O Cortiço, de Aluiso Azevedo, apontando a miséria material e moral dos moradores desse tipo de habitação; o poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, denunciando a vida sofrida do sertanejo e a exploração do seu trabalho pelos donos de terras no Nordeste Brasileiro. Com o advento da Sétima Arte (o cinema) várias obras literárias ganharam cor, forma e imagem nas telas dos cinemas, como foi o caso de “Morte e Vida Severina”. Abaixo apresentamos um trecho desse poema que foi musicado por Chico Buarque e encenado no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, na década de 60. Morte e Vida Severina (No trecho, o retirante Severino assiste ao enterro de um trabalhador de uma plantação de cana e ouve o que dizem os amigos do morto que o levaram ao cemitério): - Essa cova em que estás, – É uma cova grande com palmos medida, para teu defunto parco é a conta menorporém mais que no mundo que tiraste da vida. te sentirás largo, - É de bom tamanho, - É uma cova grande nem largo, nem fundo, para tua carne pouca, é a parte que te cabe mas a terra dada deste latifúndio. não se abre a boca, - Não é cova grande, – Viverás, e para sempre é cova medida, na terra que aqui aforas: é a terra que querias e terás enfim tua roça. ver dividida. – Aí ficarás para sempre, - É uma cova grande livre do sol e da chuva, para teu pouco defunto, criando tuas saúvas. mas estarás mais ancho – Agora trabalharás que estavas no mundo. só para ti, não a meias como antes em terra alheia. ________________________________________________________ EXERCÍCIO: Agora vamos ver se você compreendeu o assunto. Leia atentamente os textos a seguir. Analise-os sob o ponto de vista das funções literárias estudadas e indique que função eles manifestam. O mesmo texto pode apresentar uma ou mais funções, mas aponte a que mais se destaca. Texto 1 O operário em construção (Vinícius de Moraes) Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as casas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia Da sua grande missão: Não sabia, por exemplo Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão. De fato, como podia Um operário em construção Compreender por que um tijolo Valia mais do que um pão? Tijolos ele empilhava Com pá, cimento e esquadria Quanto ao pão, ele o comia… Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui Adiante um apartamento Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria Não fosse eventualmente Um operário em construção Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário: Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão O operário foi tomado De uma súbita emoção Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão Era ele quem os fazia Ele, um humilde operário, Um operário em construção. Olhou em torno: gamela Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação! Tudo, tudo o que existia Era ele quem o fazia Ele, um humilde operário Um operário que sabia Exercer a profissão. Ah, homens de pensamento Não sabereis nunca o quanto Aquele operário humilde Soube naquele momento! Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara Um mundo novo nascia De que sequer suspeitara. O operário emocionado Olhou sua própria mão Sua rude mão de operário De operário em construção E olhando bem para ela Teve num segundo a impressão De que não havia o mundo Coisa que fosse mais bela (…) TEXTO 2 A UM POETA (Olavo Bilac) Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino, escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua! Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço; e a trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua, Rica mas sóbria, como um templo grego. Não se mostre na fábrica o suplício Do mestre. E, natural, o efeito agrade, Sem lembrar os andaimes do edifício: Porque a Beleza, gêmea da Verdade, Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade. TEXTO 3 SE EU MORRESSE AMANHÃ! (Álvares de Azevedo) Se eu morresse amanhã, viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã; Minha mãe de saudades morreria, Se eu morresse amanhã! Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã! Eu perdera chorando essas coroas, Se eu morresse amanhã! Que sol! Que céu azul! Que doce n’alva Acorda a natureza mais loucã! Não me batera tanto amor no peito Se eu morresse amanhã! Mas essa dor da vida que devora A ânsia da glória, o dolorido afã… A dor no peito emudecera ao menos, Se eu morresse amanhã!
Compartilhar