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Introdução à língua de sinais Gabriele Vieira Neves1 Você sabe o que significa Libras? Libras é a Língua Brasileira de Sinais, ou Língua de Sinais Brasileira, como preferem alguns lingüistas. Note que, se existe uma língua de sinais brasileira, podemos concluir que esta não é uma língua universal, ou seja, assim como existe a língua brasileira de sinais, existe a língua americana de sinais, a língua francesa de sinais, a língua chinesa de sinais, e assim por diante. Cada comunidade de surdos cria e desenvolve suas línguas de sinais de acordo com suas necessidades e contextos culturais de comunicação. No Brasil, a Libras foi reconhecida como meio legal de expressão e comunicação da comunidade surda somente no ano de 2002, com a promulgação da Lei nº 10.436/2002. No artigo 1º desta lei, a Língua Brasileira de Sinais – Libras, é definida como: “a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Ou seja, o reconhecimento legal da Libras é bastante recente, o que explica o desconhecimento desta língua por grande parte da população ouvinte, e consequentemente o processo de luta pelos quais os surdos ainda passam diariamente para terem seus direitos assegurados. Outra questão muito importante de esclarecer quando tratamos das língua de sinais, é ressaltar que elas não são mímica, gestos ou pantomima. As línguas de sinais são línguas de modalidade de recepção e transmissão espaço-visual, ou seja, utilizam o espaço com valor sintático, apresentam simultaneidade dos aspectos gramaticais e diferem-se estruturalmente das línguas auditivo-orais. Estudos realizados com crianças surdas, filhas de pais ouvintes, demonstraram que o processo de aquisição da Língua de Sinais ocorre de maneira natural para os surdos, sem precisar ser diretamente ensinada, da mesma forma que as crianças ouvintes aprendem sua língua ouvindo seus pais e familiares falando. São línguas capazes de expressar ideias, sentimentos e ações, possibilitando aos seus usuários plenas condições de abstrair e proposicionar, assim como qualquer usuário de outras línguas. Por serem sistemas linguísticos organizados e portadores de estruturas próprias, não 1 Licenciada em História e Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Professora de surdos e intérprete de Libras. têm qualquer relação com mímica, ou gestos aleatórios, nem derivam das línguas orais dos países em que estão inseridas. São produto de uma construção sócio- histórica das comunidades surdas de todo o mundo, transmitidas por gerações ao longo dos anos. (SKLIAR, 2005; QUADROS 1997; SACKS, 1998). As línguas de sinais são línguas completas, estruturadas e com gramática próprias, a única diferença entre a língua de sinais e as línguas orais sãos os canais de recepção e transmissão. Enquanto nas línguas orais o canal de recepção é a audição, para as línguas de sinais a recepção ocorre através da visão. Na mesma direção, enquanto os ouvintes transmitem suas mensagens através da voz, os surdos utilizam o corpo, o espaço e o movimento para se expressar. Uma curiosidade interessante sobre as línguas de sinais, é que, além de variarem de acordo com o país, existem também variações regionais. Alguns sinais da Libras, por exemplo, não são utilizados em todos os estados brasileiros, ou são utilizados sinais diferentes para a mesma palavra em português. Da mesma forma que algumas expressões orais e sotaques são característicos de baianos, cariocas e gaúchos, existem formas peculiares de sinalizar em cada região. Se no Brasil existem diferentes formas de falar a língua portuguesa, também existem diferentes “sotaques” na hora de sinalizar. Por ser uma língua estruturada, com gramática e inclusive com variações regionais, o termo correto para se referir á Libras é LÍNGUA de Sinais, e não linguagem de sinais como é bastante comum encontrarmos em jornais e meios de comunicação. O vídeo a seguir é uma entrevista com o linguista Aaron Rudner que trabalha na área da interpretação de línguas e sinais formando intérpretes. Ele conta a história da língua brasileira de sinais, explica como é trabalhar nessa área e conta curiosidades. Clique aqui para assistir. Confundir a língua de sinais com o alfabeto manual também é algo muito frequente. O alfabeto manual é apenas um recurso da língua de sinais para fazer a soletração de palavras, tais como nomes próprios ou vocábulos de uma língua oral que ainda não possuam um sinal correspondente na língua de sinais. Quando não sabemos o sinal de uma palavra e queremos nos comunicar com um surdo, a melhor maneira (se o surdo for alfabetizado) é utilizar a soletração manual. Conforme a fluência na língua vai aumentando a utilização do alfabeto vai ficando cada vez menos frequente, mas enquanto isso não acontece, é interessante utilizá-lo ao invés de escrever em um papel ou utilizar a leitura labial. Segue abaixo o alfabeto manual da Libras (os alfabetos manuais também mudam de acordo com o país). Clique aqui para assistir a um vídeo com o alfabeto em movimento. Bom, nestes primeiros parágrafos pudemos tirar algumas