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impulso nº 31 155 A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC): rumo à integração política e econômica SOUTHERN AFRICA DEVELOPMENT COMMUNITY (SADC): TOWARDS POLITICAL AND ECONOMIC INTEGRATION Resumo Este artigo considera a atual tendência rumo à constituição de novos blocos econômicos a partir do ponto de vista da experiência africana. Seu objetivo é revisar brevemente os diferentes momentos e aspectos envolvidos na criação e desenvolvi- mento de um Mercado Comum Africano. Inclui algumas observações políticas, eco- nômicas e históricas sobre os desafios e oportunidades para o contínuo desenvolvi- mento de uma comunidade de Desenvolvimento da África Austral. Palavras-chave COMUNIDADE DE DESENVOLVIMENTO DA ÁFRICA AUSTRAL (SADC) – INTEGRAÇÃO REGIONAL – ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO – UNIÃO ALFAN- DEGÁRIA – PRESENÇA COLONIZADORA – ESTADOS DA LINHA DE FRENTE. Abstract This essay considers the present trend towards the constitution of new eco- nomic blocs from the point of view the African experience. It aims at briefly revi- ewing the different moments and aspects involved in the creation and development of an African Common Market. It includes some political, economic and historical remarks about the challenges and opportunities for the further development of a South African Development Community. Keyword SOUTHERN AFRICAN DEVELOPMENT COMMUNITY (SADC) – REGIONAL INTEGRATION – FREE TRADE AREA – CUSTOMS UNION – SETTLER PRESENCE – FRONTLINE STATES. RUKUDZO MURAPA Vice-chanceler da Africa University (Zimbábue), consultor da UNDP, World Bank e outras agências internacionais vc@syscom.co.zw www.africau.edu * * Tradução do inglês: Cristina Paixão Lopes. 0000_Impulso_31.Book Page 155 Monday, September 30, 2002 10:52 AM 156 impulso nº 31 INTRODUÇÃO história moderna tem sido caracterizada pela formação de blocos de países como estratégia de autodefesa e de- senvolvimento socioeconômico. Mais marcadamente, os exemplos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da União Européia (UE) têm sido de- terminantes. Na África, essa mesma tendência pode ser identi- ficada na criação da Comunidade para o Desenvolvi- mento da África Austral (SADC) e da Comunidade Econômica dos Es- tados da África Ocidental (ECOWAS), que têm sido consideradas deter- minantes na integração regional econômica africana. A SADC tem ampliado o número de países participantes na comunidade, indo dos nove originais para 14, bem como o âmbito e a natureza de seus objetivos. No entanto, ainda enfrenta desafios em termos de integração, dadas as disparidades e os variados níveis de estabilidade e democracia entre os países membros. INTEGRAÇÃO REGIONAL A integração regional refere-se ao movimento para estabelecer ligações entre e em meio a um grupo de pa- íses dentro de um determinado espaço geográfico, motivado pelos in- teresses comuns e compartilhados para cooperação nas áreas de comér- cio e outros setores econômicos, com vistas a alcançar uma zona de livre comércio e, subseqüentemente, estabelecer uma união alfandegária.1 Os países soberanos consideram a necessidade de integrar ou coo- perar regionalmente apenas se perceberem ganhos coletivos no acordo. Por todo o mundo, a integração regional está sendo considerada a van- guarda para o desenvolvimento e a sustentabilidade econômicos e a es- tabilidade política. Blocos comuns incluem a União Européia (UE), a Co- munidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS), a Co- munidade Africana do Ocidente (EAC), a Comunidade de Desenvolvi- mento da África Austral (SADC), o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), o Mercado Comum do Cone Sul (Merco- sul), a Associação das Nações do Sudoeste Asiático (Asean), e o Fórum de Cooperação Econômica do Pacífico Asiático (Apec). Os países comercializam mais significativamente com seus vizi- nhos do que com os países distantes. Como tal, “a pura análise econô- mica mostra que, com as pré-condições corretas, podem-se esperar bene- fícios econômicos significativos, potencialmente mensuráveis, com a in- tegração regional”.2 O benefício fundamental da integração econômica está na utilização de vantagens comparativas de Estados membros. As- 1 Secretaria da ACP, 1997. 