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Queiroz, R.S. & Otta, E. “A beleza em foco- condicionantes culturais e psicobiológicos na definição da estética corporal”, em O Corpo do Brasileiro- estudo de estética e beleza. São Paulo- Editora Senac São Paulo, 2000.

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Queiroz, R.S. & Otta, E. “A beleza em foco: condicionantes culturais e psicobiológicos na definição da estética corporal”, em O Corpo do Brasileiro: estudo de estética e beleza. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2000.
- Nota do editor:
 O livro trata de questões relativas à beleza enquanto conceito. Isso pressupõe “uma visão de mundo fundada numa determinada filosofia que envolve aspectos antropológicos, sociológicos, políticos e mesmo culturais de cada povo e/ou raça” (p.7). Apesar de abordar “aquilo que diz respeito a técnicas de intervenção que visam embelezar o corpo humano no todo ou em parte ou ao uso de diferentes produtos com esse objetivo” (p.7) essa preocupação com o quê constitui nossas noções do que é belo e do que não é são o foco do livro.
 Existe a ideia de que a cultura em que estamos inseridos nos ensina a olhar nosso próprio corpo e estabelecer padrões de beleza. É importante também estarmos atentos aos valores inscritos nesses padrões e, por consequência, nos corpos. Os ensaios mostram “como o corpo é culturalmente construído” (p.7)
- Apresentação:
 A intenção da coletânea de textos é fornecer a um publico diversificado “um conjunto de reflexões a respeito de valores estéticos e representações sobre o corpo dos brasileiros. Neste universo, a moda deveria ter peso reduzido, prestando-se apenas a pontuar, aqui e ali, as necessárias considerações pertinentes à beleza corporal, definida, esta ultima, sobretudo à luz da percepção de atributos biológicos” (p.11). Na apresentação, Renato da Silva Queiroz aponta que “vê-se que a população do país exibe tantas e tão numerosas variações raciais e culturais que incorreria em grave erro aquele que postulasse a existência, entre nós, de um universo padronizado dos modos de definição, avaliação e representação de uma beleza corporal tipicamente brasileira” (p.12). Contudo, ao meu ver –e digo isso baseada em leituras como Miguel Vale de Almeida e R.W.Connell, existem sim padrões hegemônicos e dominantes no que tange a questões referentes à formulações de corpos possíveis e desejáveis. Ainda que esses padrões sofram algumas adaptações para realidades distintas, a raiz é sempre a mesma. Temos que levar em consideração a estrutura de dominações machistas e heteronormativas de sujeição dos corpos atuante no sistema em que vivemos.	Comment by flavia cunha da silva: Misóginas, transfobicas, cisnormativas, gordofobicas, etc
- Introdução de “A beleza em foco: condicionantes culturais e psicobiológicos na definição da estética corporal”
 O texto começa indicando a carta que Pero Vaz de Caminha enviou ao rei D.Manuel em que o mesmo descrevia os indígenas e suas formas corporais e costumes distintos dos portugueses. Pintura, ausência de pelos, perfurações e uso de ornamentos são descritos. Achei importante destacar que segundo Sérgio Buarque de Holanda, “em Caminhos e fronteiras (Rio de Janeiro: José Olympio, 1957), p.113, a pintura corporal dos nativos os protegia dos nefastos raios solares e os resguardava da perseguição de insetos” (p.16). 
 Segundo os autores, esses corpos diferentes eram considerados belos, contudo “tal percepção seria alterada mais tarde, com a implantação do empreendimento colonial, que se fez acompanhar da catequese, escravização e extermínio dos povos nativos, fazendo com que essas diferenças acabassem sendo convertidas em sinais de desigualdade, os traços fenotípicos dos indígenas passando, por consequência, a ser desvalorizados e desqualificados, segundo os estreitos critérios europeus então dominantes” (p.17). Renato de Slilva Queiroz e Emma Otta ilustram essa afirmação ao dizerem que “para se ter uma ideia dessa transformação, basta lembrar que as “vergonhas” dos indígenas foram cobertas pelas indumentárias europeias, de acordo com a moralidade vigente e o padrão de recato imposto sobretudo às mulheres brancas no período colonial” (p.17). 
