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EDUCAÇÃO E RURALIDADES UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB Reitor: Lourisvaldo Valentim da Silva; Vice-Reitora: Adriana dos Santos Marmori Lima DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS I Diretor: Antônio Amorim Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC – Coordenador: Elizeu Clementino de Souza CONSELHO EDITORIAL GRUPO GESTOR Editora Geral: Tânia Regina Dantas Editora Executiva: Liége Maria Sitja Fornari Coordenadora Administrativa: Noélia Teixeira de Matos Antônio Amorim (DEDC I), Elizeu Clementino de Souza (PPGEduC),Walter Von Czekus Garrido, Maria Nadija Nunes Bittencourt, Lynn Rosalina Gama Alves (Suplente), Joselito Brito de Almeida (representante discente) REVISTA FINANCIADA COM RECURSOS DA PETROBRAS S.A. Conselheiros nacionais Antônio Amorim Universidade do Estado da Bahia-UNEB Ana Chrystina Venâncio Mignot Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ Betânia Leite Ramalho Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN Cipriano Carlos Luckesi Universidade Federal da Bahia-UFBA Dalila Oliveira Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG Edivaldo Machado Boaventura Universidade Federal da Bahia-UFBA Edla Eggert Universidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS Elizeu Clementino de Souza Universidade do Estado da Bahia-UNEB Jaci Maria Ferraz de Menezes Universidade do Estado da Bahia-UNEB João Wanderley Geraldi Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP José Carlos Sebe Bom Meihy Universidade de São Paulo-USP Liége Maria Sitja Fornari Universidade do Estado da Bahia-UNEB Maria Elly Hertz Genro Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS Maria Teresa Santos Cunha Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC Nádia Hage Fialho Universidade do Estado da Bahia-UNEB Paula Perin Vicentini Universidade de São Paulo-USP Conselheiros internacionais Adeline Becker Brown University, Providence, USA Antônio Gomes Ferreira Universidade de Coimbra, Portugal António Nóvoa Universidade de Lisboa- Portugal Cristine Delory-Momberger Universidade de Paris 13 – França Daniel Suarez Universidade Buenos Aires- UBA- Argentina Ellen Bigler Rhode Island College, USA Edmundo Anibal Heredia Universidade Nacional de Córdoba- Argentina Francisco Antonio Loiola Université Laval, Québec, Canada Giuseppe Milan Universitá di Padova – Itália Julio César Díaz Argueta Universidad de San Carlos de Guatemala Mercedes Villanova Universidade de Barcelona, España Paolo Orefice Universitá di Firenze - Itália Coordenador do n. 36: Prof. Dr. Elizeu Clementino de Souza Os/as pareceristas ad hoc do número 35 e 36: Doutores: Aline Silva Lara de Alvarenga, Ana Chrystina Mignot, Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, Ângela Santana, Antonio Dias Nascimento, Beatriz T. Daudt Fischer, Carmen Sanches Sampaio, Charliton José dos Santos Machado, Christine Jacquet, Clarice Santos Mota, Cláudia Maria Ribeiro, Cleiton de Oliveira, Décio Gatti Júnior, Desirée De Vit Begrow, Dislane Zerbinatti Moraes, Eduardo José Fernandes Nunes, Ecleide Cunico Furlanetto, Elaine Pedreira Rabinovich, Eliseu Clementino de Souza, Gabrielle Grossi, Ilsen Chaves da Silva, Jadir de Morais Pessoa, João Ferreira de Oliveira, Joceval Andrade Bitencourt, Josemar da Silva Martins , Júlio Emílio Diniz -Pereira, Luciana Duccini, Liana Gonçalves Pontes Sodré, Lívia Fialho Costa, Luciano Costa Santos, Lucilene Reginaldo, Lynn Alves, Maria da Gloria Canto de Souza, Maria Luisa Xavier, Maria Teresa Santos Cunha, Marcea Andrade Sales, Marcos Luciano Lopes Messeder, Marcos Silva, Narcimária Correia do Patrocínio Luz, Paula Perin Vicentini, Rita de Cassia Gallego, Ronalda Barreto Silva, Sandra Soares, Thierry De Burghgrave. Revisão: Luiz Fernando Sarno; Bibliotecária (referências): Jacira Almeida Mendes; Tradução/revisão: Eric Maheu; Capa e Editoração: Linivaldo Cardoso Greenhalgh (“A Luz”, de Carybé – Escola Parque, Salvador/BA); Secretária: Dinamar Ferreira. Robert Evan Verhine Universidade Federal da Bahia Tânia Regina Dantas Universidade do Estado da Bahia-UNEB Walter Esteves Garcia Associação Brasileira de Tecnologia Educacional / Instituto Paulo Freire Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade Departamento de Educação - Campus I UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB ISSN 0104-7043 Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, jul./dez. 2011 Tiragem: 1.000 exemplares Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade / Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação I – v. 1, n. 1 (jan./jun., 1992) - Salvador: UNEB, 1992- Periodicidade semestral ISSN 0104-7043 1. Educação. I. Universidade do Estado da Bahia. II. Título. CDD: 370.5 CDU: 37(05) Revista da FAEEBA – EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE Revista do Departamento de Educação – Campus I (Ex-Faculdade de Educação do Estado da Bahia – FAEEBA) Publicação semestral temática que analisa e discute assuntos de interesse educacional, científico e cul- tural. Os pontos de vista apresentados são da exclusiva responsabilidade de seus autores. ADMINISTRAÇÃO: A correspondência relativa a informações, pedidos de permuta, assinaturas, etc. deve ser dirigida à: Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA Departamento de Educação I - NUPE Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula 41150-000 SALVADOR – BAHIA - BRASIL Tel. (071)3117.2316 E-mail: refaeeba.dedc1@listas.uneb.br Normas para publicação: vide últimas páginas. E-mail para o envio dos artigos: refaeeba.dedc1@listas.uneb.br / liegefornari@gmail.com Site da Revista da FAEEBA: http://www.revistadafaeeba.uneb.br Indexada em / Indexed in: - REDUC/FCC – Fundação Carlos Chagas - www.fcc.gov.br - Biblioteca Ana Maria Poppovic - BBE – Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília/INEP) - Centro de Informação Documental em Educação - CIBEC/INEP - Biblioteca de Educação - EDUBASE e Sumários Correntes de Periódicos Online - Faculdade de Educação - Biblioteca UNICAMP - Sumários de Periódicos em Educação e Boletim Bibliográfico do Serviço de Biblioteca e Documentação - Universidade de São Paulo - Faculdade de Educação/Serviço de Biblioteca e Documentação. www.fe.usp.br/biblioteca/publicações/sumario/index.html - CLASE - Base de Dados Bibliográficos en Ciencias Sociales y Humanidades da Hemeroteca Latinoamericana - Universidade Nacional Autônoma do México: E-mails: hela@dgb.unam.mx e rluna@selene.cichcu.unam.mx / Site: http://www.dgbiblio.unam.mx - INIST - Institut de l’Information Scientifique et Technique / CNRS - Centre Nacional de la Recherche Scientifique de Nancy/France - Francis 27.562. Site: http://www.inist.fr - IRESIE - Índice de Revistas de Educación Superior e Investigación Educativa (Instituto de Investigaciones sobre la Universidad y la Educación - México) Pede-se permuta / We ask for exchange. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 1-256, jul./dez. 2011 S U M Á R I O 9 Editorial 10 Temas e prazos dos próximos números da Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade 15 Apresentação: Eliseu Clementino de Souza 19 Abertura das práticas da intervenção social ao território: um dispositivo de pesquisa e formação. Izabel Galvão; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller 31 “Biografização” como competência-chave na modernidade. Peter Alheit 43 Nuevas formas de organización colectiva y producción de saber pedagógico: la Red de Formación Docente y Narrativas Pedagógicas. Daniel H. Suarez; Agustina Argnani 57 Uma obra referência para professores rurais: escola primária rural. Dóris Bittencourt Almeida 69 Naturaleza,ruralidad y educación en Célestin Freinet José González Monteagudo 79 Con el invernadero aprendimos todos… Aprendimos todo. Conocimientos y prácticas sociales de jóvenes rurales. Ana Padawer 93 Unas maestras que dejaron huella: rastreando en la memoria de las maestras rurales Teresa González Pérez 105 Histórias de vida de professoras rurais: apontamentos sobre questões históricas e políticas de formação. Lúcia Gracia Ferreira 115 Aulas com professores em casa: memórias do ensino rural em Bom Jesus (1910 – 1940) Luciane Sgarbi S.Grazziotin 127 Professores da cidade, alunos da roça: identidades e discursos na escola Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios 137 Não ser só um carregador de livro: elaborações de jovens rurais sobre a escola Catarina Malheiros da Silva 151 Sujeitos, instituições e práticas pedagógicas: tecendo as múltiplas redes da “educação rural” na Bahia Elizeu Clementino de Souza; Fábio Josué Souza dos Santos; Ana Sueli Teixeira de Pinho; Sandra Regina Magalhães de Araujo EDUCAÇÃO E RURALIDADES Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 1-256, jul./dez. 2011 247 Normas para publicação 165 O Ensino rural e a atuação do intelectual Acrísio Cruz Miguel André Berger 175 Educação rural: retomando algumas questões Zeila de Brito Fabri Demartini 191 Educação do campo, Escolas, ruralidades e projeto do PNE Maria Antonia de Souza; Patrícia Correia de Paula Marcoccia 205 Da educação rural à educação do campo: revisão crítica Mary Rangel; Rosângela Branca do Carmo 217 A modernidade pedagógica no discurso jurídico: a normalização das populações infantis Cynthia Pereira de Sousa 227 (Pós)modernidade e processos formativos: a saudável (in)consistência dos castelos de areia Maria Cristina Cardoso Ribas ESTUDOS 245 JARABIZA,Vander. O desenho Infantil na Prática Pedagógica de Professores da Educação Básica: das Vivências Às Valorizações. PPGE/UFPEL. Pelotas. 