2 EVANS et al., 1999, p. 4. AAAA 0000_Impulso_31.Book Page 156 Monday, September 30, 2002 10:52 AM impulso nº 31 157 sim, têm condições de aguardar benefícios eco- nômicos significativos em níveis mais profundos de integração regional. Normalmente, a integração regional se ma- nifesta: 1. pelo estabelecimento de uma zona de livre co- mércio, envolvendo a remoção de barreiras tarifárias e não-tarifárias; 2. pelo estabelecimento de uma união alfandegá- ria pela qual todas as restrições ao comércio e ao movimento de agentes dentro da área são removidas; e 3. pela harmonização de políticas econômicas, monetárias, fiscais, sociais e outras políticas setoriais. A integração também é influenciada pelo desejo de promover uma frente comum de defesa e segurança. Muito se tem escrito sobre a integração regional, porque há uma crescente compreensão de que a sua promoção é um poderoso paradig- ma de desenvolvimento que pode permitir às nações alcançar recuperação e crescimento eco- nômico robusto e auto-sustentável. Parece ser uma panacéia para a melhoria da qualidade de vida dos povos de países pobres. Ela tem sido considerada fonte de esperança para milhões de pessoas para quem a vida parece não ter qual- quer sentido, já que enfrentam uma pobre infra- estrutura educacional e de saúde, níveis impor- tantes de subnutrição, pobreza, desemprego e subemprego. No entanto, é preciso observar que a bus- ca da cooperação e integração regionais per se não pode ser uma solução para políticas nacio- nais de desenvolvimento e administração ruins e falidas. Na realidade, observou-se que os países que se beneficiaram imensamente da integração regional são aqueles que projetaram e imple- mentaram políticas nacionais que sustentam e estimulam a produção, os investimentos e o co- mércio. O ambiente político e econômico nacio- nal tem de sustentar o processo de integração para que qualquer desenvolvimento possa ser alcançado. A SADCC O período de transição da década de 1960 para a de 1970 foi marcado por maciça revolta po- lítica no continente africano. Foi o tempo da des- colonização e independência, e esse movimento ocorreu com relativa rapidez na maioria da Áfri- ca. No entanto, na África do Sul, onde a presença do colonizador era considerável, houve resistên- cia à descolonização. Em conseqüência da resis- tência do colonizador, a luta pela independência assumiu uma estratégia totalmente diferente, das negociações políticas ao confronto militar, de paí- ses como a Rodésia (Zimbábue), África Oriental Portuguesa (Moçambique), África Ocidental Portuguesa (Angola), África do Sul e Namíbia. Conseqüentemente, a Organização de Unidade Africana (OUA) decidiu estabelecer um Comitê de Libertação, sediado em Dar Es Salaam e liderado pela Tanzânia. No cumprimento de suas responsabilidades como base do Comitê de Libertação, a Tanzânia reuniu Estados, que se tor- naram conhecidos como Estados da Linha de Frente (países vizinhos aos locais onde havia re- sistência). Foram os Estados da Linha de Frente e o Comitê de Libertação da OUA que assumiram a responsabilidade de mobilizar apoio internacional para movimentos de libertação como Frelimo (Moçambique), Zapu e Zanu (Zimbábue), MPLA (Angola), Swapo (Namíbia) e ANC e PAC, na África do Sul. Com a independência de Moçambique, Angola e Zimbábue, a liderança dos Estados da Linha de Frente sentiu a necessidade de tratar de questões econômicas na região. O presidente da Tanzânia, Julius Nyerere, convocou uma reunião consultiva em Arusha, Tanzânia, em 1979, para discutir a idéia de uma aliança econômica entre o crescentenúmero de Estados da Linha de Frente, visando coordenar e harmonizar suas políticas econômicas. A reunião contou com a participa- ção dos Estados da Linha de Frente, bem como dos líderes dos movimentos de libertação de pa- íses que ainda não tinham alcançado um governo de maioria. Após uma extensiva deliberação so- bre a visão do presidente Nyerere, resolveu-se explorar a possibilidade de criar alguma forma de 0000_Impulso_31.Book Page 157 Monday, September 