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DIREITO CIVIL I Introdução, Pessoas e Bens Carlos Affonso Pereira de Souza Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ) Diretor do Ins8tuto de Tecnologia e Sociedade (ITS) Professor da UERJ, PUC-‐Rio e do IBMEC Pesquisador Visitante do Informa8on Society Program (ISP/Yale) Aulas: terça, 18:00-19:30; quinta, 19:35-21:05 Bibliografia: Material Didático Leituras Obrigatórias Leituras Complementares Livro sugerido: Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil, vol. I. Rio: Forense. José Roberto Castro Neves. Uma Introdução ao Direito Civil. Rio: Forense, 2007. Gustavo Tepedino (org). Parte Geral do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. Código Civil 2002 Códigos anotados Códigos comentados Avaliação Provas Escritas Trabalhos O que é Direito Civil? Conjunto de normas reguladoras dos direitos e obrigações de ordem privada atinentes às pessoas, aos bens e às suas relações (Aurélio) O direito civil não é apenas uma das divisões do direito privado, mas continua sendo o direito comum, em razão de compreender todo um conjunto de regras relativas às instituições de direito privado, aos atos e à relações jurídicas (Caio Mário) É o conjunto de princípios e normas que disciplinam as relações jurídicas comuns de natureza privada. É o direito privado comum, geral ou ordinário. De modo analítico, é o direito que regula a pessoa, na sua existência e atividade, a família e o patrimônio. (Francisco Amaral) Direito Privado Direito Público Direito Civil Direito Constitucional Direito Comercial Direito Administrativo Direito Internacional Privado Direito Internacional Público Direito Penal “É a ordem das coisas: não se improvisa um código de um ano para outro, no gabinete de trabalho de uma individualidade qualquer, como não se improvisa uma sociedade, uma civilização, uma era.” “Outorga-se aos povos ou eles conquistam no dia de sua liberdade uma Constituição, escrita ao estrepito da batalha ou às aclamações da praça publica, mas um Código Civil procede uma longa gestação das idéias; ele é o marco de um largo período no progresso da jurisprudência, e o depositário da experiência e estudo não só de um povo, mas da humanidade culta.” • Reconhecimento da força normat iva da Constituição. • A Constituição como vértice do ordenamento jurídico. Princípios constitucionais não são princípios políticos princípios gerais do Direito princípios de interpretação Alteração na postura do civilista com relação ao texto constitucional. • A revisão da dicotomia Direito Público – Direito Privado Aplicação das normas constitucionais diretamente nas relações privadas “A rigor, portanto, o esforço hermenêutico do jurista moderno volta-se para a aplicação direta e efetiva dos valores e princípios da Constituição, não apenas na relação Estado-indivíduo, mas também na relação interindividual, situada no âmbito dos modelos próprios do direito privado.” Maria Celina Bodin de Moraes (“A Caminho de um Direito Civil Constitucional”, in Revista de Direito Civil nº 65, p. 28) Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Cláusula geral de proteção à pessoa humana: As diretrizes elencadas nos artigos 1º, II e III da Constituição Federal, elegendo a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da República, somadas à adoção do princípio da igualdade substancial (art.3º, III), e da isonomia formal do art. 5º, acrescido da garantia residual constante do artigo 5º, § 2º condicionam todo o ordenamento jurídico. Indivíduo pessoa humana Exemplo: Privacidade “right to be let alone” x privacidade de dados • E o novo Código Civil? Direito à Imagem Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. “Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil” • Aula inaugural do ano acadêmico de 1992 na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. • Data: 12.03.1992 1) O Direito Civil após a Constituição de 1988: No terceiro aniversário da CF.... • Descompasso entre o texto constitucional e o trabalho dos civilistas em compatibilizar a dogmática do Direito Privado com os imperativos constitucionais. • A jurisprudência raramente recorre de forma direta ao texto da CF. • Manuais de Direito Civil são reeditados com tímidas alterações. 2) Dois questionamentos centrais: • Qual o papel do CC1916 quando da sua elaboração e nos dias atuais? • Como compatibilizá-lo com as leis especiais e com a CF? 2) Dois questionamentos centrais: • Para começar a responder essas questões, é preciso entender o que significa a série de adjetivos que acompanham o Direito Civil contemporâneo. • socializado • publicizado • contitucionalizado • despatrimonializado • Isso significa uma absorção do Direito Privado pelo Direito Público? Ou trata-se de uma reformulação de institutos? 