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Ética de KANT

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IMMANUEL KANT (1724-1804)
“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.”
1.3.3 A ética de Kant
Kant buscava uma ética de validade universal que se apoiasse apenas na igualdade fundamental entre os homens, sua filosofia se volta sempre, em primeiro lugar, para o homem, e se chama filosofia transcendental porque busca encontrar no homem as condições de possibilidade de conhecimento verdadeiro e do agir livre. No centro das questões éticas, aparece o dever, ou obrigação moral, uma necessidade diferente da natural, ou da matemática, pois necessidade para uma liberdade. O dever obriga moralmente a consciência moral livre, e a vontade verdadeiramente boa deve agir sempre conforme o dever e por respeito ao dever. (VALLS, 1986).
Kant por influência do movimento iluminista acredita na igualdade básica entre os homens, desse modo, precisa chegar a uma moral igual para todos, uma moral racional, a única possível para todo e qualquer ser racional.
De acordo com Valls (1986), Kant considera que os conteúdos éticos nunca são dados do exterior, assim cada um de nós tem uma forma de dever, essa fórmula se expressa em várias formulações, no chamado imperativo categórico, desta forma “devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que minha máxima se torne uma lei universal”.
1.4.6 A teoria moral kantiana: a boa vontade como bem ilimitado e incondicionado
O alemão Immanuel Kant (1724-1804), cuja obra é considerada uma das mais completas expressões do movimento filosófico iluminista, inscreve seu nome entre os clássicos do pensamento ocidental ao realizar metódica investigação das possibilidades cognitivas humanas. Em seu exame sobre os limites da razão, no qual aponta restrições às concepções gnosiológicas tradicionais, empirismo e racionalismo, desenvolve-se a distinção kantiana entre a esfera dos fenômenos e a esfera dos númenos. [1: Númeno ou noúmeno (do grego νοούμενoν) é um objecto ou evento postulado que é conhecido sem a ajuda dos sentidos. Na filosofia antiga, a esfera do númeno é a realidade superior conhecida pela mente filosófica. Também pode ser entendido como a essência de algo, aquilo que faz algo ser o que é. O termo é geralmente usado em contraste ou em relação com fenómeno, que em filosofia se refere ao que aparece aos sentidos, isto é, é um objecto dos sentidos. No entanto, este termo é melhor conhecido da filosofia de Immanuel Kant. No kantismo, o númeno é o real tal como existe em si mesmo, de forma independente da perspectiva necessariamente subjetiva em que se dá todo o conhecimento humano; coisa em si (Ding an sich), nômeno, noúmeno (embora possa ser meramente conceituado, por definição é um objeto incognoscível). Por perspectiva subjetiva devemos entender por aquilo que é percebido por um sujeito, portanto númeno é um real que não depende do sujeito para existir, e por isso o conceito de númeno se opõe ao conceito de fenômeno, ou seja, aquilo que é percebido de forma subjetiva. Equivale ao real absoluto independente da percepção humana, ou realidade objetiva, à qual nossos sentidos e razão fazem apenas uma representação. (Wikipedia https://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%BAmeno )]
A primeira (a esfera dos fenômenos ) refere-se ao modo como as coisas se apresentam à nossa experiência, o mundo fenomênico sobre o qual elaboramos conhecimentos efetivos. A segunda esfera (esfera dos númenos) consiste nas coisas em si, no mundo inteligível que, porém, não nos é diretamente acessível, pois está além da nossa capacidade de conhecimento.
É com base nos termos dessa diferenciação entre o nível dos fenômenos e o nível das coisas em si que Kant concilia a ideia de liberdade dos seres humanos com o determinismo inerente às leis da natureza, identificando o homem como ser simultaneamente situado no plano sensível e projetado além dele por sua faculdade racional. Existindo na dimensão dos fenômenos, a humanidade é sujeita aos ditames da natureza, que nela se manifestam em inclinações. Em sua condição racional, entretanto, dispõe de autonomia da vontade, com a qual se coloca acima das causalidades naturais, afirmando sua liberdade prática.
