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O SISTEMA DE COTAS UNIVERSITÁRIAS: IGUALDADE TARDIA OU DISCRIMINAÇÃO LEGAL? Stacy Felipe Magalhães* 1 RESUMO O presente estudo busca analisar questões discursivas de críticas e elogios ao sistema de cotas universitárias adotado atualmente no Brasil comparando-os aos preceitos estabelecidos na Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, o Estatuto da Igualdade Racial. A partir de um estudo multidisciplinar, foram avaliados os diferentes argumentos a favor e contra este sistema, se o mesmo representa uma maneira de se obter uma maior igualdade social e racial ou se representa o aspecto contrário, trazendo desigualdades de oportunidades entre as raças e classes econômicas diversas. PALAVRAS-CHAVES: IGUALDADE RACIAL; SISTEMA DE COTAS; DISCRIMINAÇÃO. 1. INTRODUÇÃO É de conhecimento histórico de todos o período que teve início por volta do século XVI, onde negros eram traficados e trazidos ao Brasil para servirem como escravos nas lavouras e produções agrícolas, sem possuírem nenhum direito e nem respeito a dignidade. Esse fato histórico teve importância bastante significativa no desenvolvimento social do país. A população negra tornou-se a maioria e infelizmente a mais economicamente deficiente. Desde então o governo intervém de maneira social com políticas que tentam sanar as diferenças e atribuir "igualdade" a todos, entre estas políticas uma das mais importantes atualmente é o sistema de cotas universitárias, que beneficia negros, pardos e aqueles de baixa renda econômica. A grande maioria considera estas políticas como parte do mito da "democracia racial", onde acredita-se que brancos e negros convivam igualitariamente no país, o que não é percebido no âmbito da realidade social. Estas ações afirmativas levantam os mais diversos questionamentos e divide opiniões, afinal, apesar de nem tão justificáveis assim elas ainda não são fiéis aos preceitos da igualdade de acesso as oportunidades, mesmo que seja para cicatrizar feridas históricas. 1 * Estudante do2º semestre do curso de Graduação em Direito da Faculdade Católica Rainha do Sertão. 2. HISTÓRICO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL Desde a nossa colonização carregamos conosco diferentes formas de discriminação racial, resultado de quase quatro séculos de escravidão no Brasil. Os negros eram traficados da África, vendidos e forçados a trabalharem em nossas terras, sendo tratados de maneira violenta e indigna de condição humana. Historiadores afirmam que por volta do ano 1548 teve início o desembarque dos escravos negros no Brasil. Trazidos da África pelos navios negreiros, os escravos suportavam toda sorte de violência e privação. A violência cultural se deu posteriormente pela imposição de costumes ocidentais, catecismo jesuíta, idioma português, tudo em detrimento da cultura própria do povo negro, seus costumes, dialetos, sua maneira de ser e de pensar, suas crenças religiosas, etc. (Disponível em :http://www.nethistoria.com.br/secao/ensaios/441/racismo_e_discriminacao_racial_ no_brasil_um_estudo_sobre_a_exclusao_do_negro_na_propaganda/). Após mais de 300 anos de escravidão , por volta do século XIX surgiram as primeiras ideias de liberdade, que adquiriram mais força com o desenvolvimento dos movimentos abolicionistas, culminando na assinatura da Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, que interrompeu o tráfico negreiro e posteriormente a assinatura da Lei Áurea, em 1888, que decretou o fim da escravidão no Brasil. A Lei Áurea promulgada séculos após, em 13 de maio de 1888, não propôs qualquer indenização aos negros em razão dos danos físicos e morais a eles infringidos. Tampouco os negros foram levados de volta para a África, a fim de se reintegrarem com seus antepassados. A libertação dos escravos, da maneira como foi feita, impôs aos negros a condição do mais completo abandono. Os ex-escravos tiveram que se reorganizar sozinhos. Ainda hoje é visível o resultado de séculos de escravidão e posterior abandono imposto àquele povo. (Disponível em :http://www.nethistoria.com.br/secao/ensaios/441/racismo_e_discriminacao_racial_ no_brasil_um_estudo_sobre_a_exclusao_do_negro_na_propaganda/). Ao analisar a situação vivida pelos negros podemos compreender porque hoje a grande maioria da população brasileira de baixa renda é negra. Após o fim da escravidão os negros tiveram que