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Competência - aspectos teóricos e práticos - Bedaque

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Competência: aspectos teóricos e práticos
José Roberto dos Santos Bedaque
Desembargador do TJSP. Professor livre-docente associado da Faculdade de Direito da USP.
Trabalho escrito em homenagem ao Professor José Ignacio Botelho de Mesquita. O tema foi abordado pelo mestre em dois artigos: “Competência - distribuição por dependência” e “Da competência internacional e dos princípios que a informam”.
Sumário
1. Considerações iniciais
2. Classificação das “Justiças” (ou dos órgãos jurisdicionais)
3. A busca do órgão jurisdicional competente
4. Critérios para determinação da competência
5. Competências absoluta e relativa
6. Competência e elementos da inicial
7. Inafastabilidade da jurisdição e juízo arbitral
8. Perpetuação da competência
9. Exceções à regra da perpetuação: alterações relevantes
10. Competência funcional
11. Competência de foro: critério territorial
12. Critério territorial e competência absoluta
13. Domicílios especiais
13.1. Domicílio do autor da herança (CPC, art. 96)
13.2. Domicílio do ausente (CPC, art. 97)
13.3. Domicílio do incapaz (CPC, art. 98)
13.4. Domicílio da União e dos Territórios (CPC, art. 99)
13.4.1. Intervenção de ente federal nos processos em curso
13.5. Pessoa jurídica
14. Foros especiais
14.1. Residência da mulher casada
14.2. Domicílio ou residência do alimentando
14.3. Domicílio do devedor
14.4. Demanda versando sobre cumprimento de obrigação contratual
14.5. Demanda visando à reparação de danos
15. Renúncia ao benefício
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1. Considerações iniciais
Todo juiz é investido de jurisdição, ou seja, tem, em abstrato, o poder de aplicar a norma à situação substancial submetida a julgamento, solucionando a crise de cooperação verificada naquele plano do ordenamento jurídico. No exercício concreto da atividade jurisdicional, ele integra uma das unidades que compõem o Poder Judiciário, denominada juízo. O juiz possui, em tese, o poder de formular e atuar a vontade concreta da lei, eliminando os litígios e restabelecendo a paz social.
Tendo em vista o grande número e a diversidade de demandas, todavia, o legislador as distribui entre os vários órgãos que compõem o Poder Judiciário. A atribuição, a cada um deles, de uma parcela da massa de processos a serem julgados é feita segundo alguns critérios previamente estabelecidos.
Para bem compreender o mecanismo de distribuição dos processos entre aqueles que exercem a atividade jurisdicional, é preciso levar em conta, antes de mais nada, a organização judiciária do país. A divisão realiza-se em função das peculiaridades inerentes à constituição do Poder Judiciário. Assim, levam-se em conta alguns dados: existência de Justiças especializadas e comuns, o duplo grau de jurisdição, determinadas áreas territoriais, pluralidade ou não de órgãos em uma mesma área etc.
Com base nesses elementos, constrói-se complexo sistema de distribuição de processos, realizada não em função da pessoa física do juiz, obviamente. Ele terá atribuição para conduzir e julgar os processos encaminhados, por força de determinada regra legal, à unidade jurisdicional em que estiver atuando. As normas que regulam a competência levam em conta alguns critérios, considerados pelo legislador como os mais adequados à distribuição equânime dos processos entre todos os que exercem a função jurisdicional.(1)
Essa relação de adequação entre determinado processo e um juízo denomina-se competência, também definida como medida, limite ou quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a determinado órgão.(2)
Para efetuar essa distribuição, como dito acima, o legislador vale-se de determinados critérios, todos informados por elementos da relação jurídica do direito material. Melhor explicando, as regras sobre competência levam em consideração dados da situação da vida submetida à apreciação do juiz. Com fundamento em fatos juridicamente qualificados (causa de pedir), o autor formula sua pretensão de tutela jurisdicional sobre o bem em questão (pedido), cujo acolhimento irá afetar diretamente a esfera do réu. À luz dessa descrição inicial, determina-se a competência do órgão jurisdicional.
A competência é fixada, por exemplo, em função da natureza da relação jurídica material (relação trabalhista, civil, penal) ou da qualidade especial de um de seus integrantes (pessoas jurídicas de direito público, ocupantes de determinados cargos). Outras regras levam em conta a situação do objeto mediato da ação, isto é, do bem da vida pleiteado pelo autor (CPC, art. 95). Norma geral considera o domicílio do réu como fator determinante da competência de foro (CPC, art. 94).
Também não se pode esquecer das hipóteses em que os participantes de um contrato estipulam cláusula de eleição, indicando o foro em que deve ser proposta qualquer demanda fundada naquele negócio (CPC, art. 111).
Verifica-se, pois, que a competência jurisdicional é determinada à luz da relação jurídica substancial ou de seus elementos. Da mesma forma que as condições da ação, a análise desses dados é feita à luz da demanda apresentada pelo autor, ou seja “em face dos termos em que a demanda está posta pela inicial”.(3)
De qualquer modo, na grande maioria das vezes, é em função do direito material afirmado que se determina a competência do juízo. Leva-se em conta a situação jurídica tal como descrita na inicial, isto é, in statu assertionis.
Também a conexão de ações – fenômeno processual que decorre da identidade da causa de pedir ou do pedido, em razão do qual dois ou mais processos devem ser reunidos, implicando alteração da competência (CPC, arts. 103/105)(4) – está intimamente ligada ao direito material.
Em síntese, o legislador distribui os processos entre os juízes segundo determinados critérios. Verifica-se a subsunção da situação concreta ao modelo legal comparando os elementos da inicial com a previsão abstrata.
Passa-se em seguida a detalhar esse mecanismo, partindo da premissa de que a Justiça brasileira seja competente para a demanda.(5)
2. Classificação das “Justiças” (ou dos órgãos jurisdicionais)
Como a competência é tema conexo com a organização judiciária, necessário atentar para as especificidades do Poder Judiciário brasileiro. A correta solução das questões envolvendo competência dos órgãos jurisdicionais depende da prévia compreensão a respeito da organização judiciária do país e dos critérios utilizados pelo legislador para a distribuição da massa de litígio entre os juízes.
A Constituição Federal, no artigo 92, estabelece o rol dos órgãos que exercem a função jurisdicional.(6) Do exame desse dispositivo, e considerada a atribuição legal de cada um desses órgãos (CF, arts. 108, 109, 114, 121 e 124), pode ser feita a primeira divisão da Justiça brasileira: Comum e Especial.
Jurisdição Especial é aquela cuja competência é determinada em função da natureza da relação de direito material objeto dos respectivos processos: matéria trabalhista, eleitoral e militar compete, respectivamente, à Justiça do Trabalho (art. 114), à Justiça Eleitoral (art. 121) e à Justiça Militar (art. 124). A Justiça é Especial em função da especialidade das regras substanciais.
A organização judiciária brasileira conta ainda com a denominada Justiça Comum, composta pela Justiça Federal e pelas Justiças Estaduais, do Distrito Federal e dos Territórios.(7) A distinção entre elas também leva em conta a distribuição de competência. À Justiça Federal compete o julgamento de litígios envolvendo entes federais (CF, arts. 108 e 109). Os demais, não atribuídos à competência da Justiça Especial e da Justiça Comum Federal, serão julgados pelas Justiças dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. À Justiça Comum compete, predominantemente, matéria regulada pelo direito substancial comum.(8)
Por fim, ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, órgãos do Poder Judiciário não vinculados a qualquer das Justiças, cabe o julgamento das ações originárias e dos recursos previstos, respectivamente, nos artigos 102 e 105 da ConstituiçãoFederal.
Essas breves considerações parecem suficientes para demonstrar a relação íntima entre organização judiciária e competência.
3. A busca do órgão jurisdicional competente
Como a atividade jurisdicional é exercida por várias Justiças (Justiça Especial e Justiça Comum), necessário identificar, em primeiro lugar, a qual delas compete o julgamento do processo.(9) O exame da Constituição Federal possibilita encontrar a Justiça competente e verificar que essa distribuição é feita basicamente à luz da natureza do litígio ou da qualidade das pessoas nele envolvidas.
Feito isso, como as Justiças são compostas de pelo menos dois graus, é preciso saber em qual deles a demanda deve ser originariamente proposta. Em princípio, a competência originária é dos órgãos de 1º grau, reservado aos de 2º o julgamento dos recursos. Exceções a essa regra existem e se encontram na própria Constituição Federal, nas Estaduais e em leis extravagantes. Estão fundadas, normalmente, na qualidade dos litigantes e na natureza da causa.
Em síntese, encontrada a Justiça competente, é necessário levar em conta que todas são organizadas em pelo menos dois graus de jurisdição. Aos órgãos de 1º grau cabe, em princípio, a competência originária; aos de 2º, a recursal. Há situações excepcionais, todavia, em que as demandas são propostas originariamente em 2º grau (v. p. ex., CF, art. 108, inciso I, alínea c).
Identificada a Justiça competente e a competência originária, se de 1º grau, necessário verificar o foro em que a demanda deve ser proposta. Isso porque, no quadro da organização judiciária brasileira, a Justiça em 1º grau está dividida em áreas territoriais, delimitadas em função de vários critérios, como extensão geográfica, população, movimento de processos. Cada uma delas corresponde a um foro (comarca na Justiça Estadual, seção ou subseção na Justiça Federal).
As regras sobre competência de foro encontram-se no Código de Processo Civil.