Na autonomia da vontade, o filósofo encontra o princípio de moralidade, tema nuclear de muitas de suas reflexões. As origens das teses morais kantianas certamente remontam aos seus primeiros textos, nos quais as preocupações éticas revelavam-se tangencialmente. Contudo, são nos escritos da maturidade, especialmente a partir de seu livro Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), que o autor constrói uma teoria moral sistemática, cuja ascendência sobre os debates éticos contemporâneos é tão notável quanto a influência de suas proposições nos domínios da teoria do conhecimento.
Kant, que, no prefácio do livro, anuncia-o como um estudo que visa atingir o princípio supremo da moralidade, dedica a sua primeira seção à passagem do conhecimento racional comum da moralidade para uma dimensão propriamente filosófica. E, para tanto, assume como ponto de partida a definição da boa vontade, que podemos compreender preliminarmente como a disposição racional de agir por dever, como o único bem ilimitado e incondicionado, ou seja, trata-se daquilo que é bom em si mesmo, quaisquer que sejam os fatores externos e as circunstâncias que eventualmente o envolvam. O filósofo justifica sua asserção na observação de que todas as qualidades humanas que se possam enumerar – inteligência, prudência e coragem, por exemplo – são louváveis somente se orientadas pela boa vontade, e a mesma constatação aplica-se ao que nos oferece a fortuna, como riqueza, poder e saúde.
No que tange aos bens da fortuna, comenta Kant, frequentemente derivam na soberba e na ganância, isto é, não possuem um valor em si e, na ausência da boa vontade, afetam negativamente a humanidade de seu possuidor, bem como as pessoas que estão ao seu redor. Quanto às qualidades presentes em muitos seres humanos, mesmo as que costumamos julgar indispensáveis ao sujeito virtuoso, caso da moderação, do autocontrole e da calma, não são incondicionalmente boas, dependendo sempre, para o serem, de sua subordinação à boa vontade. Exemplificando, o filósofo cita a presença, perfeitamente possível, dessas características em um criminoso, o que seguramente não apenas as converte em fonte de perigos, como ainda as torna censuráveis.
Kant critica ainda as teorias morais que afirmam que a finalidade natural dos homens, como seres racionais, é a vida feliz, atribuindo, portanto, à felicidade a condição de bem supremo. Em sentido inverso a essas teses, Kant argumenta que, caso a natureza tivesse disposto os homens como seres cujo fim superior fosse a felicidade, não seria necessária a razão, pois os instintos conduzem o ser humano com mais precisão ao que favorece seu bem-estar e sua conservação. Além disso, algumas realizações práticas da razão, como os benefícios concretos proporcionados pelo conhecimento científico, não parecem ter feito mais felizes os homens, sendo comum que estes, ao contrário, habitualmente manifestam saudosismo dos tempos primitivos.
A razão, como faculdade prática, deve produzir uma vontade que seja boa em si mesma, isto é, a boa vontade possui um valor absoluto, que não se mede, então, pelos efeitos ou consequências das ações por ela promovidas. Assim, mesmo que não se encontrem os recursos necessários à realização daquilo que pretende a boa vontade, seu valor moral absoluto permanece inalterado, porque ela não é simples meio para outros fins. As palavras do próprio Kant são bastante eloquentes a esse respeito:
A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para realizar qualquer finalidade proposta, mas tão somente pelo querer, isto é, em si mesma, e, considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do que o que por seu intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação [...] Ainda mesmo que por um desfavor especial dodestino, ou pelo apetrechamento avaro duma nature¬za madrasta, faltasse totalmente a esta boa vontade o poder de fazer vencer as suas intenções, mesmo que nada pudesse alcançar a despeito dos seus maiores esforços, e só afinal restasse a boa vontade (é claro que não se trata aqui de um simples desejo, mas sim do emprego de todos os meios de que nossas forças disponham), ela ficaria a brilhar por si mesma como uma joia, como alguma coisa que em si mesma tem o seu pleno valor. (2008, p. 23)
1.4.7 Ações conforme o dever e ações por dever
A explanação acerca do valor em si da boa vontade prossegue com a introdução do conceito de dever, que, resumidamente, corresponde àquilo que, do ponto de vista da moralidade, se tem obrigação de fazer e que se relaciona profundamente com a boa vontade, à medida que esta pode ser entendida também como a vontade de agir por dever. Discorrendo sobre os vínculos entre boa vontade, dever e ação humana, Kant discrimina dois tipos de ação dos homens: (1) a ação conforme o dever, que pode ser por interesses pessoais ou por inclinação imediata, e (2) a ação por dever.