2009. 246 BALADELI, Ana Paula Domingos. Desafios na formação de professores para o uso das tecnologias da informação e comunicação no ensino e na aprendizagem de Língua Inglesa. PPGE/ UEM, 2009. RESUMOS DE TESES E DISSERTAÇÕES Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 1-256, jul./dez. 2011 C O N T E N T S 11 Editorial 12 Themes and Terms to Submit Manuscript for the Next Volumes of Revista da FAEEBA Education and Contemporaneity EDUCATION AND RURALITIES 15 Presentation Eliseu Clementino de Souza 19 The Opening of Social Intervention Practices in Local Territory : an educational and research device. Izabel Galvão; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller 31 Biographization as a Key Competence in Modern Times. Peter Alheit 43 New Forms of Collective Organization and Production of Pedagogical Knowledge: the network of teacher training and educational narratives. Daniel H. Suarez; Agustina Argnani 57 A Work Reference for Rural Teachers: rural primary school Dóris Bittencourt Almeida 69 Nature, Rurality and Education in the Work of Célestin Freinet José González Monteagudo 79 With the Greenhouse we all Have Learned… we learn everything. rural youth´s knowledge and social practices Ana Padawer 93 Some teachers who Left their Mark: tracking the memory of rural teachers Teresa González Pérez 105 Life Stories of Rural Teachers : notes on historical questions and training policies Lúcia Gracia Ferreira 115 School Teachers at Home: memories of rural education in Bom Jesus (1910-1940) Luciane Sgarbi S.Grazziotin 127 City Teachers, Countryside Students: identities and discourses within the school Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios 137 Not Being only a Book Holder: rural young people elaborations about school Catarina Malheiros da Silva 151 Subjects, Institutions and Pedagogical Practices: weaving the multiple nets of rural education in Bahia Elizeu Clementino de Souza; Fábio Josué Souza dos Santos; Ana Sueli Teixeira de Pinho Sandra Regina Magalhães de Araujo Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 1-256, jul./dez. 2011 247 Instructions for publication 165 Rural Education and the Role of Intellectual Acrísio Cruz Miguel André Berger 175 Rural education: going back to some issues Zeila de Brito Fabri Demartini 191 Rural Education, Public Schools, Ruralities and the National Education Project Maria Antonia de Souza; Patrícia Correia de Paula Marcoccia 205 From Rural Education, to Countryside Education: a critical review Mary Rangel; Rosângela Branca do Carmo 217 Pedagogical Modernity in the Laws: the normalisation of children’s populations Cynthia Pereira de Sousa 227 Post-Modernity and Teacher’s Education: the Healthy Inconsistency of Sand Castles Maria Cristina Cardoso Ribas 245 JARABIZA, Vander. Children’s Drawing in the Pedagogical Practices of Elementary School Teachers: from experiences to valuation PPGE/UFPEL. Pelotas. 2009. 246 BALADELI, Ana Paula Domingos. Challenges in Teacher Training for the Use of Information and Communication Technologies in the Teaching and Learning of the English Language. PPGE/ UEM, 2009. STUDIES THESIS’ ABSTRACTS 9Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, jul./dez. 2011 EDITORIAL O número 36 da Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, dedicado ao tema “Educação e Ruralidades”, dá visibilidade ao debate aca- dêmico focado na problematização das tensões inerentes ao mundo rural em um cenário cultural urbanocêntrico, que vê o setor rural como um obstáculo à modernização. Ao debruçarem-se sobre a temática da “Educação Rural”, os autores aqui reunidos contribuem para qualificar o mundo rural valorizando sua especificidade e recusando as classificações dicotômicas que historicamente têm servido para desqualificar as dinâmicas sociais, políticas e culturais próprias do território rural. A “educação rural”, tomada contemporaneamente como educação no/para o campo, confronta-se com desafios de ordem paradigmática. Segundo Boaventu- ra Santos estamos vivenciando a emergência de epistemologias no plural, fruto de um processo de descentralização e descolonização em que outros autores/ atores sociais buscam que suas vozes sejam ouvidas, buscam narrar suas próprias verdades. Não é o caso de negar as diferenças entre o rural e o urbano, nem de interpretar o rural de forma idílica – que é outra maneira de dominá-lo. A opção por essa temática deu-se pela valorização heurística das ruralida- des, pela compreensão da relevância das experiências dos sujeitos que vivem, trabalham e produzem no espaço rural, com a intenção de tornar visíveis as investigações e estudos realizados, oportunizando, assim, o intercâmbio de experiências, o movimento de reflexão/ação sobre as vivências, a socialização das pesquisas de âmbito nacional e internacional e a divulgação do saber pro- duzido coletivamente. Este número temático teve a coordenação do Prof. Dr. Elizeu Clementino de Souza, atual Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade do Departamento de Educação-Campus I, a quem coube a articulação com diferentes grupos de pesquisa no Brasil e no exterior, no- tadamente na Alemanha, Argentina, França e Espanha, intentando brindar os leitores e assinantes deste periódico com umacontribuição instigante para a discussão/reflexão sobre a produção do conhecimento concernente às diversas ruralidades que compõem o mundo contemporâneo. Tânia Regina Dantas Editora Geral da Revista da FAEEBA Liége Maria Sitja Fornari Editora Executiva da Revista da FAEEBA 10 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, jul./dez. 2011 Temas e prazos dos próximos números da Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade Enviar textos para Liége Fornari: liegefornari@gmail.com / lsitja@uneb.br /refaeeba.dedc1@listas.uneb.br Nº Tema Prazo de entrega dos artigos Lançamento previsto Coordenadores 37 Educação de Jovens e Adultos e Formação de Professores 31.10.2011 Abril de 2012 Tânia Regina Dantas e Maria Olívia de Matos Oliveira 38 Gestão Educacional e Escolar 30.05.2012 Novembro de 2012 Antonio Amorim e Ivan Novaes 39 Educação e Filosofia 31.10.2012 Abril de 2013 Luciano Costa Santos e Adailton Ferreira Silva 11Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, jul./dez. 2011 EDITORIAL The Volume 36 of the Revista da FAEEBA – Educação e Contempora- neidade, dedicated to the theme “Education and Ruralities”, offers visibility to the academic debate around the inherent tensions of the rural world in an urbanocentric cultural scene which perceive the rural sector as an obstacle to modernization. Bending over the theme of Rural Education, the authors have contributed to qualify the rural world, highlighting its particularities and chal- lenging the dichotomies which historically have been used to disqualify the social, political, and cultural dynamics of the rural space. The rural education, presently considered as an education in and for the field, is confronted to challenges of a paradigmatic order. According to Boaventura Santos, we are now living the emergence of plural epistemologies, product of a decentralization and decolonization process in which other social actors/ authors sought that their voice be heard and their own truths told. It is not the case to deny the differences between the urban and the rural worlds, neither to interpret the rural world in an idyllic way, as it would be an other manner to dominate it. The option for this theme is due to the heuristic valorization of the ruralities and to our understanding of the relevancy of the experiences of the subjects who live, work and produce in the rural space. We intent to turn visible the enquiries and studies done, giving way to the exchange of experiences, to reflections upon them and to the socialization of research from Brazil and other countries. This thematic volume was coordinated by Elizeu Clementino de Souza who is head of the graduation program in education of the UNEB Faculty of Educa- tion. It was its role to articulated various research groups from Brazil and other countries, especially from Germany, Argentina, France and Spain, procuring to offer to our readers a stimulating contribution to the reflection upon the produc- tion of knowledge about the ruralities who made up the modern world. Tânia Regina Dantas General Editor of the Revista da FAEEBA Liege Sitja Fornari Executive Editor of Revista da FAEEBA 12 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, jul./dez. 2011 Email papers to Liége Fornari: liegefornari@gmail.com / lsitja@uneb.br /refaeeba.dedc1@listas.uneb.br Themes and terms for the next journals of Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade Nº Themes Terms Anticipated date of publishing Coordinators 37 Education of Youths and Adults 31.10.2011 April 2012 Tânia Regina Dantas e Maria Olívia de Matos Oliveira 38 School Management 30.05.2012 November 2012 Antonio Amorim e Ivan Novaes 39 Education and Philosophy 31.10.2012 April 2013 Luciano Costa Santos e Adailton Ferreira Silva EDUCAÇÃO E RURALIDADES 15Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 15-18, jul./dez. 2011 Elizeu Clementino de Souza APRESENTAÇÃO Educação e ruralidades: olhares cruzados sobre ruralidades contemporâneas As questões postas na contemporaneidade sobre as relações entre educação e ruralidades tem nos permitido ampliar conceitos, apreender diversidades e viver transformações dos sujeitos