Assim, a Justiça de 1º grau é dividida em áreas territoriais denominadas foros, que nas Justiças Estaduais se confundem com a idéia de comarca. A competência de foro é determinada pelo critério territorial, que expressa nexo entre determinado lugar e um dos elementos da ação (partes, causa de pedir ou pedido).
O Código de Processo Civil contém as normas relativas a essa fase do caminho a ser percorrido para identificação do órgão jurisdicional competente. Após conclusão a respeito da Justiça, não ocorrendo exceção à regra geral de que a demanda deve ser proposta em 1º grau, deve o operador encontrar o foro competente. Essa busca será feita mediante o exame dos dispositivos do Código de Processo Civil, todos fundados no critério territorial.
Se no foro houver vários juízos, pode o legislador ordinário, federal ou estadual, estabelecer regras para a distribuição da competência entre eles. Essas são as normas de organização judiciária referidas no artigo 91 do CPC, baseadas nos critérios valor, natureza da causa e também territorial. Este último está presente, por exemplo, nas regras de organização judiciária do Estado de São Paulo.
Possível, portanto, a existência de vários juízos no mesmo foro, adotando o legislador, em alguns casos, normas para distribuição dos processos entre eles. É o que ocorre na Justiça Estadual de São Paulo, foro da Capital. Existem leis estaduais de organização judiciária regulamentando a matéria.
Segundo se pode extrair do artigo 91, ao fixar a competência interna dos órgãos jurisdicionais, o Código não se vale da natureza e do valor da causa. Como se ocupa tão-somente da distribuição de lides entre os foros existentes nas Justiças de 1º grau, salvo uma ou outra exceção, inspira-se exclusivamente no critério territorial. Os demais são levados em conta pelas leis de organização judiciária, na determinação da competência de juízo.(10)
Na legislação extravagante também há regras sobre competência de foro (Código de Defesa do Consumidor, arts. 93, I e 101, I; Lei nº 7.347, de 24/7/1985, art. 2º; Lei nº 9.099, de 26/9/1995, art. 4º; Decreto-Lei nº 3.365, de 21/6/1941, art. 11 etc).(11)
4. Critérios para determinação da competência
Como já anunciado, as regras sobre competência de cada órgão jurisdicional estão fundadas em certos critérios, supostamente adequados à divisão equilibrada de processos entre eles: natureza do litígio, qualidade das pessoas nele envolvidas, nexo entre um dos elementos da situação de direito material e determinado lugar, valor da causa, natureza da função exercida pelo juiz no processo. Muitas vezes, além de elementos da demanda, levam-se em conta para determinação da competência também as especificidades do processo.
Daí definir-se competência como medida ou limite da jurisdição. Corresponde à parcela de litígios conferidos a cada órgão jurisdicional. Todo juiz é investido da função jurisdicional. O exercício concreto dessa atividade, todavia, só será feito de forma correta, se existente o liame de adequação entre determinado juiz e a situação a ele submetida. O poder abstrato de julgar somente pode ser legitimamente efetivado se atendidas as regras de distribuição de competência.
Para que o processo possa desenvolver-se validamente, imprescindível seja competente o juiz, quer porque já o era desde o início, quer por havê-la adquirido mediante a técnica da prorrogação. Esta se dá sempre que um juiz relativamente incompetente tornar-se competente no decorrer do processo. Isso ocorre se a parte interessada não alegar o vício ou se houver necessidade de reunir processos em um mesmo juízo (conexão ou continência, CPC, arts. 102/105).
A competência é considerada pela doutrina pressuposto processual subjetivo relativo ao juiz, cuja presença se faz necessária por razões de racionalização dos serviços inerentes à atividade jurisdicional do Estado. Mas não é apenas esse o motivo de se exigir a prévia determinação de um órgão jurisdicional para cada demanda. A previsão representa garantia conferida a todos os que necessitam valer-se dessa atividade estatal, de que terão o litígio examinado por juiz isento e imparcial, visto que indicado pelo legislador, em caráter abstrato, para decidir processos com determinadas características. Pretende-se evitar o direcionamento de demandas, por razões ilegítimas. Este último aspecto da competência diz respeito ao juiz natural, um dos princípios integrantes do devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LIII).
A identificação, em cada regra, do critério utilizado pelo legislador é importante, porque irá determinar a natureza da competência, se absoluta ou relativa. Enquanto a primeira é ditada por regras voltadas ao interesse público, a segunda está relacionada principalmente ao interesse das partes. Essa questão será examinada adiante, com o merecido destaque. Por enquanto, basta apontar os motivos por que a identificação dos critérios utilizados para a determinação da competência é importante: em função deles, a competência será absoluta ou relativa. Essa distinção é fundamental, tendo em vista as conseqüências práticas que dela decorrem.
Estes são, em brevíssimas palavras, os limites estabelecidos pelo sistema para a competência de cada órgão jurisdicional, bem como os resultados dessa divisão de serviços.
5. Competências absoluta e relativa
Tem natureza relativa a competência do órgão jurisdicional fundada no critério territorial, adotado pelo legislador processual para determinação do foro competente (CPC, arts. 94 e ss.).
O valor da causa, também considerado pela doutrina como fator determinante de competência relativa (art. 111), somente vem sendo utilizado pelo legislador estadual, para a distribuição de competência entre juízos do mesmo foro. A jurisprudência, todavia, vem afirmando a natureza absoluta da competência de juízo, independentemente do critério informativo da respectiva regra legal.
Diante dessas considerações, a exceção constitui o meio processual destinado à alegação de incompetência relativa, ou seja, de foro. Excetuam-se ashipóteses do artigo 95, 2ª parte: como se trata de incompetência absoluta, adequada a contestação.
A incompetência de juízo, considerada absoluta pela jurisprudência, deve ser deduzida em preliminar de contestação (CPC, arts. 113, § 1º, e 301, II). Como se trata, porém, de entendimento jurisprudencial, talvez seja mais prudente suscitá-la pela via da exceção, o que evitaria o risco de prorrogação (CPC, art. 114), caso a corrente hoje predominante seja rejeitada pelo julgador. Ainda que se considere absoluta a incompetência de juízo, a utilização da exceção, via inadequada, não impediria o exame da matéria, cognoscível ex officio (CPC, art. 113).
A exceção é o meio processual reservado à alegação de incompetência relativa (CPC, art. 304).
O réu pode apresentar defesa versando matéria processual e substancial. Considerado o termo exceção em sentido amplo, é sinônimo de defesa. Se a matéria deduzida for passível de exame ex officio pelo juiz, configura objeção. Caso contrário, exceção em sentido estrito.
Assim, a defesa pode versar exceção e objeção processual ou de mérito. Incompetência absoluta é objeção processual; incompetência relativa, exceção. Decadência configura objeção de mérito; prescrição, exceção.
Duas são as principais vias processuais destinadas à defesa do réu: contestação e exceção (arts. 301 e 304). Há outras, reservadas a questões específicas: impugnação ao valor da causa e à assistência judiciária, por exemplo.
Na contestação, o réu argúi toda defesa de mérito, direta e indireta: nega o fato constitutivo do direito afirmado pelo autor ou alega fatos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito. A defesa indireta de mérito pode versar objeção ou exceção substancial.
Antes de ingressar no mérito, todavia, o réu deduz a matéria preliminar – objeções processuais – tal como prevê o artigo 301. Apenas uma exceção é passível de dedução em sede de contestação: a convenção de arbitragem.
Outra via processual destinada à defesa é a exceção, meio pelo qual o réu pode argüir incompetência relativa, suspeição (exceções processuais) e impedimento (objeção processual).
Em conclusão, se o réu pretender deduzir exceção processual, consubstanciada na incompetência relativa, deverá valer-se da via procedimental denominada exceção, regulada pelos arts. 304 a 311 do Código. Caso não o faça, verifica-se a preclusão e, como não pode o juiz declará-la de ofício, a prorrogação.
É comum alegar-se conexão mediante exceção. Trata-se de meio inadequado, pois a matéria deve ser argüida em preliminar de contestação, conforme estabelecido no artigo 301, VII. O equívoco não gera conseqüências práticas, pois a matéria pode ser conhecida de ofício (v. comentários ao art. 105).
É absoluta a competência do órgão jurisdicional se, para determiná-la, o legislador levou em conta a natureza da causa ou a qualidade da pessoa envolvida no litígio. Por isso, o juiz federal é absolutamente competente para processar e julgar as demandas envolvendo entes federais. O mesmo ocorre em relação ao juiz do trabalho, de família, das fazendas públicas. Em todos esses casos foi utilizado um dos critérios acima referidos.
Também tem natureza absoluta a competência estabelecida segundo o critério funcional. Tal se dá sempre que o legislador impuser alteração de competência no mesmo processo, em razão das funções exercidas pelo juiz em fases distintas (julgamento em 1º grau e recurso), ou vincular um processo a outro pelo mesmo motivo (cautelar e principal, execução e condenação).
Tem-se entendido ser absoluta, ainda, a competência de juízo, independentemente do critério adotado. Essa orientação está fundada em razões de política judiciária. Considera-se que a divisão do foro em juízos distintos atende ao interesse público da boa administração da Justiça. Por isso, não se admite, por exemplo, eleição de juízo, sendo absolutamente nulas cláusulas nesse sentido. Não é raro deparar-se com previsão contratual com esse conteúdo, especialmente em relação à Comarca de São Paulo, onde existem juízos centrais (integrantes do impropriamente denominado foro central) e juízos regionais (que compõem os chamados foros regionais, expressão também inadequada). Todos, na verdade, atuam no mesmo foro (Comarca de São Paulo), que, por conveniência administrativa, foi dividido em vários juízos, cuja competência, sempre absoluta, é determinada pelos critérios territorial, valor da causa, qualidade da pessoa e natureza da causa. Inadmissível, portanto, a eleição.
