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JOSÉ JANSEN ~~AT1?O, NO MARANH~. : linda SNl'z ~I ":.; ',' " " ',' ':. ::: ,,' ,', ,. ~. JOSÉ JANSEN It TEATRO NO MARANHAO (ATÉ O FIM DO SÉCULO XIX) RIO DE JANEIRO Ao Governador Pedro Neiva de Santana Homenagem do Autor Do mesmo autor: "A Máscara no Culto, no Teatro e na Tradição" (Editado pelo Serviço de Documentação, do Ministé- rio da Educação e Saúde, coleção Cadernos de Cultura, N.o 1 - 1952) . "Apolônia Pinto e seu Tempo" (Coleção Dionysos, do Serviço Nacional de Teatro - 1953) . "João Colás" (em revista "Dionysos", N.o 10, órgão do Serviço Nacional de Teatro, do Ministério da Educa- ção e Cultura - 1960) . "Caract.erização, Histórico e Importância", (edição da Gráfica Haroldo D'Alvear Gomes, Rio, 1968). "Subsídios Para a História das Telecomunicações, no Brasil e no Mundo"; "Introdução ao Nobiliário Maranhense" (em "Anais do Museu Histórico Nacional", Vol. XXI, 1969) . "Ninguém melhor que nós está em circunstân- cia de avaliar pela experiência própria quanto custa ser exato em obra desta ordem e de tamanho fôleg'o, nas quais o escritor, impossibilitado de exa- minar tudo por si, tem necessariamente de socorrer- se dos trabalhos de outros, tornando-se, às vezes, responsá vel dos descuidos alheios." INOCÊNCIO F. DA SILVA, (in "Arquivo Pitores- co", tomo XI, pág. 242). * * * "Há os que criticam e os que destroem; sê tu dos que servem e constroem". GABRIELA MISTRAL I I I I I I I I I I I I J! ,I , • TEATRO NO MARANHÃO PROLOGO Há muito, observando que só fragmentada e esporadicamente se tem falado sobre o teatro no Maranhão e verificando a falta de uma narração con- tinuada dos fatos para sua história (completa ou não), resolvemos pôr em ordem os subsidios que nos Mm sido possivel colher. Sem pretendermos nos pro- mover a dono do assunto. Embora adredemente sabendo que escasseiam fontes para documentação, tomamos. a iniciativa de reunir e coordenar elementos para uma HISTORIA DO TEATRO NO MARANHÃO. O fato de verificar que não há obra fundamental animou-nos a registrar esta pequena parcela, na esperança de ser útil a maiores institutos de pesqui- sa voltados para a historiografia interpretativa do desenvolvimento cultural no País. Esta modesta contribuição biparte-se. No primei- ro períOdo serão citados f(/)tos relativos às primeiras manifestações de teatro no Maranhão até o final do século XIX. A segunda parte, se o tempo nos permi- tir, conterá o relativo ao século XX, até nossos dias. Cedo interessado nas atividades cênicas de São Luís, temos reminiscências pessoais de alguns jatos que constituem, de certo modo, um depoimento de quem as assistiu, para serem reunidas às de fatos mais remotos e posteriores e assim, uma contribui- ção. Para certeza de que as dificuldades não são poucas, basta lembrar a precariedade dos arquivos e que a primeira imprensa do Maranhão foi única até 1830. Até 1847, os jornais surgidos eram omissos em assuntos de arte; sua matéria versava quase somen- te sobre poWica e atos governamentais não sendo as outras fontes informativas, mais pródigas. Procuramos aqui abrir na história maranhense um caminho ainda não transitado convenientemen- te e sobre o qual de futuro outros trarão achegas, quando se descubram novas fontes informativas porque, por sua continuidade, o trabalho de his'toriar deve ser retomado sempre, para acréscimos, o que demonstra ser obra para sucessivas gerações, dando cada uma sua contribuição, de forma que, na esteira do tempo, os fatos marcantes estejam devi- damente registrados, servindo de ensinamentos e inspirando novas diretrizes para o futuro. Da fase embrionária do teatro no Maranhão pouco se sabe; somente a partir de 21 de junho de 1817, os fatos se delineiam com alguma clareza, mui- to embora, para certos periodos, a documentação seja quase nenhuma. Ora valendo-nos, de velhas crônicas ora de infor- mação de al'gum itinerante, ora de raros livros e de alguns jornais como também de outras fontes váli- das que a pesquisa aponta, jazendo-nos "respirar" o ambiente social do tempo chegaremos, por fim, a periodos mais próximos de nós, oferecendo melhores elementos. Essa escassez aliás não nos é peculiar porque de um modo. geral, é idêntica em todo o Pais quandd os historiadores se voltam para o assunto t~atro ou melhor, do espetáculo em geral. É sabido ser o teatro uma força social reflexo do meio ambiente e, por isso, merecedor de atenção no registro dos seus acontecimentos. Havendo o que contar seria falta imperdoável não reunir os apontamentos que -poderão servir quando melhor se estudar o desenvolvimento social da região. Aos contumazes negadores áo teatro brasileiro, encontramos. muitos argumentos em contrário por- que, embora com senões, existiram e existem fatos a serem arrolados, em cada região, para quando se fizer o cômputo geral realtivo ao teatro em todo o Brasil. Como faz notar Galante de Souza (1) t'A Histó- ria da Arte Dramática no Brasil não pode ser feita exclusivamente à base da história do teatro no Rio de Janeiro... . .. há épocas em que só o teatro da Capital tem interesse para o historiador, outras há em que a arte dramática nos Estados oferece real importância para o estudo do todo." Para a visão panorâmica ou sincrônica do nosso teatro é necessário cada Estado da União preparar a sua parte e, para trazer a contribuicão maranhen- se, aqui reunimos, despretensiosamente, os subsidias que consegui1nos reunir, os quais serão como o parafuso anônimo na grande engrenagem mas, mui- to embora, uma contribuição que talvez encontre ressonância. Levantem o pano, vai começar o espetáculo! J.J. (1) "O Teatro no Brasil", por J. Galante de Sousa. fI 1 ~ \ I I I PRIMEIRO ATO Na ordem cronológica, a informação mais remo- ta que encontramos do que se possa ter como pri- meira manifestação teatral no Maranhão nos diz que em 1626, sob o governo de Antônio Muniz Bar- reiros Filho, foram representados diálogos, ao ser inaugurada a Igreja de Nossa Senhora da Luz. (2) Esses diálogos foram compostos pelo padre Luiz Fi- gueira, criador da primeira escola, de que se tem noticia, destinada à instrução dos colonos portugue- ses em terra maranhense e, mais tarde, pelo Alvará de 25 de julho de 1638, foi incumbido da administra- ção dos índios mas, antes de chegar a São Luís para essa missão, morreu no Pará, vítima dos indios Aruans. (2) "Revista de Teatro", da SBAT, Ano XXXV, maio- junho, 1956, n.a ::!91,em "A Correr do Tempo ... e da pena", por Lopes Gonçalves. É possivel que tenham sido promovidos outros espetáculos como alhures se sabe ter havido, se- gundo carta do Pe. Nóbrega que mandou escrever o "Auto da Pregação Universal", para substituir alguns abusos que faziam com os autos nas igrejas (Serafim Leite, em "História da Companhia de Jesus no Brasil", VaI. lI). Nada porém encontra- mos de positivo, antes de 1626. 15 Registra a crônica que, pouco mais tarde, em Alcântara, havia aulas de solfa. O jesuíta Thomaz do Couto, nascido no Rio de Janeiro,(3) e que depois tornou-se muito conhecido pelo norte do Brasil, prin- cipalmente por sua operosidade no Pará e no Mara- nhão, costumava exercitar seus discípulos, para a boa prosódia, fazendo-os recitar poemas, declamar orações, e até mesmo representar comédias, com o que surpreendia a população. Mais tarde representou-se no Maranhão o "AUTO DE SÃO FRANCISCO XAVIER" levado à cena sob o governo do capitão-general Antonio D'Albuquerque Coelho Carvalho, o VELHO, no colégio dos jesuítas, ano de 1668, cujo texto Galante de Souza supõe ter sido o mesmo já apresentado na Bahia, em 16.20. Sabe-se que, muito embora o Conselho Elesüi,s- tico dos calvinistas não visse com bom; olhos o teatro que acusavam de fonte de "escândalo",CI) o CondeMauricio de Nassau contratou artistas fran- ceses para darem espetáculos na "Nova Holanda". No entanto, nesse sentido, durante a permanência dos holandeses no Maranhão, nada encontramos. Podemos ainda registrar que, no decorrer do mesmo século, quando a cidade já contava 2.000 habitantes, representou-se uma comédia, na porta- ria do convento de Nossa S.enhora das Mercês, a 20 de agosto de 1677, sob o governo de Pedro César de Menezes. O primeiro teatro no Maranhão data do governo de Joaquim de Melo Povoa, certamente estimulado (3) J. Galante de Sousa, op. cito (4) "História Administrativa do Brasil", por João Al- fredo Libânio Guedes e Joaquim Ribeiro, DASP, 1957. 16 Caj,ittio "ell era I, Pau/o .losé tia Sih1a Gallla (Barão de Bagé. go- \'ertlOll o Marallhão de 1811 a 181(1). l \ " . "lnlrJlIi() (;oJl{'a/'u('.\ /);flS (desenho existelltc 110 Albulll de Boulallgl'r, cOllscnado no Instituto Hist"rico c C:cogr:'ifico Brasileiro). .'/ f,o/"m" 11 COIlÇ'II17'C" f)ill.\ (d,,'cn!Jo p"blicado CIl1 "Scll1a"a lIus . trada". Rio d" Ja"eiro IH.XII.IH/;.i). F"(J;~ri.,!.(). CUi/dh,r;O .)olJ!Jfls da CosIa (IH2~)-IH7,t) e 1\lal'garida Pi- lIel/! C".IIII (Prima-dolllla da Compallhia Lírica de :\Iarillall~elli. Ic:ra~o,; da Cok~;!<) d" .I0hll \\'ilsoll d:1 Cosia). ' ,\fallll'" Od"ri.-" ,\lelldes (17~)()-II'(j-l), 'oaqllilll ,1/aria Se;Ta So/nill/IO (18gl'-18;~I'); .'Ir/h"r Xa/lfllllillO Gllllçail/{'s I/<' .-/:1'1'0/0 (I l'r,j-I '101'); :/llll'.lio Tallcredo GOllça/l'es' ri" :/:evol" (11'57-1!11,1). ,\[ac!all/e Thierry (bailarina da Companhia ue operelas rrancesas, em caricatura de " emana Ilustrada"); Grallde Herll/allll (prestidigita- dor lIlulHliall1lel1le conhecido, no scu tcmpo); ArI hur C\'apolcão (ramoso pianista português) (1843-1925). M:tri~ da COllcciçào Sillger Fclul/i (1827-1867); Joaquill/ Augusto Rlbclro de Sousa (1825-1873); Alltoll;'/Il i\[arqllclau. JJÍJ TIfÓ'lTIf'I/ i\ j~Onlttll li'IfJ.J<1J1/1IUJ, JobltnJr. S~ SEfllE .1N( " . " StSERIE ~u~x~[~ J\'O T(,fllrl} - FU'fliif'Il/(/t/or ria (;('ur! (desl'lIiJo de J<do AroJl.';o, pII!