 Eles tomam, então, a vestimenta como ponto para pensar essas questões relativas a construções sociais à que somos submetidos. O texto afirma que “o valor protetor (instrumental) não é mais relevante que a sua forma (valor expressivo). É por meio dos trajes e acessórios que os acompanham que se estabelece o primeiro estágio de reconhecimento social” (p18). Tendo esse pensamento como base, é possível ler o encontro entre ameríndios e europeus “como o encontro entre homens vestidos e gentes despidas, a ausência de roupas fundamentando o juízo etnocêntrico da falta de civilização” (p18). Os autores também falam das diferentes formas de lidar com a higienização dos corpos e como possivelmente os indígenas viam os portugueses como feios, fétidos e infectos. Apesar disso, para os padrões europeus, os portugueses se esmeravam para deixar seus corpos de acordo com as normas de conduta de seus segmentos sociais. Devemos levar em consideração que formações sociais hierarquizadas (e por isso desiguais), a vestimenta “costuma expressar e acentuar os privilégios de sangue, a condição de classe e o gênero” (p.18). Surge também o exemplo da moda, que em uma sociedade industrial, serve para acentuar ainda mais as divisões de classes. Para os autores, isso reconcilia “o conflito entre o impulso individualizador de cada um de nós (necessidade de afirmação como pessoa) e o socializador (necessidade de afirmação como membro do grupo” (p.19).
 A primeira parte da introdução é concluída com uma questão-chave para a compreensão do tema que estamos tratando:
“Depreende-se daí que o corpo e os usos que dele fazemos, bem como as vestimentas, adornos, pinturas e ornamentos corporais, tudo isso constitui, nas mais diversas culturas, um universo no qual se inscrevem valores, significados e comportamentos, cujo estudo favorece a compreensão da natureza da vida sociocultural” (p19). 
 Uma segunda e última parte da introdução fala rapidamente sobre “a dupla ordem de fenômenos que configuram o nosso corpo. Por um lado , não se pode negar que o corpo humano constitui uma entidade biológica, o mais natural, o primeiro e instrumento do homem. Nessa medida, encontra-se submetido a certas imposições elementares da natureza, o que nos coloca a todos em uma mesma e única condição. Por outro, o corpo é objeto de domesticação exercida pela cultura, sendo por ela apropriado e modelado” (p.19.). Podemos ver claramente a menção ao estudo de Mauss, “as técnicas corporais”. Aparece o exemplo do sorriso: sua implicação inata a todos os humanos e as diferentes formas de uso e significação para o mesmo. A conclusão dessa item é de que “é impossível, então, ignorar as dificuldades em estabelecer uma rígida e clara separação entre o que se deve à natureza e aquilo que seria próprio à cultura no tocante ao corpo, já que nele esses dois domínios aparecem de tal forma amalgamados que as suas dimensões instrumentais, técnicas, raramente se manifestam isoladamente de aspectos expressivos ou simbólicos, assim como os comportamentos inatos trazem sempre a marca do aprendizado” (p.20), ademais um grande conjunto de manifestações corpóreas poderiam ser atribuídos “a um substrato humano bastante genérico e profundo, decorrente de fatores evolutivos, a despeito de não aflorar na consciência dos agentes. Em contrapartida, um elenco notável de outras manifestações, variáveis no tempo e no espaço, ao sabor da diversidade de costumes típica da nossa espécie, deve ser tomada como próprio a cultura” (p.20).