30, 2002 10:52 AM 158 impulso nº 31 mecanismo regional que examinasse, monitoras- se e coordenasse questões de desenvolvimento econômico nos países independentes da África Austral. Esse mecanismo veio a se tornar a Con- ferência de Coordenação para o Desenvolvimen- to da África Austral (SADCC). A SADCC foi oficialmente formada em 1.o de abril de 1980, seguindo a adoção do Protocolo de Lusaka, e passou a funcionar em Lusaka, Zâm- bia. Tornaram-se membros da SADCC Angola, Botsuana, Lesoto, Malavi, Moçambique, Suazi- lândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Assim, a SADCC nasceu das experiências positivas de ínti- ma cooperação entre governos e povos da África Austral em sua luta contra a resistência colonial e as políticas do apartheid na região. Fortes laços de solidariedade surgiram de um sentimento de propósito comum e ação conjunta contra o co- lonialismo e o racismo. Quando da independên- cia, a maioria desses países enfrentava pobreza em massa, atraso econômico e ameaça de desestabilização da África do Sul na região. Da- das essas circunstâncias, a necessidade de traba- lhar junto tornou-se um imperativo ainda mais urgente e foi vista como um instrumento de so- brevivência política, desenvolvimento econômi- co e avanço social. Esses Estados começaram a explorar áreas de interesse mútuo. Isso primeiro se manifestou por meio dos agrupamentos dos Estados da Linha de Frente. A SADCC tornou-se, em essência, o braço econômico desses Estados. O bloco coordenou seus esforços, recursos e estratégias para apoiar movimentos de liberta- ção e, ao mesmo tempo, resistir às agressões do regime de minoria branca na África do Sul. Além disso, a liderança da SADCC estava convencida de que o fato de seus países dependerem economi- camente da África do Sul impedia seu próprio de- senvolvimento. Portanto, buscaram reduzir essa dependência e adotar políticas que visassem a in- tegração de suas economias. Por meio da SADCC, os países fundadores buscaram, primeiro, de- monstrar os benefícios tangíveis do trabalho con- junto e do cultivo de um clima de segurança e confiança entre os Estados membros. Assim, a SADCC representava uma visão de autoconfiança coletiva. Foram identificados os seguintes objeti- vos estratégicos: 1. reduzir a dependência do mundo exterior e, em particular, da África do Sul; 2. promover a autoconfiança coletiva dos Esta- dos membros; 3. promover e coordenar a cooperação econômi- ca por meio de um projeto e de uma aborda- gem orientada por setor; 4. promover uma ação conjunta para garantir a compreensão internacional e seu apoio prático para a estratégia da SADCC. De modo a alcançar as prioridades nacio- nais por meio de uma ação regional, cada Estado membro assumiu a responsabilidade de coorde- nar um ou mais setores. Isso envolvia a proposi- ção de políticas, estratégias e prioridades para o setor e processar projetos para a inclusão no pro- grama setorial, monitorando seu progresso e apresentando relatórios ao Conselho Ministerial. As responsabilidades setoriais da SADCC eram as seguintes: • Angola – comissão de energia; • Botsuana – pesquisa agrícola, produção de ani- mais e controle de doenças de animais; • Lesoto – meio ambiente, administração da ter- ra e água; • Malavi – pesca, área florestal e vida selvagem; • Moçambique – cultura, informação, esportes, comissão de transportes e comunicação; • Suazilândia – desenvolvimento de recursos humanos; • Tanzânia – indústria e comércio; • Zâmbia – emprego, trabalho e mineração; • Zimbábue – produção agrícola, alimentação, recursos agrícolas e naturais. O grau de sucesso no desempenho dos Es- tados membros na administração de suas respec- tivas pastas diferiu de um setor para o outro. Em grande medida, isso foi determinado por uma va- riedade ou uma combinação de fatores. Entre eles, os principais foram: 1. o compromisso do país para com o sucesso da pasta que administra- va; 2. os níveis de recursos nacionais (humanos, financeiros e materiais); 3. a habilidade do país em mobilizar o auxílio de doadores internacio- 0000_Impulso_31.Book Page 158 Monday, September 30, 2002 10:52 AM impulso nº 31 159 nais; e 4. o grau de