>lic"do l'II1 ",\ Fie",,"), IVO Tl'lIlro - j;(/lIIiliu do !ll/('Iiol" (dt_'sL'llllo de JO;llI r\r()ll~(). }JlIl)li- c"do elll "" Fie",,"), ~- I I ~ \ Llli" Clilldido Fllrtado Coellio (IS!li-1900): Ellgêllia lllfallte da CIi. 1I111m (18:17-1879). (Retratos do ,\llIseu lIistórico i\'acional e da Biblioteca Nacional). Xi.,tn Ba li ia. (1841-1891); jolio Colli,. (185(i-I9~O); "}lolôllia pillto .' I \1 Ii - . (ISfJ3.. 1!JOS).(1854-1!}:\7): Ellg"1I/o (,: , aga w{\, nHA\IA'rICl, 4. rLCCHA1879 ,.,. ",\i~' '" A,$---~,"",,'~ , '.~~;rnal,.iitttrllno c -1,- ltlt\eriptii'~,; ')--' ,'?' '\~> ~ <Jt. .. ....~~ DlmuYro~, i.. EDIC"l' "PC' ;. S£CR£tAJU() '-'...,....-.t.> ~'u.,.t~«--.l~,I~.1t.I'.•~~.~~j.::é::;::J~.:4t .•'1<U<U~ ,Hal',If/'() jali" Sl'/"I,I/ili" ,\'III/I'S, (18ii-I!I;il); .\Iacs/I'f) F.lldi/i" Ii,i"" l'acim, (18i:2- :): Tl'llOr .'1If""i,, /{ay"l. .'ll"lis/a,\ da C()I"j}(fllllifl /)nu1I';0('(/ fJH(' ('\1('1'(' no .\lfI),flllllfln {'11/ flSlJ, ~ C5 e "•...N '":; o -' ai o o ~ Ir I- ~.. '" o:t I- '"o ~~a O .'J':í 2:.-.. '1> .J .~'"' N o..) õ« ;-o.cr " ~'<::OJ '"I .~ O e'<C .0::: "z ~ <C :- -::: n: ~ <J<C:::E '";:: '" -':> Õ " ü< 'n "~ " Õ'" (1858-1907); Henriqlle Maxil/li-EI/gel/heiro l'all/lél"io Cal//al//wde, fiaI/O Cod/lO Netto (ISG4-1!J34). í- • 1,//;.\do T(~atr() SuoF(/,.j/(/([(/ ----~~. -;;~~-~-_._~:~ -~-=--== - - -~ - '~ '0'- .~( ;~ -.0 _o;: _::=:.- ~ ~ _ ~' 1.,::-:.: ::',_:",:; , .. - ":- , ,: ,,' '. ,~/ .•.'~-'-', ~-. ,~~.,. (188,1-1%4)C freia,Viria/o .() Drame Lyrique CALA 'BARa IV' M' ELPIDIO PEREIRA de MM~ EUGENE el EDOUAlUi ADENIS P~'lgilla til' n I; I ' ~ \ " ,.. , l..Io I a ed""lo i1dllll',a de "(;',11,11,,11",lIell O . ' opna de , . ,I. e"clllpldl l' o 'IlIe 101Oil'It'Lll!O pl'1o dlllOl ;'1'11',1 e ('nc()lllra~sl' 110 "~llIS(,ll dos '"I'C,1I10' do Rio de .Jalleilll". Elpídill lalllília C:apa dll 11' .G IdIIIlSl:r1l1lda 1111'...dJll('aln~s I)"" " . hl<.1 de :\lIlÚllio 1"11'1,1 > • I.ls, uqo Illalllll;(TiLO '\.," ,para l'I1C()lItl'a~:-:(' il~1 Biblioteca p"csia d•. :'\'acicIII:i1. pelo mesmo espirito que ongmou o Alvará de 17 de julho de 1771 que aconselhava o estabelecimento de teatro público. Esse teatro, iniciado em 177{), estava situado nas imediações da igrej a da Misericórdia, no Largo do Paço e, mais tarde, foi destruido por um incêndio. Ser afim Leite, em sua "História da Companhia de Jesus no Brasil", dá noticia sobre urna peça "Concórdia", representada no Colégio dos Jesuitas do Maranhão, em 1731, para celebrar as pazes feitas com o governador Alexandre de Souza Freire, cujo mandato foi de 1728 a 1732 e sabe-se que o padre José Lopes, Vice-Provincial, edificou "com despesas consideráveis, uma casa para melhor acomodar as recreações religiosas". Por esse tempo não havia "médico nem botica" mas já se cuidava de primeiros passos para o teatro. Num breve parêntesis esclarecemos aqui a deci- são de deixar de parte os autos de festas populares como Natal, Ano-Bom, Reis, Pastorinhas, São João, Chegança, Boi e etc. que mais apropriadamente se- rão apreciados quando se tratar do folclore. O famoso missionário Gabriel Malagrida, cogno- minado "Apóstolo do Maranhão", também foi autor de peças sacras como "Vida e Conversão de Santo Inácio",(5) tal como se fazia em outras missões je- (5) Gabriel Malagrida nasceu na Itália, a 5-XII-1689 e morreu em Lisboa, condendo pela Inquisição; em 1725, escreveu "Vida e Conversão de Santo Inácio", peça à qual foi concedida licença para representar na Igrej a do Colégio do Maranhão. Escreveu mais "A Fidelidade de Leontina", "Santo Adrião" e "Aman", conforme informa-nos Sera- fim Leite, em "História da Companhia de Jesus no Brasil", VoI. VIII. Prillll'ira p;lgilla Inalltt~crita. d~1 pocsia de (;oJ)salvcs Dias. lIlúsica dc .\J)[(lIlio Rayol para 17 suiticas, utílízou o teatro para seu objetivo cate- quista, apresentando, sob forma cênica, os fatos do evangelho de forma a colimar sua intenção, segundo registrou o padre Mury. Não eram só estas manifestações lúdico-religio- sas que prendiam a atenção da cidade, vez por outra, profissionais itinerantes exibiam como fosse possível suas habílídades. Há também noticia de apresentação de uma comédia em latim, durante o século XVIII, intitulada "Silentium Constans", de autoria do padre Jesuita Jerônimo da Câmara. (5-n) Em Portugal as desvairadas prodigalidades de Dom João V dispersaram em magnificências estar- recedoras os valores levados pelas naus que alí chega vam da América poj ando riqueza. Numa verdadeira mania de opulência tudo se fazia para deslumbrar e dentre os muitos requintes, os artifices mais hábeis executavam belos "cofissio- nários de pau amarelo do Maranhão". De tal modo aconteciam as coisas que o Desem- bargador Brochado dizia que "Nunca Portugal se vira mais rico; nunca de fato ele se encontrara tão miserável. " (6) A esse tempo a Rainha Maria Vitória, eximia cultora da música, influia para que Lisboa tivesse "a mais sublime orquestra que nenhum principe da Europa teve", segundo a opinião de Gramosa. Inter- ferindo no gosto musical da corte, estimulava assim Dona Maria Vitória a predileção pelos espetáculos de Belém. (5-a) "Revista do Teatro", SBAT, número citado. (6) "Ao Ouvido de Mme. X", por Júlio Dantas. 18 No reinado de Dom José o teatro lírico consu- mia 40.000 libras, anualmente! Diante de tais fatos os grandes do reino eram acordes em que o teatro era realmente aconselhável fator de cultura e passaram a pensar assim por muito tempo, até mesmo depois daquele reinado, de forma que, decorrendo dessa predileção da metró- pole, chegou às nossas plagas de colônia o citado Alvará de 17de julhode 1771 pelo qual se aconselhava a construção de teatros públicos, ressaltando sua conveniência por serem "Escola onde os povos apren- dem as máximas sãs da politica, da moral, do amor à pátria do valor do zelo e da fidelidade com que devem servir aos soberanos." Mas a Metrópole apenas se limitou a sugerir, sem dar ou indicar meios materiais para o empre- endimento, muito embora o governador fosse pres- tigioso na política vigente. A população, porém, ávida de diversão e estimu- lada pelo recomendado naquele alvará, recrudesceu seus anseios nesse sentido e procurou por vários modos atender à recomendação da Metrópole ao mesmo tempo que satisfazia suas aspirações. Assim é que, conforme registra César Marques, no correr do tempo, surgiram alguns teatros impro~ visados de duração efêmera: o do Largo do Palácio, (atual Avenida Pedro lI), outro em face do Quartel de Polícia, (atual Rua Herculano Parga), e um na Praça da Hortaliça, (local onde está hoje o Mercado Central) . (7) (7) "Dicionário Histórico e Geográfico da Província do Maranhão", por Augusto César Marques. 19 Tal como em outros quadrantes do Pais, no Maranhão também o colonizador luso não esqueceu a influência recebida na terra natal que, sob o influxo do generalizado gosto pelo teatro, o teria levado a apresentações de improvisados espetáculos com participação de amadores e elencos ocasionais, mesmo antes desses teatrinhos. Aqui, é o "Semanário Maranhense" que nos ajuda a divisar os fatos, afastando o véu que o tem- po in terpõs . Conta-nos que o cidadão português Eleutério Lopes da Silva Varella, vindo de Lisboa, em 1815, "por ser muito amante da arte dramática", formulou planos de erguer um teatro regular em São Luis. Não podendo sozinho fazer face a tão ousado empreendimento, associou-se com Estevão Gonçalves Braga para a realização da iniciativa e aforaram um terreno do Convento de Nossa Senhora do Car- mo.(8) Desde o começo tiveram o estimulo e a ajuda do governador, capitão-general Paulo José da Silva Gama, que em Oficio de 3 de fevereiro de 1818 já comunicava à Metrópole as dificuldades enfrenta- das e as suas diligências, junto aos frades, no sen- tido de separarem o dito terreno de seu cercado e o aforarem para aquele fim. O governador Paulo José da Silva Gama (futuro Barão de Bagé), era homem afeiçoado pelo teatro e ~vidente prova dessa predileção é que, quando go- vernou São Pedro do Rio Grande do Sul, também (8) Construido em 1627, no local da antiga Capela de Santa Bárbara, informa César Marques, op. cito 20 ali deu apreciável incentivo ao reerguimento da Casa da ópera, justificando o conceito de ser "homem sumamente fino, culto e amável", o que é confirma- do ainda por sua intenção de ali fundar não só um teatro como também um salão de bailes e festas e ainda um clube de letras tão necessário a um núcleo social onde a "civilização já era uma verdade", conforme o dizer do croniRta gaúcho. (D) Voltando à iniciativa idealizada por Varella: de inicio o teatro foi planejado de forma a ter a frente voltada para o Largo do Carmo, porém os frades Carmelitas, considerando anti-religioso um teatro próximo a um templo como a Igrej a de N. S. do Carmo, recorreram às dificuldades cabiveis, isto é, embargaram as obras. Os financiadores vendo-se em face de tal impe- dimento, apelaram para Os bons oficios do gover- nador que já os vinha estimulando na iniciativa. Silva Gama, diplomaticamente, utilizando o prestigio da posição que ocupava, estabelece enten- dimento com os frades, no sentido de demovê-Ios, procurando superar o impedimento causado pelo embargo, mas os religiosos mostravam-se irredutí- veis no seu ponto de vista. Depois das delongas que podemos imaginar esco- lheu-se para árbitro, no caso, o Padre José Antonio da Cruz Ferreira Tesinho que condenou os empresá- (9) "Palco, Salão e Picadeiro", por Athos Damasceno. Paulo José da Silva Gama foi o primeiro Barão de Bagé, era Almirante da Real Armada e teve o titulo de Barão a 26-1II-1821 e honras de gran- deza a 22-1-1823. 