3) O espírito do Código Civil de 1916: • CC1916 = fruto das doutrinas individualistas e voluntaristas do Código de Napoleão (1804). • O Direito Civil deveria tratar do sujeito de direito, notadamente do contratante e do proprietário. • Contra os privilégios do Antigo Regime, impõe a igualdade formal, a liberdade de contratar e a afirmação do direito de propriedade. • Conclusão: O Código é a Constituição do Direito Privado a Constituição do “homem comum”. • O que fazia o Código? “Concedia a garantia legal mais elevada à disciplina das relações patrimoniais, resguardando-as contra a ingerência do Poder Público ou de particulares que dificultassem a circulação de riquezas.” É o estatuto único e monopolizador das relações privadas. O Código almejava a completude. • O Código é a expressão do “mundo da segurança” (termo criado pelo escritor Stefan Zweig). • Segurança = transparência nas regras do jogo. • “Ao Direito Civil cumpriria garantir à atividade privada, e em particular ao sujeito de direito, a estabilidade proporcionada por regras quase imutáveis nas suas relações econômicas.” • “Os chamados riscos do negócio, advindos do sucesso ou do insucesso das transações, expressariam a maior ou menor inteligência, maiorou menor capacidade de cada indivíduo.” (p.3) 4) Mudança do Cenário Histórico: • Movimentos sociais + Industrialização + Vicissitudes no fornecimento de mercadorias + Agitações populares + Primeira Guerra Mundial = necessidade de revisão do papel do Estado nas relações privadas. • Surgem situações de iniqüidade que forçam o legislador a movimentar-se com a elaboração de leis excepcionais, extra-codificadas. • Chamam-se excepcionais porque essas leis dissentiam dos princípios constantes do CC, mas não anulavam o sentido de completude do CC. 4) Mudança do Cenário Histórico: • A legislação de emergência pretendia-se episódica, casuística e fugaz, não abalando a dogmática do Direito Civil. • A partir dos anos 30 se inicia uma segunda fase na trajetória de derrocada do Código Civil como centro do ordenamento jurídico: as leis extravagantes já não eram mais excepcionais. • Como as leis extravagantes não possuem mais o seu caráter emergencial, o CC perde a exclusividade na regulação das relações patrimoniais privadas. 4) Mudança do Cenário Histórico: • São as leis especiais, que convivem com o direito comum, constante do CC. • Através dessas leis se deu a intervenção estatal na economia. Na teoria das obrigações temos o dirigismo contratual. • Consequência: lentamente surge a necessidade por uma revisão nas categorias de Direito Privado – soluções objetivas, e não subjetivas / preocupação com as finalidades das atividades desenvolvidas pelo sujeito de direito. 4) Mudança do Cenário Histórico: • Vocação expansionista da legislação especial. • Mudança nas Constituições – direitos sociais que influem na atividade econômica privada. Exemplo: CF1946. • O CC perde então o seu papel constitucional, tomando a CF temas que antes eram exclusivos do CC: função social da propriedade limites da atividade econômica organização da família 4) Mudança do Cenário Histórico: • Mas no próprio Direito Civil mudanças acontecem, como a maior preocupação com os riscos das atividades. • Trajetória dos institutos privados denota essa passagem do subjetivo para o objetivo DCOM – comerciante / atos de comércio / empresa DCIV – sujeito de direito / atividade e risco • Mas essa transformação ocorre à margem do CC. Mauro Cappelletti = “orgia legiferante”. 4) Mudança do Cenário Histórico: • Terceira fase: setores inteiros da atividade privada passam a ser tratados fora do CC. Não são mais leis especiais, pois disciplinam integralmente as matérias. • A CF1988 retira de vez o caráter central do CC, consolidando a “era dos estatutos”. Estatuto da Criança e do Adolescente Código de Defesa do Consumidor Lei de Locações 4) Mudança do Cenário Histórico: “Tais diplomas não se circunscrevem a tratar do direito substantivo mas, no que tange ao setor temático de incidência, introduzem dispositivos processuais, não raro instituem tipos penais, veiculam normas de direito administrativo e estabelecem, inclusive, princípios interpretativos.” (p.8) • Características dos estatutos: (i) Nova técnica legislativa –cláusulas gerais, legislação de objetivos. 4) Mudança do Cenário Histórico: (ii) Linguagem menos jurídica e mais setorial, técnica. (iii) Leis de incentivo – o legislador não apenas coíbe comportamentos indesejados, mas incentiva as condutas favoráveis ao alcance dos objetivos da lei. Norberto Bobbio = função promocional do Direito. - superação da visão meramente estrutural dos direitos subjetivos, alcançando a sua função. 4) Mudança do Cenário Histórico: (iv) Disciplina das relações extrapatrimoniais. CDC – qualidade de vida ECA – relações entre pais e filhos (v) Caráter contratual – leis para atendimento de necessidades de grupos específicos x normas genéricas e abstratas no CC. Consequência: (i) a teoria dos contratos no CC não atende à contratação em massa; 4) Mudança do Cenário Histórico: (ii) a propriedade no CC não contempla às necessidades sociais Interpretação sobre os limites ao direito de retomada do imóvel para uso próprio do locador (Fábio Ulhoa Coelho). Segundo o autor: “Quando o direito de propriedade do locador entra em conflito com o direito de inerência ao ponto do locatário, está em oposição uma simples oposição de interesses privados, individuais.” (Curso de Direito Comercial, v. I. São Paulo, Saraiva, 4ªed., 2000; p. 103). 