interesse do doador em certo país ou pasta. É importante observar que enquanto a SAD- CC como um todo procurava reduzir a dependên- cia da região sul africana do mundo exterior, tal re- dução na realidade nunca ocorreu. Na verdade, a dependência aumentou, já que suas operações de- pendiam grandemente do auxílio de doadores. Nem um único país empenhou recursos suficien- tes para satisfazer as exigências para a efetiva im- plementação de sua pasta. Surpreendentemente, mal se podia achar um projeto – em qualquer pas- ta que fosse – concebido, desenvolvido e imple- mentado sem um doador por trás. Em muitos pa- íses, mesmo os funcionários de governo encarre- gados de auxiliar na administração da pasta do país recebiam seus salários ou gratificações do doador que fornecia assistência financeira e técnica a esta pasta. Geralmente, os salários pagos por meio de fundos do doador eram muito mais altos do que os dos servidores civis. O resultado é que muitos servidores civis preferiam trabalhar para a pasta da SADCC de seu país. Além de receber salários mais altos, eles se beneficiavam bastante das freqüentes viagens internacionais e dos pagamentos de diárias delas decorrentes. Alguns objetivos foram alcançados pela SADCC, particularmente nas áreas de transporte e comunicações, energia e pesquisa agrícola. O progresso para a redução da dependência da re- gião e para o alcance da integração das economias dos países da África Austral foram modestos. Durante a década de 1980, a SADCC garantiu, efe- tivamente, o investimento internacional, particu- larmente nos setores de transportes e comunica- ções, em que 216 projetos, no valor de US$ 6,6 bilhões (75% do investimento), foram entregues em sua primeira década. A maior parte desse in- vestimento veio dos países nórdicos. Ela também ajudou a manter unido um bloco de países carac- terizados por desenvolvimento regional desigual, ruptura política e diversidade ideológica. A maior realização da Conferência foi o estabelecimento de uma firme base para a integração regional da África Austral. A antiga SADCC promoveu a so- lidariedade tanto entre os governos quanto entre os povos da região em várias esferas da vida. Com o estabelecimento da democracia e do governo da maioria na África do Sul, em 1994, o papel dos Estados da Linha de Frente chegou ao fim e a liderança da SADCC passou a enfocar as questões econômicas. Para isso, ela foi transfor- mada de uma livre fraternidade de nações de uma mesma região em uma comunidade econômica. O objetivo, agora, era desenvolver estratégias e políticas que levassem os Estados da África Aus- tral a emergir como um bloco econômico. A Conferência de Coordenação para o Desenvolvi- mento da África Austral (SADCC) deixou de exis- tir e nasceu a Comunidade para o Desenvolvi- mento da África Austral (SADC). A SADC falhou na criação de uma integração regional genuína e eqüitativa. A INTEGRAÇÃO DA SADC A SADC foi estabelecida por meio de um tratado, em 1992. Esse tratado tem por objetivo melhorar as habilidades técnicas e administrativas dentro da região e estipula o estabelecimento de uma série de protocolos voltados para uma maior integração regional inter alia: os protocolos do comércio, energia,educação e turismo. O proto- colo do comércio é o mais significativo e teve de ser ratificado por 2/3 dos países membros antes de ser efetivado. De acordo com o Unidade de Pesquisa de Políticas Econômicas da Namíbia (NEPRU),3 os objetivos do Protocolo do Comércio são: 3 NEPRU, 1998. A Namibian Economic Policy Research Unit (NEPRU), estabelecida em 1990, é o principal instituto independente de pesquisas econômicas na Namíbia. É um instituto autônomo, governado por um Conselho de Cura- dores independente, com três objetivos principais: assessorar o governo da Namíbia como centro de excelência profissional através da pesquisa para a formulação de políticas e tomadas de decisão nas áreas estratégicas de macro e socioeconomia; treinar os namibianos em habilidades especiais; e construir uma base de informações para fonte de pesquisas sobre assuntos namibianos. 