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O papel dos quilombos no Estado Democrático de Direto

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O papel dos quilombos no Estado Democrático de Direto
Dívida histórica
	Muito se fala do passado escravocrata brasileiro, mas pouco se tem conhecimento de fato da resistência negra que se fazia presente durante séculos de escravidão. O que prevalece é a imagem do negro “manso”, submisso ao branco, que sobrevivia conformado com a situação em que se encontrava.
	Ocorre que, apesar de não muito difundida, a resistência negra era forte e se manifestava através das fugas, revoltas e atos de rebeldia e insubordinação, concentrando-se, após as fugas, principalmente nos chamados mocambos ou quilombos.
	Deste modo, em 1888, quando uma princesa branca, por meio de uma lei libertou os escravos, há muito já vinha ocorrendo todo tipo de libertação, seja por meio de ações judiciais de libertação, fugas coletivas generalizadas etc, que acabaram por banalizar o ato, tendo em vista que somente 5% da população negra do país ainda se encontrava cativa no dia 13 de maio de 1888.
	O que se questiona é o descaso desses seres que não eram escravos, mas que foram escravizados e após séculos de maus-tratos foram alforriados de suas correntes sem qualquer amparo socioeconômico.
	É notório que não foram todos os casos em que negros foram jogados para fora das fazendas, existem casos em que os senhores de engenho doaram terras para que os libertos nela vivessem ou até mesmo, sendo exemplo um quilombo no Estado do Pará, de que a fazenda foi deixada para os libertos.
	Contudo, são casos raros. A maioria dos libertos foi marginalizada, sem ter onde morar, cultivar ou trabalhar, voltou às fazendas onde viviam em troca de miséria ou mesmo morreu de fome. 
	Comunidades de negros fugidos e que se fortaleceram com o tempo e passaram a ter um caráter rural, estabelecendo relação íntima com a terra, que foram chamadas de “terras de preto” inicialmente.
	Entretanto, ainda que livre, era um estigma ostentar a cor de pele negra, cor esta que trazia um passado escravocrata e que, dramaticamente, o indivíduo dependia de um reconhecimento público de sua condição de livre para não ser confundido com escravo ou ex-escravo.
	A professora Hebe Matos enfatiza trazendo para o nosso cotidiano:
“No Brasil, nomear a cor ainda hierarquiza, pois implica quebrar o pacto de silêncio sobre o passado escravo, celebrado entre os cidadãos brasileiros livres em plena vigência da escravidão. Passados mais de cem anos da Abolição, quebrar com a ética do silêncio apresenta-se paradoxalmente como caminho possível para reverter tal processo de hierarquização cristalizado no tempo, e instaurar um universalismo almejado, mas não verdadeiramente atingido, desde o século retrasado”.
	Assim, se hoje, passados 126 anos da abolição da escravidão ainda precisados de políticas afirmativas, como cotas para negros em universidades, visando garantir uma sociedade mais igualitária em oportunidades entre negros e brancos, o dia seguinte à promulgação da Lei Aurea não deve ter sido diferente de todos os séculos de escravidão.
Territorialidade
Ponto de grande relevância para o debate acerca das terras tradicionalmente ocupadas é a territorialidade. Muito além do conceito de terra ou propriedade definido pelos direitos agrário ou civil, os quais têm um viés voltado ao imóvel, sua ocupação e função social, a territorialidade é uma ligação de fatores étnicos e afirmativa de uma identidade.
O art. 3º do Decreto nº 6.040/07 (Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais) dispõe em seus incisos que:
I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;
II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações;
A territorialidade, portanto, na questão quilombola tem íntima relação com seu passado escravocrata, seja ele fugido ou não, a relação que a comunidade estabeleceu com o território a identifica como tal, extrapolando limites meramente possessórios ou proprietários de terra, ainda que se fale em propriedade e sua devida titulação no art. 68 do ADCT, evidentemente necessária para a sua proteção, em razão dos crescentes conflitos agrários envolvendo comunidades quilombolas, inclusive tituladas, se mostram presentes.