- O corpo, artefato da cultura
 O corpo intocado constitui um objeto natural, associado a animalidade. O corpo humano, seguindo padrões culturais estabelecidos e específicos, é alterado através da submissão a um processo de humanização. “Marcas deixadas por escarificações, perfurações, tatuagens e mesmo algumas mutilações (...) são sinais de pertinência, de identidade social, ao mesmo tempo que assinalam a condição tida por autenticamente humana daqueles que as exibem” (p.21). “As transformações a ele (corpo) impostas variam de acordo com cada cultura e também conforme os diferentes segmentos sociais no interior deum mesmo grupo” (p.21). No texto “Uma sociedade indígena e seu estilo”, Claude Lévi-Strauss aponta que para os indígenas da etnia Mbaia Caduveo “era preciso esta pintado para ser homem; o que permanecia no estado natural não se distinguia dos brutos (...) as pinturas do rosto conferem, antes de mais nada, ao indivíduo, a sua dignidade de ser humano; operam a passagem da natureza à cultura, do animal “estupido” ao homem civilizado” (p.22).
 É importante sempre tocar no ponto de que “respeitados certos limites, cada cultura define a beleza corporal à sua própria maneira, ocorrendo o mesmo com a classificação e avaliação de diferentes partes do corpo e as decorrentes associações estabelecidas entre tais partes e determinados atributos, positivos ou negativos” (p.22). Surgem os exemplos de mulheres belas serem antigamente presumidamente castigadas por imperativo divino a não terem capacidade de procriar; e o ideal de beleza com caráter de resistência cultural e resgate indenitário que é a adoção de penteados afros. 
 Segundo os autores, o emprego do corpo como forma de expressão é amplo e intenso. Sentimentos e/ou doenças são atribuídos a determinadas partes do corpo, como a raiva já foi atribuída ao fígado; inveja ao baço; amor ao coração, etc. O quê Queiroz e Otta afirmam sobre isso é que “do exposto, conclui-se que raramente o corpo é avaliado como um todo homogêneo. Segmentado, dividido à luz de critérios simbólicos ou classificatórios, as suas diferentes partes dão margem a representações variadas. A porção superior é associada às suas funções mais relevantes (...) a porção inferior do corpo reúne os órgãos considerados mais animalescos e “indignos”- reprodutivos, digestores e excretores-, em geral escondidos e dissimulados, assim como as funções que lhe correspondem, posto que nos aproximam ameaçadoramente da condição animal, da própria natureza” (p.23). Por isso algumas partes do corpo são associadas com animais: pênis/cobra; vagina/aranha, etc. Interessante o apontamento de que a cardiologia, enquanto especialidade da medicina teve o desenvolvimento atrasado por conta da associação do coração com dimensões de nobreza e moralidade do caráter humano. Ainda que isso ocorra (associação de órgãos a representações distintas), “no que diz respeito aos valores estéticos, deixando- se de lado certos traços atribuídos à personalidade da pessoa – simpatia, entre outros-, é claro que a primeira, a dimensão externa, é a que mais se presta a formulação de juízos, estejamos nós em repouso ou em movimento, despidos ou cobertos de vestimentas” (p.24). Aparece um poema de Murilo Mendes chamado “Jandira” para ilustrar uma das formas como a simbologia do corpo transparece. No caso, a forma da criação literária. Como no poema existem várias menções ao cabelo da mulher referida, ele é o ponto a ser examinado a seguir. Há a citação ao trabalho de Roger Bastide, chamado “Psicanalise do cafuné”, em que o autor fala sobre como uma pratica pode ser utilitária (medida de profilaxia e higiene) e possuir também um caráter cerimonial de estreitamento de laços sociais complexos. Além desse outro texto, os autores afirmam que o “estado dos cabelos pode ser revelador da trajetória de vida de uma pessoa, da sua condição de existência e do momento que vivencia no interior de um determinado grupo social” (p.27). Ritos de passagem, escolha de reclusão do grupo (corte de cabelo equivalente à castração), descuidar do cabelo pode ser visto como independência em relação as normas de conduta esperadas, disposição e quantidade de pelos pubianos, etc. 	Comment by flavia cunha da silva: Sentimento lésbico entre mucamas e senhoras (período colonial) 