e do mundo rural, numa sociedade marcada pela trans- posição de modelos urbanos para os territórios rurais e, em muitos momentos, pela apropriação da cultura como uma das novas possibilidades de compreensão do rural, na perspectiva do turismo ecológico, da agricultura e da transposição de paradigmas culturais e agronômicos, frente aos novos contornos das ruralidades brasileiras. Inicialmente, cabe destacar nossa opção teórica e política pela apreensão do rural, aqui entendido como diversas ruralidades, por entendermos que a singularização deste termo (rural) ou a adoção de educação do campo não dá conta das questões que têm mobilizado discussões diversas sobre os territórios rurais. Ainda assim, reconhece- mos como legítimas as políticas atuais sobre educação do campo e as influências dos Movimentos Sociais no contexto brasileiro. Nossa opção recai sobre possíveis articulações entre práticas escolares e território, como fatores que intervêm no processo e nos resultados de qualquer escola, mesmo as situadas em regiões urbanas. Quando nos referimos às escolas situadas no território rural, fazem-se necessários investimentos diversos, na perspectiva de contribuir para a fixação dos sujeitos que habitam o espaço rural, as condições de formação dos pro- fessores e do trabalho desenvolvido nas escolas rurais, especialmente, por considerar questões concernentes à remuneração, condições de trabalho, deslocamentos, constru- ção de identidades e suas relações com os territórios de pertencimento, a fim de que os conhecimentos produzidos no cotidiano do mundo rural possam favorecer a superação dos graves problemas que atingem a Educação Básica do sistema público no estado da Bahia e no Brasil, especialmente no que se refere à educação rural/do campo. O dossiê apresentado configura-se, numa perspectiva dialógica, como espaço de socialização de reflexões e estudos empreendidos por pesquisadores brasileiros, euro- peus e latino-americanos que se debruçam sobre o mundo rural e suas relações com a pesquisa (auto)biográfica, memória, dispositivos de formação e questões vinculadas ao trabalho docente no cotidiano das escolas rurais. O presente número inicialmente expõe três textos que discutem questões de escrita, biografização e documentação narrativa, apresentando reflexões teórico-metodológicas sobre práticas de intervenção, pesquisa biográfica, documentação narrativa como dispo- sitivos de pesquisa-formação. O texto de Izabel Galvão, Christine Delory-Momberger, Jean-Claude Bourguignon e Jean-Jacques Schaller, intitulado Abertura das práticas da intervenção social ao território: um dispositivo de pesquisa e formação, narra experiências de pesquisa desenvolvida no interior da França com entidades sociais ao destacar, por meio do dispositivo da escrita narrativa, modos como os sujeitos sociais criam inteligência coletiva e dispositivos de pesquisa-formação mediante a reflexividade. O texto de Peter Alheit, Biografização como competência-chave na modernidade, sistematiza questões sobre o processo de biografização nas socieda- 16 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 15-18, jul./dez. 2011 Apresentação des modernas, numa interface entre nossa inserção no mundo e como construímos disposições internas em interação com as condições externas, para nos colocarmos biograficamente no mundo. O artigo de Daniel Hugo Suárez e Agustina Argnani, Nuevasformas de organización colectiva y producción de saber pedagógico: la red de formación docente y narrativas pedagógicas, situa a Rede de Formação Docente e narrativas pedagógicas empreendidas como política de formação no contexto argentino, na medida em que destaca formas coletivas de construção e reconstrução dos saberes pedagógicos no campo educativo. O debate sobre o mundo rural ganha contorno por meio de discussões sócio- históricas sobre a educação e a escola no território rural, mediante reflexões acerca dos aspectos históricos da educação rural, questões sobre histórias de vida, formação e trabalho docente e suas relações com a memória, a escrita e as práticas de forma- ção. Importa também destacar os modos próprios como os textos apresentados no dossiê e as singularidades e entradas das pesquisas abordam as diversas ruralidades, seja em relação aos sujeitos (crianças, jovens, homens e mulheres), seja em relação às questões vinculadas às instituições e às práticas pedagógicas no contexto escolar rural e suas diversas materialidades por meio das aulas, dos livros, das escritas e das narrativas dos sujeitos que constroem o território rural. O texto de Dóris Bittencourt Almeida, Uma obra referência para professores rurais: escola primária rural, centra-se na análise da obra Escola Primária Rural, no contexto do Rio Grande do Sul no início da década de 1950, como produção da professora rural Ruth Ivoty Torres da Silva, ao destacar imagens sobre a escola, professores, alunos e os sujeitos do mundo rural. O artigo de José González Mon- teagudo, Naturaleza, ruralidad y educación en Célestin Freinet, discute influências da pedagogia de Freinet sobre as escolas rurais ao destacar percursos biográficos do referido educador e suas relações com as concepções de natureza, educação rural, método natural, cooperação e aprendizagem. Em seguida, Ana Padawer, no seu texto Con el invernadero aprendimos todos… aprendimos todo. Conocimientos y prácticas sociales de jóvenes rurales, toma o conceito de ‘participação periférica legítima’ com o objetivo de situar processos de aprendizagens de jovens rurais, suas interfaces com o trabalho familiar e as possíveis mobilidades vividas entre projetos educacionais e ocupacionais, mediante processos de escolarização e desenvolvimento em territórios rurais no noroeste argentino, ao destacar a importância do protagonismo dos jovens rurais na construção de seus processos identitários. Teresa González Pérez, em seu texto Unas maestras que dejaron huella: rastreando en la memoria de las maestras rurales, parte do contexto educacional espanhol do século XX para desenhar o traçado histórico da biografia das mestras que deixaram marcas. Sua análise destaca questões políticas sobre a falta de atenção pública às escolas rurais, especialmente no que se refere à formação inicial de professores. Ao recorrer aos relatos autobiográficos sobre experiências profissionais em interface com a memória oral e as recordações sobre a educação em territórios rurais na Canária (Espanha), o texto apresenta inquestionável contribuição teórica para as reflexões sobre ruralidades na contemporaneidade. A verticalização sobre o trabalho com histórias de vida e questões de formação é sistematizada por Lúcia Gracia Ferreira, no artigo intitulado Histórias de vida de professoras rurais: apontamentos sobre questões históricas e políticas de formação. 17Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 15-18, jul./dez. 2011 Elizeu Clementino de Souza Ao apresentar aspectos sócio-históricos com base na pesquisa (auto)biográfica) de professoras rurais do município de Itapetinga (BA), destaca o cenário da educação rural do município, apontando questões de classe, gênero e do desenvolvimento do trabalho docente como elementos imprescindíveis para a compreensão do espaço rural. O texto de Luciane Sgarbi S. Grazziotin, intitulado Aulas com professores em casa: memórias do ensino rural em Bom Jesus (1910-1940), discute, com base na História Oral, memórias de sujeitos do espaço rural, com ênfase nas práticas de es- colarização, no que se refere às relações de gênero, questões econômicas, culturais, políticas e religiosas, no território rural do município de Bom Jesus (RS). O artigo de Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios, Professores da cidade, alunos da roça: identidades e discursos na escola, dialoga entre dizeres e silenciamentos de profes- sores/professoras da cidade sobre as identidades dos alunos da roça que estudam na cidade, no que concerne às práticas discursivas e pedagógicas. Catarina Malheiros da Silva, em seu texto Não ser só um carregador de livro: elaborações de jovens rurais sobre a escola, analisa sentidos das experiências escolares para jovens do Distrito Espraiado e fazendas, localizados em área rural do município de Palmas de Monte Alto (BA). O artigo de Elizeu Clementino de Souza, Fábio Josué Souza dos Santos, Ana Sueli Teixeira de Pinho e Sandra Regina Magalhães de Araújo, Sujeitos, instituições e práticas pedagógicas: tecendo as múltiplas redes da educação rural na Bahia, analisa questões sobre ações educativas que se desenvolvem em diferentes Territórios de Identidade do Estado da Bahia, buscando compreender como se dá a articulação entre as práticas educativas, lugares de aprendizagens com projetos educativos construidos no/para o mundo rural na contemporaneidade, por meio das histórias de vida de professores e sujeitos que habitam o território rural. O trabalho de Miguel André Berger, O ensino rural e a atuação do intelectual Acrísio Cruz, parte da história cultural como estudo historiográfico, com base na perspectiva biográfica, a fim de marcar percursos e trajetórias do intelectual Acrísio Cruz para a formação de professores para o meio rural no contexto sergipano, com influências do INEP para construção de escolas rurais e a criação da Escola Normal Rural. O texto de Zeila de Brito Fabri Demartini, Educação rural: retomando algumas questões, analisa ques- tões concernentes à educação rural numa perspectiva sócio-histórica, desde o final do século XX até a atualidade do estado de São Paulo, no que se refere à oferta das escolas e à configuração dos sujeitos rurais. Maria Antônia de Souza e Patrícia Correia de Paula Marcoccia, em Educação do campo, escolas, ruralidades e o Projeto do PNE, analisam metas do Plano Nacional de Educação (2011-2020), no que se refere à educação do campo e sua derivação dos movimentos sociais na contemporaneidade, por meio de múltiplas identidades e ruralidades. Em Da educação rural à educação do campo: revisão crítica, Mary Rangel e Rosângela Branca do Carmo entrelaçam questões históricas da educação rural com a educação no campo, destacando questões relacionadas às práticas pedagógicas e ao trabalho docente, que historicamente estiveram centradas numa lógica urbanocêntrica e da transposição da cultura educacional urbana para o mundo rural. Na sessão Estudos apresentamos dois trabalhos. O primeiro discute questões sobre a modernidade pedagógica e o discurso jurídico sobre a infância, e o segundo desenvolve questões sobre a (pós)modernidade e processos formativos. 