O art. 68 do ADCT dispõe que:
Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. (grifo nosso)
No citado artigo, houve uma restrição às comunidades que estejam efetivamente ocupando as terras, sobre isso, se manifesta o Procurador da Fazenda Nacional, Cláudio Teixeira da Silva:
Há uma ligação patente entre a expressão "remanescentes das comunidades dos quilombos" e os termos "ocupando suas terras", da qual emergem dois elementos importantes para a compreensão do art. 68 do ADCT.
O primeiro consiste no reconhecimento da posse das terras dos quilombos aos seus remanescentes, pois está afirmado no texto, de forma categórica, que os remanescentes ocupam (posse) as terras. Saliente-se que o artigo não coloca em dúvida a posse dos remanescentes sobre as terras dos quilombos, mas simplesmente estabelece, como pressuposto para a aquisição da propriedade, que aquela posse ainda exista por ocasião da promulgação da Constituição de 1988. Vale dizer: se, em 5 de outubro de 1988, existia a posse dos remanescentes sobre as terras que na época imperial constituíam quilombos, o constituinte considerou aquela posse centenária, pacífica e transmitida ininterruptamente de geração em geração até aquele momento. (grifo nosso)
	A convenção 169 da OIT enfoca, em seu art.14, no dever dos Estados em salvaguardar a propriedade e posse das terras tradicionalmente ocupadas, devendo tomar as medidas necessárias para identificá-las e garantir a efetiva proteção dos direitos das comunidades em ter suas terras tituladas.
	Ocorre que o ordenamento jurídico pátrio não consegue absorver o conceito de territorialidade da forma como foi concebido e isso se comprova com a supratranscrita redação do art. 68 do ADCT, em que se fala em “terras”, “propriedade” e “titulação”, com uma herança capitalista sobre o território, contrariando totalmente a noção que temos de territorialidade.
	A herança criada por um grupo étnico ao passar dos séculos de resistência física ou cultural somada ao liame de pertencimento à uma comunidade buscando a sobrevivência desta em um local específico enseja o entendimento acerca da identidade das comunidades tradicionais em seus territórios.
	Identidade esta questionável em certos pontos, tais como: uma comunidade quilombola que já perdeu muito de sua herança tradicional ainda deveria ser intitulada como tal? Essas identidades seriam fixas ou mutáveis? 
	Existem correntes defendendo as duas posições, no entanto deve-se conceber a ideia de que o quilombo lutou através das décadas pela sua existência, sendo assim não esteve isolado do resto da sociedade em momento algum, mas com esta manteve íntima relação, mesmo tendo seus direitos territoriais reconhecidos somente cem anos após a Lei Áurea.
Portanto, não deve se esperar que a identidade quilombola seja a de manter distância dos não-quilombolas, mas que essa integração seja benéfica a ambos e que a comunidade tome o rumo que decidir.
	Não obstante à titulação dos territórios quilombolas, entra em discussão ponto primordial para a definição da comunidade enquanto detentora ou não daqueles direitosterritoriais, que é o chamado auto-reconhecimento, o qual já foi questionado junto ao STF por meio da ADI nº 3239/03.
	O Decreto nº 4.887/03 vem regulamentar o procedimento para reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação dos territórios quilombolas, tal como garante o art. 68 do ADCT. 
Ocorre que a forma como o referido decreto dispõe acerca da autodefinição quilombola é discutível no sentido de que, define critérios frágeis para a identificação destas comunidades, tais como: no art. 2º o decreto cita a “presunção de ancestralidade negra” e no §1º do mesmo artigo estabelece a “autodefinição da própria comunidade” como o atestado para a caracterização quilombola.
Já no §4º do art. 3º do mesmo decreto vem estabelecendo que os critérios específicos para a autodefinição quilombola serão definidos pela Fundação Cultural Palmares, sendo submetido à emissão de certificado por esta. Desta maneira o procedimento de autodefinição da comunidade ganha mais segurança jurídica que uma mera declaração.