21 rios a voltarem a frente do edificio para a Rua do clol e assim foi feito. Erá só dobrar-se a esquina. Em 1815 tiveram início as obras e, pouco depois, já se podia ver erguido o arcabouço para 66 camaro- tes, em três ordens, e uma tribuna ao centro; mais uma quarta ordem de torrinhas com um avarandado no centro, e uma platéia, comportando 430 pessoas, dividida em duas partes, a superior acomodando 130 pessoas e a geral para 300 espectadores. Na parte interna, a caixa do teatro media 55 palmos de largura, 100 de fundo e 38 de altura fican- do no fundo os camarins para artistas. Registra a crônica que a 1.0 de dezembro do ano seguinte o comendador Antonio José Meirelles, desejando festejar à sua custa o aniversário da independência de Portugal, conseguiu dar ali um espetáculo gratuito, embora as obras não estivessem concluídas. Dois anos depois de iniciados os trabalhos de edificação e por já estarem muito adiantados, em fase de arremate, foi o teatro aberto a 21 de junho com o nome de Teatro União. Denominação alusiva à união do Brasil e Por- tugal, formando o Reino Unido. Para dar o brilho conveniente a tão almejada e definitiva inauguração, Varella foi a Lisboa con- tratar uma companhia e obteve ainda do governo da Metrópole o aviso de 3 de setembro de 1817 conce- dendo, a favor do teatro, algumas loterias anuais, cujo recebimento foi acusado em 3 de fevereiro do ano seguinte. D,os "Anais do Conselho da Provincia", consta que a companhia contratada em Lisboa por Varella, quando em viagem para o Maranhão, foi espoliada 22 de seus haveres por piratas que abordaram o navio em que viajava, deixando-os apenas com a roupa do corpo e, para que dessem início às suas atividades recorreram ao governador, no sentido de lhes con- ceder permissão para abrir uma subscrição, a cargo do tesoureiro José dos Reis e Brito, durante os dias 23, 24 e 25 de julho de 1820. (lO) O governador Silva Gama, quando ainda no governo, comunicou para Lisboa o início das ativi- dades no teatro, ínformando que, para conclusão das obras havia convocado os habitantes mais abas- tados, pedindo-lhes um empréstimo de 12.666$000 rs assim ficou a edificação, depois de concluída, em 53.000$000 rs. No ano seguinte ao da inauguração exibiu-se no teatro a Companhia Equestre de Sautbly que trans- formou a platéia em arena e o palco em galeria o que foi lamentável devido aos estragos causados pelos animais exibidos. (11) Em 1819 a Cia. Dramática de Varella e Braga fora aumentada com um corpo de baile o qual, embora pequeno, era melhoramento considerável ampliando aS possibilidades cênicas do conj un to. ' Ao que dizem as crônicas esse corpo de baile contava com artistas como: Labassit Maria Pirulito San Martin, Carolina Ceral.' , Também foi incorporado ao pessoal da Compa- nhia um "hábil cenógrafo" chamado Antonio Rai- mundo Braule. (lO) "Teatro Arthur Azevedo", por Domingos Vieira Filho, no Departamento de Cultura do Estado do Maranhão, 1968. (11) Augusto César Marques, op. cito 23 A orientação dos espetáculos era geralmente entregue a Antonio Marques da Costa Soares (12) que, coagido ou por mera lisonj a, arranj ava jeito de tecer em cena aberta elogios de turiferário ao gover- nador que substituíra Silva Gama. O Governador, na expectativa das conseqüên- cias dos acontecimentos decorrentes da Revolução Constitucionalista, do Porto, e querendo manter-se no governo, tinha em Antonio Marques da Costa Soares um fâmulo bem remunerado para seu jogo político e este, dentre outras medidas, utilizou o tea tro várias vezes. Na primeira, com portas fran- queadas' o espetáculo constava de um "Monólogo" bajulatório e um "Hino Nacional", de sua lavra; dias depois, nova sessão "cívica", temperada com lisonj as servis que provocaram desordens; na ter- ceira,estando as coisas mais calmas, o espetáculo constava de uma alegoria e apresentação do drama "A Aclamação de Dom Afonso I, Rei de Portugal, no Campo d'Ouriques" e "Santo Antonio Livrando o Pai do Patibulo". Dessa forma, muito cedo, o espírito político começou tentando desvirtuar a finalidade daquela casa destinada a espetáculos de natureza lúdica. "Na representação firmada por 65 cidadãos de todas as classes e regimes sociais, em 18 de dezem- bro de 1821, e dirigida a Sua Majestade, disseram eles que o general Silveira era tão pródigo dos fun- dos públicos "e ávido de lisonja que tinha feito pagar 50$000 rs por mês a Antonio Marques da Costa (12) Considerado, cronologicamente, o primeiro jorna- lista no Maranhão. Era português. Ver "História da Imprensa no Maranhão", por Antonio Lopes. 24 flrfinJa Souza~eneztS BIblioteca Pessoal Soares, um dos redatores ostensivos do abjeto pe- riódico "Conciliador", além de ter criado o cargo de oficial-maior na Secretaria do governo com orde- nado, logo que se fixou o teatro desta cidade, no que era tradutor e ao mesmo tempo ensaiado r de cômicos e tudo em remuneração dos nauseativos elogios e hinos a este general, que fez representar e cantar no dito teatro, depois do dia 6 de abril, enquan to aberto." (12-a) O general Silveira a que alude o documento era o Marechal-de-Campo Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca que governou o Maranhão de 1819 a 1822. Pouco depois daquela representação contra Sil- veira, agitações políticas perturbaram por longo tempo a vida social maranhense e as coisas de arte foram relegadas a segundo plano, sofrendo período de estagnação. Após cessadas essas perturbações que foram se- guidas pelo movimento relativo à Independência do Brasil e tendo por fim o Maranhão aderido à Inde- pendência, por largo tempo, tivemos governos de pouca duração, tanto no primeiro como no segundo reinado e, como era natural, muitas vezes o teatro sofreu as conseqüências das agitações politicas se projetando na vida citadina de São Luís. * É da tradição um episódio imprevisto ocorrido no "Teatro União" em 1829; foi o caso que estando (l2-a) Augusto César Marques, op. cit., e "História da Independência do Maranhão", por Mário M. Mei- relles. 25 J o Presidente Cândido José de Araujo Viana, (depois Marquês de Sapucaí), na tribuna de honra assistin- d.o a um espetáculo quando, de um camarote de 2.a ordem, cai-lhe sobre o ombro uma rosa. O gover- nador tomou a flor e ali mesmo escreveu num car- tão estes versos: "Por acaso ou por gracejo Caiu-me a rosa no seio. Fosse acaso ou gracej o A rosa do céu me veio." E, numa demonstração do seu trato distinto, mandou levar o cartão ao camarote de onde lhe ti- nha caído a flor. (13) A certa altura a "Sociedade Dramática Mara- nhense", que ocupava o "Teatro União", comunicou aos seus associados e ao público em geral que o Juiz, "Ministro peculiar do teatro", intimou-a a não realizar o espetáculo anunciado, comemorando o aniversário da aclamação do Imperador, por ser Sábado de Ramos. Ao iniciar-se o ano seguinte, a "Escola de Dan- ça" de Carolina Vanineli se propunha ensinar "toda qualidade de dança francesa às senhoras e meni- nas", e dizia: "quem pretender aproveitar-se pode mandar seu aviso a sua morada, rua do Sol, defronte das Sras. Frazõens". Pelo mês de novembro anunciava-se que os bi:- lhetes para a "Loteria do Teatro União" estavam quase todos vendidos e, por isso, em breve seria feita a extração. * (13) D. Vieira Filho, op. cito 26 Os fatos de natureza política se, às vezes, impe- diam os espetáculos não distanciavam os maranhen- ses cultos dos seus livros. Assim é que Manoel Odorico Mendes, deixando-se entusiasmar pela lite- ratura teatral; de Voltaire, traduziu as tragédias "Merope" e "Tancredo". A primeira foi impressa no Rio de Janeiro, na Tipografia Nacional, em 1831 e reimpressa no "Arquivo Teatral" de J. Villeneuve; a segunda impressa no Rio de Janeiro. Tipografia H. Laemert, em 1839. Em todas o autor assina somen te com suas iniciais M. O. M. Eclodiu no interior o movimento bélico revolu- cionário denominado "Balaiada", causando inquie- tação, até o seu término em 1841. Durante aquele período não havia ambiente para se cuidar de arte, os "balaios" perturbando a quietude pelo interior mantinham todo o Mara- nhão em sobressalto, ansiosamente acompanhando os acontecimentos. A 19 de janeiro a "Ordem do Dia", do Presidente e Comandante das Armas, coronel Luís Alves de Lima, anunciava a pacificação da Província. Passado o vendaval e a cidade já refeita da comoção causada pelo belicoso movimento, voltou avidamente sua at,enção para a vida associatíva, buscou se divertir, para apagar da lembrança os maus momentos passados havia pouco. No mesmo ano em que terminou essa revolução, os maranhenses reagindo contra a vida pachorrenta e atendendo a sua vocação social organizaram uma "Sociedade de Recreação Maranhense" da qual era diretor o doutor João Antonio de Miranda, então 27 Presidente da Provincia, como o sucessor do Coronel Luis Alves de Lima que fora mandado ao Maranhão pelo Ministro da Guerra, Conde de Lage, para acabar com a revolta; Vice-Diretor, o Coronel Francisco José Martins; Tesoureiro, Daniel César da Silva Fer- raz; Secretário, Joaquim Serapião Serra; Procurador, João Henrique de Souza Gaioso; Comissários, Tn te. Cel. José Joaquim Teixeira Vieira Belfort e Dl'. José Jansen do Paço. Essa sociedade era promotora de bailes e outras distrações associativas. O público ~m geral, desejoso de espetáculos tea- trais, vendo que só de raro em raro apareciam artis- tas vindos de fora, não se contentava mais em aguardar, entregue às flutuações do acaso, e sentiu a necessidade em mobilizar seus meios cênicos, sur- gindo então a iniciativa de organizar sua associação dramática, contando com elementos locais para suas promoções. Luiz Alves de Lima, (que pouco depois recebia seu primeiro titulo nobiliárquico como recompensa de sua atuação no Maranhão do qual gunca vimos uma assinatura com o Silva, que se lhe atribui fre- quentemente), antes de deixar o governo, procuran- do tranqüilizar o público, através da imprensa, dera instruções sobre vários assuntos e estimulava dis- trações que desanuviassem os efeitos psicológicos da guerra. Dando apoio às comemorações civicas que restituissem a sensação de paz, deu motivo a que Gonçalves de Magalhães, Manoel Jansen Perei- ra, j. P. da Silva, J. J. C. Rosa e Fernando de Mello Coutinho de Vilhena compusessem poesias alusivas ao 7 de setembro e à maioridade de D. Pe- dro lI, declamadas no Teatro. 