batalhar por trabalho digno e livre e mesmo assim não possuíam os mesmos direitos e privilégios oferecidos às outras raças. Uma falha histórica que até os dias de hoje não foi sanada. Atualmente o governo tenta de todas as maneiras combater o racismo, foi instituído o Estatuto da Igualdade Racial e ainda decretada a Lei 7.716 de 05 de janeiro de 1989 que define os crimes resultantes de preconceitos de raça e de cor. A iniciativa da lei é válida e necessária, porém pouco alterou a realidade do negro na esfera social brasileira. Há uma cultura racista implícita nas relações sociais do país. Isso vem representando uma barreira severa diante de quase tudo o que é feito para superar o preconceito. O maior exemplo está no esforço do governo em estabelecer cotas para negros nas universidades públicas. A idéia contém suas imperfeições, todavia deve ser discutida por representar algo de concreto feito em benefício de uma classe historicamente excluída. (Disponível em :http://www.nethistoria.com.br/secao/ensaios/441/racismo_e_discriminacao_racial_ no_brasil_um_estudo_sobre_a_exclusao_do_negro_na_propaganda/). Após tantos séculos da promulgação da Lei Áurea, o Brasil ainda continua tentando minimizar a culpa de seus antepassados, a questão racial está sempre em evidência, principalmente na esfera cultural e social. Afinal ambas estão interligadas e são resultados do processo de escravidão. Na esfera cultural temos as mais diversas diferenças de hábitos e costumes, já na esfera social temos a diferença econômica gritante, assim como a diferença de oportunidades e de igualdade social. O racismo é tratado na Constituição da República, em leis federais, estaduais e municipais; busca-se nessas legislações a sua punição bem como a prevenção de que tais práticas aconteçam. O que se nota, porém, é a pouca aplicabilidade dessas leis e dos princípios constitucionais. 3. ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL Em 20 de Julho de 2010 foi promulgada a Lei nº 12.288 que institui o Estatuto da Igualdade Racial, mais uma tentativa governamental de combater o racismo e diminuir as diferenças sociais advindas do período escravocrata. Neste documento foram instituídos direitos básicos e sanções para combater a desigualdade racial e principalmente o racismo. Nele encontramos diversas questões que podem ser levantadas e discutidas, principalmente em relação ao sistema de cotas universitárias. O Estatuto da Igualdade Racial, aprovado pelo Congresso, foi transformado na Lei 12.288/10, publicada no Diário Oficial de 21 de julho de 2010. Com 65 artigos, a lei contempla áreas de educação, cultura, esporte, lazer, saúde, trabalho, defesa dos direitos das comunidades remanescentes de quilombos e proteção de religiões de matrizes africanas. Institui ainda penalidades de reclusão de até cinco anos para quem obstar, por preconceito, promoção funcional de pessoa negra no setor público e privado. (Disponível em: http://www12.senado.gov.br/noticias/entenda-o- assunto/lei-da-igualdade-racial). Em suma, pode-se afirmar, que este Estatuto busca garantir direitos fundamentais da população negra, combatendo o racismo e diminuindo as diferenças sociais entre raças. O Estatuto da Igualdade Racial é mais uma ferramenta quelegitima a atuação do Judiciário, para, inclusive, permitir a promoção de ações civis públicas, impondo multas, por exemplo, àquelas empresas em que fique contatado que a igualdade não está sendo respeitada. (Disponível em: http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10352). A partir da promulgação do Estatuto da Igualdade Social surgiram então diversas ações que buscam retratar os erros sociais cometidos nas sociedades antepassadas, principalmente o período de escravidão. 4. POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM JOGO Com base no histórico de racismo que foi apresentando mais acima e nas desigualdades sociais e econômicas presentes em nosso país, o governo resolveu iniciar diversas ações afirmativas que são políticas que tentam sanar as desigualdades históricas do racismo e também as desigualdades econômicas. São medidas que visam combater as desigualdades enfrentadas por grupos sociais menos favorecidos, seja por discriminação de cor, religião, gênero ou ainda grupos com menor poder econômico, facilitando o acesso à saúde, educação, empregos, etc.. Na realidade, seu principal objetivo é assegurar o acesso dessa