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DIREITO CIVIL I Aula 5 Dignidade da Pessoa Humana e Danos Morais Carlos Affonso Pereira de Souza Sumário: 1) Revisão do conceito de dignidade da pessoa humana 2) Noções de responsabilidade civil: a) Dano material b) Dano moral (“dano moral como dano à dignidade?”) Revisão do conceito de dignidade da pessoa humana A expressão jurídica da dignidade humana: • D e p o i s d a S e g u n d a G u e r r a M u n d i a l – constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana. • “Se o Direito é uma realidade cultural, o que hoje parece fora de dúvida, é a pessoa humana, na experiência brasileira, quem se encontra no ápice do ordenamento, devendo a ela se submeter o legislador ordinário, o intérprete e o magistrado” Gustavo Tepedino (“Do sujeito de direito à pessoa humana”. Editorial da Revista Trimestral de Direito Civil, nº 2, 2000; p. VI.) A expressão jurídica da dignidade humana: • Conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana: 1) Direito à igualdade 2) Direito à integridade física e moral 3) Direito à liberdade 4) Direito-dever de solidariedade social • A dignidade é o fiel da balança quando houver conflito entre os direitos que a compõe A expressão jurídica da dignidade humana: 1) Direito à igualdade • Igualdade formal • Igualdade substancial • Hoje debate-se o “direito à diferença” - caso norte-americano PGA Tour, Inc. vs Martin Discussão sobre o estabelecimento de unfair advantages na prática de atividades esportivas. A expressão jurídica da dignidade humana: • Boaventura de Souza Santos: “as pessoas e os grupos sociais têm direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza.” A expressão jurídica da dignidade humana: 2) Direito à Liberdade • liberalismo jurídico (sec. XIX) – indivíduo livre e igual, submetido apenas à sua própria vontade. • liberdade patrimonial x relações extrapatrimoniais • Violações: liberdade de religião, de pensamento, de imprensa. - Ponderação de interesses A expressão jurídica da dignidade humana: 3) A tutela da integridade psicofísica: • conteúdo tradicional – vedação de tortura e penas cruéis • reconhecimento de um direito à saúde • Biodireito – questões atuais envolvendo os limites do avanço científico. A expressão jurídica da dignidade humana: • Violações à integridade psicofísica Danos corporais (físicos) Dano à imagem, honra, privacidade (psíquicos) A expressão jurídica da dignidade humana: 4) Direito-dever de solidariedade social: • reconhecimento do conceito de humanidade • solidariedade no art. 3º da CF1988: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...) III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Noções de Responsabilidade Civil Neminem laedere (dever geral de não lesionar terceiros) A violação de um dever jurídico configura o ilícito, o qual, gerando dano a terceiros, cria um novo dever: o dever de reparar o dano causado. Dever jurídico originário e dever jurídico sucessivo. CC, art. 927:“Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” 1. Conceito de dano: Não existe responsabilidade civil sem dano. É justamente para reparar o dano que a RC existe, desempenhando a mais importante de suas funções. Cavalieri: Dano como “vilão” da RC Ato ilícito civil é diferente do ilícito penal, até por não admitir uma figura semelhante ao crime de mera conduta (ou de perigo abstrato, como diz Fernando Capez). Agostinho Alvim: dano como a diminuição ou subtração de um bem jurídico. Bem esse que pode ser tanto material como moral Teoria da diferença (Friedrich Mommsen) Dano é a diferença entre o que se tem e o que se teria 2. Dano material: Dano material é aquele que incide sobre interesses de natureza material ou econômica, refletindo-se no patrimônio do lesado. O dano material pode ser indenizado. O moral só poderia ser “compensado”. O dano material, ou patrimonial, se divide em danos emergentes e lucros cessantes. Art. 402. “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.” Danos emergentes É a efetiva diminuição patrimonial, seja porque se depreciou o ativo, seja porque aumentou o passivo . Compreende a perda ou diminuição de valores já existentes no patrimônio do lesado. Lucros cessantes É o acréscimo patrimonial futuro e frustrado. Pressupõe que a vítima tinha no momento