0000_Impulso_31.Book Page 159 Monday, September 30, 2002 10:52 AM 160 impulso nº 31 • liberalizar ainda mais o comércio intra-regio- nal de bens e serviços, com base em acordos de comércio justos, mutuamente eqüitativos e benéficos, complementados por protocolos em outras áreas (como a de energia), para ga- rantir uma produção eficiente dentro da SADC, refletindo as atuais e dinâmicas vantagens comparativas de seus membros; • contribuir para melhorar o clima de investi- mentos domésticos entre fronteiras e estran- geiros; • intensificar o desenvolvimento econômico, a diversificação e a industrialização da região; e, por último, • intensificar o processo de integração regional através do aumento do comércio intra-regio- nal e facilitando o comércio entre fronteiras. O protocolo toma providências no sentido de que a redução de tarifas ocorra dentro de oito anos após a ratificação pelos 2/3 dos Estados membros da SADC, enquanto se espera que a zona de livre comércio seja totalmente imple- mentada. Algumas das principais disposições do protocolo são o comércio de bens e serviços, par- ticularmente as regulamentações de origem e os procedimentos alfandegários. Em relação ao comércio de bens, o objetivo é a eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifá- rias ao comércio intra-regional. As barreiras tarifárias incidem sobre os produtos importados para proteger as indústrias nacionais da competi- ção estrangeira e para levantar impostos para o governo. As barreiras não-tarifárias são cotas glo- bais, preços mínimos, restrições quantitativas e exigências locais. Pela genuína e eqüitativa cooperação regio- nal, a SADC busca promover a autoconfiança co- letiva e a formação de elos mais fortes entre seus membros. Como afirmado anteriormente, hoje há 14 países membros da SADC: Angola, Botsua- na, República Democrática do Congo, Lesoto, Malavi, Maurício, Moçambique, Namíbia, Seychelles, África do Sul, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. A SADC representa a aspi- ração de alcançar uma forma mais profunda e am- pla de integração regional entre os Estados mem- bros, indo além de uma coordenação em nível se- torial, em busca de cooperação, convergência e, finalmente, integração em áreas como a de polí- tica monetária e fiscal, taxa de câmbio e regimes de comércio, e o movimento irrestrito de capital e trabalho e de bens e serviços no interior da África Austral. Os Estados membros visionam a África Austral como uma região caracterizada pela paz, boa vizinhança e tranqüilidade, onde as nações tenham maior crescimento econômico e seus cidadãos gozem de prosperidade duradoura como um direito humano fundamental. Entre os objetivos da SADC estão: 1. alcançar desenvolvimento e crescimento eco- nômico, aliviar a pobreza, aumentar o padrão e a qualidade de vida dos países da África Aus- tral e dar apoio aos socialmente desamparados, por meio da integração regional; 2. desenvolver valores, sistemas e instituições políticas comuns; 3. promover e defender a paz e segurança; 4. promover o desenvolvimento sustentado a partir da autoconfiança coletiva e da interde- pendência dos Estados membros; 5. alcançar a complementaridade entre estratégias e programas nacionais e regionais; 6. promover e maximizar o produtivo emprego e a utilização dos recursos da região; 7. alcançar o uso sustentável dos recursos natu- rais e a efetiva proteção do meio ambiente; 8. fortalecer e consolidar as antigas afinidades históricas, sociais e culturais e os elos entre os povos da região; Para alcançar esses objetivos, o tratado re- quer que os Estados membros da SADC: 1. harmonizem as políticas e planos políticos e socioeconômicos dos estados membros; 2. encoragem os povos da região e suas insti- tuições a tomar iniciativas para desenvolver laços econômicos, sociais e culturais por toda a região e participar plenamente na imple- mentação de programas e projetos da SADC; 3. criem instituições e mecanismos apropriados para a mobilização dos recursos necessários à 0000_Impulso_31.Book Page 160 Monday, September 30, 2002 10:52 AM impulso nº 31 161 implementação dos programas e projetos da SADC e suas instituições; 4. desenvolvam políticas que objetivem a pro- gressiva eliminação de obstáculos à livre movimentação