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Unknown O PROCESSO DO HABEAS DATA: BREVE EXAME Revista de Processo | vol. 101 | p. 88 | Jan / 2001 DTR\2001\78 Eduardo Talamini Área do Direito: Geral Sumário: 1.Objeto de proteção - 2.Legitimidade ativa - 3.Legitimidade passiva - 4.Interesse de agir e prévio requerimento extrajudicial - 5.Ainda o interesse de agir - 6.Petição inicial e documentos que devem acompanhá-la - 7.Procedimento - 8.Eventuais restrições à publicidade do processo - 9.Cabimento de liminar - 10.Sentença: eficácias - 11.Coisa julgada - 12.Recursos, reexame necessário e suspensão do cumprimento da ordem - 13.Competência 1. Objeto de proteção Criado pela Constituição de 1988 (CF (LGL\1988\3), art. 5.º, LXXII), o habeas data é instrumento jurisdicional que se presta a garantir ao impetrante o conhecimento de dados concernentes à sua pessoa, "constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público", e (ou) possibilitar-lhe a retificação de tais dados, quando incorretos. Destina-se, portanto, à tutela da intimidade e da honra: a reunião de dados de qualquer pessoa, visando sua divulgação a terceiros, sem que tal pessoa possa conhecê-los e verificar sua exatidão, tende a afrontar não só sua vida íntima e particular, como a própria reputação. Todos têm o direito de conhecer, ainda que por mera curiosidade, informações que lhes digam respeito. Às duas finalidades explícitas na Constituição - conhecimento de dados pessoais e sua retificação - a Lei 9.507/97, que regulou o instituto, agregou expressamente uma terceira: permitir "a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável" (art. 7.º, III). É constitucional este dispositivo. Ainda que se entendesse que a lei infraconstitucional ampliou os escopos do habeas data, não haveria nisso nenhuma ilegitimidade, inclusive porque os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados" (CF (LGL\1988\3), art. 5.º, § 2.º). No entanto, cumpre ir além e reconhecer que - mais do que ampliação feita pela lei infraconstitucional em conformidade com a Constituição - tal providência está implícita na fórmula constitucional da garantia: se é expressamente conferida a possibilidade de suprimir ou substituir o dado incorreto, como negar que, à informação já constante do registro ou banco de dados, acresça-se outra, destinada a complementar-lhe a exatidão? Tal realce tem relevância prática, por exemplo, na definição do cabimento de recurso extraordinário. Como exemplo de "anotação de contestação ou explicação" autorizadas pela lei, pode-se imaginar a seguinte hipótese: em banco de dados de caráter público, consta a pendência de execução judicial contra o interessado; o dado é verídico, no entanto, encontra-se penhorado bem em valor mais do que suficiente para a cobertura da quantia executada e, ademais, já existem embargos à execução em que se impugna a existência do crédito; se o mantenedor do banco de dados nega-se a adicionar estas outras informações ao registro da pendência da execução, o interessado pode obter a providência mediante habeas data. 2. Legitimidade ativa Pode impetrar a medida a pessoa que pretenda verificar a existência de dados a seu respeito e (ou) corrigi-los ou complementá-los. Não se concebe, aqui, substituição processual: não é dado a alguém obter (corrigir ou complementar) informações acerca de outrem, que lhe sejam absolutamente alheias, mediante habeas data. É que a Constituição, nesse ponto repetida pela Lei 9.507/97, aludiu a "informações relativas à pessoa do impetrante". O PROCESSO DO HABEAS DATA: BREVE EXAME Página 1 Entre os constitucionalistas, há quem afirme que, quando alguém pretender informações atinentes a terceiros, armazenadas em órgão público, haverá de pleiteá-las extrajudicialmente, com amparo no art. 5.º, XXXIII e XXXIV, b, da CF/1988 (LGL\1988\3), demonstrando seu legítimo interesse. Negativa indevida do órgão, nesse caso, dará ensejo a mandado de segurança. 1 Mas, por "informações relativas à pessoa do impetrante", há de se entender não só características intrínsecas ou inerentes ao interessado, como também aspectos de sua vida intersubjetiva. Vale dizer: há dados que, embora digam respeito também a terceiros, são "pessoais" do interessado, eis que atinentes à sua vida social em sentido amplo. Estes poderão ser obtidos, corrigidos ou complementados mediante habeas data. É sob tal prisma que se justificam lições doutrinárias e decisões dos tribunais que afirmam, por exemplo, que herdeiros legítimos ou o cônjuge supérstite têm legitimidade para, mediante habeas data, obter ou corrigir informações sobre a pessoa falecida. 