18 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 15-18, jul./dez. 2011 Apresentação O artigo de Cynthia Pereira de Sousa, A modernidade pedagógica no discurso ju- rídico: a normalização das populações infantis, analisa enunciados discursivos sobre a reforma educacional no Brasil e em Portugal acerca da modernidade pedagógica no campo jurídico sobre a infância. O texto de Maria Cristina Cardoso Ribas, (Pós) modernidade e processos formativos: a saudável (in)consistência dos castelos de areia, discute questões sobre a pós-modernidade no campo educacional e nas relações e experiências dos sujeitos. Por fim, apresentamos dois resumosde teses e dissertações que versam sobre, o desenho infantil e a formação de professores e o uso das tecnologias da informação e comunicação no ensino de Língua Inglesa. Destaco, ao finalizar esta apresentação dos textos aqui reunidos, que este dossiê materializa-se como ação da pesquisa Ruralidades diversas - diversas ruralidades: sujeitos, instituições e práticas pedagógicas nas escolas do campo Bahia-Brasil, que contou com financiamento da FAPESB e CNPq, e foi desenvolvida em colaboração entre a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a Universidade Federal do Recôn- cavo da Bahia (UFRB) e a Universidade de Paris 13/Nord - Paris8/Vincennes -Saint Denis (França), uma parceria entre o Grupo de Pesquisa (Auto)biografia, Formação e Historia Oral (UNEB), o Grupo de Pesquisa Currículo, Avaliação e Formação (CAF) e o Laboratório EXPERICE (Universidade de Paris 13). Ensejo que o presente dossiê possa colaborar com as reflexões sobre educação rural no campo educacional brasileiro, contribuindo para a produção e socialização de conhecimentos sobre escolas rurais e seus sujeitos, em estreita relação com os territórios rurais contemporâneos, na perspectiva de superação do eixo centralizador subjacente às políticas educacionais nas áreas rurais do Brasil, norteado pela lógica urbanocêntrica fortemente presente nesses territórios, em seu cotidiano e em suas escolas. Terra, 01 de novembro de 2011 Elizeu Clementino de Souza 19Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011 Izabel Galvão; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller ABERTURA DAS PRÁTICAS DA INTENVENÇÃO SOCIAL AO TERRITÓRIO: UM DISPOSITIVO DE PESQUISA E FORMAÇÃO Izabel Galvão * Christine Delory-Momberger ** Jean-Claude Bourguignon *** Jean-Jacques Schaller **** RESUMO Este artigo relata aspectos de uma pesquisa-ação-formação realizada junto a entidades sociais situadas no interior da França. A pesquisa teve o duplo objetivo de investigar as possibilidades de maior abertura das práticas de intervenção aos recursos dos territórios e às demandas de seus habitantes, e de promover a reflexão dos profissionais sobre o sentido de suas ações. O artigo situa esta problemática no contexto das políticas sociais atuais e destaca a originalidade do dispositivo criado, descrevendo suas etapas e modalidades formativas. Por meio da análise dos enunciados dos profissionais envolvidos, mostra como a experiência de pesquisa por eles realizada provocou um deslocamento que favoreceu mudanças na postura e práticas profissionais, e como a prática do registro escrito e do trabalho coletivo representaram meios privilegiados de desenvolvimento da reflexividade. Palavras-chave: Biografização. Escrita. Políticas sociais. Reflexividade. Sentido. ABSTRACT ThE OPENING OF SOCIAL INTERvENTION PRACTICES IN LOCAL TERRITORy : AN EDUCATIONAL AND RESEARCh DEvICE. The present article reports aspects of an action research-training conducted along with social agencies located in the French countryside. The study had the dual purpose of investigating the possibilities of introducing intervention practices to * Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP. Professora na Universidade Paris 13/Nord. Pesquisadora no Centro Interuniversitário EXPERICE. Endereço para contato: 1, rue de Chablis. 93000 Bobigny, França. izabel.galvao@univ- paris13.fr * * Doutora em Educação pela Universidade Paris 8/Vincennes. Professora na Universidade Paris 13/Nord. Vice-diretora do Centro Interuniversitário EXPERICE. Presidente da ASIVHIF. Diretora da revista internacional de pesquisa biográfica Le sujet dans la cité. Endereço para contato: 99, avenue Jean-Baptiste Clément. 93430 Villentaneuse, França. delory@lesujetdanslacite. com * * * Adido linguístico. Professor na Universidade Paris 13/Nord. Secretário de redação de Le sujet dans la cité.. Endereço para contato: 99, avenue Jean-Baptiste Clément. 93430 Villentaneuse, França. bourguignon@club-internet.fr * * * * Doutor em sociologia pela Ecole en Hautes Etudes en Sciences Sociales/EHESS. Professor na Universidade Paris 13. Pesquisador no Centro Interuniversitário EXPERICE. Diretor do Master Politiques sociales, territoires et stratégies de direction da Paris 13. Endereço para contato: 99, avenue Jean-Baptiste Clément. 93430 Villentaneuse, França. schaller@univ- paris13.fr 20 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011 Abertura das práticas da intenvenção social ao território: um dispositivo de pesquisa e formação the resources and the demands of local inhabitants and to promote professional reflection on the meaning of their actions. The article aims to approach this problem in the context of current social policies and to highlights the originality of the developed device, describing its stages and modalities. It demonstrates, resorting to the statements of professionals involved, how their own research experience brought about a shift that favored changes in personal attitudes and in professional practices; it also demonstrates how the practices of taking written records and implementing collective work became privileged means for the development of reflexivity. Keywords : Biographical writing. Social policies. Reflexivity. Meaning. Políticas sociais e desafios para a for- mação Ao escolhermos realizar essa pesquisa-ação com organismos sociais implantados no interior da França buscávamos, entre outras coisas, pôr em destaque o tema da ruralidade e da visibilidade que este universo oferece para as dinâmicas de solidariedade. Contudo, este tema ofuscou-se ante a noção mais abrangente de território. Dada a supe- ração das clivagens entre rural e urbano, definimos o rural como expressão de uma urbanidade que busca favorecer a comunicação entre indivíduos e o deslocamento de seus recursos e seus bens. Desta urbanidade (rural) vai decorrer toda a organização social do território e as modalidades de sua explora- ção. O território é então “um espaço comunitário ao mesmo tempo funcional e simbólico, onde práticas e uma memória coletiva construídas ao longo do tempo permitiram definir um ’Nós‘ diferenciado e um sentimento de pertencimento” (SENCÉBÉ, 2008, p. 37). As interrogações que atravessaram a investiga- ção-formação que abordamos neste artigo dizem respeito à articulação entre as práticas educativas e seus territórios, sejam eles rurais ou urbanos: como as práticas se apoiam nos potenciais de um lugar e nos sinais de solidariedade e dinamismo emitidos por seus habitantes? No âmbito da intervenção social, essas perguntas favorecem a necessária reflexão sobre desafios que as políticas sociais atuais colocam para as entidades associativas e seus profissionnais. “Intervenção social” é a designação, na França, do campo que reúne todo um conjunto de ações e equipamentos sociais de “solidariedade coletiva” dirigidos a populações em situação de vulnerabili- dade social, econômica ou cultural. Esse campo é regido por políticas públicas e efetivado, em grande parte, por associações privadas sem fins lucrativos1 missionadas, subvencionadas e controladas por diferentes instâncias do poder público. A despeito da profissionalização já bem consolidada, trata-se de um domínio ainda depositário de engajamento e militância, historicamente capaz de identificar e acolher demandas sociais emergentes. De uns dez anos para cá, esse campo confronta- se com a aceleração do desengajamento do Estado e da instalação de uma tecnocracia hipergestioná- ria que propõe a “racionalização” e a “qualidade- total” como noções-chave para a modernização de um setor considerado como “arcaico” e muito “dispendioso” (CHAUVIÈRE, 2009). Essas in- junções em relação à eficácia, à performancee à rentabilidade incidem diretamente sobre a ati- vidade dos profissionais cujos meios de ação são cada vez mais sujeitos ao controle tecnocrático. Se, como “trabalhadores da sombra” (LHULIER, 2010), a questão do reconhecimento social sempre foi problemática para eles, esse contexto traz a dificuldade e mesmo a impossibilidade de que se reconheçam no seu próprio trabalho. A maneira autoritária e vertical (SCHALLER, 2006) pela qual essas orientações são transmitidas também incide sobre o sentido que o trabalho adquire para os profissionais. Em situações de formação continuada, essa pro- blemática pode ser percebida por meio de queixas difusas pelas quais os profissionais exprimem um mal-estar e um sentimento de estarem despossuí- dos de sua capacidade de ação. Esse sentimento de impotência remete ao descompasso entre os meios de ação de que dispõem e as demandas 1 O estatuto jurídico dessas associações depende de uma lei de 1901. 21Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011 Izabel Galvão; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller das pessoas a que se destinam suas ações. Essas situações também trazem à tona o sentimento de solidão dos profissionais, o qual remete, por sua vez, a um contexto que tende a valorizar somente competências individuais, deixando em segundo plano a dimensão do coletivo, pilar importante dessas culturas profissionais. Além desse contexto das políticas sociais, a precarização social con- fronta os profissionais a relações cada vez mais exigentes no que se refere ao investimento pessoal (ION, 2009). Da consideração desses elementos decorrem algumas perguntas para orientar a formação con- tinuada dos trabalhadores sociais: como inverter a tendência à “racionalização” gestionária em curso no campo profissional e em formações a ele associadas? Como se afastar de um funcionamento pelo qual as solicitações da instituição formadora correm o risco de serem percebidas como injun- ções administrativas e desencadearem respostas estereotipadas sem valor formativo? Como ajudar os profissionais a desenvolver seu próprio processo de aprendizagem e sua capacidade de autorreflexão nesse contexto de transformação e de instrumentali- zação que ameaça obscurecer, para os profissionais, a percepção do sentido de suas ações? Convênio entre Universidade e entida- des sociais As Associações de Salvaguarda da Infância e Adolescência são entidades dirigidas a crianças e adolescentes vítimas de violência, em situação de risco, em conflito com a lei, em situação de errância, entre outros, assumindo duas missões contraditó- rias: a protenção da infância e a prevenção da de- linquência. Suas ações desdobram-se em diferentes formas de intervenção, seja em estabelecimentos como abrigos, internatos ou centros de retenção, ou em meio aberto, como educação de rua, serviço de orientação e medidas socioeducativas, serviço de formação e inserção profissional etc. É um parcei- ro importante do Departamento, instância pública administrativa responsável pela implementação das políticas sociais no território francês. Apoiada num convênio estabelecido entre Sal- vaguardas de três departamentos do oeste da França e o Departemento de Educação da Universidade de Paris 13/Nord2, a pesquisa-ação-qualificante (RAQ) que se realizou entre março 2008 e outubro 2009 tinha por objetivo a transformação da relação entre instituições, profissionais da ação social e os terri- tórios nos quais exercem suas ações. Esse trabalho situa-se na corrente da pesquisa-ação, uma vez que essa corrente remete, como orientação geral, à intenção de levar em conta a voz dos profissionais e/ou atores locais na produção de saberes ligados a suas práticas, sejam elas profissionais ou sociais, e na transformação das práticas e representações a elas subjacentes. Nesse sentido, o estabelecimento desse convê- nio pode ser visto como um chamado para a aber- tura de um espaço de participação social sobre os territórios nos quais as associações exercem suas missões. Conforme uma fórmula que sintetiza a curvatura de mudança almejada pela RAQ, trata-se de passar da “perícia individual à competência co- letiva”, da lógica descendente de um domínio sobre os outros e com frequência no lugar dos outros (os “beneficiários”) a uma lógica de ação coletiva conduzida com os “habitantes”, catalizando e mo- bilizando seus saberes e competências. O termo qualificante associado a esta pesquisa- ação designa a articulação entre uma investigação – a ser realizada pelos trabalhadores sociais – e uma formação de nível universitário3. Assim, os profissionais das Salvaguardas tinham um triplo estatuto: profissionais em formação continuada4, pesquisadores aprendizes, estudantes universitá- rios. Tendo em vista que buscávamos estabelecer uma coerência entre a dimensão formativa e inves- tigativa, algumas questões se impuseram: como um dispositivo de formação que visa a transformar as práticas da ação social, como uma verdadeira consideração de um território e de seus habitan- tes, pode adequar-se a seu objeto integrando esse princípio em sua própria concepção e estrutura? Como transpor e atualizar no próprio processo de 2 Sob coordenação de Jean-Jacques Schaller. 3 Diplomas que correspondiam à licenciatura Inserção e interven- ção social sobre os territórios e ao master Educação, formação, intervenção social, dependendo do nível de estudo anterior dos profissionais. 4 Na França, a formação continuada é um direito do trabalhador – assegurado por lei desde 1971, e é efetuada por centros de formação ou universidades. 22 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011 Abertura das práticas da intenvenção social ao território: um dispositivo de pesquisa e formação formação a mudança de olhar e de postura visadas pela pesquisa-ação? Explicitado ainda de outra maneira: como fazer da formação uma ilustração e uma experiência dos princípios de horizontali- dade, de fazer conjunto e de inteligência coletiva reivindicados pela pesquisa-ação? Etapas da pesquisa-ação Com uma duração de dezoito meses, a pesquisa- ação reuniu 25 profissionais atuando em diferentes estabelecimentos e serviços das associações parcei- ras. Esses profissionais representam uma grande va- riedade de cargos e funções que, para comodidade do leitor brasileiro, designaremos como educadores sociais. No âmbito da Universidade, a pesquisa mo- bilizou uma dezena de professores e pesquisadores, sendo em número de seis a equipe que acompanhou mais de perto a operação. A formação realizou-se em alternância, num esquema bastante comum no âmbito da formação continuada: os educadores continuaram exercendo suas atividades profissio- nais e durante uma semana por mês eram liberados para as aulas e as atividades de campo. O ritmo das semanas de formação alternavam aulas de cunho teórico ou metodológico, momentos de reflexão e de construção coletiva e tempos de pesquisa e de intervenção sobre os territórios escolhidos. O dispositivo desenvolvido previa a realização de um trabalho de campo pelos educadores, o qual visava a identificar as forças vivas de um território, reconhecer as formas de solidariedade que nele se organizam coletivamente e realizar, em conjunto com habitantes, modalidades de debate e de ação em torno de temas sociais identificados como cen- trais àquele território. 1) Construção de pesquisa-ação Essa primeira etapa teve por objeto constituir o grupo de profissionais em grupo de pesquisa. Tratou-se efetivamente de “constituir o grupo” per- mitindo aos “indivíduos” (profissionais em forma- ção e pesquisadores universitários) encontrar nele seus lugares, criandocondições de ligação e identi- ficação pessoal e profissional, mediante atividades e suportes diversos (troca de experiências, diário de bordo, narrativas profissionais); mas tratava-se sobretudo de levar o grupo a constituir-se como grupo de “pesquisadores”, dotando-se para isso de instrumentos metodológicos comuns (observa- ção, técnicas de entrevista, coleta de dados) e uma “cultura comum”, construída em torno de alguns conceitos-chave emblemáticos da pesquisa. Essa cultura comum foi edificada em torno de duas grandes temáticas principais: a primeira, em torno e baseada no par verticalidade/horizontalida- de, que problematiza as relações de poder e domi- nação que dividem o mundo social entre experts e profanos, os que sabem e os que não sabem, e que opõe à verticalidade política, administrativa e técnica, a vertente horizontal representada pelos princípios de inteligência coletiva, de mutualiza- ção de recursos e de competências (SCHALLER, 2006). A segunda edificou-se em torno e com base na injunção de fazer junto com os habitantes, que visa a uma mudança de postura nos princípios pro- fissionais: de um lado, convidando a levarem em conta o conjunto do tecido humano, dos recursos e das potencialidades que compõem um território (e não somente a população tradicionalmente visada pela ação social, apreendida pelo prisma de seus déficits e dificuldades); de outro lado, solicitando modalidades de ação que engajem a participação ativa dos habitantes na abordagem de assuntos e problemas que lhes concernem. Paralelamente à construção desses elementos de um repertório comum, os profissionais dividiram-se em três equipes (em razão da origem geográfica) para realizar o trabalho de campo. A constituição do campo da pesquisa recobre tanto a escolha de um “território” quanto a determinação de temáticas pertinentes para encaminhar e orientar a pesquisa- ação sobre esse território. Esses recortes temáti- cos – parentalidade, partilha de saberes, relações intergeracionais num contexto de urbanidade rural, respectivamente – correspondem a uma primeira apreensão do terreno escolhido, ligados sobretudo às preocupações profissionais dos membros dos grupos e que eles constituem em “hipóteses” de observação e de pesquisa para uma primeira ex- ploração do campo. Todas essas temáticas serão revistas e modificadas, ou simplesmente remane- jadas, em virtude de um (re)conhecimento mais exato das realidades do território. 23Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011 Izabel Galvão; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller 2) Um tempo de exploração do “território” e de seus recursos Ao longo da segunda etapa, que ocupou os qua- tro meses seguintes, os educadores foram postos em situação teórico-investigativa para explorar a complexidade de um “território” a fim de apre- ender suas características e potencialidaes. Ela se constitui numa fase de dupla descoberta para os educadores: descoberta de um território e seus habitantes, mas também descoberta dos questiona- mentos disciplinares e “científicos” (sociológicos, econômicos, demográficos, etc.) ligados a esta busca de conhecimento. Esses estudos de campo recorrem a uma multiplicidade de procedimentos: identificação e cartografia dos lugares, exploração e observação dos espaços públicos, coleta de dados históricos, demográficos, socioeconômicos e, so- bretudo, entrevistas com os “atores locais” – vere- adores, responsáveis institucionais, representantes associativos e “habitantes”, estes últimos com frequência entrevistados em seus próprios domicí- lios. Em todos esses encontros, a ênfase foi dada à compreensão das modalidades de convivência, das necessidades e expectativas de pessoas, das redes de ajuda mútua / solidariedade, das possibilidades de construção coletiva. Para a realização do trabalho de campo, durante dois dias da semana, as atividades eram descentra- lizadas, cada equipe reunindo-se em local próximo ao seu terreno empírico. Num desses dois dias, a equipe contava com a participação da dupla de pes- quisadores universitários que acompanhavam mais de perto cada campo. E os dias em que o grupo todo se reunia em Laval, município sede da formação, constituiam-se na ocasião de confrontar e trocar entre as três equipes, de preparar a próxima etapa do trabalho de campo (inclusive aquelas que ocor- riam fora do tempo previsto para tal, e que foram muitas), de se dotar – mobilizando as contribuições dos pesquisadores universitários – de um ou outro instrumento de observação ou de análise, ou ainda aprofundar determinada dimensão nocional (“ter- ritório”, “identidade” etc.). É também durante esse momento que começam a ser formulados, pelas equipes de campo, os “pontos de controvérsia” (LATOUR, 2006), que sintetizam as observações feitas sobre o território ou que nascem dos encon- tros com os habitantes – é, por exemplo, a questão das relações entre “antigos” e “novos” habitantes, a das fronteiras internas a um mesmo território e os recortes socioeconômicos que elas delimitam, a questão das relações intergeracionais e do “lugar” da juventude, assim como a das identidades e das representações mútuas em contextos sociocultu- rais múltiplos. A apreensão das especificidades do território permite às equipes ajustar os temas escolhidos para uma primeira abordagem dele; ante as hipóteses elaboradas no início, existem nesse momento paisagens bem reais e concretas, pessoas e rostos, palavras e narrativas, um território habitado e encarnado. 3) Um tempo de criação e animação de um “espaço de debate” Esse terceiro período, que se estendeu durante os seis últimos meses da formação (janeiro a junho 2009), corresponde mais particularmente ao objetivo de transformação próprio à pesquisa-ação, objetivo que se traduz pela busca de um “fazer junto com os habitantes”, implicando uma evolução das posturas profissionais e das práticas de intervenção. Para cada território escolhido, a finalização desse processo deveria adquirir a forma de um “espaço de deba- te” organizado em torno de uma questão comum reconhecida como particularmente significativa e reunindo um leque mais amplo possivel de atores (habitantes, vereadores, responsáveis institucionais, membros de associações não governamentais, etc.). O desafio era o de passar da “perícia individual à competência coletiva”, de uma lógica de tratamento individual fundada sobre um saber expert e sobre a relação que ele instala, a uma dimensão coletiva que faça emergir “comunidades de problemas” e que encontre nos recursos de um território os meios de se apropriar “solidariamente” dessas questões comuns e de trazer respostas para elas. Cada equipe lançou mão de recursos distintos para aos poucos dar corpo ao sentimento de uma comunidade de interesses e projetos: uma festa para montar um “álbum do bairro”, uma exposição de fotos tiradas na festa, atividades lúdicas e de troca de saberes na praça, encontros na casa dos habitantes ou em cafés frequentados por estes, etc. Foi com base na partilha de momentos de troca e convívio que se estabeleceu um laço de confiança entre os estudantes-pesquisadores e os habitantes, 24 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011 Abertura das práticas da intenvenção social ao território: um dispositivo de pesquisa e formação mas também entre estes últimos, e que o espaço de debate pôde se inscrever e adquirir consistência. Modalidades da formação A preocupação em pautar o dispositivo em pa- râmetros coerentes com a problemática conceitual nos levou a privilegiar o trabalho em grupo e o registro escrito como modalidades especialmente fecundas para o desenvolvimentoda reflexidade. A escrita dos profissionais foi solicitada não com um exercício a “ser entregue” para dar con- ta da apropriação de conteúdos propostos, mas como um trabalho que participa da elaboração do pensamento (OLSON, 1998) e da tentativa de compreender o sentido das ações (CIFALI & ANDRE, 2007). Nossas solicitações apoiaram-se na função heurística da escrita – destacando seu impacto sobre a cognição – em detrimento de sua função de transcrição segundo a qual a escrita ocu- pa lugar secundário e sem efeito na compreensão e na reflexão (REUTER, 2004). A escrita ocupou lugar central na experiência de campo, pois era preciso tomar notas das observa- ções, das entrevistas, dos encontros: além de um ca- derno de campo pessoal, os educadores produziam registros para poder partilhar as observações com outros membros da equipe, de maneira a permitir a todos o acesso ao conjunto dos dados. No final, produziram coletivamente um relatório abordando a problemática, o percurso metodológico, e os resultados obtidos. Além desses textos mais voltados para a produção dos dados acerca de um território, os educadores foram solicitados numa escrita mais propriamente reflexiva, por meio do diário de bordo que acompanhou os 18 meses da formação e da dissertação individual que deviam realizar para obtenção do diploma universitário. Depositário dos questionamentos e das reflexões suscitadas pelas aulas e pelas diferentes leituras realizadas, das interrogações, descrições e reali- zações ligadas ao trabalho de campo, das tensões entre a formação e o retorno em meio profissional, da emergência de emoções, da análise de inter-rela- ções entre o grupo, do trabalho de coconstrução co- letiva deste dispositivo inovador, o diário de bordo permitiu aos educadores estabelecer conexões entre os diferentes elementos da formação e contribuiu para registrar suas experiências e o processo de transformação da sua postura profissional. Como texto escrito no presente, ele permite a biografização escriturária imediata das experiên- cias vividas durante a formação. Deve, portanto, manter-se o mais próximo de uma vivência, de um sentimento, de um pensamento do momento. Não se trata de querer dar conta de modo exaustivo de uma “vivência real”, ao contário, o diário se aceita como fragmentário. Entretanto esses fragmen- tos constituem ao longo do tempo um conjunto que permite religar um percurso e que contém momentos preciosos de percepção de situações, de reflexividade e de tomada de consciência que podem se revelar marcantes no momento da reda- ção da dissertação ou, mais tarde, no momento da releitura. O diário possui ainda uma capacidade de antecipação; às vezes ideias que são anotadas nele escapam momentaneamente à consciência explícita do diarista. É somente no momento da releitura que este discerne relações, reconhece linhas, reconstrói um caminho. O fato de escrever permite dar forma a todos esses momentos que poderiam permanecer fugitivos ou mesmo desaparecer, permitindo àquele que escreve se apropriar e, por meio da escrita, tornar-se sujeito de sua vivência imediata. Cada um lê o mundo à luz de suas próprias experiências e das aprendizagens que pôde fazer, cada um diz o mundo com as palavras próprias a seu mundo mental, social, cultural, histórico e a seu imaginário. Contudo o ponto de vista expresso é sempre ligado a um aqui e agora e a releitura do diário leva a reconhecer ao mesmo tempo esse incessante movimento de biografização (DELORY-MOMBERGER, 2005) – que faz mover e transforma as emoções e opiniões – e o lugar que este ocupa para o sujeito que o experimenta ou o concebe. Solicitado no âmbito da formação, o diário de bordo não se confunde com o diário íntimo escrito para si. Ele é lido pelos professores/pesquisadores universitários e também partilhado com os colegas. A escrita socializada do diário de bordo obriga a levar em conta a dimensão grupal do processo de