de capital e trabalho, bens e serviços, e dos povos da região entre os Esta- dos membros; 5. melhorem a administração e o desempenho econômico por meio da cooperação regional; 6. promovam o desenvolvimento, a transmissão e o domínio da tecnologia; 7. promovam a coordenação e a harmonização de relações internacionais dos Estados membros; 8. garantam entendimento, cooperação e apoio internacional e mobilizem o influxo de recur- sos públicos e privados na região; 9. desenvolvam outras atividades que os Estados membros decidam, em apoio a esse tratado. As estruturas da SADC são, essencialmente, as mesmas que existiam na SADC: a Cúpula de Chefes de Estado, o Conselho de Ministros, o Comitê Permanente de Antigos Oficiais e uma Secretaria, chefiada por um secretário executivo. A Secretaria tem a responsabilidade de adminis- trar questões relativas à organização, bem como à implementação de decisões tomadas pelo Conse- lho e pela Cúpula. Dez anos após sua formação, a SADC deci- diu abandonar a abordagem descentralizada a partir de setores em favor de uma abordagem centralizada. Foi constituído um Comitê Minis- terial para projetar o Plano Regional de Desen- volvimento Estratégico e Indicativo para a região, para cinco anos, junto com o recém-criado De- partamento de Planejamento, Gênero e Desen- volvimento Estratégico e Harmonização Política. Ligados a esse Departamento estarão quatro jun- tas, que reúnem as atividades e programas da SADC que se inter-relacionam: comércio, indús- tria, finanças e investimentos; infra-estrutura e serviço; alimentação, agricultura e recursos natu- rais e desenvolvimento humano e social. A implementação da reestruturação está em andamento e espera-se que esteja concluída em dezembro de 2002. O STATUS POLÍTICO E ECONÔMICO DA REGIÃO DA SADC Visão política O bloco da SADC é composto por Estados altamente diversificados em suas condições so- cioeconômicas e políticas. Embora todos eles se declarem democráticos, bem poucos contêm as instituições que caracterizam as modernas demo- cracias em seus sistemas políticos, como eleições livres e justas, um Judiciário independente e im- prensa livre. Em muitos deles, a elite governante não tolera a oposição política e pouco respeita o sistema de leis. Em alguns países envolvidos em guerras civis, a busca de ideais democráticos ob- viamente tornou-se difícil. Pelo menos dois dos Estados membros, Angola e República Demo- crática do Congo, estão envolvidos em contínuas guerras civis que têm impedido os esforços do governo para exercer a hegemonia política em todo o território nacional. No entanto, em um esforço para alcançar a integração política, a SADC tem tido um papel cadavez maior na solução de conflitos nesses Es- tados. A corporação tem assumido a liderança na busca de um desfecho para as guerras no Congo e Angola, bem como para a atual crise política do Zimbábue. Angola, Namíbia e Zimbábue envia- ram tropas para oferecer apoio militar ao governo do Congo contra ataques de grupos rebeldes que contavam com o apoio militar e político dos go- vernos do Burundi, Ruanda e Uganda. Visão econômica Em 1999, a soma do Produto Interno Bru- to da SADC era estimado em US$ 178,3 bilhões. Como observado anteriormente, as economias da região são estruturalmente variadas e estão em variados estágios de desenvolvimento. O PIB da África do Sul, de US$ 131 bilhões, é maior do que a soma do PIB de todos os outros países da SADC. Os índices de inflação na região também variam grandemente, da hiperinflação em Angola (248%), Zimbábue (112%), República Demo- crática do Congo (45%) e Zâmbia (20%) a índi- ces de inflação relativamente baixos na Tanzânia 0000_Impulso_31.Book Page 161 Monday, September 30, 2002 10:52 AM 162 impulso nº 31 (8%), Moçambique (5,5%) e África do Sul (5,5%). O crescimento econômico regional di- minuiu, em média, registrando um crescimento médio de 2,2% em 1999. No ano 2000, a soma das economias cresceu 3%. No entanto, a dívida externa dos países, individualmente, permanece em níveis inaceitavelmente altos. Excluindo a África do Sul, as economias dos outros 13 países da região podem ser consi- deradas em desenvolvimento. Numa