Por último, é absoluta a competência do foro do local do imóvel, nas hipóteses descritas na 2ª parte do artigo 95. Embora fundada no critério territorial, houve por bem o legislador, considerando predominante o interesse público, consubstanciado no bom desenvolvimento do processo, impedir qualquer alteração da regra, quer por vontade expressa ou tácita das partes, quer por determinação legal. Daí ser impossível, naqueles casos, a prorrogação voluntária ou legal, o que somente pode ocorrer se a reunião dos processos se der no foro da situação da coisa.
Se, diante dessas considerações, concluir o intérprete pela incompetência absoluta do órgão jurisdicional, incidem as conseqüências previstas no artigo examinado.
A primeira delas é o dever imposto ao juiz, de declará-la de ofício, ou seja, independentemente de provocação da parte. Como a competência absoluta é ditada pelo interesse público, não há como o processo desenvolver-se perante e ser decidido por julgador absolutamente incompetente. Daí o poder de atuar de ofício constituir verdadeiro dever legal, a respeito do qual ele não pode omitir-se.
O reconhecimento ex officio da incompetência absoluta pode verificar-se a qualquer momento. Ao receber a inicial e examinar os requisitos de desenvolvimento válido e regular do processo, entre os quais destaca-se a competência, deve o juiz, ausente esse pressuposto processual, determinar a remessa dos autos ao juízo competente. Esse procedimento, insista-se, só é admitido em sede de incompetência absoluta, nunca de relativa.
Não detectado de plano o vício, poderá sê-lo no curso do processo, inclusive em grau de recurso, ainda de ofício ou mediante provocação do réu (arts. 267, IV e § 3º, 301, II e § 4º).
A alegação de incompetência absoluta deve ser feita na contestação (art. 301, II), mas pode ser deduzida antes ou depois, independentemente de exceção, incidente reservado à incompetência relativa. Em relação a esse vício, tendo em vista sua gravidade, inexiste preclusão. Aliás, mesmo após o trânsito em julgado da sentença de mérito a questão pode ser ventilada, em sede de ação rescisória (art. 485, II).
Embora não ocorra preclusão, podendo a incompetência absoluta ser alegada a qualquer tempo, o réu que não o fizer no momento processual adequado responde integralmente pelas custas, não apenas por aquelas acrescidas desnecessariamente. Mas não fica comprometido o direito à verba honorária, se vencedor.
Reconhecida a incompetência absoluta do juízo, todos os atos decisórios anteriormente proferidos são considerados nulos, devendo o juiz a quem os autos forem remetidos reexaminar as questões. Atos processuais sem conteúdo decisório, especialmente os instrutórios, não necessitam ser refeitos, salvo se o outro julgador entender imprescindível repetir a prova.
A referência à nulidade dos atos decisórios praticados apenas por juiz absolutamente incompetente se justifica. Se a incompetência for relativa, a oposição de exceção declinatória, o que se verifica no prazo da contestação, sob pena de preclusão, suspende o desenvolvimento do processo (arts. 265, III e 306). Nessa medida, não haveria oportunidade para decisões. Ocorre que pode o juiz relativamente incompetente ter deferido liminar, hoje admissível em qualquer procedimento (art. 273). Ainda é preciso considerar que a suspensão cessa com a decisão de 1º grau e o processo retoma seu curso mesmo se houver recurso. Por isso, se definitivamente reconhecida a incompetência do juízo, aindaque relativa, parece-me devam ser também considerados nulos os atos decisórios. Após declarada, não há diferença entre ela e a absoluta.
A competência tem natureza relativa se fundada no critério territorial, utilizado pelo Código para determinar o foro em que a demanda deve ser proposta.
Também o valor da causa gera competência relativa, passível de prorrogação legal (CPC, art. 102) ou contratual (CPC, art. 111). Ocorre que o legislador não adota tal critério para a determinação do foro competente. Apenas onde há vários juízos, pode a distribuição ser feita com base nele, pelas normas de organização judiciária (CPC, art. 91). E, nesses casos, tem a jurisprudência considerada absoluta a competência, mesmo se fundada no valor da causa, sendo admissível apenas a prorrogação legal (CPC, art. 102), não a voluntária (CPC, art. 111). Nessa linha de raciocínio, a não argüição da incompetência de juízo não implica prorrogação voluntária tácita, regulada no artigo ora examinado. Como tem natureza absoluta, pode ser conhecida de ofício e alegada a qualquer tempo (CPC, art. 113).
Resta para incidência da regra, portanto, a incompetência de foro, de natureza relativa porque fundada no critério territorial, salvo as hipóteses do artigo 95, 2ª parte.
Nesse caso, o vício deve ser deduzido mediante exceção declinatória (CPC, art. 112), cuja oposição é imprescindível, sob pena de prorrogação da competência, ou seja, o juiz relativamente incompetente tornar-se competente.(12)
A exceção de incompetência é incidente processual e está regulada nos artigos 304 a 311. Posto que autuada em apartado (CPC, art. 299), da respectiva decisão cabe agravo.
Discute-se se a não alegação de incompetência relativa pela via adequada – exceção – implica prorrogação ou se o erro de forma não deve ser considerado, visto que inexistente prejuízo. A matéria é controvertida. Já tive oportunidade de opinar pela impossibilidade de a questão ser suscitada em contestação.(13)
Melhor refletindo sobre o tema, porém, parece-me mais adequada a tese oposta. Não apresentada a exceção ritual, a única conseqüência prática será a não suspensão do processo, o que vem de encontro ao interesse do autor. Nessa medida, como não há prejuízo para as partes, nem para o desenvolvimento do processo, irrelevante a utilização de meio processual inadequado para argüição de incompetência relativa. Os artigos 244, 249, § 1º, e 250, parágrafo único, autorizam tal conclusão.(14)
6. Competência e elementos da inicial
Pela relevância, volta-se ao modo como deve ser examinada a questão da competência.
A relação de adequação entre a demanda e determinado órgão jurisdicional deve ser examinada à luz dos elementos da petição inicial. Verificam-se os fundamentos e a pretensão deduzidos pelo autor para, com base neles e nas regras do ordenamento processual, determinar a Justiça, o grau, o foro e o juízo competente para a propositura da ação, o desenvolvimento do processo e o julgamento do pedido.
Não devem ser levadas em conta, para determinação da competência, alegações deduzidas pelo réu e que, se acolhidas, tornariam incompetente o órgão jurisdicional. Nessa medida, a afirmação de que parte legítima é terceiro, domiciliado em outro foro, não tem qualquer relevância na identificação do juízo competente. A competência é determinada pelos elementos da demanda, tal como afirmados na inicial (in statu assertionis).(15)
Da mesma forma, em demanda versando sobre nulidade contratual ou extinção do débito por novação, os fundamentos de mérito não podem levar à desconsideração de foro de eleição.(16)
De fato. Se o réu impugna a validade do contrato – fato constitutivo do direito afirmado pelo autor – não pode extrair dessa afirmação a incompetência territorial por ser nula também a cláusula de eleição. Esta questão diz respeito ao mérito e não se pode antecipar qualquer conclusão em relação a ela para determinar a competência.
Problema diverso refere-se à nulidade do próprio foro de eleição, independentemente do contrato em que a cláusula foi inserida. Nas relações de consumo, por exemplo, tem-se entendido abusiva a escolha do foro da prestadora de serviço, especialmente se configurado óbice à defesa judicial dos interesses do consumidor. Admissível a discussão nesses casos, pois da validade da cláusula depende a determinação da competência.
Em relação a esse tema, a jurisprudência tem admitido o reconhecimento da invalidade da eleição e a declinação da competência por iniciativa oficial, independentemente de provocação da parte interessada. Tal conclusão só pode ser aceita se admitida a premissa de que tem natureza absoluta a competência regulada no Código de Defesa do Consumidor. Caso contrário, mesmo se desconsiderado o foro de eleição, haveria incompetência relativa, cujo reconhecimento depende da exceção declinatória. A omissão do réu implica prorrogação (CPC, arts. 112 e 114).(17)
7. Inafastabilidade da jurisdição e juízo arbitral
Apesar do princípio constitucional da inafastabilidade (CF, art. 5º, inciso XXXV), nada obsta que as partes, mediante acordo de vontades, subtraiam o litígio do poder estatal, submetendo-o ao juízo arbitral, tal como regulado pela Lei nº 9.307, de 23/9/1996.
A constitucionalidade da cláusula compromissória, mediante a qual os contratantes comprometem-se a submeter à arbitragem eventuais litígios (art. 4º), foi questionada no Supremo Tribunal Federal (SE nº 5.206-Espanha (AgRg), Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Concluiu o Pleno daquela Corte, em 12/12/2001, que: a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória no momento da celebração do contrato e a permissão dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso não ofende o artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Daí serem constitucionais o parágrafo único do artigo 6º; o artigo 7º e seus parágrafos; as novas redações atribuídas ao artigo 267, VII e artigo 301, IX, do Código de Processo Civil pelo artigo 41; e o artigo 42.(18)
8. Perpetuação da competência
Identificado o órgão jurisdicional competente, segundo as regras destinadas a distribuir a massa de litígios entre todos os integrantes do Poder Judiciário, a ele deve ser dirigida a demanda.