da lesão a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe proporcionaria um ganho. É a perda do ganho esperável. Paralisação de atividade lucrativa (táxi) Lucros cessantes e danos hipotéticos 3. Perda de uma chance: A perda de uma chance indenizável ocorre quando alguém se vê privado da oportunidade de obter determinada vantagem ou de evitar um prejuízo em virtude de uma conduta ofensiva. Em outras palavras, ela ocorre quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima. Se aproxima do lucro cessante pois ambas as situações dizem respeito a dano futuro, mas no lucro cessante existe um grau relativo de certeza sobre a efetivação do dano. Caio Mário: uma probabilidade e uma certeza Probabilidade de algo ocorrer e a certeza de que esse algo seria bom para a vítima, o que caracteriza o prejuízo. Na perda de uma chance se indeniza não com base no possível resultado, mas na própria perda da chance de obter o resultado em si. Isto é, não se indeniza o que hipoteticamente deixou de lucrar (o ganho perdido), e sim a oportunidade existente no patrimônio da vítima no momento do ato danoso. Admite-se, assim, um valor patrimonial da chance por si só considerada. 4. Conceito de dano moral 1. O que causa dano moral SOFRIMENTO? HUMILHAÇÃO? DISSABOR? MÁGOA? IRRITAÇÃO? FICAR PRESO NA PORTA DE DETECTOR DE METAIS DE BANCO TJ de SP, ap. 101.697-4 1ª Cam., 25.07.2000 FICAR PRESO NA PORTA DE DETECTOR DE METAIS DE BANCO (simples aborrecimento) TJ de SP, ap. 101.697-4 1ª Cam., 25.07.2000 ENCONTRAR DIFICULDADES PARA CONSERTAR O CARRO ENCONTRAR DIFICULDADES PARA CONSERTAR O CARRO (50 salários mínimos) STJ, REsp 257.036, 4ª Turma, j. 12.09.2000 PEDIR R$ 864 MIL POR TER SOADO ALARME ANTIFURTO PEDIR R$ 864 MIL POR TER SOADO ALARME ANTIFURTO (50 salários mínimos) STJ REsp 327.679, 4ª turma, j. 04.12.2001 TERMINAR NOIVADO APÓS MARCARCASAMENTO E ENVIAR CONVITES TERMINAR NOIVADO APÓS MARCAR CASAMENTO E ENVIAR CONVITES (gera danos morais) TJ de RJ, ap. 00.117.643, j. 17.10.2001 Evolução do instituto - Imoral conferir valor econômico à dor; Evolução do instituto - Imoral conferir valor econômico à dor; - Compensação pela dor infligida Dor, angústia e sofrimento DECISÃO DO TJ/RJ, CONFORME RELATADA EM ACÓRDÃO DO STJ, PELA MINISTRA NANCY ANDRIGHI "Só mulher feia pode se sentir humilhada, constrangida, vexada em ver seu corpo desnudo estampado em jornais ou em revistas. As bonitas, não. Fosse a autora uma mulher feia, gorda, cheia de estrias, de celulite, de culote e de pelancas, a publicação de sua fotografia desnuda - ou quase - em jornal de grande circulação, certamente lhe acarretaria um grande vexame, muita humilhação, constrangimento enorme, sofrimento sem conta (...) Tratando-se, porém, de uma das mulheres mais lindas do Brasil, nada justifica pedido desta natureza, exatamente pela inexistência, aqui, de dano moral a ser indenizado (...) Pelo contrário, beleza é fundamental, como costumava dizer o nosso poetinha, que, partindo, tão cedo, para o andar de cima, tanta falta está nos fazendo cá em baixo" (www.stj.gov.br - REsp 270.730) Evolução do instituto - Imoral conferir valor econômico à dor; - Compensação pela dor infligida; - Lesão a direito da personalidade • Dano in re ipsa: “Nesse ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. (...) Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum; provado que a vítima teve o seu nome aviltado, ou a sua imagem vilipendiada, nada mais ser-lhe-á exigido provar, por isso que o dano moral está in re ipsa; decorre inexoravelmente da gravidade do próprio fato ofensivo, de sorte que, provado o fato, provado está o dano moral.” (Sergio Cavalieri Filho. Programa de Responsabilidade Civil, p. 80). • STJ, RESP nº 138.883/PE: “Cuidando-se de direito à imagem, o ressarcimento se impõe pela só constatação de ter havido a utilização sem a devida autorização. O dano está na utilização indevida para fins lucrativos, não cabendo a demonstração do prejuízo material ou moral. O dano, neste caso, é a própria utilização para que a parte aufira lucro com a imagem não autorizada de outra pessoa. Já o colendo Supremo Tribunal Federal indicou que a ‘divulgação da imagem da pessoa, sem o seu consentimento, para fins de publicidade comercial, implica em locupletamento ilícito à custa de outrem, que impõe a reparação do dano.’ (Revista do Superior Tribunal de Justiça nº 116 (abr/99); pp. 215/220). • STJ, RESP nº 46.420-0/SP: “[a]legou-se a inexistência de prejuízo, indispensável para o reconhecimento da responsabilidade civil das demandadas. Ocorre que o prejuízo está na própria violação, na utilização do bem que integra o patrimônio jurídico personalíssimo do titular. Só aí já está o dano moral. Além disso, também poderia ocorrer o dano patrimonial, pela perda dos lucros que tal utilização poderia acarretar, seja pela utilização feita pelas demandadas, seja por inviabilizar ou dificultar a participação em outras atividades do gênero.” RSTJ nº 68 (abr/95); pp. 358/366. Evolução do instituto - Imoral conferir valor econômico à dor; - Compensação pela dor infligida; - Lesão a direito da personalidade; - Lesão à dignidade humana Como justificar o valor da indenização Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Apelação Cível n° 98.001.14922, distribuída em 2/12/98 Ação ordinária no 97.001.078236-6, da 5a Vara Cível da Capital Apelante: Carmen Therezinha Solbiati Mayrink Veiga Apelado: Editora Abril S/A Relator: Juiz convocado Nagib Slaibi Filho "Playboy – Em mais de uma ocasião você se definiu como um ‘alienado’. Cony – Gosto muito de me considerar alienado. Só não sou alienado quanto à condição humana, aí não. Há pouco tempo fiz um artigo elogiando a [socialite] Carmen Mayrink Veiga. É chato elogiar a Carmen Mayrink Veiga, mas elogiei. Estive na casa dela. É uma tristeza, um luxo de um mau gosto desgraçado. Uma perua. Mostrou os álbuns de fotografia, e todos os amigos estão na cadeia. ‘Esse deu desfalque na Suíça, coitadinho. Esse deu desfalque [rindo] na Inglaterra, está preso, todo dia eu rezo para ele sair da cadeia...’ O mundo de Carmen Mayrink Veiga é terrível! E todo mundo está chutando esse cachorro atropelado. Ela está doente, tem um problema chato na perna, sente dores, vive à base de cortisona, está enorme, monstruosa de feia. Mas, na hora da fotografia, bota aquele sorriso e ainda é uma perua. Arrivista social, alpinista social – tudo o que você quiser você joga em cima dela. Mas no momento em que a Carmen Mayrink Veiga está na desgraça, virou saco de pancada, eu me recuso a linchar. Nunca linchei um Judas. Agora ela conseguiu dar a volta por cima? Aí vou em cima dela, entendeu? Talvez eu tenha herdado isso do meu pai: adoro causas perdidas...“ - ... estive na casa dela. É uma tristeza, um luxo de um mau gosto desgraçado... - ... uma perua... - ... mostrou os álbuns de fotografia, e todos os amigos estão na cadeia... - ... o mundo de Carmen Mayrink Veiga é terrível!... - ... está enorme, monstruosa de feia... - ... mas, na hora da fotografia, bota aquele sorriso e ainda é uma perua... - ... arrivista social, alpinista social – tudo o que você quiser você joga em cima dela... Partindo-se da verba de cem salários mínimos – que é o paradigma para a reparação do dano moral decorrente da injusta anotação do nome do consumidor nos cadastros de inadimplentes –, é a mesma majorada em face dos seguintes elementos colhidos nos autos: - mais cem salários mínimos pela relevância de ser o entrevistado pessoa de reconhecido destaque social como Carlos Heitor Cony; - outros cem salários mínimos porque a pessoa atingida é pessoa de notoriedade pública, no caso, Carmen Mayrink Veiga; - outros cem salários mínimos pela utilização de expressões como "perua", "feia" e "monstruosa", de maior densidade de dano quando dirigida a pessoa do sexo feminino e da faixa etária da ofendida; e - outros cem salários mínimos pela importância que tem a revista "Playboy", editada pela recorrida, no contexto atual da comunicação social do País. Acolheu-se, ainda, o pedido de publicação de notícia desta condenação, cujo texto não excederá a extensão do trecho da entrevista em comento, a ser apreciado em liquidação do julgado pelo Juízo originário, que também arbitrará o veículo e o modo da divulgação, bem como a cominação pelo eventual descumprimento da obrigação de fazer. Dano moral como lesão à dignidade: Corte de Cassação – Caso Perruche. Uma vez que se estabeleça o conteúdo da dignidade da pessoa humana, será possível precisar o que é e o que não é dano moral?
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