base de país para país, a República Democrática do Congo mal atingiu um crescimento superior a 1% ao ano nas últimas duas décadas. O Zimbábue tem en- frentado sérios desafios econômicos nos últimos três anos. Todos os setores da economia têm-se retraído, de modo geral. No ano 2002, a econo- mia do Zimbábue está projetada para se retrair no índice altíssimo de 7,3%. Embora Moçambique tenha passado a maior parte do seu período de in- dependência sob tumulto político, registrou um impressionante crescimento econômico desde que as hostilidades cessaram. Seu atual cresci- mento econômico está entre 10% e 12%. No en- tanto, as recentes enchentes provocadas pelo Ci- clone Eline afetaram o desempenho da economia moçambicana. Angola ainda se encontra envolvi- da em uma guerra civil que não dá sinais de que- rer chegar ao fim, apesar do recente assassinato de Jonas Savimbi, líder do movimento rebelde UNITA. Outros países, como a Zâmbia e o Mala- vi, também não registraram crescimento econô- mico significativo. Animadoramente, Botsuana e Maurício mantiveram os mais altos índices de crescimento econômico, acima de 5% ao ano, ao longo das duas últimas décadas. Apesar da estimulante direção política que está sendo adotada, a SADC está enfrentando sé- rios desafios para estabelecer um bloco regional viável, dadas as suas disparidades econômicas. Tendo em vista esse cenário, fica difícil antecipar uma próspera integração econômica num futuro próximo. Na verdade, a SADC estabeleceu 2000 como o ano para instituir a zona de livre comér- cio. No entanto, o protocolo elaborado para al- cançar esse fim só foi ratificado em 2000, quatro anos após a sua proposta original. ATUAIS DESAFIOS A integração regional é conduzida por compromissos obrigatórios para o cumprimento das diferentes fases do processo, como o estabe- lecimento de uma zona de livre comércio. No en- tanto, como mostra a demora na ratificação, al- guns Estados membros não aderem a esses com- promissos. Esse comportamento leva à falta de credibilidade e, às vezes, à instabilidade regional. Além disso, alguns membros acreditam que não estão colhendo benefícios iguais com a integra- ção e relutam em remover as barreiras ao livre co- mércio. É o caso da África do Sul, que na verdade desenvolveu uma fobia contra países vizinhos em vez de se mostrar favorável a eles, apesar de do- minar a economia da região. Em 1995, a África do Sul era responsável por 52% das exportações intra-SADC, enquanto absorvia apenas 8% das importações intra-SADC. Falando claramente, isso significa que a África do Sul, que tem a maior economia dentro do grupo, mais exporta do que importa dos países da SADC. O Zimbábue é res- ponsável por 61% das importações da África do Sul dentro do bloco, seguido por Zâmbia e Ma- lavi, com 17% e 13%, respectivamente. Parece claro que não existe suficiente von- tade política por parte da liderança da SADC para impor as obrigações de integração. Os níveis de cooperação não são suficientes. A construção na- cional parece preceder a integração regional. Além disso, a instabilidade política, a falta de paz, a insegurança nacional e o colapso da lei e da or- dem caracterizam um número significativo des- ses países, entre eles, Zimbábue, Angola e Repú- blica Democrática do Congo. As economias da SADC caracterizam-se por moedas muito instáveis. O crescimento no co- mércio regional é mutuamente benéfico se as ta- xas de câmbio de todos os países não forem dis- torcidas. A maioria das moedas regionais é super- valorizada em níveis variantes. Esse sistema torna caro para um país importar do outro, ou muito barato, se sua moeda for mais forte. Ao avaliar a integração regional, o Instituto de Pesquisas In- ternacionais sobre Políticas Alimentares (IFPRI) 0000_Impulso_31.Book Page 162 Monday, September 30, 2002 10:52 AM impulso nº 31 163 concluiu que o mais importante obstáculo ao co- mércio inter-regional é a distribuição desigual de custos e benefícios entre os países. A Comissão Econômica para a África (ECA) argumentou, em outubro de 1997, que a condição ideal para a in- tegração regional seria uma situação em que to- dos os membros tenham iguais níveis relativos