dúvidas que são bastante frequentes quando os alunos são apresentados à Libras. Vimos que as línguas de sinais não são universais, que língua de sinais não é mímica e agora, pergunto a você, qual é expressão mais adequada para se referir às pessoas que não ouvem? Quem são os surdos? Quais as principais causas e tipos de surdez que existem? Vamos à primeira questão. Muitas pessoas, com receio de serem grosseiras ou de ofenderem a pessoa com deficiência, acabam utilizando termos equivocados e que em alguns casos, acabam piorando a situação. No caso das pessoas que não escutam, a terminologia mais adequada é “surdo”. O termo surdo-mudo, mudo, mudinho e derivados, devem ser evitados, pois além de equivocados soam ofensivos para o surdo. Veremos na próxima semana, quando tratarmos especificamente sobre a cultura e identidade surda, que ser surdo é muito mais do que não ouvir, e para quem tem uma identidade surda, não há motivos para tentar esconder ou minimizar a surdez, pelo contrário... os surdos tem orgulho de serem surdos! Portanto, não tente ser educado utilizando termos eufemísticos, chamar de surdo não tem nada de mal. Fazendo um parêntese sobre a questão terminológica, é muito comum ocorrer esse tipo de dúvida quando nos referimos a outros tipos de deficiência, e não somente com relação aos surdos. Afinal, qual é a forma certa de dizer: pessoas com deficiência, pessoa deficiente, pessoas especiais? Existem tantas expressões que são utilizadas para se referir às pessoas com deficiência que na hora de falar bate “aquela dúvida”. Para esclarecer esta questão, sugiro que você leia o texto Terminologia sobre deficiência na era da Inclusão de Romeu kazumi Sassaki. Além de não ser mudo, pois a mudez está relacionada ao aparelho fonador e não ao auditivo, o surdo também não possui problemas cognitivos que estão vinculados diretamente ligados à surdez. Isso significa que a surdez em si não afeta a capacidade cognitiva dos surdos, o que pode ocorrer é que, em função da falta de acesso á linguagem em idade adequada, a criança surda possa apresentar dificuldades no seu desenvolvimento. Mas isso em função da falta de um acompanhamento educacional adequado, e não em função da surdez. Ou ainda, existem os casos de surdos com outras deficiências associadas, como é o caso de surdos comSíndorme de Down ou dos surdo-cegos. Para cada caso, existem especificidades que precisam ser respeitadas, o que não é justo, é transferir a incapacidade do professor ou do sistema educacional de atender essas especificidades para o aluno surdo. Durante muito tempo, acreditou-se que o surdo não era capaz de aprender como um ouvinte, quando na verdade, os métodos empregados é que não eram adequados. O insucesso das práticas educacionais eram atribuídos à incapacidade dos alunos, e não às metodologias inadequadas que eram utilizadas. Partindo para a segunda questão: quem são os surdos? Segundo o artigo nº 2, do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro 2005, que regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, e dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, considera-se pessoa surda aquela que “compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras. Entretanto, não podemos reduzir um grupo de pessoas à uma única definição. Os surdos não constituem um grupo homogêneo: existem os surdos que sinalizam, surdos oralizados (que optam por falar e ler lábios), surdos que oralizam e sinalizam, surdos que sinalizam e oralizam ... Cada vez mais, os estudos na área da surdez têm demonstrado que é necessário pensar a diferença não só na relação surdos-ouvintes, mas também na relação surdo-surdo. Não existe uma única forma de ser surdo, e sim inúmeras possibilidades de viver a experiência da surdez. Na próxima semana, nos aprofundaremos mais na questão da constituição identitária no contexto da surdez. Por hora, é importante saber que nem todos os surdos sabem língua de sinais, assim como qualquer outra língua, a Libras precisa ser ensinada e tem suas regras e estrutura próprias. Voltando à questão da nomenclatura, algumas pessoas utilizam o termo “deficiente auditivo” ao invés do termo surdo. Clinicamente falando, os surdos podem ser chamados assim, entretanto, os surdos que desenvolveram uma identidade surda, que participam da comunidade surda e que usam a língua de sinais preferem ser percebidos como um grupo cultural minoritário e não como deficientes, logo preferem ser chamados de surdos e não de deficientes auditivos. Alguns surdos, não assumem uma identidade surda e procuram utilizar estratégias para se inserir na comunidade ouvinte, estes sim, não se importam de serem chamados de deficientes auditivos. Veja a tabela abaixo, elabora por Bisol & Valentini (2011): In: Objeto Incluir, disponível em http://www.objetoincluir.com.br/. Uma pessoa pode ser surda por vários motivos. Veja alguns deles2: PROBLEMAS PRÉ-NATAIS: 1) Rubéola materna durante a gravidez - o risco de surdez na criança que nasce é cerca de 14%. Importante: a vacinação contra rubéola elimina este risco. 