Proposta a ação, o que ocorre com o despacho ou com a distribuição da inicial (CPC, art. 263), em princípio a competência então determinada não mais se altera, perpetuando-se perante aquele juízo (CPC, art. 87).
A regra da perpetuatio jurisdictionis é própria da competência, ou seja, somente incide se proposta a ação perante o juízo competente. Caso o autor, por equívoco na interpretação das regras legais, encaminhe a inicial incorretamente, não se verifica, é claro, a perpetuação da competência, pois o órgão jurisdicional escolhido é incompetente. O erro poderá ser apontado ou sanado pelos mecanismos processuais adequados (contestação, exceção, conflito, prorrogação).
Em síntese, a propositura da demanda perante juízo competente implica, ao menos como regra geral, o desenvolvimento do processo perante ele, sem possibilidade de alteração.
Perpetuada a competência, portanto, não terão relevância alterações de fato ou de direito porventura ocorridas posteriormente, em razão das quais competente seria outro órgão.
Se a demanda for proposta em determinado foro, porque ali domiciliado o réu (art. 94), eventual mudança dele para outra comarca não importa modificação da competência já perpetuada. Da mesma forma, se alguma regra futura determinar, para aquela situação, foro diverso, o processo continuará seu curso normal, sem qualquer alteração de competência.(19)
Em caso de desmembramento do processo, em caso de litisconsórcio facultativo fundado em comunhão ou conexão (CPC, art. 46, incisos I a III), as novas relações processuais devem ter curso no mesmo juízo, cuja competência se perpetuara com a propositura da ação. Todos os processos devem permanecer no mesmo juízo, em razão da prevenção (CPC, arts. 103/106).
Caso o litisconsórcio decorra da mera afinidadede questões (CPC, art. 46, inciso IV), haverá distribuição livre dos novos processos, pois nessa hipótese de pluralidade de partes as demandas não guardam nexo de conexidade e, portanto, não são reunidas no mesmo juízo.
9. Exceções à regra da perpetuação: alterações relevantes
A regra da perpetuação, evidentemente, comporta exceções, previstas no próprio artigo 87.
Em primeiro lugar, a competência é alterada se houver supressão do órgão judiciário. Extinto o foro, por exemplo, os autos deverão ser remetidos ao que passou a abranger aquela área territorial. Essa hipótese de modificação da competência já perpetuada nem precisaria estar prevista expressamente. É óbvio que, não mais existente o órgão jurisdicional, não há alternativa senão o prosseguimento do processo em outro juízo, qual seja, aquele que, segundo a lei, absorveu a competência do extinto.
Também pode ocorrer que acontecimentos fáticos ou jurídicos modifiquem a competência determinada em função da matéria ou da hierarquia.
Competência material é aquela fixada à luz da natureza da relação jurídica de direito material controvertida. A Justiça do Trabalho é competente para julgamento dos litígios decorrentes da relação de emprego; os juízos de família decidem matéria regulada por normas de direito substancial que regulam as relações familiares (em São Paulo, também as envolvendo direito sucessório). Nesses casos, as regras de competência estão fundadas no critério material, ou seja, a distribuição do serviço a determinado órgão jurisdicional é feita em razão da matéria.
Já a competência hierárquica é fundada no critério funcional, que explica variações ocorridas no mesmo processo, quanto ao juízo competente. Como regra geral, as demandas são propostas originariamente em 1º grau de jurisdição e a competência dos respectivos juízes abrange todas as fases do processo, até a sentença ou a tutela satisfativa. Se contra alguma decisão for interposto recurso, todavia, outro será o órgão competente para julgá-lo. Essa variação decorre das funções específicas atribuídas a cada juiz e é explicada pelo denominado critério funcional hierárquico ou vertical.
É possível que o fenômeno ocorra no mesmo grau, em sentido horizontal, portanto, o que se dá, por exemplo, nos processos-crime submetidos ao Tribunal do Júri.
Também em razão da função exercida pelo juiz no processo, muitas vezes se fixa a competência para outro: sentença condenatória e execução, cautelar e principal.
Todas essas hipóteses constituem manifestação de competência determinada pelo critério funcional.
Os dois critérios mencionados – material e funcional – geram competência absoluta do órgão jurisdicional. Tanto a competência fixada em função da natureza da relação de direito material quanto a hierárquica têm natureza absoluta.
Se absoluta a incompetência, deve ser declarada de ofício e pode ser alegada a qualquer tempo, não sendo passível de prorrogação (art. 113). Com a incompetência relativa, verifica-se fenômeno oposto (art. 114).
Pois bem, como os critérios material e hierárquico determinam competência absoluta, eventual alteração fática ou jurídica quanto aos elementos relevantes de qualquer deles, ocorrida posteriormente à propositura da ação, implicará incompetência dessa mesma natureza, não prevalecendo a perpetuação antes verificada.
Assim, por exemplo, se um juízo de família é criado na comarca ou se há modificação da competência de um determinado Tribunal, os processos em curso se submetem à nova situação, ocorrendo imediata modificação da competência já perpetuada.
Embora o legislador tenha mencionado somente os critérios material e hierárquico, deve-se entender que alterações posteriores serão irrelevantes apenas se não importarem incompetência absoluta do juízo.
No sistema processual brasileiro, também a qualidade da pessoa envolvida no litígio pode determinar a competência absoluta do juízo. O artigo 109, inciso I, da Constituição Federal é exemplo típico: a Justiça Federal de 1º grau é competente para julgar processos de que participem a União e pessoas jurídicas de direito público federal. Caso algum desses entes demonstre interesse jurídico e passe a intervir no processo, os autos devem ser remetidos à Justiça Federal, absolutamente competente para o julgamento. A perpetuação não prevalece sobre a incompetência absoluta.
O desmembramento de comarcas também pode fazer cessar a perpetuação se a competência, embora fundada no critério territorial, tiver natureza absoluta (CPC, art. 95). Demanda reivindicatória passará a ser processada no novo foro, o que não ocorre com a fundada em direito pessoal, ainda que nele seja o réu domiciliado.
A esse respeito, emiti parecer, acolhido pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos seguintes termos:
“No caso em questão, não se pode falar em perpetuação da competência, embora a demanda tenha sido proposta antes do advento da lei.
Segundo preleciona Arruda Alvim, tratando-se de competência absoluta, não se aplica o princípio da perpetuatio jurisdicionis (cfr. Manual de Direito Processual Civil, v. I, RT, 1977, p. 188; v. tb. Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, v. I, Saraiva, p. 214). Conforme observa ainda o ilustre professor da Universidade Católica de São Paulo: ‘É evidente que o critério aceito pelo legislador foi o de que as modificações do ‘estado de direito’ (rectius, modificações oriundas da lei) referentes à competência relativa (art. 111) não se apresentam suficientes para alterar a perpetuatio jurisdicionis. Inversamente quando se trata de competência em razão da matéria (absoluta) ou da hierarquia (leia-se funcional, também absoluta), nesta hipótese, a modificação do estado de direito, isto é, a edição de lei que modifique tais competências, alterará a competência’ (“A perpetuatio jurisdicionis no Código de Processo Civil brasileiro”, in Repro, v. 4/21).
A competência estabelecida no artigo 95, fine, do CPC, para alguns é funcional, para outros é territorial absoluta. Há quem fale em competência territorial material funcional (Edson Ribas Malachini, “A perpetuatio jurisdicionis e o desmembramento de Comarca”, in RBDP 53/61-62).
O que importa, na verdade, é a natureza absoluta da competência ali fixada, sobre o que a doutrina e a jurisprudência não divergem (cfr. AI nº 7.827-0, São Sebastião, Rel. Des. Dínio Garcia, j. 26/11/1987).
Quando o legislador processual, na parte final do artigo 87, refere-se à alteração da competência em razão da matéria ou da hierarquia, pretende abordar, evidentemente, todos os casos de competência absoluta. Mencionou apenas os critérios material e funcional porque são estes que, normalmente, determinam a competência absoluta.
Assim, as modificações posteriores à propositura da demanda, de fato ou de direito, são irrelevantes se o critério determinante disser respeito a competência relativa. Tratando-se de competência absoluta não se aplica a perpetuatio jurisdicionis.
Conclui-se, pois, que: ‘são irrelevantes as modificações de estado de fato e de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou atribuírem competência absoluta a outro órgão’ (Edson Ribas Malachini, ob. cit., p. 68).
Como os autos versam desapropriação, que implicará transferência de propriedade, incide o artigo 95, parte final. Trata-se de competência absoluta, devendo os autos ser remetidos à nova Comarca, pois a competência não se perpetuou. Situação idêntica foi assim solucionada por esta Colenda Câmara (CC nº 9.441-0, SP, Rel. Des. Marino Falcão, j. 2/3/1989)”.(20)
Outra observação, imprescindível à compreensão do artigo 87, diz respeito à existência de mais um fator, não referido no texto, capaz de pôr fim à perpetuação, verificada com a propositura da demanda perante juízo competente. Trata-se da conexão e da continência (CPC, arts. 102/103), que determinam a reunião de processos (CPC, art. 105). Embora já perpetuada a competência de determinado órgão jurisdicional, ele poderáperdê-la para outro, considerado prevento (CPC, arts. 106 e 219), a quem competirá decidir sobre as pretensões reunidas por conexão.