28 Em janeiro de 1841, ocupou o Teatro Mr. Ryan, mágico amerciano que deu seu último espetáculo em São Luis a 2 de fevereiro, seguindo para o Pará. Em 1842 ali ocorreu um fato inesperado, devido à efervecência da política da época: partidários de Dona Ana Joaquina Jansen Pereira e do seu anta- gõi;ista politi co Ç.ândido Mendes de Almeidrt se desavieram com murros e empurrões sob a ampla arcada de entrada do Teatro, mesmo sabendo estar presente o governador. (H) A "Sociedade Dramática Maranhense" conse- guiu, como já é sabido, alugar o Teatro, de 1841 a 1845, sem que por isso ficassem Os artistas forastei- ros impedidos de ali atuar. Aos anúncios dos organizadores daquela asso- ciação, acudiram logo muitos candidatos a sócio- contribuinte e mais um ou outro que se incorporava ao grupo cênico e a nova organização artistica pôde contar, dentre outros, com o ator dramático Fran- cisco de Sales Guimarães, que logo se tornou repu- tado e aplaudido. Redigiu-se um Regulamento para a nova enti- dade e o seu texto impresso teve distribuição entre os interessados (no catálogo da Exposição de Histó- ria do Brasil, na Biblioteca Nacional, a 2-XI-1881, consta um exemplar que pertencia a Fernando Men- des de Almeida) . São Luis reagia bravamenteàs lembranças dos maus momentos que tinha passado com a rajada atordoante da revolução. As famílias recomeçaram a ter suas distrações e a cidade ganhou renovada animação. (14) D. Vieira Filho, op. cito 29 As sinhás e sinhazinhas tinham agora mais oportunidade de aparecerem em público e para o fazerem da melhor maneira se ataviavam com o que havia de mais moderno, recorrendo às lojas espe- cializadas onde encontravam quanto de mais novo era lançado em Paris. Confirmando o que havemos dito basta ler em jornais da época os anúncios que dentre ou~ras coisas, ofereciam as habilidades de Mme. Brenton ... "modista de Paris, recém-chegada de Pernambuco, avisa que faz chapéus, vestidos, tou- cas, turbantes e todos os mais objetos próprios para adorno de senhoras, do melhor gosto e por preços razoáveis" . As noites de função no teatro eram precedidas de grande alvoroço na cidade porque cedo os assi- nantes tinham de mandar suas cadeiras. Além das festas religiosas e a "Recreativa" (15) , o teatro era dos raros locais onde as moças podiam ser vistas e por isso desde a tarde elas começavam os preparativos. Por esse tempo, apresentou-se o pelotiqueiro e "grande malabar" Robert que foi o primeiro a mos- trar no Maranhão trabalhos de fantasmagoria "que ele sabia executar maravilhosamente". (15_n) As promoções da "Sociedade Dramática Mara- nhense" eram recebidas pelo público com entusias- mo, e a imprensa incentivava, estimulando aquela organização que ia cumprindo o programa planeja- do, tornando-se evento mundano, cultural e social. (5) A "Recreativa", era uma entidade de caráter as- sociativo, para promover festas em casas de fami- lias, animando o convivio social. Foi criada sob denominação de "Sociedade Recreativa Mara- nhense". 05-a) "Jornal Maranhense", de 8-X-1841. 30 Se pretendermos mencinonar um Teatro Maranhen- se, este é o começo. Em outubro quando se iniciou o contrato do tea tro com a "Sociedade Dramática Maranhense", para vencer as dificuldades no sentido de cumprir sua programação, divulgou-se pela imprensa esta nota: "roga-se a todos os ilustres sócios hajão de comparecer no dia 7 do corrente às 7 hs. da noite no salão do "Teatro União" a fim de geralmente poder deliberar a sustentação de tão útil como proveitoso divertimento." Três dias depois dessa convocação eram publi- cadas as deliberações que foram as seguintes: (16) "1.0 - Em o dia 17 do corrente mês será dado em espetáculo "O Delator Húngaro" e a farsa "O Galego Lorpa" para a qual ficam avisados os senhores sócios e so- mente os que têm camarotes a compa- recerem por si ou por seus procuradores em o salão do teatro no dia 13 às 5 horas da tarde, para assistirem ao sorteio de lugares. 2.0 - Deixou de existir a antiga numeração de camarotes com a resolução tomada de não haver distinção de ordens nem luga- res e por isso previne-se que a numera- ção atual começa de 1 a 33, do lado do beco e de 34 a 66 do lado do Carmo. 3.° - A Sociedade não admite convidados na platéia pelo que a nenhum de seus mem- (6) "Jornal Maranhense", de 8-X-1841. 31 32 bros cede mais do que o cartão com o qual tem direi to a ser ali in trod uzido . 4.° - A mais rigorosa polícia se há estabele- cido para privar o ingresso que dantes tinha no corredor toda a casta de gente e por isso roga-se aos srs. sócios com familia que limitem o séquito de seus servos ao necessário ao seu serviço ali indispensável, para por este modo cede- rem algum obséquio dos desej os que tem a Diretoria de fazer manter a ordem e o silêncio que devem reinar em atenção a todos os Espetáculos. 5.° - Até as 6 horas da tarde dos dias de récita deverão ser guarnecidos de cadei- ras os camarotes pelo próprio dono de cada deles. As cadeiras ai ficarão até o dia seguinte quando serão entregues à ordem de seus donos, para com esta medida evitar-se o roubo que d'antes ha- via. 6.° - Todo o espectador que não respeitando a qualidade de convidado dos sócios re- presentados der pasto a grosseria e inci- vilidade com que se costumava maltratar os atores de profissão, soltando vozes ou assobios, ou praticando qualquer outro ato de pateada ou ainda todo o indivíduo que não respeitando as leis da sociedade em o seu próprio recinto manifestar seu desgosto ou desaprovação a qualquer falta ou demora na boa execução dos trabalhos por ações desregradas que a decência, a boa educação, tolerância e civilidade condena será irremiscivelmen- te posto para fora do recinto ao qual jamais terá acesso. 7.° - O sócio que ceder seu lu~~r e':Y' ~uqlquer récita dará disso parte à diretoria até as quatro horas da tarde do dia do espe- táculo designando nome da pessoa ou familia que obsequia, para poder ser ela responsável na forma que ordenam os Estatutos. 8.0 - Quem pretender ser Sócio poderá enviar sua declaração ao diretor da Sociedade para esta apresentar à aprovação. 9.0 - Nenhum aprovado é considerado sócio sem ter pago a jóia de sua admissão. 10.0 - Todo sócio que deixar de pagar no espaço de 8 dias de cada mês na sociedade, a sua mensalidade há por este fato dado sua demissão. 11.0 - Os meses da Sociedade começam do dia 15 de cada mês vulgar. (as.) .José Joaquim Figueiredo de Vasconcelos Diretor" E, logo depois: "A Diretoria da Sociedade D~a- mática Maranhense" faz público, a todos os SÓCIOS e às pessoas que pretendam saber, que "a distribui- ção dos bilhetes para camarotes e platéias, para ré- cita do dia 17 do corrente, será feita no salão do Teatro neste mesmo dia (domingo), desde as 8 horas da manhã, até as três da tarde onde deverão ir 33 pessoalmente os SOClOS ou mandarem o bilhete assi- nado para receberem o que lhes pertence, devendo todos, na entrada, à noite, levar o seu competente cartão para apresentar à porta do teatro, sem o qual a ninguém é permitido ingressar na casa." Tão claros se mostram os fatos, nessas publica- ções, que nos dispensamos de maiores comentários. .o primeiro secretário da Sociedade era então Manoel José do Amaral Cunha que pela imprensa trazia os sócios informados sobre os acontecimentos e, para tanto, publicava pouco depois a posse da nova diretoria: Dl'. Antonio Joaquim Tavares - Presidente David Gonçalves D'Azevedo - Vice-Presidente Padre Antonio João de Carvalho - 1.0 Secretário João Batista Ferreira Gomes - 2.° Secretário João Antonio Câmara - Tesoureiro Custódio Dias D'Oliveira - Procurador Para atender a interesse dos visitantes a Socie- dade resolveu conceder aos sócios, até dois convites, para pessoas reconhecidamente residentes fora da cidade. Nos interregnos dos seus espetáculos, a "Socie- dade Dramática Maranhense" cedia o teatro desde que houvesse companhia vinda de fora ou quando algum artista forasteiro chegava a São Luís, tinha o teatro a sua disposição como também era cedido para solenidades civicas. Ao se festej ar a Sagração e Coroação de Sua Majestade o Imperador, por solicitação do 11.