As ações conforme o dever, mesmo concretizando o que é estabelecido no plano da obrigação moral e, consequentemente, realizando o conteúdo definido pelo dever, não tem sua raiz verdadeira na boa vontade, mas em interesses pessoais diversos, muitas vezes egoístas. Desse modo, por exemplo, o comerciante que recepciona educadamente seus clientes, com o propósito de cativá-los e, por conseguinte, de ampliar seus lucros, age em conformidade com o dever, embora não se conduza por dever. Afinal, ele não procede movido por uma vontade totalmente boa, comportando-se, na realidade, pelo propósito de uma vantagem pessoal. Não é diferente com aquele que auxilia as pessoas motivado pela intenção de angariar prestígio e poder para si, e não porque se deve agir em benefício dos seres humanos. Em ambos os casos, portanto, as ações praticadas estão de acordo com o dever, mas nenhuma delas é feita por dever.
As ações por inclinação imediata, que são igualmente conforme o dever, são as que, provocadas por sentimentos autênticos de afeição ou solidariedade, conduzem as pessoas a ações socialmente honrosas. Assim ocorre quando alguém, por amor à vida, comporta-se de maneira a evitar a morte, tanto a sua quanto a de outras pessoas. Recorrendo aos exemplos anteriores, seriam por inclinação imediata as ações relatadas se o comerciante tratasse cordialmente seus fregueses por uma honesta afeição ou se o benemérito se dedicasse à filantropia pelo contentamento que sente com o bem-estar dos seres humanos. Em todas essas situações, as condutas não exprimem o respeito ao dever, quer dizer, são decorrências de sentimentos que não tem uma relação necessária com a obrigação moral.
As ações por dever, as únicas fundamentadas na boa vontade e que, assim sendo, possuem valor moral, baseiam-se no reconhecimento de uma lei moral que, muitas vezes, contraria desejos, sentimentos, enfim, inclinações individuais. Nessa perspectiva, as ações teriam valor moral se praticadas por respeito a uma lei racionalmente identificada. Retomando uma das narrativas anteriores, alguém que preserva sua própria vida, em que pesem os dissabores que a transformam em completo desgosto, revela uma moralidade que não se pode localizar naquele que, por amor à vida, sequer aventa a hipótese de suicídio. Idêntica conclusão se aplica ao exemplo do comerciante, quando este, independentemente de seus interesses econômicos e contrariamente à falta de simpatia por seus clientes, procede com senso de dever ao recebê-los com cortesia, bem como ao sujeito que, conquanto não se sinta afetivamente ligado aos seres humanos, auxilia-os em obediência a um mandamento moral. Consideradas essas informações, seriam ações por dever, pois originam-se na boa vontade.
De forma didática, podemos extrair dessa exposição dois aspectos essenciais para a compreensão do conceito de boa vontade em Kant. Um deles, citado em linhas precedentes e reforçado nos comentários sobre as diferentes naturezas das ações, quando se destaca que o fim atingido pode ser bom sem que tenha na sua origem a boa vontade do agente, é a conclusão de que a moralidade autêntica reside na intenção, e não na eficiência ou na adequação da conduta à norma. O outro, que é sublinhado ao se recusar a atribuição de valor moral às ações motivadas por inclinações sensíveis, é a constatação de que as condutas provenientes da sensibilidade não pertencem à esfera moral, pois a ação praticada por dever provém unicamente da razão, cumprindo-se, inclusive, contra a resistência das inclinações.