10. Competência funcional
O critério funcional para determinação da competência está intimamente relacionado ao sistema recursal e, conseqüentemente, aos tribunais, cuja atribuição fundamental é conferir efetividade ao princípio do duplo grau de jurisdição. Isso não impede que, em caráter excepcional, o legislador estabeleça hipóteses em que a propositura da demanda seja feita em 2º grau. São os casos de competência originária dos tribunais.
Com relação à Justiça Especial e à Justiça Comum Federal, a competência dos tribunais está disciplinada na Constituição Federal e em leis extravagantes (CF, arts. 108, 111, § 3º, 113, 121, 124, parágrafo único). No âmbito das Justiças Estaduais, a regulamentação é feita nas respectivas Constituições e em leis de organização judiciária (CF, art. 125, § 1º).
Apesar da menção genérica à atribuição dos tribunais na seção intitulada competência funcional (CPC, art. 93), esse critério indica tão-somente a variação do órgão jurisdicional competente, verificada no mesmo processo, em decorrência da interposição de recurso.
Como já visto, o critério funcional pode ser utilizado para explicar essa variação, ocorrida no sentido horizontal ou vertical (hierárquica ou recursal). Também a competência para determinado processo pode ser determinada em razão das funções exercidas em outro.
Tais são as duas manifestações do chamado critério funcional.(21)
Essa visão restrita do fenômeno visa a não confundir critérios de determinação da competência com sua natureza absoluta ou relativa. Explica-se. Dizer que a competência pelo local do imóvel (CPC, art. 95) ou do dano (LACP, art. 2º) é funcional e, por isso, inderrogável, implica adotar critérios heterogêneos de classificação. A relação entre um dos elementos da demanda e determinado lugar configura critério territorial de determinação de competência, normalmente de natureza relativa, salvo se a lei determinar o contrário. Se isso ocorrer, teremos competência territorial e excepcionalmente absoluta. Mas o critério continua sendo o territorial. Já a competência determinada pelo critério funcional, cuja concepção leva em conta outros elementos, em princípio é absoluta. (22)
Os artigos 575, II, e 800 contêm regras de competência de juízes de 1º grau fundadas nesse critério. Tanto aquele que exerceu as funções inerentes ao processo de conhecimento, quanto o que deva fazê-lo no principal, é competente, respectivamente, para a execução e para a cautelar.
Já a competência originária dos tribunais é determinada por critério diverso. Os artigos 102, 105 e 109, da Constituição Federal, por exemplo, estão fundados quer na natureza da causa, quer na qualidade dos litigantes. Ao contrário do que aparentemente consta do artigo 93, com o que boa parte da doutrina concorda, não se trata de competência fundada no critério funcional.
11. Competência de foro: critério territorial
A petição inicial deve indicar a causa de pedir (fato e fundamento jurídico) e o pedido (art. 282, incisos III e IV).
Ao descrever a causa petendi, o autor deve reportar-se à relação jurídica de direito material em que o suposto direito material pretendido tem origem. Assim, alguém formula determinado pedido (declaratório, condenatório, constitutivo ou executivo) com base em acontecimentos da vida que, em tese, estão amparados no plano substancial e conferem o direito postulado.
Pois bem, essas relações de direito material podem ter natureza pessoal ou real. Em razão delas, o autor pode considerar-se, portanto, titular de direito a uma prestação ou sobre determinada coisa.
Ainda que a pretensão envolva bem móvel ou imóvel, como locação, compra e venda, a demanda terá fundamento no respectivo contrato, ou seja, em direito pessoal. Real é o direito ao próprio bem, como a propriedade e todos os enumerados no artigo 674 do Código Civil, além de outros previstos em leis extravagantes.
Para a demanda fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bem móvel, competente é o foro do domicílio do réu (CPC, art. 94).
Esta é a regra geral sobre competência. Não havendo previsão específica ou excepcional, a competência de foro é determinada pela vinculação de um dos sujeitos parciais do processo – o réu – a determinado lugar – seu domicílio.
O direito brasileiro adotou o sistema da pluralidade de domicílios. A pessoa pode ter não apenas várias residências, mas também mais de um domicílio (art. 71).
Verificado esse fenômeno, a demanda pode ser proposta em qualquer deles (art. 94, § 1º).
Caso não se saiba onde está localizado o domicílio do réu, poderá o autor propor a ação onde o encontrar ou em seu próprio domicílio (art. 94, § 2º). Aqui, a opção é do autor e não há preferência entre as alternativas legais. Ainda que o réu esteja temporariamente em determinado lugar, existe a faculdade de a demanda ser ajuizada no domicílio do autor. A incidência do dispositivo, todavia, depende da verificação da premissa: domicílio do réu ser incerto ou desconhecido.
Embora o réu não tenha domicílio no Brasil, é possível que a autoridade judiciária brasileira tenha competência internacional. Basta, por exemplo, que a obrigação deva ser cumprida aqui ou o fato tenha se verificado em território nacional (art. 88, II e III).
Se tal ocorrer, duas são as alternativas imaginadas pelo legislador. A primeira é o foro do domicílio do autor. Mas, se também ele não morar no Brasil, a demanda poderá ser proposta em qualquer foro (art. 94, § 3º).
Convém ressaltar que a solução está vinculada à previsão do caput, ou seja, de que incida a regra geral da competência de foro determinada pelo domicílio do réu. Se, em razão de algum dispositivo especial, outro venha a ser o foro competente, não se cogita dos parágrafos do artigo 94. Assim, se autor e réu residirem no exterior e a competência, apesar disso, for da autoridade judiciária brasileira, porque aqui deva ser cumprida a obrigação (CPC, art. 88, II), não incide o disposto no § 3º, pois competente será o foro do lugar onde a obrigação deva ser satisfeita (art. 100, IV, alínea d).
Em síntese, os parágrafos do artigo 94 são alternativas para a competência determinada pelo domicílio do réu. Caso seja aplicável alguma regra especial, afastam-se o caput e, conseqüentemente, os respectivos parágrafos.
Tratando-se de litisconsórcio passivo, se os réus tiverem domicílios diferentes, o legislador conferiu ao autor a faculdade de optar por qualquer deles (§ 4º).
A vantagem conferida ao autor, nesses casos, subsiste mesmo que um dos litisconsortes tenha prerrogativa de Justiça ou de juízo. Se um dos réus for a União, a competência é da Justiça Federal, podendo o autor optar pelo foro de qualquer deles, ainda que não coincidente com o da pessoa jurídica de direito público (CPC, art. 99, I).
Da mesma forma, se o Estado ocupar o pólo passivo de ação, ao lado de réu com domicílio diverso, o autor poderá escolher o foro que melhor lhe convier para a propositura da ação, ainda que exista juízo privativo da Fazenda Pública na capital. O Estado não tem prerrogativa de foro, apenas e eventualmente de juízo, conclusão adotada na Súmula nº 206 do Superior Tribunal de Justiça.
12. Critério territorial e competência absoluta
Se o pedido formulado pelo autor estiver fundado em direito real sobre imóveis, competente para a propositura da ação é o foro da situação da coisa (CPC, art. 95).
Para incidência da regra, necessário que a causa de pedir seja relação material de que decorra direito real. Se o autor pretender o reconhecimento de determinado direito pessoal, ainda que relacionado a bem imóvel, não se aplicará o dispositivo.
Assim, demanda visando à condenação do réu ao cumprimento de contrato de compra e venda está fundada em direito obrigacional. Já o compromisso registrado confere direito real ao promissário comprador, motivo pelo qual a competência para eventualação nele fundada é da situação da coisa.(23)
Como a norma está fundada no critério territorial, a competência tem natureza relativa. Não pode ser declarada de ofício e deve ser alegada mediante exceção, sob pena de preclusão e prorrogação (CPC, arts. 111 e 114).
Por isso, o legislador permitiu ao autor a opção pelo foro do domicílio ou de eleição. Tal faculdade reforça a idéia de que se trata de competência relativa.
Mas essa possibilidade inexiste se a demanda versar uma das situações mencionadas na parte final do dispositivo: propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova.
Nesses casos, a competência da situação da coisa (forum rei sitae) tem natureza absoluta, razão por que deve ser declarada de ofício, a argüição é feita em contestação (art. 301, II) e não está sujeita a preclusão.
Embora boa parte da doutrina entenda ter o legislador adotado o critério funcional, não se verifica aqui nenhuma das hipóteses de competência determinada em razão das funções exercidas pelo juiz no processo. Na verdade, por opção legislativa, regra fundada no critério territorial deu origem a competência absoluta. Não há necessidade de ampliar a abrangência do critério funcional, tornando-o impreciso e de difícil configuração. Sua aplicação está restrita às hipóteses em que, considerada a especificidade das funções atribuídas ao juiz, verifica-se variação de competência no mesmo processo, em sentido horizontal ou vertical (hierárquica, recursal). Também estão fundadas no critério funcional as regras que fixam a competência para o processo em razão das funções exercidas pelo juiz em outro. São apenas essas as aplicações desse critério de determinação de competência.
Nesse equívoco incidiu o legislador, ao estabelecer que a competência do local do dano, para as ações civis públicas, tem natureza funcional (Lei nº 7.347, de 24/7/1985, art. 2º). O que ele pretendeu, na verdade, foi determinar regra de competência absoluta, não obstante fundada no critério territorial.
Em síntese, a parte final do artigo 95, embora fixe competência absoluta de foro, é informada pelo critério territorial, pois leva em conta a existência de nexo entre um dos elementos da demanda e determinado lugar.