° Pre- 34 sidente da Província, bacharel João Antonio de Miranda, a Sociedade teve sua marcante participa- ção que foi assim programada: às 5 horas da manhã e às 6 da tarde queimaram girândolas de foguetes; às 8 horas da noite, quando chegou o Presidente da Provincia, que foi recebido à porta do edifício por uma deputação de seis membros da Sociedade, da qual Sua Exa. se dignou aceitar ser membro nato e o titulo de seu Presidente Grande Protetor, tendo sido saudado pela comissão com jubilosos vivas, fo- ram-lhe jogadas flores que caíam da varanda de iluminação. Logo que chegou à tribuna foi aberto o velário e começou o "Elogio Dramático"; (17) uma alegoria composta por J. J. de Figueiredo com o titulo" O Triunfo da Monarquia", que teve no próprio autor a parte de Gênio do Maranhão; a parte da Discór- dia, interpretada por Manoel do Amaral Cunha; a da Liberdade pelo jovem de treze anos, Raimundo Torquatode Oliveira Gomes; dois meninos, filhos do autor, figuravam de pequenos gênios, trazendo, cada um, uma caixinha enfeitada com fitas e flores artificiais, contendo flores naturais as quais, com as caixinhas, foram ofertadas ao Presidente da Pro- víncia e a sua consorte pelos próprios meninos. Por essa época chegou ao Maranhão a primeira companhia que vinha apresentar espetáculos líricos e da qual nos ocuparemos adiante. Citando-a aqui (17) "Elogio Dramático" era um gênero espúrio do teatro, surgido em Portugal, no século XVIII, para o qual eram chamados a produzir loas os poetas. Esse tipo de espetáculo, para alguns autores, era o abastardamento do gosto e veio a nós, até o século XIX. 35 por ter participado deste espetáculo sua primeira dama. Findo o "Elogio", diante da efígie do Imperador que havia no palco, Lino Maurício Silva, do seu camarote recitou um monólogo, Augusto César Reis Rayol (d~ S.D.M.) recitou odes alusivas e, final- mente, a senhora Jesuina Margarida Lemos cantou, no palco, o hino constante do "Elogio". O teatro encontrava-se lindamente ornamenta- do iluminado por luzes de espermacete que cintila- va~l em lustres e em globos de vidro, abrilhantando a sala onde estavam as principais famílias da cidade, "chamadas pelo convite dirigido pelo governador a cada uma delas". Os camarotes emprestavam alegre perspectiva ao ambiente, "não somente pelas senhoras que neles se divisavam como também pelo asseio das cortinas de seda e grinaldas de flores artificiais, formando laços, emblemas, legendas, troféus e brasões de ar- mas. A tribuna, camarote do Presidente, tinha cor- tinas de vidrilhos de prata, semeadas de estrelas de ouro tape ta da e mobília da com elegância, tendo a gradaria toda prateada. No centro do teto, que estava forrado de um pano branco semeado de estrelas de ouro sobre campo azul celeste, via-se a estrela dalva reverbe- rando seus raios e a legenda. - 28 de julho - que, à pequena distância, se via suspendida por dois ser afins entre nuvens". (lS) Apresentou-se o drama "Os desterrados de Mos- saik, ou Justiça de Pedro o Grande". (18) "Jornal Maranhense", de 28-IX-1841. 36 Durante o intervalo, no salão ricamente mobi- liado, estavam grandes mesas com doces e refrescos que sua Exa. mandou servir aos seus convidados, enquanto duas bandas de músicas se faziam ouvir. Quando voltaram à sala de espetáculo, os senho- res capitão Ricardo Leão e Francisco Salles Nunes Cascaes recitaram composições poéticas de sua au- toria; o primeiro, dois sonetos e o segundo, uma ode. Além destes festejos, no teatro, outros tiveram lugar pela cidade, durante alguns dias e muita poe- sia foi composta, alusiva às comemorações. Pouco depois o Secretário da "Sociedade Dra- mática" avisava pela imprensa não ter havido tem- po para preparar a nova récita anunciada e pedia aos sócios que daí por diante não retirassem suas cadeiras nos mesmos dias dos espetáculos, mas no dia seguinte, mediante seu cartão, para evitar os atropelos havidos anteriormente. Depois de um espetáculo com o drama "O De- sertor Húngaro" e a farsa "A Porteira Anatômica" houve um outro com o drama "O Duque da Baviera" e a farsa "O Tacão Malogrado". Quando ocupou o teatro o ginasta Mr. Vallin que se anunciava como "Hércules Francês ", apre- sentando trabalhos de ginástica e quadros vivos, de sua programação cOEstavam, na primeira noite, "Exercícios ginásticas, malabares e físicos"; na se- gunda programação "Grande coluna giratória"; na terceira, "Jogos hidráulicos"; na quarta, "Grande luta dos dois gladiadores". Sobre os "Jogos hidráulicos", dizia serem "Imi- tando Os principais repuchos d'água das mais belas fontes da Europa como é feito nos melhores teatros de Paris e da Itália". 37 Os ingressos para os camarotes estavam sendo vendidos na casa do próprio Mr. ValIín, na Rua das Violas. (19) Pouco depois, as apresentações do francês foram in terrompidas para que a "Sociedade Dramá tica Maranhense" pudesse atender à nova solicitação do Presidente da Provincia que desejava um espetáculo como nova homenagem aS. Maj estade o Imperador e, para atender a essa promoção, repetiu-se o "Elo- gio Dramático" e apresentou-se o drama "O Prin- cipe dando carta". Terminada a temporada do "Hércules Francês", a "Sociedade Dramática Maranhense" retomou suas atividades, iniciando com o drama" A Sensibilidade no Crime" e a farsa "O Logro mais bem pregado" e depois, em outro programa, o drama "Elvira" e a farsa "Os cegos fingidos". * Em "Memórias de um Magistrado do Império" o Conselheiro Albino José Barbosa de Oliveira conta reminiscências de sua estada em São Luis, onde foi desembargador da Relação aos 33 anos, por influên- cia de Paulino José de Souza, ausentando-se em 1846. , Ao referir-se às distrações sociais, lembra quan- do ali apareceu uma má e incompleta Cia. teatral, tendo como primeira figura, Margarida Lemos, artis- ta apreciada no São Januário do Rio e o ator Ricco. (19) Certas fontes dão à este pelotiqueiro o nome de VaIlim, outros VaIli mas, dado que sua nacionali- dade era francesa, parece-nos que seja VaIlin. 38 o mesmo memorialista registra os dotes pianis- ticos do jovem Joaquim Franco de Sá, que foi seu colega na cidade do Recife, nos primeiros anos que ali estudara, no recém-criado curso juridico de Olin- da, onde Franco de Sá se formou com a primeira turma. Afora o teatro, relata o desembargador as diver- sões. eram: a "Recreativa", sociedade de' bailes e, contmuando na sua expressiva amostra da vida social maranhense, con ta-nos: "Algumas noi tes assisti a soirees bem concorridas nas casas do Iná- cio José Alves de Souza, D. Ana Jansen, Joaquim Braga, e D. Luisa Marcelina Nunes Gonçalves e Ângelo Carlos Muniz. Tive intimas relações com D. Lourença Leal e toda família; era ela mãe de D. Ana Amélia, a quem, Gonçalves Dias, dedicou os versos "Seus olhos", com efeito só os olhos de Ana Amélia olhos únicos no mundo, podiam inspirar tais verso;. A irmã, casada com o excelente doutor Alexan- dre Teófilo de Carvalho Leal tocou mui to bem piano, o que era grande recurso' para mim ávido de distração e ela mesmo era muito boa pe~soa". Em linhas gerais o registro do desembargador é um pequeno instantâneo panorâmico da Sociedade Maranhense na primeira metade do século dezenove. * Em 1846, o "Archivo", órgão da Associação Lite- r~ria Maranhense, anunciado como "jornal cienti- flco e literário", tinha na relação de seus colabora- dores, nomes representativos das letras locais. Por essa folha, temos noticia de ter subido à cena em São Luis o drama "A Torre de Nesle", de 39 Alexandre Dumas, pai. Lançado em Paris quatorze anos antes, tendo como principal intérprete a famo- sa Mlle George que, antes de aderir ao repertório romântico, com a peça de Dumas, tinha sido intér- prete ideal do repertório clássico. O drama já representado milhares de vezes antes de chegar ao Maranhão, focaliza a Rainha Margarida de Borgonha, casada com Luis X de França, a qual, com suas cunhadas, eram acusadas de adultério; atraíam à Torre de Nesle os jovens desejados e depois de grandes orgias os mandavam matar e jo- gar no rio. Da estréia dessa peça, em Paris, o próprio autor dá-nos idéia em suas "Memórias" e não perderemos aqui a oportunidade de transmitir ao leitor parte desse relato: "A sala estava em ebulição, sentia-se o grande sucesso; ele estava no ar; se o respirava. O fim do segundo quadro foi de um efeito terrível, Buridan saltando pela janela ao Sena, Margarida desmascarando sua face sangrenta... tudo isso era de um efeito repentino. E quando após a orgia, essa fuga esse homem precipitado no rio, esse amante de uma noite assassinado sem piedade por sua real senhora" ouvia-se a voz monótona do vigía da noite que gritava: "são três horas, tudo está tranquilo. Parisienses, dormi", a sala explodia em aplausos".Era, como vímos, um desses dramas que apaixo- nam o espectador e não poderia deixar de sacudir os maranhenses. Nessa noite, a platéia do "Teatro União" con- tava com a presença do festejado e jovem poeta Antonio Gonçalves Dias, que há três anos vinha mostrando seu interesse pelo Teatro e, pelas páginas do periódico da Associação Literária Maranhense, comentou aquela apresentação cênica. Embora de- 40 clarando não ser seu propósito analisar o espetáculo, ocupou-se das características do texto de Dumas, dos caracteres apresentados, apontou algumas difi- culdades que os artistas encontraram na obra e acabou por citar alguns intérpretes: Gomes, que fa- zia Buridan, Ferreíra, no Landry e Guimarães, sem muito se deter sobre outros aspectos do espetáculo. Quanto à forma de montagem, diz-nos o poeta- dramaturgo: "Houve algumas inadvertências nos trajes, e em alguns movimentos de cena; tal foi mandar a rainha abrir as salas do seu palácio por sua camarista; talvez provenha o erro da má tra- dução. A rainha apareceu de vestido curto, mante- leta, e máscara veneziana; assim foi ela à Torre de Nesle e deu audiência no seu palácio do Louvre. Quando a vimos entrar em cena assim traj ada e apesar da máscara que trazia, figurou-se-nos ver uma romeira que vinha de visitar o Santo Sepulcro, ida e vinda na retaguarda de algum troço de pala- dinos; empunhasse ela o bordão de peregrina, ador- nasse o peito com algumas conchínhas, colhidas à beira do mar, contasse histórias de Sarracenos des- comunais e mostrasse bulas de algum Santo Padre e a ilusão seria completa ... " Informados pelo pronunciamento de Gonçalves Dias, ficamos sabendo que o espetáculo não foi dos mais completos, pelo menos relativamente à mon- tagem, o que vem confirmar o que ficou dito pelo Desembargador Albino José Barbosa de Oliveira. No seguinte número de "Archivo" volta o poeta com outra nota sobre um espetáculo do "Teatro União", desta vez, apreciando "Dom João de Maraiía", tam- bém de Dumas e termina dizendo: "Em resumo D. João tem cenas que revelam o belo autor dramático que aumentou e por tantos