 Também é explorada a mão humana: suas funções e papeis no sistema de comunicação, expressando palavras, ideias e emoções. As mãos, assim como a face, constituem uma área primordial para a expressão da individualidade humana, como diz Ivo Pitanguy. Como não poderia faltar em um estudo sobre condicionamento da biologia humana, os autores invocam Robert Hertz e seu estudo clássico “A preeminência da mão direita”. No estudo, Hertz mostra que “a oposição entre a mão direita e a esquerda não é natural, pois está prenhe de significados, prestando-se à representação de segmentações e hierarquias sociais. Opondo-se a opinião geral de que a predominância da mão direita resulta direta e inteiramente do organismo, nada devendo a preceitos ou crenças culturais, Hertz evoca a enorme pressão sofrida pelos canhotos em numerosas sociedades: a mão esquerda é “submetida a uma autentica mutilação”, “reprimida e mantida inativa; seu desenvolvimento é metodicamente frustrado”. Fosse a tendência humana à desteridade tão acentuada, seria necessário reprimir com tal empenho e zelo a mão esquerda?” (p.29). Isso se deve a fatores socioculturais, como algumas ideias religiosas, como o autor explica ao longo de seu estudo. “Essa mutilação da mão esquerda exprimiria a intenção humana de que predominem os desejos e interesses da coletividade sobre os dos indivíduos, além de tornar o corpo espiritualizado, inscrevendo nele as oposições de valores e os contrastes do mundo moral. A mão esquerda, sob essa perspectiva, seria uma espécie de “signo de uma natureza contraria à ordem, de uma disposição perversa e demoníaca. Eis por que a educação se aplica a paralisar e mão esquerda, enquanto desenvolve a direita” (p.30).
 A essa altura do texto, os autores indicam a leitura de Pierre Clastres e seu livro “A sociedade contra o estado” para falar de inscrições e intervenções praticadas no corpo por ocasião dos ritos de iniciação. O que é particularmente interessante na exposição de Clastres é que ele “observou que, durante esses rituais, no contexto das sociedades ágrafas e sem formação estatal, é como se os preceitos mais caros aos grupos fossem escritos, por meio de perfurações, tatuagens, escarificações e outras ações dolorosas, no próprio corpo dos iniciados, para que estes jamais se esqueçam das lições que lhes são transmitidas durante o desenrolar daqueles ritos. E o primeiro e mais importante dos ensinamentos diz respeito, segundo o autor, ao principio fundamental dessas sociedades: o igualitarismo que as preside, assentado na ausência de um poder separado do corpo social, ou seja, o Estado. Por conseguinte, a lei deve ser escrita num espaço também não separado das pessoas, isto é, no próprio corpo dos iniciados, não sendo possível apagá-la no decorrer do tempo. A rigor, o que se grava na carne (e na memória) é uma imagem da sociedade” (p.31). Uma das inovações da interpretação de Clastres é atribuir às cicatrizes resultantes desses ritos um papel maior que apenas a auto-identificação tribal. Ele entende as cicatrizes-signos impressas na pele por cada sociedade distinta enquanto um referencial para decifrar os códigos sociais dessas sociedades. Ele acredita que elas são interessantes “para se demonstrar na superfície dos corpos, as profundezas da vida social” (José Carlos Rodrigues, Tabu do Corpo. Rio de Janeiro: Achiamé, 19983 – p.63)” (p.31). “O trabalho de Clastres reforça a noção de que o corpo é de fato apropriado e adestrado pela cultura, concebido socialmente, alterado segundo crenças e ideais coletivamente estabelecidos. Nessa medida, o corpo é, a um só tempo, fonte de expressão e de símbolos, para usar a feliz formulação de Mary Douglas (Pureza e Perigo, 1976), para quem é ainda possível identificar um forte simbolismo que sobre ele opera, seus limites prestando-se à representação de quaisquer limites precários ou ameaçados. Dessa forma, o corpo simboliza a sociedade, e os poderes e perigos atribuídos à estrutura social, guardadas as devidas proporções, são nele reproduzidos. A preocupação com os seus limites, por exemplo, traduz perigo para a sobrevivência do grupo, enfatiza Douglas. Em síntese, a estrutura social encontra-se simbolicamente impressa no corpo, e a atividade corporal nada mais faz senão torná-la expressa” (p.32).