A boa vontade, então, é objetivamente determinada por uma lei racional que, portanto, tem validade universal e deve ser subjetivamente respeitada, ou melhor, seguida por todos os sujeitos independentemente de circunstâncias ou interesses específicos. Desse modo, o dever se apresenta como necessidade de uma ação por respeito à lei, na qual a máxima, sinônimo do querer subjetivo de um agente particular, tem de se orientar pelo mandamento moral, mesmo se isso implicar o prejuízo ou a neutralização de suas inclinações individuais.
1.4.8 A condição de universalidade de uma lei racional
Assim, coerentemente à tese de que a moralidade não está no comportamento humano e em seus objetos, dado que as mesmas consequências podem ser produzidas na presença ou na ausência da boa vontade, mas na própria pessoa em que o mandamento moral se realiza, Kant formula a condição de universalidade de uma lei racional nos termos seguintes: “Devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal.” (2008, p. 33).
Pronuncia, dessa forma, aquele que é como veremos, o imperativo categórico supremo na filosofia moral kantiana, pelo qual uma máxima, que corresponde à elaboração subjetiva da vontade, deve ser adotada pelo sujeito sempre que seja passível da objetividade universal da lei moral. Essa lei fundamental é explicada por Kant através da argumentação em torno da impossibilidade de transformação da ação mentirosa em um mandamento moral, sobre a qual explanaremos a seguir.
Para sermos mais precisos, o que o filósofo discute é se alguém pode fazer uma promessa não pretendendo cumpri-la. Meticuloso no tratamento do problema, Kant admite duas alternativas no exame da questão, uma concernente às prováveis consequências do ato e a outra em um nível propriamente moral. Ao ponderar sobre os desdobramentos do não cumprimento de uma promessa, o indivíduo faz uso da prudência em consonância com suas expectativas particulares, isto é, avalia os eventuais benefícios ou prejuízos futuros advindos de sua ação, os quais devem ser considerados em sua decisão. Nesse caso, não deve descartar a hipótese de ser descoberto e de, por conseguinte, perder a confiança das pessoas de sua convivência. Em uma avaliação desse tipo, sabemos, pelo que acompanhamos até o momento, que não há a interveniência de nenhum fator moral.
Diferentemente, quando a questão é colocada sob a hipótese da universalização da máxima, adquire teor de problematização moral – evidentemente, é esse o enfoque que interessa ao filósofo. Nessa perspectiva, o agente indaga se sua conduta – escapar de uma dificuldade ao prometer o que não pretende realizar – pode ser assumida como uma lei moral objetiva que autorize sua prática para todas as pessoas. A resposta é negativa, pois, se assim fosse, todas as promessas estariam desacreditadas de antemão, ou seja, a suposta transformação da referida máxima em lei implica a contradição e a dissolução de sua base.
Ao registrar o exame das máximas sob sua hipotética condição de lei universal, Kant comenta que esse exercício é passível de execução pela razão vulgar, que os homens, em sua existência cotidiana, são perfeitamente capazes de discernir entre o que deve e o que não deve ser feito. Entretanto, a necessidade de uma fundamentação filosófica da moral é justificada pelo fato de que os homens empíricos, ou seja, em suas experiênciasconcretas, frequentemente são enredados por sua sensibilidade e por seus interesses particulares, que os afastam do reconhecimento racional da universalidade das leis morais.
Nesse mesmo sentido, afirma que o princípio da moralidade não se situa na experiência, pois a moralidade não é exterior aos homens, em sua condição de seres racionais, ou seja, não se origina nas convenções sociais, em instituições políticas ou em associações religiosas. O valor moral incondicional, isto é, a boa vontade, não se referencia naquilo que efetivamente é – o que pertence ao domínio das causalidades fenomênicas –, mas remete para o que deve ser. Portanto, o filósofo alemão reivindica uma filosofia moral que não esteja contaminada pelos saberes da antropologia prática; afinal, uma lei que seja alicerce da obrigação moral tem sua raiz na dimensão da razão pura.