anos sustentou o esplen- 41 dor do Teatro Francês; tem muitas pagmas que pertencem ao escritor profundo e ao romancista inesgotável; tem muitos devaneios, muitos caprichos, muitas extravagâncias que justificam o titulo de um de seus melhores dramas "A extravagância do Gê- nio", (Kean)". O interesse de Gonçalves Dias pelo teatro de Alexandre Dumas era o de um autor teatral de influências românticas por outro dramático da mes- ma escola literária. Já havia ele escrito "Pa tkull" (1843) e "Beatriz de Cenci" (1844-1845). "Leonor de Mendonça", terminada nesse ano, é mais tarde considerada legitima obra-prima e teve lapidar pre- fácio sobre o qual Ruggero Jacobbi escreveu, cento e treze anos depois: "precisaria figurar entre os mais lúcidos manifestos do teatro romântico mun- dial". "Boabdil", seu último drama, só foi concluido quatro anos depois. (Ver "Anexo XI".) Numa demonstração de que não foi fugaz o seu interesse em compor obra dramática, convém men- cionar que na edição de suas obras, pela Editora José Aguillar (Biblioteca Luso-Brasileira, Série Bra- sileira em 1959) constam cartas do poeta, falando em seus dramas, escritas em Coimbra, Caxias e Rio de Janeiro, dirigidas ao amigo Alexandre Teófilo de Carvalho Leal, às fls. 797, 800, 803, 807, 809 com da- tas de 8-IX-1843, 31-VIII-1845, outubro a novembro de 1846, 4-IV-1850 e 2-1II-1858, esta última dirigida ao Imperador D. Pedro II e procedente de Dresde na qual fala de sua tradução da "Noiva de Messina", de Schiller. Autores há que, estudando a evolução do teatro no Brasil, situam a produção dramática de Gonçalves Dias, no nosso "Primeiro Momento da Criação ro- mântica (1838-1850)." 42 Sentia-se como o "Homem Sensivel" de Taine, no qual o afetivo e o intelectual se confundiam, entregues a uma doce tristeza cheia de sonhos, em um mundo de ficção, de novela e de romance. As idéias de Victor Hugo, contidas no prefácio de "Cromwell", em 1827 eram atuantes mas, seis anos depois, Alfred Musset, ao tomar posse na Academia Francesa, renegava o Romantismo. A renovação operada pela influência do roman- tismo foi mais forte no concernente à intrepretação e ao texto, muito pouca modificação houve quanto a cenários, adereços, luzes, sem que essa omissão desmerecesse a evolução que marcou. Ainda pelas páginas de "Archivo", Antonio Rego comenta a companhia lírica de Galetti e Carlos Ricco que, como se sabe, foi a primeira do gênero lí- rico a ocupar o teatro do Maranhão. Em sua seção "Variedades", o cronista faz ligeiras referências às apresentações das óperas "Norma" e "Barbeiro de Sevilha" constantes das récitas de assinatura, dizen- do que a cantora Margarida Lemos, embora com muita expressão e sentimento, não possuia volume de voz necessária à "Norma", elogia o tenor Ricco e diz que Guizoni, interpretando em "Barbeiro de Sevilha" o Figaro, e Galetti, no papel de Dom Bar- tolo, na mesma ópera, tiveram qualidades e defeitos. Já o terceiro número daquela publicação, conta- nos que se falava na dissolução da Companhia Liri- ca, logo após as récitas de assinatura, o que parece mostrar não ter sido alcançado o êxito desej ado. Muito embora o "Semanário Maranhense" tenha deixado el:icrito que a Companhia "deu deliciosas noites, deixando eternas saudades àqueles que apre- ciaram" . 43 Pouco depois, em agosto, se anunciava nova estréia da Sra. Lemos mas com outra organização; a "Sociedade Dramática Aliança", interpretando o drama "Lucrécia Borgia" de Victor Hugo. A julgar pela opinião do Desembargador Albino José Barbosa de Oliveira em suas memórias, a que já aludimos, esta nova organização, na qual se achava escritura- da a Sra. Margarida Lemos, era incompleta. Entre setembro e outubro ocupou o Teatro o escamoteador Walter a quem A. Rego dizia faltarem qualidades, na apresentação do seu gênero. Governava o Maranhão à Presidente Doutor Joa- quim Franco de Sá, quando, em dezembro, a "Socie- dade Dramática Aliança" tomou a iniciativa de transformar o palco do Teatro em grande presépio, o que foi uma idéia de Ferreira da Fonseca. Em agosto do ano seguinte a "Sociedade Dra- mática" que se compunha de amadores e artistas residentes em São Luis apresentou um espetáculo, em benefício do seu ensaiador, constando da tragé- día em 5 atos de Sílvio Pellico intitulada "Francesca da Rimini" e a comédia-vaudeville em 1 ato "A Farda do Duque de Wellington", terminando com a farsa "O Marido Mandrião". No mês de março o mesmo grupo apresentou o drama sacro, "O Martírio da Santa Inês". Tendo iniciado sua temporada em fins de 1847, ficou até o começo do ano seguinte a Companhia de Cavalinhos e feras do empreSário Smith, que transformou a platéia em pista de exibição dos seus animais e o palco em platéia, causando, como era de se esperar, sensíveis estragos no recinto, dando ori- gem a que se providenciasse uma regulamentação, proibindo espetáculos daquele gênero, no Teatro. 44 Em novembro de 1847, faleceu no Maranhão o português, brasileiro naturalizado, Joaquim José Sa- bino que fora secretário do Governo e Desembarga- dor ria relação no Maranhão e que escreveu as Tragédias "Policena" (que alguns consideraram imi- tação de "Mérope", de Voltaire) e "Nova Castro", impressa em Lisboa, 1818. Pelo meio do século, já residiam em São Luís vários artistas e amadores de teatro, como já fize- mos ver, isto porque as temporadas eram longas e alguns se deixavam ficar., Tan to do gênero declamado como do gênero musicado viviam na cidade hábeis comediantes e gente da técnica teatral. Para o sábado, 15 de janeiro de 1848, estava anunciado o benefício da atriz Maria Madalena, com o drama "Leonor de Mendonça", de Gonçalves Dias e a farsa "A Castanheira". (IV-a) O prédio do teatro achava-se em parte adjudi- cado à Fazenda Nacional,por dívida de Braga, ao falecer e, portanto, incorporado parcialmente aos bens nacionais. O seu estado de conservação, porém, era de forma que uma restauração importaria em grandes despesas e o governo central não se mos- trava interessado em tomar essa iniciativa. Pela Lei n.o 514, de 28 de outubro de 1848,(lV-b) a Fazenda Nacional fez doação de sua parte à Pro- víncia, ficando assim o que lhe cabia como patrimô- nio do Maranhão. Em seguida, aceita pelos herdei- ros de Eleuterio Varela, a proposta de compra da 09-a) "História do Comércio no Maranhão"", por Jerô- nimo de Viveiros, pág. 379 - 2.° vaI. 09-b) Citado por César Marques, op. cit., mas não encontrado na Coleção de Leis do Império. 45 metade que lhes pertencia pela quantia de 7.000$000 rs, foi a transação ultimada pela lei provincial n.O 376 de 1850 e assim ficou o teatro inteiramente propriedade do Maranhão, quando governava Honó- rio Pereira de Azevedo Coutinho, seu 18.° Presidente. Não somente na Capital havia teatro. Em abril de 1849 a "Sociedade Harmonia", de Caxias, anunciava para o seu "Teatro Harmonia", em benefício de José João da Silva Rosa, um espe- táculo com o drama "O Amor de um padre ou a Inquisição em Roma" e a comédia "O Inglês Ma- quinista", de Martins Pena. Em julho, depois de uma sinfonia, um monólogo, o drama "Dona Maria de Alencastro", de Mendes Leal e a comédia "O juiz de Paz na Roça", também de Martins Pena. Em março, do ano seguinte, houve uma "récita par- ticular" com a tragédia "O Poeta da Inquisição", de Gonçalves de Magalhães, o provérbio em 1 ato intitulado "Como se perde um noivo" mas o espe- táculo foi anunciado com a ressalva: "Será trans- ferido para o dia 17 ou outro dia qualquer, se fizer mau tempo". Para 5 de maio anunciava-se o drama em 4 atos "Afronta por afronta" e o entremez "Ma- nuel Mendes". Foi editado no Rio de Janeiro o drama "Manoel Beckman", de Carlos Luis Saules, que era do Con- selho do Conservatório Dramático do Rio de Janeiro. Para o espetáculo de 29 de outubro de 1849, teve o público de São Luis, o drama "Os Prussianos em Lorena", e a comédia" A Família e a Festa na Roça", não havendo bilhetes à venda; somente ti- nham ingresso os associados e convidados. A 20 de novembro, o mesmo conjunto apresentou "O Judeu", drama de Gonçalves de Magalhães e a 46 comédia "Judas em Sábado de Aleluia", de Martins Pena, num espetác'..llo em benefício de Silvíno Au- gusto Diníz. O Teatro, como era necessário passou por gran- des obras de restauração, orientadas pelo arquiteto Albuquerque que, além dos trabalhos de recuperação, tratou também de aformoseá-Io, entregando-o pron- to em 1852, quando o governo da província deu-lhe o nome de "Teatro São Luis, em substituição à pri- mitiva denomínação de "Teatro União". Essa mu- dança de nome não teve a aprovação de João Lisboa que, no seu folhetim do "Publicador Maranhense" (25-III-1852), criticou também o novo Regulamento ~o dia 5 e deixou-nos esta pequena idéia do aspecto 111terno do Teatro: "Fundo branco em geral nos tetos e caixas dos camarotes, e fundo azul c~leste nas pilastras do arco do proscênio, mas tudo sober- bamente esmaltado e matízado com molduras e baixos relevos, que suspendem, alegram e encantam. Nas pilastras se vêem as musas da dança e do canto do drama trágico, e do drama mofador, acompa~ nhadas de emblemas e atributos, e no meio de uma admirável profusão de flores e frutos que o capricho ínteligente da arte derramou com largas mãos do bojo talvez de uma cornucópia que também aÚ se enxerga. Que magnífica cortina de cetim verde nos recata os mistérios da cena, com sua rica barra de ouro, e como está gentilmente meio arregaçada por laços e cordões do mesmo metal que a terra cria! Defronte, a grande tribuna, igualmente recatada desdobra às vistas já fatigadas de tantos esplendo~ res, o seu largo manto de veludo carmezim ... " Depoís das obras terminadas, a casa foi ocupada pela companhia dramática portuguesa de Antonio Luís Miró que, conforme se dizia, era