formação e participa da coconstrução de um cole- tivo. A leitura partilhada do diário evidencia uma pluralidade de olhares, permite a confrontação de 25Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011 Izabel Galvão; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller opiniões, de análises e de vivências singulares, e a construção de um saber coletivo e de uma cultura específicas ao grupo e à formação. Enfim, o diário de bordo é o registro da implicação do profissio- nal em sua formação. Ele permite, aliás, tomar consciência de uma eventual sobreimplicação que pode decorrer do investimento intelectual ou afetivo mobilizado, das perturbações provocadas, das transformações sentidas mas ainda não ana- lisadas de sua postura profissional. A alternância entre formação – campo de pesquisa – e campo de exercício profissional é, às vezes, difícil de conjugar e pode ser clarificada pela escrita regular do diário. A formação é um tempo privilegiado de aquisição de conhecimentos, de descobertas, de questionamentos e de reconcentração sobre si que abre a possibilidade de se ressituar nos seus ambientes profissionais. O diário de bordo constituiu o material bruto do qual deveriam emergir os elementos da dissertação individual. A recomendação para esse texto buscou diferenciar-se das instruções mais usais que exigem um tratamento objetivo de uma problemática ligada ao campo profissional, solicitando dos educadores da RAQ uma escrita implicada mediante a reflexão sobre suas práticas com base em uma experiência de campo realizada coletivamente: eles foram solicitados a fazer uma “releitura” da pesquisa coletiva, retomando passagens mais significativas para cada um, articulando-as a suas interrogações profissionais e fazendo-as dialogar com referências teóricas pertinentes. No acompanhamento dado à produção dessas escritas reflexivas, lugar central foi atribuído ao trabalho de identificação biográfica, de elaboração conceitual e de exploração teórica e prática de uma questão profissional, reconhecida pelo próprio indivíduo como campo de projeção, de valor, de interrogação quanto à sua prática profissional, a sua evolução e ao “sentido” que ele lhe dá. O tra- balho de reflexividade operado sobre o percurso deve contribuir para a emergência de uma espécie de eixo central da narrativa e de motor da prática profissional. A questão profissional não se reduz a um questionamento meramente “técnico” ou “metodológico” tocante às práticas (mesmo se ela pode recobrir aspectos técnicos e metodológicos). Trata-se de uma preocupação que é significativa da orientação e do valor dados a sua prática pro- fissional e que implica então o sentido para si e para os outros que assumem o exercício do ofício, que se traduz em interrogações sobre as maneiras de ser e sobre as maneiras de fazer profissionais e que têm ou podem ter repercussões diretas sobre as práticas. A explicitação da questão profissional requer então um trabalho aprofundado de inves- tigação, de formulação, de conceitualização, por um lado com base em um eixo diacrônico numa identificação biográfica que busca reconhecer as formas evolutivas que ele tomou ao longo de um percurso profissional; por outro lado, sobre um eixo sincrônico no rescenciamento e na articulação de aspectos que ele implica em diferentes planos. A redação da dissertação individual foi para os profissionais a ocasião de se apropriar das conexões entre essa experiência como pesquisador-aprendiz e a reflexão sobre suas práticas e situações pro- fissionais. Analisando suas experiências como pesquisadores, os trabalhadores sociais retomaram certas dimensões de suas práticas tanto para pro- blematizar suas dificuldades como para imaginar outros modos de proceder. O posicionamentoexpresso na redação distanciou-se da denúncia ou da queixa, e inscreveu-se deliberadamente num desejo de se constituir como vetor de proposta e de transformação. Deslocamentos no modo de olhar bene- ficiários e territórios A RAQ favoreceu um conjunto de “desloca- mentos” que atingiram tanto as modalidades da intervenção universitária como as práticas dos profissionais. A análise dos textos produzidos pelos profissionais (relatório coletivo de pesquisa, diário de bordo, dissertação individual) permite constatar que esses deslocamentos tiveram, por sua vez, ressonâncias no modo de olhar os beneficiários das ações educativas e seus territórios. O primeiro desses deslocamentos, ao mesmo tempo geográfico e institucional, é menos formal do que parece e suficientemente raro para ser des- tacado: é o da instituição universitária deslocando- se para “fora de seus muros” e integrando uma instituição outra que ela mesma. Para além de sua dimensão simbólica e seus efeitos psicológicos não 26 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011 Abertura das práticas da intenvenção social ao território: um dispositivo de pesquisa e formação negligenciáveis sobre os participantes (tanto para os pesquisadores universitários como para os estu- dantes), esse deslocamento da universidade ganha todo seu sentido frente à abordagem colaborativa da pesquisa-ação. Entretanto o deslocamento que se encontra no cerne da RAQ e de sua dimensão formativa – do qual, de certo modo, dependem todos os outros – é o deslocamento ao qual são convidados os profissionais durante a pesquisa de campo. Esse deslocamento traduz-se, em primeiro lugar, no fato de realizar a pesquisa num território no qual não atuavam profissionalmente. Os profissionais buscaram uma situação que permitisse um ponto de vista “outro”, e o desenvolvimento de outros modos de ver, favorecendo o distanciamento de uma postura profissional marcada por formas de olhar e de fazer já bem arraigadas. Em segundo lugar, a possibilidade de ocupar a posição de estudante-pesquisador foi ingrediente central desse deslocamento. Ao longo do trabalho empírico, toda vez que se preparavam para encon- trar um habitante ou ator institucional, numerosos debates instalavam-se para saber como deviam se apresentar: trabalhadores sociais? Estudantes universitários? A cada vez a escolha foi a mesma: apresentavam-se em primeiro lugar como estudan- tes. O investimento dessa posição de estudante e pesquisador-aprendiz lhes permitiu se descolar da “pele” habitual: A experiência de fazer parte desse coletivo de pes- quisadores nos deu a possibilidade de sair de nossa pele e de nos arriscar a vestir uma outra pele (S., educadora social). Esse posicionamento pouco usual deslocava o olhar dos outros sobre eles, mas também – e sobre- tudo – deles próprios sobre si mesmos. O estatuto de estudante e o investimento de um terreno “neutro” propicia que cada um se distancie da perspectiva habitual pela qual olha a vida de um bairro e seus “problemas”, favorecendo portanto um “desvio” em relação a suas práticas cotidianas, em direção à experimentação de outras lógicas de ação. A multiplicidade de procedimentos utilizados para abordar o território levou os educadores a se interrogarem sobre o modo como veem o público com o qual intervêm. O princípio de ir buscar as forças vivas de um território reverteu a postura habitual de focar as dificuldades e os pontos fra- cos para em seguida poder “tratá-los”. O fato de apoiarem-se em fontes pouco habituais, de colo- car em comum os elementos obtidos, de deixar amadurecer hipóteses para tentar compreender as questões que atravessam um lugar e para identificar as demandas e recursos de seus habitantes nutriu interrogações sobre as situações nas quais estão implicados as crianças e os jovens que acompa- nham em seu trabalho educativo. A posição de pesquisador os distanciava da injunção de dever encontrar “soluções” imediatas para as dificuldades socioeducativas dos jovens, colocando-os numa situação mais propícia para descobrir os recursos e forças vivas dos lugares. Em suas andanças pelo campo, os profissio- nais puderam encontrar habitantes em situação de isolamento e sofrimento, mas outros com grande capacidade de ação que participavam da tessitura de redes de solidariedade informais e pouco visí- veis. O exercício de compreender e caracterizar alguns desses personagens deu concretude a esse processo de mudança de olhar, aguçando a atenção profissional sobre os sinais de dinamismo, às vezes tênues, que emitem os territórios. O trabalho de campo evidenciou a necessidade de se levar em conta situações de configuração sempre complexas, intricando dimensões históri- cas, sociais e familiares, afastanto-as de um ponto de vista que, numa caricatura, vê o jovem como indivíduo sem história, e o meio social ou familiar sendo invocado somente para explicar a fonte das dificuldades encontradas. No sentido inverso dessa tendência, muitas interrogações foram formuladas. Por exemplo, num abrigo que acolhe jovens ori- ginários do meio rural, como o vínculo com esse território se transforma tendo em vista que, no internato, são as culturas urbanas a referência mais forte? Como cada um vive a tensão entre o desejo de mobilidade e o apego ao lugar de origem? O modo de considerar a família também sofreu modificações. Tanto do ponto de vista de uma maior atenção para a compreesão de sua história, de sua dinâmica e de suas demandas, como do ponto de vista de um novo esforço para integrar a participação dos familiares nas ações educativas propostas. 27Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011 Izabel Galvão; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller Modalidades para ancorar a reflexivi- dade As perspectivas que o trabalho de campo e a posição de pesquisador permitiram exercer repre- sentaram um descolamento fecundo para a reflexão sobre as práticas profissionais, mais especificamen- te sobre os modos de olhar as crianças e jovens al- vos de sua ação e os territórios. Essas perspectivas, formuladas na problemática de pesquisa, foram primeiro apreendidas de modo teórico e, em segui- da, experimentadas de modo empírico. Além dessa dimensão conceitual, os elementos metodológicos que apoiaram o dispositivo de formação também tiveram partipação importante nesse processo de reflexão sobre as práticas profissionais. A intensa experiência de escrita proposta pela RAQ levou os profissionais a refletir sobre a na- tureza dos escritos profissionais que eles devem produzir normalmente. Em geral eles versam sobre o trabalho educativo, mas não favorecem, segundo os educadores, a apreensão da realidade de vida das pessoais acompanhadas e ficam então muito distantes da vivência do profissional. Esses textos traduzem o descompasso entre a ressonância afe- tiva que a relação provoca nos profissionais e uma linguagem demasiado administrativa ou cheia de jargões, que permite protegê-los dessas ressonân- cias, escondendo-o atrás de uma suposta eficiência técnica. Podemos mesmo formular a hipótese de que quanto mais o profissional se sente desarmado para lidar com essa ressonância/relação, mais ele se entricheira atrás de termos técnicos, supostamente teóricos (MANNONI, 1979): As propostas metodológicas para abordar o campo se instalaram na minha prática e passei a me au- torizar a tomar nota de minhas impressões, minhas emoções na relação com outrem (C., educadora social). O exercício de uma escrita mais “habitada” auto- riza os profissionais a vislumbrar essa mesma relação com seus escritos profissionais. Eles desejam que seus escritos sejammais do que papéis a preencher, que sejam um espaço de elaboração, que sejam úteis também para os jovens que acompanham. Outro pilar da abordagem metodológica ado- tada, o trabalho em grupos foi mobilizado como meio de favorecer a troca e a confrontação entre as “razões”, os “sentimentos”, as “interrogações” de uns e de outros, favorecendo a elaboração e a formulação do sentido que ganha para cada um a formação e o ofício. Do lado dos profissionais, a importância que a vivência grupal assumiu remete à solidão em que vivem os trabalhadores sociais em seu cotidiano profissional e à necessidade de se criarem laços que lhes “permitam sair do iso- lamento e contribuir para a construção coletiva de referenciais comuns de ação” (MIAS 2005, p. 2). A importância dos “olhares cruzados” que o coletivo favoreceu foi destacada pelos profis- sionais como outro elemento que gostariam de ver transposto para seu cotidiano profissional. A mobilização em torno de desafios comuns colo- cados pelos territórios investigados produziu inte- ligência coletiva, deixando de lado as diferenças hierárquicas existentes entre os profissionais, todos igualmente mobilizados em torno de um mesmo projeto coletivo. Nossa dinâmica de grupo de trabalho consolidada através das transmissões orais e os olhares cruzados favoreceu a emergência de espaços de inteligên- cias coletivas (…) isto me livrou do sentimento de carregar tudo sozinha e me deu, ao contrário, a possibilidade de me sentir mais forte e mais sólida ante a instituição repleta de paradoxos (F., educa- dora social). Algumas reflexões sugerem que o cruzamento de olhares e a inteligência coletiva que isso permite pode contribuir para o aumento da capacidade de ação - a intensidade do coletivo experimentado na RAQ ajudando os profissionais a sair de uma po- sição de queixa em relação às transformações que perturbam as referências do ofício, colocando-os numa posição mais propositiva: Eu não entendo bem o que os responsáveis pelas políticas públicas querem dos educadores e traba- lhadores sociais. Tenho a impressão de viver uma série de mudanças de orientação, de receber direti- vas um tanto confusas, de pular entre múltiplos temas de reflexão, projetos de intervenção, reorganizações internas, externas, na escala local ou nacional, etc. É difícil para mim seguir o que se passa, quanto mais compreendê-lo. As informações são afixadas, às vezes anunciadas em reuniões, mas raramente nós temos tempo de verificar juntos, no âmbito da 28 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011 Abertura das práticas da intenvenção social ao território: um dispositivo de pesquisa e formação equipe, o que nós entendemos e como nós podemos apreendê-las concretamente. Não seria possível que o ‘nós’ de uma equipe que enxuga todas essas tempestades se debruce sobre isso? Tentar juntos fazer um rescenceamento dessas famosas novas leis, criarmos, entre todos os membros de uma equipe, um mesmo nível de informação sobre as mudanças ocorridas para podermos aplicá-las e refletirmos sobre as mudanças a serem previstas (C., educadora social). A despeito da imagem do trabalho social como meio em que a prática de reuniões é abundante, não basta ter uma rotina de reuniões instalada para que a qualidade do trabalho coletivo seja assegurada, pois essas reuniões podem facilmente cair numa rotina burocrática e se verem despidas de inte- resse educativo, se o cruzamento de olhares que dá sentido às trocas entre profissionais não é ele mesmo garantido. Outro risco possível do trabalho de equipe é o fechamento do olhar entre “experts”, excluindo profissionais cujo papel educativo não é reconhecido: Por que essas separações entre, de um lado, a equipe educativa e, de outro, a equipe de serviços gerais? Por que os membros desta última não participam sistematicamente das reuniões de trabalho se eles têm uma presença igualmente importante junto aos jovens que acolhemos? Um melhor acompanhamen- to supõe um cruzamento entre diferentes olhares, debates entre os diferentes adultos que lidam com os jovens: esse é o primeiro passo para um convivio sereno e proveitoso (D., educador social.). A abertura da equipe educativa a outros olhares inclui também, nas proposições dos educadores, o ponto de vista dos maiores interessados, isto é, os jovens beneficiários e suas famílias. Elementos de conclusão Para a maior parte dos educadores, a entrada nessa “aventura” coincidiu com um momento de questionamento, de interrogação sobre o sentido de seu próprio trabalho, as motivações indo muito além da simples busca de um novo diploma. A busca de um espaço para refletir sobre as práticas foi uma das motivações partilhadas pelo grupo. Para alguns as orientações propostas pela RAQ convergiam com suas preocupações e conforta- vam suas intuições; para outros a problemática da pesquisa e as noções a ela associadas repre- sentavam uma reviravolta em suas concepções anteriores e exigiram mais tempo para serem apropriadas. Numa metáfora utilizada por um educador, a pesquisa-ação representou um ter- reno fértil e fecundo em que germes puderam se desenvolver e crescer. Para alguns a ampliação do olhar e o exercício da reflexividade levou à experimentação efetiva de novas práticas, numerosos foram os exemplos narrados nos textos escritos ou nos enunciados informais. Para outros, as novas perspectivas de atuação permaneciam em germe, precisando de mais tempo e de oportunidades institucionais mais favoráveis para eclodirem. Os diferentes lugares ocupados pelos profissio- nais ao longo do processo, assim como a possibi- lidade de refletir coletivemente sobre os efeitos de deslocamentos produzidos, são ingredientes funda- mentais para a consolidação de uma posição distan- te da instrumentalização e da atividade mecânica. O limite dessa experiência situa-se principalmente na transferência da capacidade de reflexão e das novas práticas que ela favorece aos outros profissionais das mesmas associações. A motivação original do convênio estabelecido entre a Universidade e as entidades sociais era uma transformação ampla das práticas em seus âmbitos. Todavia, falhas do dispositivo na implicação de instâncias hierárqui- cas intermédiárias que poderiam ter favorecido a difusão dos efeitos produzidos e, sobretudo, os estragos provocados pela mentalidade gestionária que atingiu algumas das entidades com as quais trabalhamos dificultaram a difusão interna dos efeitos da RAQ. A RAQ tocou em cheio nas tensões políticas que atravessam o campo do trabalho social, revelou as escolhas e as concepções de sociedade das quais os dispositivos são a tradução ou o sintoma; ela permitiu pôr à prova algumas novas formas que pode assumir o trabalho social na busca de partipa- ção democrática e articulação ao território, dando destaque à inteligência e à ação coletivas. 29Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011 Izabel Galvão; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller REFERÊNCIAS CHAUVIÈRE, Michel. Qu’est-ce que la “chandalisation”? Informations Sociales, Paris, n. 152, p. 128-134, 2009. CIFALI, Mireille; ANDRÉ, Allain. Ecrire l’expérience: vers la reconnaissance des pratiques professionnelles. Paris: PUF, 2007. DELORY-MOMBERGER, Christine. histoire de vie et recherche biographique en éducation. Paris: Anthropos, 2005. ION, Jacques. Travailleurs sociaux, intervenants sociaux: quelle identité de métier? Informations Sociales, Paris, n. 152, p. 136-142, 2009. LATOUR, Bruno. Changer de société: efaire de la sociologie. Paris: La Découverte, 2006. LHULIER, Dominique. Travail du négatif: travail sur le négatif. Education
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