 Essas interpretações são fantásticas, mas o texto se torna ainda mais possívelde dialogar com o que quero pesquisar ao adentrar nas formações sociais mais complexas, que não tem nada de igualitárias. Nesse contexto, de desigualdade e extrema hierarquização dessa disparidade, o corpo é objeto de “adestramento”. Essa sujeição às normais especificas se faz necessário para que ele “adquira e expresse as características nele impressas pelos grupos hegemônicos e seus interesses de dominação” (p.32). É nessa conjuntura que pensamos as “disciplinas” tratadas por Foucault. Uma boa definição de disciplinas, que está no texto, é “métodos que, automatizam os movimentos, posturas, gestos, etc., permitem o minucioso controle das operações do corpo, não apenas para incrementar o seu rendimento, controlar a sujeição constante de suas forças, impondo-lhe uma relação de utilidade/docilidade, mas, sobretudo, para submetê-lo politicamente” (p.32). Os autores associam esse argumento ao filme Tempos Modernos de Chaplin e A classe operária vai ao paraíso, de Elio Petri. Os dois filmes falam sobre controle imposto ao corpo dos trabalhadores nas grandes indústrias e em como isso difere das possibilidades que esses corpos possuem; suas potencialidades.	Comment by flavia cunha da silva: Boa definição de disciplinas
 “Ainda a respeito das marcas e dos ornamentos corporais, Seeger assinala que as partes do corpo merecedoras de ornamentação mais elaborada são aquelas ligadas às faculdades socialmente mais valorizadas” (p.33). Associo isso imediatamente ao usos da tatuagem e como escolher determinados lugares do corpo para tatuar valorizam papeis de gênero e de posição social. Tatuar pescoço, nuca, pés e pulso se enquadram nas possibilidades de corpos femininos, enquanto costas e braços, corpos masculinos. “Culturas diferentes, prossegue Seeger, definem e enfatizam os significados de órgãos e suas faculdades de formas bem variadas, para concluir que os adornos e o simbolismo corporal não são aleatórios nem dissociados, mas compõem um sistema simbólico cujo estudo permite a compreensão de valores culturais relevantes” (p.34). Para ilustrar esse ponto, o autor usa o exemplo do uso de brincos por mulheres e como isso pode significar a sujeição desses corpos, pelo fato da orelha estar associada a obediência e submissão. Segundo Seeeger, nós damos muito valor ao sentido da visão e esse sentido desempenha um papel de controle social; “tendemos a considerar as noites e os lugares escuros como perigosos, castigamos nossos filhos colocando-os em quartos escuros, surpreendemo-nos com um crime “em plena luz do dia” (p.34). “Esse papel de controle social é desempenhado, em muitas situações, por técnicas de apavoramento, por meio das quais se submetem as pessoas às regras de conduta estabelecidas no interior de um grupo social” (p.34). Os autores citam um artigo de Duvignaud sobre espantalhos e como esse artificio “presta-se muito mais a transmitir determinadas mensagens aos próprios homens do que a afastar as pragas da lavoura. Uniformes militares, máscaras, certos ornamentos e padrões de pintura corporais aterrorizam as pessoas, fazendo com que se conformem a determinadas condutas prescritas pelos agentes do controle social, constituindo, portanto, autênticos espantalhos marcadores de interdições morais ou espaciais” (p.35).