	Assim, não somente a autodefinição será requisito para a titulação dos territórios quilombolas, será necessário um certificado emitido pela Fundação Cultural Palmares com diversos requisitos, o que gera diversas críticas em razão da burocratização deste procedimento, tendo em vista que tanto a Convenção 169 da OIT quanto o Decreto nº 4.887/03 definem primordialmente o auto-reconhecimento como definidor da identidade quilombola.
	Os requisitos estabelecidos pela Fundação Cultural Palmares estão dispostos na Portaria nº 40/2000, quais sejam:
Art. 3º O procedimento administrativo de que trata o artigo anterior compreenderá a elaboração de relatório técnico e de parecer conclusivo pela Fundação Cultural Palmares, a outorga do título de propriedade e seu respectivo registro. § 1º O Relatório Técnico de que trata este artigo conterá:
I - a identificação dos aspectos étnicos, históricos, culturais e sócio-econômicos do grupo; II - a delimitação e medição e a demarcação topográfica do território ocupado; III - o levantamento dos títulos e registros incidentes sobre as terras ocupadas e a respectiva cadeia dominial, perante o registro de imóveis competente; IV - parecer jurídico.
	Tal procedimento se mostra relevante no sentido de demonstrar a multietnicidade em que estamos inseridos, ao contrário do que o Estado e a sociedade, de um modo geral, tentam imprimir em um discurso hegemônico com os povos tradicionais, negando diferenças e particularidades de cada tipo de comunidade.
Sustentabilidade
	O desenvolvimento sustentável, tão almejado na civilização contemporânea, é comprovadamente um cotidiano das comunidades tradicionais em geral, as quais possuem conhecimentos, associados à floresta e ao campo, adquiridos com um valor utilitário e ao mesmo tempo com representações simbólicas, ligadas a manifestações culturais e religiosas.
	A Medida Provisória n.º 2.186-16/2001 estabelece como conhecimento tradicional associado a “informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético”.
Com base no comportamento das comunidades tradicionais com a floresta e o meio que os rodeia, foram feitos estudos e constatou-se que a diversidade biológica, nossos ecossistemas e o território ocupado por estas apresentam-se extremamente conservados e respeitados em decorrência dos conhecimentos tradicionais associados.
	Ou seja, se havia dúvida de que os povos tradicionais degradavam o meio ambiente nos territórios que ocupam, quedou-se infiel com a realidade tal expectativa.
Tal como afirma Juliana Santilli, Promotora de Justiça e sócia-fundadora do Instituto Socioambiental (ISA), em Conhecimentos Tradicionais associados à biodiversidade: elementos para a construção de um regime jurídico sui generis de proteção:
Os processos, práticas e atividades tradicionais dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais que geram a produção de conhecimentos e inovações relacionados a espécies e ecossistemas dependem de um modo de vida estreitamente relacionado com a floresta. A continuidade da produção desses conhecimentos depende de condições que assegurem a sobrevivência física e cultural dos povos tradicionais.
	Fala-se, portanto, em uma etnobiodiversidade até mesmo entre os grupos que chamamos de comunidades tradicionais no sentido de que a ligação do povo com a terra é diferente, seus conhecimentos também se mostram através de um viés diferenciado do sentido econômico a que estamos constantemente vinculados, mas que no bojo de grupos agro-extrativos e sociedades tradicionais reúnem elementos simbólicos dificilmente absorvidos por nós.
	Daí Edna Castro demonstra os povos quilombolas do Rio Trombetas em uma integração entre a vida econômica e social em que o trabalho em sua forma mais tradicional faz parte da cadeia de sociabilidade não podendo ser dissociada, visto que descaracterizaria como tal, reforçando os laços entre os familiares e comunitário (Paper NAEA 092, Maio de 1998).
	Portanto, a conflituosa relação entre homem e natureza vivenciada pela maioria das civilizações de nosso tempo não se demonstra problemática no âmbito das comunidades tradicionais, visto que se apropriam dos recursos ambientais e adaptam a sua realidade sem um pensamento meramente econômico e degradante, nos dando exemplos de realidades sustentáveis em seu desenvolvimento.

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