minoria discriminada a posições sociais importantes e a membros de grupos que, na ausência dessa medida, permaneceriam excluídos. Porém muitas vezes estas políticas são confundidas com ações anti- discriminatórias, no entanto, vale dizer, que ações anti discriminatórias são aquelas que reprimem os discriminadores ou conscientizam aqueles que podem a vir cometer atos discriminatórios. Enquanto as ações afirmativas são preventivas, visam o favorecimento dos indivíduos potencialmente discriminados. A aplicação dessas ações afirmativas levanta várias discussões acerca do que se estabelece em alguns princípios constitucionais, entre eles, o Princípio da Igualdade e da Não Discriminação. Segundo DIRLEY JR., 2013, o princípio Constitucional da Igualdade é considerado o postulado básico da democracia, pois significa que todos merecem as mesmas oportunidades, sendo defeso qualquer tipo de privilégio e perseguição. Na própria Constituição de 1988 podemos destacar em várias disposições do seu texto passagens que revelam o caráter do princípio da igualdade, por exemplo, afirmando que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se (...) a inviolabilidade do direito (...) à igualdade" (caput do art. 5º); em outro trecho afirma que " A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados" (art. 12 § 2º). O princípio da igualdade compreende ainda uma igualdade formal e um igualdade material. A igualdade formal abrange ainda a igualdade na lei, onde estabelece que nas normas jurídicas não pode haver distinções que não sejam autorizadas pela Constituição, e a igualdade perante a lei, segundo a qual se deve aplicar igualmente a lei, mesmo que crie uma desigualdade. Já a igualdade material estabelece que o Estado deve minimizar diferenças sociais e econômicas, visando a não discriminação. Nesse passo, a Constituição preocupou-se em garantir a todos igualdade de oportunidades, abrindo um especial espaço para a adoção de ações afirmativas, que consistem num conjunto de medidas administrativas e legislativas de política pública que visam compensar desigualdades históricas decorrentes da marginalização social. Essas ações afirmativas inserem-se no âmbito de uma política social de discriminação positiva, voltada a corrigir desigualdades históricas. Vale dizer, busca-se igualar desigualando, como se verifica ultimamente através da política de cotas. (DIRLEY JR., 2013). A partir do princípio da igualdade, originou-se também o princípio da não discriminação, que impõe que o Estado trate os seus cidadãos em condições de absoluta igualdade, constituindo-se como direito fundamental básico e primário, vendando a discriminação, seja ela de ordem religiosa, ideológica, política, filosófica, entre outras. A chamada Lei das Cotas (Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012) obriga as universidades, institutos e centros federais a reservarem para candidatos cotistas metade das vagas oferecidas anualmente em seus processos seletivos. Essa determinação deve ser cumprida até 30 de agosto de 2016, mas já em 2013, as instituições têm que separar 25% da reserva prevista, ou 12,5% do total de vagas para esses candidatos. (Disponível em: http://vestibular.brasilescola.com/cotas/lei- das-cotas.htm). A lei além de recente ainda é bastante discutida e gera diversas opiniões acerca do tema, questões polêmicas e que sempre são levantadas e debatidas. 5. DISCURSSÕES E ARGUMENTOS A FAVOR E CONTRA Diante do que foi exposto, surgiram vários argumentos a favor e contra a adoção do sistema de cotas, entre eles podemos ressaltar: o sistema de cotas não seria uma diferenciação de acesso e, portanto, uma desigualdade de oportunidades?; Já que o sistema de cotas seria uma maneira de corrigir desigualdades históricas até quando as gerações atuais e ainda as futuras podem ser penalizadas para que se corrija um erro de gerações passadas? Além destes argumentos, alguns afirmam que o sistema de cotas é extremamente falho, pois é bastante confuso se definir uma raça ou cor em um país de grande miscigenação, onde tantas misturas de raças acabam por tornar a maioria da população como parda. Além disso, as políticas de ações afirmativas não podem garantir que as vagas estão sendo realmente preenchidas por quem realmente deve preenche-las, pois não existe comprovante de raça ou cor. Essa lei nunca foi unânime entre os brasileiros. Várias críticas surgiram antes