2) Problemas de incompatibilidade sanguínea pelo fator RH. Importante: podem ser evitados pela administração de soro específico. 3) O parto prematuro aumenta o risco de perda auditiva. 4) Congênitos: pessoas na família que nasceram surdas. 2 Disponível em http://www.implantecoclear.org.br/artigos_detalhes.asp?id=5, acessado em 12/03/2012. PROBLEMAS NO OUVIDO MÉDIO: 1) Bloqueio na tuba auditiva - causado por resfriados, gripes, adenóides aumentadas, que impedem o arejamento do ouvido médio e podem causar: - Otite média: infecção capaz de perfurar o tímpano, podendo ser tratada com antibióticos ou, às vezes, com cirurgia; -Líquido no ouvido médio - a otite média secretora é a causa mais freqüente de perda auditiva na idade escolar; o tratamento pode ser clínico ou cirúrgico. FATORES AMBIENTAIS: 1) Doença na infância (sarampo, coqueluche, caxumba, meningite) podem causar perdas auditivas. Importante: muitas delas podem ser evitadas pela vacinação. TRAUMATISMOS SONOROS OU FÍSICOS: 1)Ruídos muito altos próximos a um ou a ambos os ouvidos; 2)Pancadas violentas nos ouvidos; 3) Objetos introduzidos pela criança no canal do ouvido. PROBLEMAS GENÉTICOS 1) Existem doenças genéticas que podem causar danos ao sistema auditivo. 2) É importante verificar se há pessoas na família que nasceram surdas. Também existem diferentes graus de perda auditiva, abaixo você pode observar a diferença básica entre elas, sistematizadas na tabela feita por Bisol & Valentini (2011): In: Objeto Incluir, disponível em http://www.objetoincluir.com.br/. Os diferentes graus de surdez e a época em que ela foi adquirida são importantes de serem levados em consideração na hora de dar o encaminhamento adequado à criança surda. Isso porque, dependendo do grau de surdez, o uso de aparelhos auditivos não é eficiente, ou então se a pessoa ficou surda depois de já ter tido acesso a algum tipo língua (surdez pós-linguistica), pois o processo de aquisição da linguagem vai ser diferente daquela criança que nunca ouviu e não teve acesso sistematizado à linguagem (surdez pré-linguistica). Quanto antes a criança tiver acesso à linguagem, melhor para o seu desenvolvimento cognitivo e psico-social, mas infelizmente, devido a diagnósticos tardios da surdez, ou à não aceitação da família, muitas vezes a criança é encaminhada para escolas de surdos e têm seu primeiro contato com a língua de sinais em idades avançadas. Para finalizar, segue abaixo algumas dicas para se comunicar com pessoas surdas disponíveis no site da Câmara dos Deputados. Não é correto dizer que alguém é surdo-mudo. Muitas pessoas surdas não falam porque não aprenderam a falar. Algumas fazem a leitura labial, outras não. Ao falar com uma pessoa surda, acene para ela ou toque levemente em seu braço, para que ela volte sua atenção para você. Posicione-se de frente para ela, deixando a boca visível de forma a possibilitar a leitura labial. Evite fazer gestos bruscos ou segurar objetos em frente à boca. Fale de maneira clara, pronunciando bem as palavras, mas sem exagero. Use a sua velocidade normal, a não ser que lhe peçam para falar mais devagar. Ao falar com uma pessoa surda, procure não ficar contra a luz, e sim num lugar iluminado. Seja expressivo, pois as pessoas surdas não podem ouvir mudanças sutis de tom de voz que indicam sentimentos de alegria, tristeza, sarcasmo ou seriedade, e as expressões faciais, os gestos e o movimento do seu corpo são excelentes indicações do que você quer dizer. Enquanto estiver conversando, mantenha sempre contato visual. Se você desviar o olhar, a pessoa surda pode achar que a conversa terminou. Nem sempre a pessoa surda tem uma boa dicção. Se tiver dificuldade para compreender o que ela está dizendo, não se acanhe em pedir para que repita. Geralmente, elas não se incomodam em repetir quantas vezes for preciso para que sejam entendidas. Se for necessário, comunique-se por meio de bilhetes. O importante é se comunicar. Mesmo que pessoa surda esteja acompanhada de um intérprete, dirija-se a ela, e não ao intérprete. Algumas pessoas surdas preferem a comunicação escrita, outras usam língua de sinais e outras ainda preferem códigos próprios. Estes métodos podem ser lentos, requerem paciência e concentração. Você pode tentar se comunicar usando perguntas cujas respostas sejam sim ou não. Se possível, ajude a pessoa surda a encontrar a palavra certa, de forma que ela não precise de tanto esforço para transmitir sua mensagem. Não fique ansioso, pois isso pode atrapalhar sua conversa. “Somos notavelmente ignorantes a respeito da surdez. (...) Ignorantes e indiferentes”.(SACKS, 2007,p.15)Referências Bisol, C. A. & Valentini, C. B. Surdez e Deficiência Auditiva – qual a diferença? – CS/FAPERGS, 2011. Disponível em http://www.objetoincluir.com.br/.. Acessado em 18/03/2012. SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. SKLIAR, Carlos. Educação & exclusão: abordagens sócio-antropológicas em Educação Especial. 4. ed. Porto Alegre: Meditação, 2004. QUADROS, Ronice Müller de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre, Artmed, 1997.
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