4) Mudança do Cenário Histórico: Lei n. 8.245/1991: “Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se: (...) II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente. 1º Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences. 4) Mudança do Cenário Histórico: Segundo Fábio Ulhoa Coelho, a restrição ao direito de retomada seria inconstitucional, pois imporia restrições ao direito de propriedade. Mas que propriedade é essa? • Validade da cláusula de não-restabelecimento. • Na própria teoria das sociedades comerciais – conceito de controle da empresa x titularidade das ações (Bearle e Means. A Moderna S/A e a Propriedade Privada). 4) Mudança do Cenário Histórico: • Natalino Irti – “A Era da Descodificação” / Orlando Gomes Substituição do monossistema representado pelo CC pelo polissistema formado pelos estatutos. Nas fases de excepcionalidade e especialização, o CC ainda mantinha alguma centralidade, operando as leis descodificadas como satélites. No polissistema, cada lei é um universo próprio, detendo o CC apenas aplicação residual. 4) Mudança do Cenário Histórico: • Consequências negativas da descodificação: Grave fragmentação do sistema, permitindo a coexistência de universos com princípios e valores díspares, ou mesmo antagônicos. • Esse cenário não pode prosperar frente à realidade constitucional. “De modo que, reconhecendo embora a existência dos mencionados universos legislativos setoriais, é de se buscar a unidade do sistema, deslocando para a tábua axiológica da Constituição da República o ponto de referência antes localizado no CC.” (p. 13) 5) Afirmação do novo Direito Civil: • Com a CF recupera-se o universo desfeito, reunificando o sistema jurídico (Perlingieri). • Exemplos: (i) Função social da propriedade: A CF anterior já previa a função social. A diferença é que a CF1988 elevou a propriedade e a sua função social ao status de princípios fundamentais, e não apenas princípios da ordem econômica. 5) Afirmação do novo Direito Civil: Polêmica sobre o conceito de propriedade produtiva (185,II, CF) Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: II - a propriedade produtiva. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social. 5) Afirmação do novo Direito Civil: Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposiçõesque regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 5) Afirmação do novo Direito Civil: O art. 186 vincula o cumprimento da função social ao atendimento de interesses que são extraproprietários, como o meio ambiente equilibrado. + Art. 3, III, da CF – igualdade substancial + art. 1, III. 5) Afirmação do novo Direito Civil: Ou seja, a propriedade produtiva do art. 185, que é insuscetível de desapropriação não é apenas economicamente produtiva, mas a propriedade que, em sendo produtiva, exerça a sua função social. A ordem econômica deve ser interpretada de forma coerente com os princípios fundamentais. O texto da CF1988 não cria microssistemas constitucionais que podem ser intepretados isoladamente. 5) Afirmação do novo Direito Civil: (ii) Proteção do hiposuficiente no CDC. A inversão do ônus da prova no CDC é mais um exemplo de aplicação dos valores constitucionais nas relações privadas. (iii) Interesse do menor. A CF1988 reconheceu a igualdade entre todos os filhos e ergueu a criança à condição de participante da vida familiar. Objetivo: promover o melhor desenvolvimento de sua personalidade. 5) Afirmação do novo Direito Civil: Preconceitos que afastam o civilista do Direito Civil Constitucional: (i) Princípios constitucionais não são princípios políticos. O civilista em regra imagina que a CF se dirige ao legislador ordinário, não estando o operador do Direito diretamente vinculado ao texto constitucional. Isso faz do civilista um escravo do legislador ordinário. (ii) Princípios constitucionais não são princípios gerais do direito (art. 4 da LICC). Isso representaria uma subversão da hierarquia normativa 5) Afirmação do novo Direito Civil: (iii) Apego à regulamentação casuística. Esse entendimento não está adequado à técnica legislativa das cláusulas gerais. (iv) Summa divisio Direito Público / Direito Privado Os dois campos de atuação do Direito devem ser integrados. Institutos do Direito Privado são utilizados pelo Direito Público e vice-versa. Responsabilidade Civil do Estado / Propriedade / Família / Contratos de consumo. 6) Conclusão: • O Direito Civil Constitucional não se caracteriza como um marco do agigantamento do Direito Público e do conseqüente enfraquecimento do Direito Privado. Trata-se de uma perspectiva que revigora o Direito Privado, aproximando os seus institutos da complexa realidade. • O porquê do adjetivo “Constitucional”.
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