mesmo de sua aprovação, principalmente porque ela não veio acompanhada de nenhum plano para melhorar a educação básica. Até mesmo estudantes de escolas públicas reclamam que não queriam as cotas, mas sim uma educação pública de qualidade. Em algumas capitais houve protestos de alunos de colégios particulares. (Disponível em: http://vestibular.brasilescola.com/cotas/lei-das-cotas.htm). O problema é que, em uma sociedade mestiça como a brasileira, há o risco de distorções no processo de seleção. Segundo dados do IBGE, em 2008 apenas 6,1% da população se autodeclaravam negros, e 45,1% se definiam como pardos. Cotas para negros, dessa forma, discriminariam aqueles que se definem como pardos. A lei também define que, dentro do sistema de cotas, metade das vagas deverá ser preenchida por estudantes com renda familiar mensal por pessoa igual ou menor a 1,5 salário mínimo, já neste caso as opiniões são mais favoráveis, seria uma maneira de beneficiar aqueles que são preparados apenas por um sistema de ensino público ineficiente. Também se afirma que nesse caso a população negra já seria beneficiada, já que a maioria da população de baixa renda é negra. Porém a suposição de que cotas para egressos de escolas públicas vá democratizar a sociedade é equivocada, pois a solução é a melhoria da qualidade da escola pública e não a derrubada do nível de exigência da universidade. No atual contexto, alguns candidatos optam pelo sistema de cotas não para contornar a segregação racial, mas apenas para buscar um acesso mais fácil ao ensino superior. Outra crítica seria de que as cotas representam a substituição do critério do mérito na universidade, por outros, afetando assim o princípio da igualdade e também da dignidade da pessoa humana, pois banaliza a questão do mérito e esforço pessoal. Alguns críticos afirmam ainda que o sistema de cotas traz o risco de se criar no futuro, um problema étnico no país de dimensões desconhecidas. 6. CONCLUSÃOAtravés do que foi exposto, podemos concluir que a adoção do sistema de cotas ainda é assunto bastante polêmico, que gera inúmeras críticas e elogios. No entanto, o mesmo sistema continua sendo adotado em nosso país, aplaudido por uns e brutalmente criticado por outros. Além de dividir opiniões, o sistema de cotas coloca em conflito alguns princípios, ao passo que garante o princípio da erradicação da pobreza e da igualdade racial, acaba por questionar o princípio da igualdade, da não discriminação e da universalização dos direitos fundamentais. Apesar de ser um assunto de opiniões tão divergentes, a adoção deste sistema continua com bastante força em nosso país, nos resta aguardar os resultados e, dependendo dos mesmos, quem sabe alterar os processos de seleções ou ainda os critérios estabelecidos. Podemos ainda esperar que os resultados sejam os melhores possíveis e o sistema adotado seja um sucesso. O que não podemos é deixar de garantir nossos direitos, independente das opiniões ou das ações governamentais. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF, Senado Federal, 2009. CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito Constitucional. ed 7ª. Juspodvim, 2013. HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos – vol. 01. Acadêmica: São Paulo, 1994. GALVÃO, Roberto Carlos Simões. Racismo e discriminação racial no Brasil: um estudo sobre a exclusão do negro na propaganda. Disponível em: http://www.nethistoria.com.br/secao/ensaios/441/racismo_e_discriminacao_racial_no_brasil_ um_estudo_sobre_a_exclusao_do_negro_na_propaganda/, Acesso em: 24/03/2014. LESME, Adriano. Lei de cotas. Disponível em: http://vestibular.brasilescola.com/cotas/lei- das-cotas.htm, Acesso em 24/03/2014. LIMA, Jhéssica Luara Alves de. Direitos humanos e discriminação racial. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10352, Acesso em: 24/02/2014. PLATÃO; A República. São Paulo; Martin Claret; 2007. PONTUAL, Helena Daltro; Agência Senado. Lei da Igualdade Racial. Disponível em http://www12.senado.gov.br/noticias/entenda-o-assunto/lei-da-igualdade-racial, Acesso em: 27/03/2014. SANTOS, Marcos de Freitas. A discriminação racial e seus reflexos no processo de ensino e aprendizagem. 2013. SILVA JÚNIOR, Hédio. Ação afirmativa para negros (as) nas universidades: a concretização do princípio constitucional da igualdade. Riode Janeiro: DP&A, 2003.
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