A propósito do tema, é controvertida em sedes doutrinária e jurisprudencial a natureza do direito em que se funda a execução hipotecária. Para efeito de determinação da natureza da competência, a discussão não tem relevância, pois, ainda que se considere real o direito, a matéria não integra o rol do artigo 95, parte final. Daí, a natureza relativa da competência.
Nessa linha, a 12ª Câmara do antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, em acórdão por mim relatado, assim decidiu:
“Controvertida é a determinação da competência na execução hipotecária, já que, dependendo do entendimento acerca da natureza da demanda, diversa será a regra aplicável.
Admitido o entendimento de que não se trata de ação fundada em direito real (cfr. Cândido Rangel Dinamarco, Execução Civil, 3ª ed., Malheiros Editores, p. 224) ou, na hipótese de se considerar possível a escolha entre a ação real e a pessoal, e tendo o credor hipotecário optado pela última, a competência não será regida pelo artigo 95 do Código de Processo Civil (cfr. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Editora Forense, Tomo IX, 1976, pp. 302/303; Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, 3ª ed., Editora Forense, vol. VI, Tomo I, p. 408).
Ao contrário, aceitando-se a natureza real da execução hipotecária, a competência será fixada à luz do artigo 95 do Código de Processo Civil.
Em tal caso, porém, nada obsta a eleição de foro, pois o litígio não está incluído no rol da 2ª parte do referido dispositivo. Apenas naquelas hipóteses ali elencadas a eleição é ineficaz, visto que, apesar de fundada no critério territorial, a competência do foro da situação da coisa é absoluta. Nos demais casos, pode a demanda ser proposta no local do domicílio ou em outro livremente escolhido pelas partes em contrato (cfr. Humberto Theodoro Junior, Processo de Execução, 17ª ed., Editora Leud, p. 121; Theotonio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 30ª ed., Saraiva, p. 187, artigo 95, nota 8; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 3ª ed., RT, p. 406; Sálvio de Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil anotado, 6ª ed., Saraiva, p. 73).
Apesar da existência de respeitável posição contrária (cfr. Antonio Carlos Costa e Silva, Tratado do Processo de Execução, 2ª ed., Aide Editora, 1º vol., p. 698; Araken de Assis, Manual de Processo Civil, 4ª ed., Editora Revista dos Tribunais, p. 185), é essa a tendência jurisprudencial (AI nº 127901800, Ac. nº 10484, Foz do Iguaçu, Tribunal de Alçada do Paraná, 1ª Câmara Cível, Rel. Juiz Convocado Antonio Renato Strapasson, j. 15/12/1998, publicado 5/2/1999; AI nº 396-7/43, Araçatuba, 1º TACSP, 1ª Câmara, Rel. Juiz Elliot Akel, j. 19/9/1988, v.u., MF 300/41; APL nº 391-4/90, Araçatuba, 1º TACSP, 7ª Câmara, Rel. Juiz Donaldo Armelin, j. 30/8/1988, v.u., publicação: MF 294/107, fonte: Jurisprudência Informatizada Saraiva nº 17).
Nessa medida, independentemente da natureza da ação fundada em contrato de hipoteca, relativa é a competência, o que torna possível a eleição de foro.”(24)
Da mesma forma, não se aplica a regra às demandas com pedido de imissão na posse, visto que fundadas em direito pessoal. A esse respeito, em parecer acolhido pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, desenvolvi as seguintes considerações:
“Se a demanda fosse de natureza real, especialmente possessória, o Juiz da situação do imóvel seria absolutamente competente para julgá-la. Trata-se de regra especial de competência territorial, que derroga as normas gerais, não podendo as partes optar por foro diverso (cfr. Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, v. I, 1977, pp. 137 e 138; Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, v. I, t. II, Forense, 1977, p. 418). Tal conclusão não se altera ainda que uma das partes seja entidade autárquica, que não tem foro privilegiado, mas apenas prerrogativa de juízo na comarca da Capital (AI nº 8.344-0, Santo André, Rel. Des. Onei Raphael, j. 17/3/1988; AI nº 9.720-0, Santo André, Rel. Des. Marino Falcão, j. 4/5/1989).
Ocorre que, no caso em análise, a causa de pedir da ação não é a posse. Pleiteiam os autores o reconhecimento de seu eventual direito à pesquisa de argila no imóvel do réu. A conseqüente imissão não decorre de posse anterior. Não se trata, pois, de ação possessória, mas de demanda versando direitos eminentemente pessoais (cf. Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, v. VIII, t. III, Forense, 1980, p. 469; Teresa Celina de Arruda Alvim Pinto, “Ações possessórias”, in Repro 43/186).
Em sendo assim, a competência é do foro da sede da ré, em conformidade com o disposto no artigo 100, IV, a, do CPC, não sendo aplicável o artigo 95 do mesmo estatuto.”(25)
13. Domicílios especiais
O legislador processual estabelece alguns domicílios especiais, ou seja, indica qual o domicílio de determinadas pessoas, para o fim de determinar a competência. Não se trata aqui de excepcionar a regra geral do domicílio do réu (art. 94), mas apenas de esclarecer onde deve ser considerado o domicílio de certos sujeitos do processo.(26)
13.1. Domicílio do autor da herança (CPC, art. 96)
O último domicílio do de cujus determina o foro competente para os processos versando a divisão dos bens entre os herdeiros (inventário, partilha, arrecadação, testamento).
Além disso, como antes da partilha existe uma universalidade de bens denominada espólio, ao qual o legislador confere capacidade processual, devendo ser representada pelo inventariante (CPC, art. 12), a competência para eventuais demandas em face dele propostas também é do último domicílio do de cujus.
Em qualquer caso, o local do óbitoé absolutamente irrelevante. Ainda que tenha ocorrido no exterior, a competência internacional é da autoridade brasileira (v. comentários aos arts. 88 e 89), devendo o processo ter início e desenvolver-se no foro do último domicílio dele no país.
Se o autor da herança não possuía domicílio certo, todas as demandas acima referidas, inclusive aquelas movidas ao espólio, devem ser propostas no foro da situação dos bens a serem partilhados entre os herdeiros (CPC, art. 96, parágrafo único, inciso I).
Mas, se os bens estiverem situados em lugares diferentes, a segunda alternativa indicada pelo legislador é o foro em que se deu o óbito (inciso II).
Pode ocorrer, todavia, que o de cujus não tivesse domicílio certo, seus bens estejam em locais diversos e ele tenha falecido no exterior. Nesse caso, parece possível a abertura de inventário em qualquer foro onde esteja situado um bem imóvel, verificando-se a prevenção para as demais ações versando questões relacionadas à herança, bem como aquelas contra o espólio.
O artigo 96 tem ainda a função de esclarecer a regra geral do artigo 94, para as ações a serem propostas em face do espólio. Não prevalece sobre os foros especiais do artigos 95 e 100. O último domicílio do de cujus é dado a ser levado em conta tão-somente se a competência de foro, no caso, for determinada pelo domicílio do réu. Nada obsta a incidência, por exemplo, do artigo 95: ação versando direito real sobre imóvel deve ser proposta no foro da situação da coisa, ainda que o pólo passivo seja ocupado por espólio.
O artigo 96 não regulamenta espécie de foro especial. Simplesmente determina o domicílio do de cujus e deve ser considerado apenas nos casos em que esse dado seja relevante para determinação da competência.
13.2. Domicílio do ausente (CPC, art. 97)
Ausente é quem desaparece de seu domicílio, sem deixar notícia ou representante legal. Essa situação deve ser reconhecida judicialmente, em processo de jurisdição voluntária, nomeando-se-lhe curador (CPC, arts. 1.159 e ss.; CC, arts. 23/25).
A competência para eventuais demandas movidas ao ausente é do foro de seu último domicílio, onde também devem ser requeridas a própria declaração de ausência e as providências destinadas à arrecadação e partilha dos bens, além das destinadas ao cumprimento de declarações de última vontade.
Com relação às ações propostas ao ausente, o dispositivo visa apenas a complementar a regra geral relativa ao domicílio do réu (art. 94). Não exclui, todavia, os denominados foros especiais. Por isso, demanda versando cumprimento de obrigação deve ser proposta no foro onde a satisfação voluntária deveria ter ocorrido, ainda que ausente o réu (art. 100, IV, alínea d). Da mesma forma, se o autor pretender indenização por acidente de veículo, poderá formular o pedido no foro de seu domicílio ou do local do fato (art. 100, V, parágrafo único).
Em resumo, o artigo 97 limita-se a esclarecer o domicílio do ausente, para efeito das demandas a serem propostas no respectivo foro. Apenas isso. Não se trata de mais uma modalidade de foro especial. Sua incidência está condicionada à do artigo 94: a ação será ajuizada no último domicílio do ausente (art. 97), se tiver de ser proposta no domicílio do réu (art. 94).
13.3. Domicílio do incapaz (CPC, art. 98)
Da mesma forma que os artigos 96 e 97, pretende-se aqui esclarecer apenas que, para as ações em que o incapaz seja réu e que devam ser propostas no foro do domicílio do réu (art. 94), competente é o foro do representante legal.
É mera complementação da regra geral, que fixa o foro comum, não prevalecendo sobre os especiais.
O dispositivo nada mais faz, aliás, do que reproduzir orientação adotada pelo legislador material: o domicílio legal e necessário do incapaz é o de seu representante legal (CC, art. 76, parágrafo único).
A norma aplica-se a qualquer espécie de incapacidade, absoluta ou relativa (CC, arts. 3º e 4º).