Dessa forma, reafirma-se o viés estritamente deontológico da ética kantiana, assentada na noção de dever segundo a qual o valor moral situa-se exclusivamente no plano da intenção, e não nas consequências de uma ação ou em sua simples conformidade às normas. [2: https://pt.wikipedia.org/wiki/Deontologia ]
Kant reconhece, entretanto, a dificuldade de avaliação moral em situações cotidianas, pois não é fácil distinguir as ações praticadas por dever das ações praticadas conforme o dever, dado que exteriormente são idênticas. Admite, inclusive, a impossibilidade de se localizar na experiência uma única conduta realizada por dever, pois mesmo aos agentes não é possível a convicção da natureza de seus comportamentos. Em outras palavras, os móveis de uma ação nem sempre estão diretamente disponíveis aos sujeitos que as executam, e o que a eles mesmos se apresenta como boa vontade pode muito bem ocultar uma secreta inclinação do amor próprio.
Essa observação, porém, ao invés de ser impedimento à investigação de princípios morais dissociados dos dados empíricos, é a sua definitiva justificação, porque a origem do dever está na razão que determina a vontade a priori, ou seja, é anterior a qualquer experiência. Com essa concepção, na qual se sustenta a procura de um conhecimento moral de base metafísica, vem à tona outro ponto nuclear da filosofia moral de Kant: os fundamentos da moralidade não procedem da natureza humana particular, mas da razão. Essa asserção é esclarecida quando notamos que o filósofo, ao afirmar que a moralidade não é algo externo ao homem, não se refere com isso à natureza humana em sua efetividade, isto é, ao homem empírico dotado de sensibilidade, mas aos seres humanos em sua condição de seres racionais. Assim, a raiz da moral está na razão, e seus mandamentos se aplicam aos seres racionais em geral, o que inclui a humanidade.
Embora a natureza seja regida por leis, o ser humano não se encontra completamente integrado às relações de causalidade que presidem os fenômenos, uma vez que possui vontade, uma faculdade prática sujeita a inclinações subjetivas e que não é, portanto, suficientemente determinada pela razão – se assim fosse, seria sempre a boa vontade. Nota-se, então, uma diferença entre a razão, que prescreve o bom em seu sentido universal, conferindo-lhe, desse modo, uma objetividade que deve ser acatada por todos os seres racionais, e a subjetividade dos homens em sua natureza humana específica, composta por desejos que frequentemente contrariam o que é fixado pelo dever.
1.4.9 O conflito entre as prescrições da razão e a natureza humana efetiva
Revela-se, portanto, uma aparente contradição entre a razão que estabelece a universalidade objetiva e o querer subjetivo dos indivíduos que reclamam exceções para si. Não se trata, porém, exatamente de uma contradição, mas do conflito instalado em uma natureza humana composta pela razão e pela sensibilidade suscitada por seu pertencimento ao mundo fenomênico, ou seja, no interior dos seres humanos há a resistência das inclinações às prescrições da razão.
Dessa forma, o que emerge da natureza humana são máximas, e não leis, ou melhor, um querer subjetivo que não se orienta pela razão, construindo-se a partir de interesses pessoais que se confrontam com a objetividade racional das leis morais. As máximas, como destacamos anteriormente, identificam-se com as leis morais apenas quando podem ser universalizadas, e nesse caso projetam-se despojadas dos elementos sensíveis e das promessas de recompensa das inclinações. A virtude, assim, não se inscreve na especificidade da natureza humana, mas em sua dimensão puramente racional.