autor de ópe- 47 ras óperas-cômicas comédias e cerca de trinta anos antes, fora ensaiadbr de canto no Teatro São Carlos de Lisboa do qual era o primeiro pianista. Registrou o "Semanário Maranhense" que nes- sa companhia brilhou o ator João Jacinto Ribeiro que, embora morto na flor dos anos, revelou-se ver- dadeiro talento cômico. A Companhia dramática de Miró permaneceu até 1853, quando chegou ao Maranhão, pela primeira vez, o ator brasileiro Germano Francisco de Oliveira que uniu-se ao empresário português. Em face das credencais desse artista nacional, nascido no Rio de Janeiro em 1820, e de sua atuação em São Luis, onde alcançou êxitos particularmente expressivos, é conveniente dar-se uma idéia mais nítida de seus méritos e, para tanto, vamos utilizar informações contidas em sua biografia escrita pelo maranhense Joaquim Serra, seu contemporâneo e amigo. Germano Francisco de Oliveira que tanto veio a movimentar o teatro no Maranhão era, no dizer de Joaquim Serra,eO) considerado no Rio de Janeiro verdadeiro rival de João Caetano dos Santos e, de tal forma que, ao trabalharem juntos, havia no Teatro sérios distúrbios na platéia da Capital do Império por causa dos confrontos que faziam os admiradores de um e outro ator. Os "partidos" promoviam debates acalorados, cada qual exaltando as qualidades do seu idolo e, tais contendas, quase sempre acabavam em brigas. (20) "Biografia do Ator Brasileiro Germano Francisco de Oliveira", por Joaquim Serra. (Ver "Anexo" VI".) 48 Estreou Germano na carreira teatral em uma companhia dramática regular, organizada no Rio de Janeiro, da qual faziam parte João Evangelista, José Jacob, Ludovina Soares da Costa e outros que representavam em pequeno teatro da rua dos Arcos. Mais tarde, foi chamado a substituir João Caetano em "Dois Renegados", drama de Mendes Leal. Va- leu-lhe essa oportunidade uma desagradável mani- festação hostil. dos partidários do ator despedido mas, logo a seguir, Germano acabou sendo alvo de consagradoras manifestações de apreço. A situação de ator contratado em que se encon- trava, não era de acordo com suas aspirações pois tinha dessa forma os seus vôos limitados. Fez-se empresário aos 24 anos em São Salvador de Campos e, durante a permanência do Imperador Pedro II ali, foi notado pelo monarca. Convidado pela direção do Teatro São Pedro do Rio de Janeiro, então o maior do Pais, ali atuou como primeiro ator. Depois, excursionando a Salvador teve oportu- nidade de contracenar com seu grande rival, alcan- çando expressiva consagração popular. Esteve algum tempo em Cachoeira, onde passou a ensinar arte dramática até 1850 e nessa cidade traduziu e publicou em "Archivo Teatral de Ca- choeira" os dramas "Maria Joana Mulher do Povo" "Marinheiro de São Tropez", "Justiça de Deus": "Huberto, o feiticeiro". MUdando-se para a cidade do Recife, passou a dirigir o teatro Santa Isabel e, em 18 de maio do ano em que deixou Cachoeira apresentou-se na Capital pernambucana com "O 'pajem de Aljubar- rota ", drama de Mendes Leal Júnior. 4.° I I I I Por esse tempo foi agraciado por S. M. I. com o hábito da Imperial Ordem da Rosa que, até aquela data, nenhum artista teatral havia recebido. Novamente no Rio de Janeiro, reapareceu com os dramas "Dois Renegados" e "A Graça de Deus". Quando de sua estada no Recife, teve ocasião de conhecer a jovem Manuela Lucci, que, segundo o seu biógrafo, era "jovem, graciosa, inteligente, vigoro- sa, de espirito vivaz, coração moldado para as gran- des paixões, alma dotada de rara sensibilidade, amava o teatro até ao delirio, por instinto, por incli- nação nativa, por imposição do destino". No Maranhão passou Germano a empresar o teatro local conquistando nova platéia da qual disse o biógrafo "O público do Maranhão, exigente e de gosto apurado, não todavia escasso na manifestaçãodo seu apreço para com o artista que se apresentava tão brihante ante ele". Tendo Germano conseguido jun tar algum pe- cúlio, o que lhe permitiu viajar pela Europa, esteve na França, Inglaterra, Alemanha e Portugal, toman- do contato com as apresentações teatrais do Velho Mundo, nas três escolas da arte de representar, observação que há muito desejava fazer nos grandes centros culturais europeus. Em Lisboa deu demonstrações de suas possibi- lidades profissionais o que não lhe foi fácil "pela prevenção de que a modificação americana da lin- gua desagradava ao público português". Mas, no ensaio geral, presentes Mendes Leal e outros inte- lectuais portugueses, foi por eles animado para as representações nos teatros "Dona Maria Ir" e "Giná- sio", nos quais apareceu à platéia lisboeta em "Duque de Roquelaure", uma comédia de costumes, e o drama "A Gargalhada", de J. Arago. 50 Toda a renda alcançada em suas representações em Portugal foi doada pelo artista aos pobres locais. De sua permanência na Capital portuguesa fala- nos longo artigo do famoso escritor luso J. S. Men- des Júnior e, desse artigo, extraimos este trecho: " . .. Apesar desta dificuldade terrivel, (refere-se a defeitos na peça de Arago), apesar de estranho ao nosso público, apesar da comoção de uma estréia, apesar de ter trazido o peso de uma grande repu- tação, que não poucas vezes agrava as provas e faz sucumbir os mais audazes e confiosos, o Sr. Germa- no saiu-se vitorioso desses múltiplos obstáculos, justificou o seu renome e conquistou de chofre um lugar distinto nos anais da arte portuguesa ... " Dado o prestigio literário de que gosava J. da Silva Mendes Júnior, tais palavras são alta creden- cial que tornava o artista ainda mais considerado e, como se não bastasse, esse dramaturgo português, ao terminar seu novo drama "Urgel Camprodon", lhe dedicou a obra numa longa dedicatória em ver- sos, datada de 1856, da qual é este trecho: "Aceita, artista eximio, este tributo Que vem do coração; Se no valor é parco e diminuto, É grande em intenção. Teus dotes conheci. O louro nobre Que te enrama essa fronte, Brotando em flor, de novas flores cobre O teu largo horizonte." Mas, não foi somente aquele dramaturgo a se entusiasmar com a arte de Germano de Oliveira; César de Lacerda dedicou-lhe o drama "Dous Mun- dos ", pUblicado com uma carta -prefácio consagra- dora; também L. A. Bourgain, autor dos dramas 51 "Luis de Camões", "Pedro Sem", "Casa Maldita': e "Três Amores", ao publicar o seu drama "Mosteiro de San Thiago", dedicou-o também a Germano com elogiosa carta-prefácio. Joaquim Serra, ao publicar a bio.grafia de Germano de Oliveira, fez inserir no opusculo um apêndice constante de poesias e tr~chos em prosas, de vários autores, glorificando o blOgrafado. Assim fica o leitor conhecendo as credenciais de um a~tista que tão longas e operosas atuações tea trais teve no Maranhão. Germano Francisco de Oliveira, como vimos, passou a ocupar o teatro do Maranhão, s_ubstit.uindo o empresário Miró. Dispondo do Teatro S~o ~UlS, G.er- mano deu ali muitos espetáculos e os pnmeiros balles carnavalescos que começaram a 26. de abril de 1854, j á com certa regulamentação. (21 ) Quando a Cia. de Germano de Oliveira inaugu- rou o Teatro Santa Isabel, no Recife, com "O Pajem de Aljubarrota", de Mendes Leal faziam parte do elenco, além do empresário, os artistas Silvestre Francisco Meira, Antonio Maximiliano da Costa, Pe- dro Batista de Santa Rosa, Antonio José Duarte Coimbra Sebastião Arruda de Miranda, José Maxi- mino de' Almeida Cabral, José Francisco Monteiro, (21) 52 Para obstar excessos o Chefe de Polícia Dl'. Anto- nio de Barros Vasconcelos baixou regulamento constando de oito artigos que, além de outras medidas, proibia dançar pessoa. masc.arada com pessoa não mascarada e, das brmcade}ras do en- trudo, só eram permitidas o uso de pos dourados e bisnagas de cheiro. (Ver "Nossos bailes carnavalescos do teatro, no século passado", por Jerônimo de Viveiros, em "Revista do Maranhão", VoI. 1, n.o 4, 1951). Antonio da Cunha l3,oares Guimarães, Joaquim José Pereira, Caetano Marques de Souza, Joana Januária de Souza Bittencourt, Emilia Matilde Valença, Rita Tavares da Gama e Maria Soledade, alguns dos quais acompanharam Germano, depois. O artista achava-se em dia com as programações apresentadas nos mais adiantados centros culturais da Europa e do Pais e estava habilitado a enrique- cer seus espetáculos com os elementos necessários para satisfazer o gosto variado das platéias. Em plena voga do melodrama as suas progra- mações eram eminentemente ecléticas. Apresen- tava-se em uma só noite: o drama, a comédia séria ou brejeira, acompanhadas ou não de música e números de variedades; usava-se e abusava-se de recursos violentos, recorria-se aos grandes lances dramáticos que a cena comportasse como o punhal, "o veneno, o rapto de crianças, o falso testemunho, tudo em maquinações tenebrosas". Matava-se e gri- tava-se, deixando o espectador em excitação e, não raro, em lágrimas levando-os muitas vezes até a tomarem atitudes agressivas contra o vilão da peça, na pessoa do artista. Essas miscelâneas lírico-dramáticas ensejavam ao público a satisfação de todas as preferências. Era, aliás, um costume que nos viera de Portugal e da Corte, onde também eram desse teor as pro- gramações teatrais', considerando-se misciveis todos os gêneros juntos. A música, no caso, era um elemento suavizante e portanto, de certo modo, explicava a predileção pelos variados gêneros, conj un tamen te. Nos espetáculos em beneficio dos artistas orga- nizavam programas especiais e, nessas ocasiões, os intérpretes preferidos ouviam saudações em cena ou 53 54 Germano Costa Nunes Martins Silvestre Raimundo Teixeira Maria Luiza Prima A beneficiada Augusto Lucci recebiam, volantes impressos em papel colorido con- tendo loas em versos, distribuídos também na pla- téia. Nos prímeiros dias de 1854, depois