13.4. Domicílio da União e dos Territórios (CPC, art. 99)
A participação da União em um dos pólos da relação processual, bem como sua intervenção como assistente ou opoente, determinam a competência da Justiça Federal (CF, art. 109, I).
Não se tratando de alguma hipótese excepcional de competência originária de 2º grau, necessário identificar o foro competente.
A regra do Código de Processo Civil, que fixava o foro da Capital do Estado ou do Território, foi derrogada pelo artigo 109, §§ 1º e 2º, da Constituição.
A Justiça Federal é dividida em cinco Regiões, a que correspondem os Tribunais Regionais Federais. Cada Estado da Federação, bem como o Distrito Federal, constitui uma seção judiciária (CF, art. 110). Em algumas regiões foram criadas, posteriormente à Constituição, subseções, que coincidem com a idéia de comarca. A título de exemplo, na 3ª Região, composta pelos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, existem duas seções judiciárias, correspondentes aos dois Estados. Em determinadas cidades de ambos há subseções.(27)
Hoje, para efeito de distribuição dos processos aos juízes federais de 1º grau, as áreas territoriais são denominadas seção ou subseção judiciária, cada qual correspondendo a um foro.
Pois bem, sendo a União autora, a demanda deve ser proposta na seção judiciária ou subseção em que a outra parte seja domiciliada (CF, art. 109, § 1º), isto é, a competência é do foro do domicílio do réu.
Se a União figurar no pólo passivo, o legislador constitucional prevê quatro alternativas: foro do domicílio do autor, do local do ato ou fato em que a pretensão estiver fundada, da situação da coisa ou no Distrito Federal (§ 2º).
Verifica-se que as soluções adotadas na Constituição são semelhantes às do Código de Processo Civil. Não há, pois, qualquer prerrogativa de foro para a União. Ao contrário, a idéia foi facilitar o acesso à Justiça daqueles que com ela litigam.
Nessa medida, necessário interpretar o dispositivo constitucional à luz do sistema processual.
A regra geral de que as ações devem ser propostas no foro do domicílio do réu (art. 94), reproduzida no artigo 109, § 1º, da Constituição, não exclui os foros especiais (arts. 95, 98 e 100).
Nessa medida, se a União propuser demanda possessória, versando bem imóvel, a competência é do foro da situação da coisa, ainda que o réu tenha domicílio em outra seção ou subseção judiciária.
Com relação à competência para as ações em que a União for ré, também algumas considerações devem ser feitas. As alternativas concedidas ao autor configuram exceção à regra geral, bem como aos foros especiais previstos no Código de Processo Civil. Por isso, devem prevalecer, salvo em relação à regra estabelecida no artigo 95, parte final, que, embora fundada no critério territorial, estabelece competência absoluta.
Assim, nas ações fundadas em contratos ou atos ilícitos, o autor tem três opções: foro de seu domicílio, do local em que ocorreu o ato ou fato e do Distrito Federal. Se a pretensão versar um dos direitos reais sobre imóveis apontados no artigo 95 do estatuto processual, a competência, de natureza absoluta, é apenas do foro em que situada a coisa.
Conveniente ressaltar que, embora previstas em sede constitucional, as normas sobre competência de foro, nos processos de que participa a União, estão fundadas no critério territorial. Trata-se, pois, de competência relativa, com todas as conseqüências daí resultantes (v. arts. 112 e 114), com a ressalva já apontada quanto ao artigo 95.
Se uma das partes for Território, não importando se autor ou réu, a demanda deve ser proposta no foro da respectiva capital (inciso II).
13.4.1. Intervenção de ente federal nos processos em curso
Se a União Federal ou o Território intervier no processo em curso, diz a lei processual, os autos devem ser remetidos à Justiça Federal ou local, da respectiva capital (CPC, art. 99, parágrafo único).
Como a matéria concernente ao foro competente para os processos de que participe a União, como autora ou ré, está regulada no artigo 109, §§ 1º e 2º, daConstituição Federal, o dispositivo processual em questão está parcialmente revogado. Se, embora figurando a União em um dos pólos do processo, não mais existe a prerrogativa, não tem sentido remeterem-se os autos à capital do Estado em caso de terceira interveniente. Se o processo teve início perante outra Justiça, haverá apenas o deslocamento da competência para a Justiça Federal, por força do artigo 109, inciso I. O foro, todavia, será determinado à luz das regras contidas nos §§ 1º e 2º deste mesmo artigo.
Eventual incompetência, verificada à luz dos elementos levados em conta pelo legislador constitucional, tem natureza relativa e deve ser alegada, sob pena de prorrogação (CPC, art. 114).
Com relação ao Território, permanece em vigor a prerrogativa de foro, devendo os autos ser remetidos à capital.
Não havendo mais prerrogativa de foro para a União, passou a ser irrelevante a menção ao processo de insolvência, como exceção à norma revogada. Anote-se apenas que, por disposição constitucional, a participação da União, a qualquer título, não gera deslocamento da competência para a Justiça Federal (art. 109, inciso I e § 4º).
Como o dispositivo em análise tratava apenas da competência de foro, não de Justiça, a nova regulamentação tornou inócua a exceção.
Quanto aos Territórios Federais, a prerrogativa de foro, embora em vigor, não incide nos processos de insolvência e em outras hipóteses legais.
13.5. Pessoa jurídica
Se o pólo passivo for ocupado por pessoa jurídica, a demanda deve ser proposta no foro em que estiver situada sua sede (CPC, art. 100, IV, alínea a). Quase sempre esta coincide com o domicílio, quer por ser o local onde funciona a administração, quer em razão de expressa previsão existente no estatuto ou ato constitutivo (CC, art. 75, IV). Caso domicílio e sede estejam situados em locais diversos, o dispositivo em questão prevalece sobre a regra geral (art. 94).
É preciso enfatizar que não se trata propriamente de foro especial, mas apenas de norma genérica, aplicável a todas as demandas movidas a pessoa jurídica, versando direito pessoal e direito real sobre bens móveis. Se a pretensão estiver fundada em posse ou propriedade sobre imóvel, por exemplo, competente é o foro da situação da coisa (art. 95). Da mesma forma, se o autor pretender o cumprimento de obrigação, a demanda deve ser proposta no foro em que ela deve ser satisfeita (art. 100, IV, a).
Em síntese, ao determinar a competência em função do foro em que localizada a sede da pessoa jurídica, o legislador simplesmente estabeleceu regra geral para certo tipo de réu, que não se aplica às situações para as quais foi previsto foro especial.
Se a pessoa jurídica tiver várias agências, sucursais ou filiais, o foro em que se encontrar cada uma delas será competente para as ações fundadas em relações obrigacionais que tiverem origem na respectiva unidade. Assim, o cliente de um banco ou de uma grande rede de lojas poderá propor a demanda no foro da agência ou filial em que realizou o negócio.(28)
Embora omisso o dispositivo, deve-se entender que a regra estabelece a competência para as ações movidas à pessoa jurídica, não para aquelas em que ela figure como autora, pois inexiste razão para conferir-lhe tal vantagem apenas porque constituída por várias filiais.
Também aqui o Código se limita a repetir regra de direito material, pois cada um dos vários estabelecimentos da pessoa jurídica é considerado seu domicílio para os atos nele praticados (CC, art. 75, § 2º).
Assim, na mesma linha de raciocínio desenvolvida anteriormente, estamos diante da regra geral, segundo a qual as ações devem ser propostas no foro do domicílio do réu (art. 94). Daí, sua inaplicabilidade a situações submetidas a foro especial.
As sociedades de fato ou irregulares podem ser partes no processo, embora não dotadas de personalidade jurídica (CPC, art. 12). Para as demandas a elas movidas, competente é o foro em que a principal atividade é desenvolvida. Para tal fim, é esse seu domicílio. Mais uma vez o legislador limita-se a fornecer elementos para possibilitar a incidência da regra geral sobre competência territorial: foro do domicílio do réu. Não se trata, pois, de mais um foro especial.
Entenda-se por atividade principal a administrativa. Não tem sentido estabelecer a competência em função do local em que a sociedade desenvolve apenas atividade produtiva, embora esta seja a principal. É na sede administrativa em que se encontram todos os elementos úteis ao processo, bem como as pessoas que por ela respondem (art. 12, VII).
14. Foros especiais
As situações examinadas a seguir revelam, agora sim, verdadeiras regras especiais sobre o foro. Excepcionam a regra geral do domicílio do réu.
14.1. Residência da mulher casada
A regra geral quanto à competência de foro está prevista no artigo 94: domicílio do réu. Existem, todavia, foros especiais, como o fixado no artigo 95. Também o artigo 100 estabelece alguns foros especiais, que prevalecem sobre o geral.
A primeira exceção à regra refere-se às ações versando separação judicial, conversão em divórcio e anulação (e nulidade) de casamento (inciso I). Nesses casos, a demanda deve ser proposta na residência da mulher, ainda que ela seja autora.
O termo residência deve ser entendido como local em que a mulher habita de forma duradoura, com intenção de permanecer (CC, art. 70) ou onde alternativamente viva (CC, art. 71). Não tem sentido admitir a competência do foro em que ela se encontre de passagem. Talvez a intenção do legislador tenha sido a de evitar alegações concernentes ao poder concedido ao marido de fixar o domicílio do casal, regra existente no Código Civil de 1916 (arts. 36, parágrafo único e 233, III), mas não reproduzida no atual (art. 1.569).