2 O habeas data pode ser proposto por pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira. Sob esse aspecto, há diferença, por exemplo, em relação à ação popular, que é constitucionalmente atribuída a "qualquer cidadão", o que pressupõe nacionalidade brasileira e pleno exercício dos direitos políticos. A legitimidade é estendida inclusive aos estrangeiros não residentes no Brasil, a despeito da fórmula usada no caput do art. 5.º da CF (LGL\1988\3) (que alude a "brasileiros e estrangeiros residentes no País"). Tal conclusão impõe-se quer pelo caráter não exaustivo dos direitos e garantias constitucionalmente arrolados (CF (LGL\1988\3), art. 5.º, § 2.º), quer pela necessidade de sua interpretação extensiva, salvo quando há expressa vedação ou existe incompatibilidade intrínseca. 3. Legitimidade passiva A legitimidade passiva é atribuída a "entidades governamentais ou de caráter público". Há clara bipartição na fórmula constitucional. "Entidades governamentais" está a significar toda e qualquer pessoa da Administração direta ou indireta. A alternativa "ou de caráter público" engloba entidades que, embora exerçam atividades particulares, mantêm cadastros de controle de situações coletivas, cujos dados são efetiva ou potencialmente transmissíveis a terceiros (exemplo: serviços de proteção ao crédito). Tal entendimento, prevalecente na doutrina, 3veio a ser consagrado no art. 1.º, parágrafo único, da Lei 9.507/1997, que considera "de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações". A exemplo do habeas corpus, do mandado de segurança e do mandado de injunção, formalmente figura no pólo passivo da demanda o agente ocupante do cargo que detém os poderes para apresentar, corrigir ou complementar as informações. Sua condição é de presentante do órgão ou entidade depositária do registro ou banco de dados. 4. Interesse de agir e prévio requerimento extrajudicial Antes da lei reguladora, discutia-se sobre a necessidade de prévio pleito extrajudicial de apresentação ou correção dos dados. Prevaleceu o entendimento de que, para que estivesse presente o interesse de agir mediante habeas data, a providência precisaria já ter sido antes requerida diretamente à entidade e por esta, expressa ou tacitamente, denegada. O Superior Tribunal de Justiça editou a Súm. de n. 2: "Não cabe o habeas data (CF (LGL\1988\3), art. 5.º, LXXII, letra a) se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa". O entendimento, como regra geral, era acertado. Afinal, inexistindo recusa na prestação ou retificação das informações, seria desnecessária a tutela jurisdicional. No entanto, são concebíveis hipóteses em que, de antemão e independentemente de prévia solicitação, já existe manifestação abstrata e geral da entidade, negando taxativamente a concessão daquelas providências. Tome-se exemplo apresentado mais de uma vez na doutrina: existência de disposição regulamentar da entidade pretendendo proibir a apresentação ou correção dos dados.4Em tais casos, está desde logo caracterizado o interesse de agir - sendo despropositada a exigência de prévio requerimento. Mais grave ainda, seria inconstitucional tal imposição - eis que a Constituição dispensa o prévio exaurimento da via administrativa, para o exercício da tutela jurisdicional. No exemplo dado, quando muito, caberia ao impetrante, para evidenciar a necessidade da tutela, comprovar a existência da pretensa proibição regulamentar. O PROCESSO DO HABEAS DATA: BREVE EXAME Página 2 A Lei 9.507/97 estabeleceu, como requisito da petição inicial, a comprovação da recusa expressa ou tácita (por decurso de prazo), por parte da entidade, à prestação, retificação ou complementação das informações (art. 8.º, parágrafo único, da Lei 9.507/1997). Note-se, porém, que não se colocou expressamente a exigência de prévio pleito extrajudicial. Assim, parece possível adotar interpretação conforme à Constituição, reputando-se que, em casos como no do exemplo dado acima, bastaria a comprovação, com a inicial, da existência da recusa genérica e abstrata estampada em regulamento ou ato que o valha. Feita esta ressalva, há de se reconhecer que o estabelecimento de disciplina específica para o prévio requerimento extrajudicial (art. 2.º a 4.º, da Lei 9.507/1997) constitui mais uma garantia em favor do interessado. Afinal, previu-se procedimento simplificado e estabeleceram-se prazos para o órgão ou entidade mantenedora do registro ou banco de dados responder aos pleitos. Confira-se. Apresentado o requerimento, o órgão ou entidade terá 48 horas para responder ao pleito (art. 2.º, caput, da Lei 9.507/1997) - cabendo-lhe comunicar sua decisão ao requerente em 24 horas (art. 2.º, parágrafo único, da Lei 9.507/1997). Deferido o pedido, o órgão ou entidade marcará dia e hora para o requerente tomar conhecimento das informações (art. 3.º da Lei 9.507/1997). Caso o interessado repute haver incorreção nos dados de que tomou conhecimento, poderá requerer sua retificação, em peça escrita acompanhada de documentos comprobatórios (art. 4.