 Nessa altura do texto, os autores retomam Mauss e voltam a fazer menção a “Técnicas corporais”, mas dessa vez, explicando o texto de uma forma mais completa. Apontam novamente que o corpo é o primeiro e mais natural instrumento humano. E que, tendo como evidencia a enorme quantidade e variedade de hábitos em relação ao próprio corpo de sociedade distintas, Mauss inicia seu trabalho ao definir as “técnicas corporais” como “séries de atos montados, e montados nos indivíduos não simplesmente por ele mesmo, mas por toda a sua educação, por toda a sociedade da qual ele faz parte, no lugar que ele nela ocupa. Segundo Mauss, uma técnica constitui um ato tradicional e eficaz, não havendo técnica nem sua transmissão por meio da educação, sem que haja tradição” (p.35). Não se trata de simples imitação, mas adestramento de corpos, transmissão de técnicas, adaptações do corpo a essas técnicas, “o que nos leva a concluir que o uso que dele fazemos nas mais diversas atividades não configura um desempenho simplesmente natural, espontâneo ou aleatório, mas em grande parte, um uso propriamente cultural. Nesses diferentes uso, prossegue Mauss, combinam-se elementos bio-psico-socioculturais (incluindo-se nesses últimos, aspectos religiosos rituais e morais), sem que os próprios agentes disso tenham consciência. Todavia, as técnicas do corpo são tão dependentes da convenção quanto os códigos jurídicos ou as regras de etiqueta” (p.36). É importante lembrar que essas técnicas variam de acordo com sexo, idade, disposição na hierarquia social, etc. No texto “O Tabu do Corpo”, de Rodriguez, o mesmo aponta para essas especificidades. Ele insiste na “concepção de que o corpo humano, a despeito de constituir um sistema biológico, é permanentemente afetado pela ocupação, religião, estruturas de classes, grupo familiar e outros fatores socioculturais, mesmo quando o uso que dele fazemos aparecem em nossa consciência como operações exclusivamente naturais” (p.36). A relação com o corpo parece ser menos consciente quando o esforço físico é maior, nesse sentido podemos inferir que as classes que menos usam o corpo (mais altas) e conferem ao mesmo um sistema de regras especifico, rígido e intenso (etiqueta, etc) são mais disciplinadas, no sentido em que Foucault utiliza o termo; existe mais controle e sujeição. Boltanski tem um estudo sobre até que ponto a condição econômica e a estrutura de classes impõem regras ao corpo. Podemos pensar instantaneamente na diferenciação de padrões de gordura corporal para as classes mais elevadas e as oprimidas.
 Concluindo essa parte, podemos considerar o corpo como “artefato cultural”, considerando a domesticação a que ele é submetido. Não podemos naturalizar as práticas corporais, por mais automáticas que elas nos pareçam. Geertz aponta uma coisa importante: a sincronia entre as fases da historia filogenética humana e a fase inicial da historia cultural. Isso quer dizer que “o corpo constitui um constructo bastante complexo, dada a dupla procedência, natural e cultural, das pressões seletivas que nos fizeram- biologicamente, inclusive- humanos. Tudo leva a crer que, tornando-se os nossos ancestrais dependentes da cultura para sobreviver, a seleção natural começou a favorecer genes para o comportamento cultural. Daí, a dificuldade em se traçar com nitidez uma linha entre o que é natural, universal e constante nos seres humanos, e o que é convencional, local e variável. De qualquer forma, somos biologicamente culturais, ou seja, o ser cultural do homem deve ser entendido como biológico”. (p.38)
- O corpo e suas expressões psicobiológicas
UNIVERSAIS NO JULGAMENTO ESTÉTICO
 “Em nosso julgamento estético, frequentemente reagimos a certos estímulos de forma automática e previsível. Embora haja grande diversidade quanto aos conceitos de beleza no variado universo das culturas, acredita-se que existam alguns padrões universais, como sugerem certas evidencias de similaridades interculturais no julgamento da beleza facial e corporal” (p.39).
BELEZA FACIAL & BELEZA CORPORAL
 Essa parte do texto não me interessa muito, portanto vou só apontar as coisas mais importantes em tópicos (algumas vezes citações):
- Características que aproximam a face adulta da de bebês são tidas como atraentes em mulheres e as simulações de sinais infantis podem reduzir ou reorientar agressividade. O emprego de tal recurso pode apaziguar o dominante/opressor. “O sorriso também emerge como um gesto micropolítico, prestando-se à redução de hostilidade e à manutenção de contato amistoso, podendo ser visto, pois, como parte de um ritual de apaziguamento” (p.39).