da habitual ouverture, pela orquestra, foi apresentada a ópera cômica "A Vendedora de Perus", com música de Augusto Marinho, no espetáculo de benefício da atriz Carmela Adelaida LucCí, tendo a seguinte distribui- ção: Rei da Prússia . Conde de Newbourg . Barão Laniehberg . Butter . Herman, lenhador . Juiz de Paz da Aldeia . Peters . Um oficial . Baronesa . Gotta, vendedora de perus . Doroteia, filha do juiz . Terminada a ópera cômica, a beneficiada can- tou a cavatina "Columela" e, depois de pequeno íntervalo, foi à cena "a sempre aplaudida comédia em 1 ato "O Diletante", tendo no papel de Paulista o ator Germano". Numa demonstração de quanto passou a ser querida a atriz Carmela,(22) nos intervalos do espe- (22) Manuela Lucci, informa Sousa Bastos, em "Car- teira do Artista", era natural da Itália. Chegou ao Brasil com três anos de idade. Era irmã da atriz Carmela Lucci e ambas foram discípulas de Ger- mano F. de Oliveira e esta esteve escriturada na Cia. de João Caetano no Rio de Janeiro, como bailarina (ver "Brasil Teatro", Mucio Paixão) . .1 táculo, foram distribuídos ao público os habituais volantes impressos em retângulos de papel colorido com poesias dedicadas àquela atriz e, dessa onda de oblações rimadas, reproduziremos apenas estas que vinham sem menção do autor e não foram os únicos versos: "A brisa que bafej a as lindas flores Ao doce alvorecer de ameno dia, Quando suspira mágicos amores, Tem menos terna a grata melodia! A fonte que soluça e que suspira, Ê menos sonora, é menos grata Que a tua voz quando delira No canto, que em prazer nos arrebata! o brando rouxinol, que em fresca aurora Enche os bosques de magníficos encantos, Não tem tão doce voz, nem tão sonora Qual dos anjos teus divinos cantos! Um anjo nos seus cantos divínos Cuja harmônica voz nos céus ondula, Em seus supremos, magestosos hinos, Com voz mais graciosanão modula! A lira do cantor, que assim te brinda, Brindar-te qual querera, não presume; Pasma de te ouvir, seu canto finda, Porque és da cena, Lucci, um anj o. .. um [Nume!" (23) (23) "Publicador Maranhense", de 3-Il1-1854. 55 Na própria notícia do espetáculo publicada nos jornais, a atriz, em palavras de repassada gratidão, se mostrou reconhecida pelas inúmeras demonstra- ções de apreço, por parte do público, acrescentando que: "se tiver necessidade de deixar esta terra levará verdadeira gratidão." No mesmo mês, cumprindo o contrato existente entre o empresário e o governo da província, foram apresentados mais cinco espetáculos, sempre prece- didos de uma sinfonia com orquestra dirigida pelo jovem e talentoso maestro Francisco Libânio Colás. Em outra noite, apresentaram a ópera-cômica em 5 atos "A graça de Deus" juntamente com a farsa "A Flauta Mágica". Nessa altura dos acontecimentos, prosseguindo a empresa com sua série de espetáculos de assina- tura, julgou necessário publicar um anúncio nestes termos: "A empresa, agradecendo a constância do públi- co, avisa que os assinantes ficam preferencialmente com direito aos seus camarotes e cadeiras, sempre que avisem a tempo, depois de esgotada sua assina- tura e queiram renová-la, até terminar o tempo marcado pelo contrato celebrado com o governo da Provincia" . O espetáculo seguinte, dois dias depois, foi em benefício de José Martins de Lemos, com "A Vene- ziana ou o Bravo de Veneza", drama em cinco atos que já era conhecido do público maranhense, apre- sentado que foi pelos amadores locais. Findo o dra- ma a orquestra tocou uma sinfonia, oferecida ao beneficiado pelo maestro Francisco Libanio Colás e, 56 a seguir, a atriz cantora Carmela A. Lucci cantou a cava tina da ópera "Parizina" de Donizetti. No dia 22 era a quinquagésima apresentação pela empresa de Germano de Oliveira e constou da reapresentação de "A Vendedora de Perus" e, com- pletando a programação, exibiram-se a atriz Car- meIa e o ator Raimundo cantando e dançando o "Fandango Saloio", sendo apresentada ainda a co- média em um ato "A Emília Travessa". Poucos dias depois foi a noite de benefício da atriz Carolina Hipólito da Costa, apresentando-se, pela orquestra, a grande sinfonia da ópera "Adélia", de Donizetti, instrumentada pelo maestro Colás. Consta va do programa o drama em três atos "A Moura" que foi seguido da apresentação no palco da composição musical "A Batalha D'Almosther", exe- cutada pelo 5.° Batalhão de Infantaria e, finalizando o noitada, a comédia "O Diabinho no Meu Quarto de Dormir" com canto e dança. (24) Quatro dias depois o programa, era verdadeira colcha de retalhos, assim composto: depois da cos- tumeira sinfonia, o primeiro ato do drama "Dom Cezar de Bazan", terminado este, a atriz Carmela (24) A comédia "O Diabinho no meu quarto de dor- mir" é da autoria de João Clímaco Lobato, nascido no Maranhão a 6-VIII-1829 e falecido em 1897. Para o teatro ele escreveu os dramas: "Maria", 3 atos; "O Ouro", 3 atos; "A Neta do Pescador", 3 atos; "Porangueira", 2 atos e, mais as comédias: "As Duas Fadas" 1 ato; "O Diabinho no meu quarto de dormir", 1 ato; as óperas cômicas: "A Mãe d'Água", 2 atos; "O Diabo", 3 atos com assun- to de um romance omônimo e o drama "O Rou- bo", encenado pela empresa Colás-Couto Rocha, em abril de 1864. 57 cantou a cavatina de "A Casta Diva", da ópera "Norma" de Bellini, a seguir veio o terceiro ato do "Dom ce;ar de Bazan" que foi seguido pela comédia em um ato "A Emilia Travessa", finalizando a pro- gramação com a comédia "O Diabinho no Meu Quarto de Dormir", de João Climaco Lobato. Alguns dias mais tarde, já em fevereiro de 1854, lia-se no "Publicador" sob o titulo "Comentários" um elogio ao empresário Germano Francisco de Oli- veira do qual extraimos este pequeno trecho que most;a a forma pela qual o público acolhia sua empresa: " ... Nunca o teatro no Maranhão foi t~o aplaudido, e sem medo de ser contesta.do posso aflr- mar que nunca teve tão boa companhia que a todos os respeitos tanto agradasse ao respeitável público; torna-se portanto, o digno Sr. Germano Francisco de Oliveira credor de gerais aplausos, tendo satisfa- toriamen te cumprido sua árd ua missão; e para verdadeira satisfação de quantos avaliam a cena praza ao céu que o Exmo. Sr. Presidente da Provin- cia cuja ilustração não é duvidosa, se amercie de lhe' conferir de novo a empresa, visto que ele deve estar assaz convencido da utilidade e ótimo desem- penho do prestantissimo empresário que tem sabido, por todos os modos a seu alcance, dar uma idéia não equivoca de seu apreciável merecimento (As. K) . Na programação seguinte, foi a cena o drama "A Graça de Deus" terminando o espetáculo com a comédia "Oh Que Apuros ou o Noivo em Mangas de Camisa" . Não pararam ai as atividades do conjunto pois ainda foram apresentadas três programações de assinaturas assim constituidas: 1.0, depois da sinfo- nia o drama "A Família MoreI", de "Os Mistérios, 58 de Paris" de Eugenio Sue, juntamente com a farsa "Os Cegos Fingidos", finalizando com a ária "Casta Diva"; 2.0, o drama "O Mendicante ou a Justiça de Deus", uma ária pela atriz Carmela e a Farsa "Pa- gar o mal que não fez" com música do maestro Francisco Libanio Colás e o 3.° programa foi reprodu- ção do ante-penúltimo. Aproximava-se o término do Contrato de Ger- mano de Oliveira com o Governo da Provincia e, depois da última récita, lia-se na imprensa diária; "Ao ilustre Sr. Germano Francisco de Oliveira, dig- no cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa, por oca- sião da última récita de sua empresa no Teatro Nacional de São Luis, em 23 de fevereiro". A seguir, publicavam-se muitas composições poé- ticas que tiveram distribuição como volantes, no já conhecido estilo panegirico como se vê neste soneto, publicado em março de 1854: "De Melpomene e Talma as nobres galas, Por vezes Rei da cena, assaz te cobrem! Teu mérito afamado bem descobrem De Talma nos salões egrégios falas! Com teu porte e olhar tu avassalas Corações, que, em ver-te se enobrecem; Pois que as tuas ações j amais encobrem Méritos com que Germano te assinalas! No Maranhense Palco o teu talento, Prudência, Imagem, Discreção, Saber, De olhos e ouvidos foi grande alento! Saudoso vais partir... e assim deixar A plaga maranhense grão tormento! . Qual seja chamar-te e não te ver! . 59 Nessa ocaSlao, também â atriz Carmela Adelai- da Lucci que compartia as glórias com o ator empresário, foram dirigidas poesias proclamando- lhe os méritos liricos-dramáticos. Na última récita, que como se disse, era de tér- mino e encerramento do contrato que a empresa firmara com o Governo e, por esse motivo se queria não só testemunhar apreço ao artista empresário como chamar a atenção dos governantes para reno- vação do contrato e uma demonstração desse propó- sito é este trecho de longa poesia, dirigida à atriz Carmela: Por leis do tempo imutáveis, Hoj e a empresa findou, Para privar-nos d'Artista, Que entre nós um trono alçou. Mas permita o nosso fado, Que n'outra Empresa a raiar, Vejamos ainda esse astro, Na cena a reverberar ... " Depois dessa noite de despedida alguns conjun- tos esporádicos se apresentaram no teatro e a ex- pectativa de Germano de Oliveira voltar a ocupar o teatro logrou a melhor. O artista, tão logo teve como certo esse fato, fez divulgar, pela imprensa, uma nota comunicando ao público haver assinado novo contrato com o governo provincial mas que, antes de reiniciar suas atividades, iria à cidade do Recife onde trataria de interesses da empresa para então se apresentar à platéia maranhense, dentro de três meses. * 60 A 17 de maio InICIaram-se as récitas de assina- tura da série que a nova empresa de Germano iria começar. Meticuloso na organização de seus programas, tendo em vista satisfazer a platéia, o ator empresá-
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