de desenvolvimento e um grau significativo de dife- renças na natureza e composição de seus recur- sos, o que forneceria um ambiente condizente para a complementaridade entre os países. Os membros da SADC caracterizam-se por imensas disparidades no desenvolvimento econômico. Atualmente, existem barreiras ao comércio que terão de ser eliminadas para que a zona de li- vre comércio vire uma realidade. Os procedimen- tos alfandegários, como a não-uniformidade no trânsito de cargas e nas exigências de seguro, também são uma barreira ao comércio. Ademais, não existe qualquer transparência no comércio e nos incentivos aos investimentos. O comércio intra-regional constitui apenas 12% de todas as exportações e importações dos países membros e é dificultado pelos bens comercializados. Falando claramente, a exportação de matéria-prima (pro- dutos agrícolas e minerais) permanece o principal sustentáculo das economias da África Austral, com óbvias ramificações para o comércio intra- regional.4 As economias da SADC são pequenas e a maioria delas depende grandemente da agricul- tura. A semelhança de recursos oferece poucas oportunidades para o comércio intra-regional. Já foi dito que a África do Sul é a maior economia da região – três vezes maior que todo o resto da SADC. Embora haja uma determinação para que os demais países interajam positivamen- te com a África do Sul, eles permanecem apreen- sivos com as tendências hegemônicas dessa nação. Finalmente, existem outros agrupamentos que influenciam o progresso da SADC, entre eles o Mercado Comum da África Austral (Comesa), a União Aduaneira da África Austral (Sacu) e a Área de Comércio Preferencial (PTA). A Suazi- lândia, a Namíbia, o Lesoto e a África do Sul, por exemplo, são membros da Sacu. Pelo menos 3/4 dos membros da Sacu pertencem também à PTA ou ao Comesa. Esses agrupamentos às vezes se complementam, às vezes são conflitantes. Além disso, todas essas corporações estabeleceram pro- gramas muito ambiciosos e o serviço civil dos respectivos países não têm a capacidade para im- plementá-los. CONCLUSÃO O programa da SADC está longe de estar completo. Embora sua direção seja bastante po- sitiva, seu ritmoé dolorosamente lento. Os paí- ses membros continuam a competir por investi- mentos em vez de cooperarem; comportam-se como Estados soberanos, ao invés de comunida- de. A SADC permanece principalmente intergo- vernamental, com uma secretaria pequena e rela- tivamente fraca, dependente da ajuda de servido- res civis e políticos em todos os Estados mem- bros. A implementação do protocolo sobre a zona de livre comércio foi extremamente lenta. Além disso, houve uma série de disputas comer- ciais, principalmente entre o Zimbábue e a Áfri- ca do Sul, as maiores economias da região. Vá- rias outras economias menores permanecem cé- ticas em relação aos benefícios, numa região do- minada por uma grande economia como a da África do Sul, que já está negociando enormes vantagens comerciais com a opulenta União Eu- ropéia. No entanto, em um mundo que caminha para uma economia global, o objetivo da SADC deve ser buscado com infalível determinação. Os benefícios virão somente se os Estados membros mantiverem uma forte vontade polí- tica e estiverem dispostos a abrir mão de sua au- tonomia na projeção e implementação de polí- ticas nacionais.4 Um ponto de vista da NEPRU, de 1998. 0000_Impulso_31.Book Page 163 Monday, September 30, 2002 10:52 AM 164 impulso nº 31 Referências Bibliográficas ACP SECRETARIAT. Regional Integration and Co-operation; Realistic Avenues in the next Millennium, Sept./97. AFRICAN DEVELOPMENT BANK. Economic Integration in Southern Africa, 1993. AMIN, S. et al. Prospects for Disengagement and Development in Southern Africa. London: Zeb Books, 1987. CLAYTON, P. Is Regional Economic Integration a Good Idea? Standard Bank Investment Corporation Limited, 1998. EVANS, D. et al. The Cost of Non-Integration. Harare: SAPES Books, 1999. MANDELA, N. Welcome and Opening Address by President Nelson Mandela at the Summit Meeting of SADC Heads of State and Government. Kempton Park, Aug./95. OGEJIDE, A. et al. 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