- Verbalizações e uso de diminutivo é mais típico de crianças e mulheres e tem o mesmo papel
- Parte mais “biológica- evolutiva” dotexto. Analisa como os corpos mais desejáveis devem ser para seus parceiros heterossexuais, partindo do pressuposto de “escolha para procriação” retomando Geertz e a última consideração do outro tópico. Repetindo: “o corpo constitui um constructo bastante complexo, dada a dupla procedência, natural e cultural, das pressões seletivas que nos fizeram- biologicamente, inclusive- humanos. Tudo leva a crer que, tornando-se os nossos ancestrais dependentes da cultura para sobreviver, a seleção natural começou a favorecer genes para o comportamento cultural. Daí, a dificuldade em se traçar com nitidez uma linha entre o que é natural, universal e constante nos seres humanos, e o que é convencional, local e variável” (p.38).
- Morris: Seios femininos constituem um exemplo de automímica do corpo, imitando as nádegas; assim como os lábios vermelhos simulam a vagina
- Seios suscitam reações eróticas nos homens heterossexuais, mas não quando a mulher está amamentando. Os seios lhes são uteis quando ilustram a ideia de fêmea disponível para sexo (né).
- “À medida que a beleza assume tal importância para as mulheres, seria pertinente ressaltar que a insatisfação de uma mulher neste domínio pode ter impacto negativo sobe a sua autoestima. Sendo o corpo fundamental para atratividade feminina e como esta é elemento essencial da sua autoimagem, é possível prever que o peso e a satisfação com respeito a ele sejam determinantes para a satisfação integral da mulher. É comum que elas se vejam acima do peso, mesmo quando efetivamente tal percepção não corresponde à realidade. O número de mulheres que fazem regime para emagrecer é tão elevado que o padrão alimentar “normal” delas, em países ocidentais, poderia ser caracterizado como uma permanente dieta” (p.57).
- Considerações finais
 “Nas sociedades ocidentais modernas, estabelece-se uma identidade entre beleza corporal, inteligência e poder aquisitivo elevado. Dito de outro modo: a expectativa geral é que pessoas bonitas sejam capazes e bem sucedidas. (...) O grau de tolerância em relação às transgressões quotidianas é geralmente maior quando os transgressores melhor correspondem ao ideal de beleza estabelecido. Aquelas pessoas mais conscientes de sua própria beleza podem fazer uso deste atributo visando evitar ou atenuar sanções punitivas quando se comportam de forma reprovável. Até mesmo para os criminosos a atratividade física pode contribuir para atenuar a punição legal, garantindo-lhes penas mais brandas” (p.59). Os autores citam alguns artigos comprovando esse fato. Falam também sobre depreciação, no Brasil, de traços físicos de descendentes de africanos e “na medida em que há uma identificação entre beleza e riqueza, a miséria, conforme bem notou Oracy Nogueira, é menos surpreendente em negros do que em brancos” (p.61). “Até mesmo o estigma da obesidade parece estar associado à procedência racial (...) as brancas avaliaram mulheres corpulentas, sobretudo as próprias brancas, como tendo menor atratividade, inteligência, sucesso no trabalho, sucesso em relacionamentos, felicidade e popularidade que mulheres magras ou de peso médio. As negras, por sua vez, não se pautaram por tais critérios depreciativos, notadamente quando estavam avaliando mulheres corpulentas da sua mesma cor” (p.61).
 “Avaliando-se o que até aqui foi exposto, pode-se concluir que processos culturais são, em grande parte, os responsáveis pela definição de padrões estéticos e da própria beleza corporal. É obvio que, constituindo intervenções da cultura sobre o corpo e por condicionarem a percepção que dele se tem, esses padrões, bem como a concepção de beleza corporal, sofrem variações conforme os diferentes contextos culturais que se sucedem ou coexistem no tempo e no espaço. Por outro lado, numerosas manifestações, algumas das quais foram consideradas neste capitulo, apontam para a indiscutível atuação[o de condicionantes psicobiológicos universais, seja na apreciação estética relativa ao corpo, seja no estabelecimento de critérios de atratividade, já que expressam respostas adaptativas selecionadas em nosso passado evolucionário. A existência humana, em todos os seus aspectos, configura-se, pois, como manifestação de modos de agir, pensar e sentir concebidos no ventre fecundo da nossa condição naturalmente cultural” (p.62).

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