Houve por bem o legislador conferir maior proteção à mulher, nos processos em que se discutem a relação conjugal e o casamento. Diante do princípio constitucional da isonomia, enfatizado quanto ao homem e à mulher no artigos 5º, inciso I, e 226, § 5º, chegou-se a suscitar a inconstitucionalidade dessa regra processual. A esse respeito, e também quanto à aplicabilidade do artigo 100, I, ao divórcio direto, em parecer acolhido pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, tive oportunidade de observar que:
“Não obstante a omissão do legislador, a regra do artigo 100, I, do CPC também se aplica ao divórcio direto.
De fato. Os mesmos motivos que levaram o legislador a estabelecer a competência da residência da mulher para as ações de separação e de conversão podem ser invocados para as demandas em que se pretende o divórcio direto (urbi cadem ratio ibi legis dispositio).
Assim já decidiu essa C. Câmara (AI nº 14.070-SP, Rel. Des. Lair Loureiro, j. 23/1/1992, v. tb. RT 593/119).
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a regra em questão foi recepcionada pela nova ordem constitucional.
Apesar de a Carta de 1988 haver realçado a igualdade entre os sexos, não trouxe para o sistema jurídico inovação substancial. Isso porque, já na vigência da Constituição anterior, o princípio da isonomia vedava qualquer distinção entre as pessoas, motivadas por aspectos relacionados ao sexo (art. 153, § 1º).
Inexiste diferença entre os dois dispositivos. Ambos expressam o mesmo princípio, de forma diversa. Tanto faz dizer ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo’, quanto ‘todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza’, destacando-se que ‘homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações’.
Vale ressaltar, ainda, que eventual alteração deve ser interpretada em benefício da mulher, já que a regra é resultado de ‘décadas de lutas das mulheres contra as discriminações’ (José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª ed., RT, p. 193).
Pondere-se, também, que o princípio da isonomia deve ser compreendido em seus exatos termos, isto é, a igualdade entre as pessoas jamais pode ser absoluta; o tratamento diferenciado, em certa medida, éperfeitamente admissível.
A vedação refere-se a diferenciações arbitrárias, a discriminações: ‘Na verdade, o tratamento desigual nos casos desiguais, na medida em que desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça’ (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 1989, p. 243). Legitima-se, muitas vezes, a diferença de tratamento, ‘em virtude de pressupostos lógicos e objetivos, que justifiquem, racionalmente, a desequiparação operada’ (José Celso de Mello Filho, Constituição Federal anotada, Saraiva, 1986, p. 428).
A análise do princípio da isonomia deve ser feita sempre em função do objetivo pretendido, não da mera vedação de discriminações. A lição é de Celso Ribeiro Bastos: ‘O que este realmente protege são certas finalidades, o que, de resto, não é uma particularidade do tema em estudo, mas de todo o direito, que há de ser examinado sempre à luz da teologia que o informa. Assim é que o discrímen sexo torna-se inegavelmente inaceitável sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem da mulher. Seria suficiente, contudo, evidenciar que o discrímen sexo foi escolhido com a finalidade de atenuar os desníveis entre eles, para torná-lo válido. Em síntese, só se tem por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de finalidade acolhida pelo direito’ (Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 1978, p. 227).
Dúvida não há que a mulher, na grande maioria das vezes, é a parte mais fraca na demanda de separação judicial. Tal situação decorre não da lei, mas de fatores sociais e culturais, que não podem ser ignorados. Merece ela, portanto, a tutela especial do CPC (cf. Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, Saraiva, 1982, p. 71; Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, v. I, RT, 1977, p. 146).
Em síntese: a regra constitucional em nada inovou o ordenamento; por outro lado, o foro especial da mulher atende a um objetivo legítimo, qual seja, o de atenuar possíveis e prováveis desigualdades em relação ao homem (cf., nesse sentido, AI nº 14.300-0, Bauru, Rel. Des. Cunha Camargo, j. 26/3/1992; AI nº 14.070-0, SP, Rel. Des. Lair Loureiro, j. 23/12/1992; AI nº 11.380-0, SP, Rel. Des. Marino Falcão, j. 21/2/1991).”(29)
Esse entendimento acabou prevalecendo no Tribunal de Justiça de São Paulo.(30)
Incide a regra também nas hipóteses de conversão da separação em divórcio. Tem-se entendido desnecessário o apensamento do pedido aos autos da separação judicial (Lei do Divórcio, art. 35, parágrafo único), sendo suficiente instruí-lo com certidão da sentença trânsita em julgado e inscrita no Cartório de Registro Civil.
Também se discute sobre a aplicabilidade da regra especial às ações versando dissolução de união estável.
A matéria é de competência do juízo da família (Lei nº 9.278, de 10/5/1996, art. 9º). Nessa medida, parece razoável estender-se à companheira o benefício processual conferido à mulher casada. Pode-se argumentar com o caráter excepcional da regra contida no artigo 100, I. Ocorre que, ao estabelecer a competência do juízo de família para as demandas relativas à união estável, o legislador pretendeu estender a essa situação as regras processuais pertinentes ao casamento.(31)
14.2. Domicílio ou residência do alimentando
O mesmo intuito protetivo revela-se presente no artigo 100, inciso II, do CPC. Nas demandas em que se pleiteiam alimentos, provisórios ou definitivos, a competência é determinada não pelo domicílio do réu, mas pelo do autor.
Aqui o legislador usa as expressões domicílio ou residência, com nítido objetivo de facilitar a propositura da demanda pelo alimentando, que pode não estar residindo com seu representante, onde legalmente está domiciliado (CC, art. 76, parágrafo único).
Se ele tiver residência em local diverso do domicílio do representante legal, poderá a ação ser proposta no foro respectivo.
Tem-se aplicado a regra mesmo nas execuções de sentenças condenatórias ou homologatórias de pensão alimentícia, não obstante o disposto no artigo 575, II. Assim, se o alimentando mudar de endereço após o reconhecimento judicial do direito a alimentos, a pretensão executiva poderá ser deduzida no novo foro, muito embora a competência do juízo da condenação esteja fundada no critério funcional. Ao ver da jurisprudência, prevalece sempre o interesse do alimentando, ainda que absoluta a competência determinada pelo artigo 575, II.(32)
Nas ações de investigação de paternidade cumuladas com pedido de alimentos, prevalece o foro especial do alimentando, ainda que para a demanda declaratória vigore o foro geral. Na medida em que admissível a cumulação de pedidos, ambos devem ser deduzidos perante o juízo competente para examinar a pretensão alimentícia.(33)
A norma refere-se aos alimentos decorrentes de relação de parentesco ou de casamento. Não alcança os devidos em razão de ato ilícito, situação regulada pelo inciso V.
14.3. Domicílio do devedor
Demanda visando à anulação e substituição de títulos ao portador, com fundamento na perda ou desapossamento injusto (CPC, art. 907, II), deverá ser proposta no foro do domicílio do devedor, muito embora o réu seja o detentor (CPC, art. 100, III). O devedor é simplesmente intimado para depositar em juízo o valor do capital com os acréscimos legais (art. 908, I e II).
Trata-se de foro especial, razão por que prevalece sobre a regra geral do artigo 94.
Apesar de a pretensão deduzida pelo autor ser dirigida ao detentor do título, estabelecendo-se entre eles a relação de direito material e, conseqüentemente, também a de direito processual, o devedor é terceiro interessado, visto que está obrigado a efetuar o respectivo pagamento. Por isso, determina a lei sua intimação para depósito judicial do valor.
Além disso, para facilitar o cumprimento desse dever e daquele imposto pelo artigo 911, consistente na lavratura de outro título em substituição, optou o legislador, para fins de competência, pelo foro de seu domicílio.
14.4. Demanda versando sobre cumprimento de obrigação contratual
A hipótese descrita no artigo 100, inciso IV, alínea d, configura foro especial. Se o autor formular pretensão condenatória, versando cumprimento de obrigação oriunda de contrato, a competência para a propositura da ação não é determinada pelo domicílio do réu, mas pelo local estabelecido para satisfação voluntária.
Em princípio, as obrigações são quesíveis, ou seja, devem ser cumpridas no domicílio do devedor, salvo se houver estipulação expressa em sentido contrário ou se a inversão decorrer das circunstâncias do caso, da natureza da obrigação ou da lei (CC, art. 327).
Nessa medida, se o suposto credor pretender tutela condenatória incidente sobre a prestação devida, deve propor a ação no foro do domicílio do réu, exceto se verificada uma das circunstâncias acima. Essa conclusão deve-se, todavia, não ao disposto no artigo 94, mas à regra existente no direito material, a respeito da natureza das obrigações. Tanto é que, se portável a obrigação, por qualquer das razões do artigo 327 do Código Civil, a competência não será do foro em que domiciliado o réu.
Por isso, ao examinar situação concreta, concluí que:
“Pretende a agravada receber honorários médicos. Embora nada exista a respeito, trata-se de obrigação que, pela própria natureza, deve ser cumprida no domicílio do credor (CC, art. 950). A dívida fundada em contrato de prestação de serviços médicos configura obrigação portable, pois é paga normalmente no próprio consultório.
A competência para as demandas, cujo objetivo é a obtenção de tutela condenatória por inadimplemento contratual, é determinada em função do local estabelecido para cumprimento da obrigação, incidindo o disposto no artigo 100, IV, d, do Código de Processo Civil (cfr. Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, vol. I, tomo II, 1977, pp. 455/457; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, Saraiva, 1982, p. 72; Competência e suspeição

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