A dignidade do homem, segundo Kant, consiste justamente em sua condição de ser destinado pela natureza com a vontade, quer dizer, enquanto a necessidade natural é a causalidade de todos os seres irracionais, submetidos a relações de causa e efeito às quais não podem se furtar, a vontade, cuja propriedade é a liberdade, é a causalidade dos seres racionais. Essa dignidade humana explica-se na discriminação kantiana entre plano sensível e plano inteligível ou, se preferirmos, entre fenômenos e coisas em si. Afinal, se o homem, como ser empírico, existe de fato no mundo sensível e, assim sendo, está ao menos parcialmente submetido às determinações das leis naturais, inegavelmente pertence ao inteligível como ser racional, o que lhe permite afirmar-se como ser livre em relação às determinações da natureza.
Na terceira seção de sua Fundamentação da metafísica dos costumes, Kant explicita a liberdade humana nos seguintes termos:
[...] um ser racional deve considerar-se a si mesmo como inteligência (portanto não pelo lado das forças inferiores), não como pertencendo ao mundo sensível, mas como pertencendo ao mundo inteligível; tem por conseguinte dois pontos de vista dos quais pode considerar-se a si mesmo e reconhecer leis do uso das suas forças: o primeiro enquanto pertence ao mundo sensível, sob leis naturais (heteronomia); o segundo, como pertencente ao mundo inteligível, sob leis que, independentes da natureza, não são empíricas, mas fundadas somente na razão.
Como ser racional e, portanto, pertencente ao mundo inteligível, o homem não pode pensar nunca a causalidade de sua vontade senão sob a ideia da liberdade [...] Ora, à ideia de liberdade está inseparavelmente ligado o conceito de autonomia, e a este o princípio universal da moralidade, o qual na ideia está na base de todas as acções dos seres racionais como a lei natural está na base de todos os fenômenos. (2008, p. 106, 107). 
Portanto, é como ser racional que o homem se coloca acima dos fenômenos, com autonomia diante das determinações da natureza, o que, em sentido prático, significa a liberdade de não seguir suas inclinações naturais. A liberdade proporciona aos seres humanos a escolha de ações consoantes à autonomia da vontade perante a natureza, e, em perspectiva oposta, quando os homens comportam-se sob o influxo das leis naturais, permanecem sob a heteronomia, isto é, vinculados aos seus interesses sensíveis, desviam-se das leis racionais e sucumbem às determinações causais da natureza. Enquanto a heteronomia caracteriza-se na vontade que busca seus objetos nas leis da natureza, a autonomia caracteriza-se na vontade que afirma o homem como ser moral, capaz de estabelecer racionalmente suas próprias leis.
Nesse sentido, enquanto os seres irracionais – a natureza em seu conjunto – são regidos por causas que lhes são exteriores, os seres racionais compõem um reino dos fins a partir de regras derivadas da razão. Nesse reino dos fins, destaca Kant, cada homem não apenas deve obediência às leis morais, como também é ele mesmo um legislador universal. Essa condição de legislador universal reside em sua capacidade de conjugar a subjetividade de suas máximas com a objetividade dos mandamentos morais, ou seja, na possibilidade de assumir para si somente as máximas que sejam passíveis de universalização moral.
Um reino dos fins, por seu turno, é possível na existência de seres racionais que, diferentemente dos demais seres da natureza, jamais podem ser reduzidos a simples meios para uma finalidadeexterna. A existência humana, por sua racionalidade, é em si mesma um fim, ou seja, o ser homem representa subjetivamente sua vida com um sentido próprio, e não como mero meio para um propósito que esteja além de si. Porém, ao conceber subjetivamente sua existência como fim em si, um ser humano o faz por sua natureza racional, que é a condição de todos os demais seres da espécie, sendo que estes, consequentemente, também representam suas vidas encerrando um sentido em si mesmas.
Não se trata, então, de um princípio unicamente subjetivo, sendo igualmente definido pela universalidade que articula os homens, enquanto seres racionais, a partir da prescrição objetiva de que cada homem nunca deve tratar a si mesmo ou a outro ser humano como simples meio, mas sempre como fim. Kant enuncia esse imperativo da seguinte maneira: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.” (2008, p. 73.).

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