º, caput, da Lei 9.507/1997). Note-se que a Lei não estabeleceu prazo para o interessado exercer este direito. Já a entidade ou órgão depositário das informações terá prazo de dez dias para proceder a retificação, cabendo-lhe a seguir cientificar o interessado (art. 4.º, § 1.º, da Lei 9.507/1997). Em vez de querer corrigir alguma informação, ou além disso, o interessado poderá "apresentar explicação ou contestação", "justificando possível pendência sobre o fato objeto do dado" - caso em que "tal explicação será anotada no cadastro do interessado" (art. 4.º, § 2.º, da Lei 9.507/1997). Não se previu expressamente prazo para o órgão ou entidade depositária das informações adotar essa providência, mas é razoável supor que terá o mesmo prazo de dez dias que lhe é atribuído para retificar informações. Conquanto a lei silencie a respeito, é viável que, já conhecendo as informações a seu respeito constantes no cadastro, o interessado, sem formular prévio requerimento de apresentação dos dados, valha-se da via extrajudicial apenas para pleitear sua correção ou o acréscimo de contestação ou explicação. O procedimento extrajudicial ora examinado é gratuito (art. 21 da Lei 9.507/1997). Não pode a entidade privada ou o órgão público condicionar seu desenvolvimento ao pagamento de taxas, custas ou outras verbas a qualquer título. A recusa, por parte da entidade ou órgão, em adotar qualquer da providências acima indicadas autorizará o ajuizamento do habeas data. Igualmente estará aberto o caminho para a medida judicial, quando passarem-se mais de dez dias sem resposta ao pedido de apresentação dos dados, ou mais de quinze dias sem decisão sobre o pleito de retificação ou complementação de informações (art. 8.º, parágrafo único, I, II e III, da Lei 9.507/1997). 5. Ainda o interesse de agir Basta a mera vontade de o impetrante conhecer os dados referentes à sua pessoa, para que possa manejar o habeas data (ou valer-se do prévio requerimento extrajudicial). O exercício da garantia independe da demonstração de que as informações lhe serão úteis na defesa de algum direito. Para que fosse legítima uma tal exigência, a norma constitucional haveria de tê-la mencionado expressamente - a exemplo do que ocorre em relação ao direito às certidões (CF (LGL\1988\3), art. 5.º, XXXIV, b). Mediante o habeas data, tutela-se o direito, em si, que todos têm de conhecer informações armazenadas a seu respeito (v. item 1, acima). Do mesmo modo, para que o interessado possa pleitear a correção ou complemento no dado, basta haver erro ou incompletude - ainda que tais falhas não lhe gerem, nem potencialmente, prejuízos. 6. Petição inicial e documentos que devem acompanhá-la A peça inicial da ação de habeas data submete-se aos requisitos gerais indicados nos arts. 282 e 283 do CPC (LGL\1973\5) e deverá ser apresentada em duas vias, com os documentos que instruírem a primeira sendo reproduzidos por cópia na segunda (Lei 9.507/97, art. 8.º, caput). O PROCESSO DO HABEAS DATA: BREVE EXAME Página 3 O pedido será de apresentação, por parte do órgão ou entidade, das informações pessoais do impetrante ou de correção ou complemento de tais dados. Nada impede que o autor realize cumulação sucessiva eventual, pleiteando o acesso aos dados e, desde logo, para a hipótese de estes serem incorretos ou incompletos, sua retificação ou complemento. Mas tal cumulação não é obrigatória. O impetrante tem o direito de, depois de apresentados os dados, definir precisamente a necessidade e o objeto da correção ou adição - o que implica peculiaridade procedimental examinada adiante (item 7). Conforme o que se esteja pedindo através do habeas data, a petição inicial deverá ser acompanhada da comprovação: "da recusa ao acesso à informação ou do decurso de mais de dez dias sem decisão"; "da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão"; ou da recusa em fazer-se a anotação da contestação ou explicação sobre o dado, relativa a pendência judicial ou amigável, ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão (art. 8.º, parágrafo único, I, II e III, da Lei 9.507/1997). Exige-se, portanto, prova documental liminar da existência de recusa expressa ou tácita. Nesse ponto, portanto, o habeas data assemelha-se ao mandado de segurança, em que se exige, para a satisfação do requisito do "direito líquido e certo", semelhante comprovação documental dos fatos initio litis. Justifica-se tal imposição, considerando-se a sumariedade e celeridade que devem vigorar em "ação de eficácia potenciada", 5tal como é o habeas data, a exemplo de outros instrumentos da jurisdição constitucional das liberdades. A prova da recusa expressa à adoção de tais providência far-se-á mediante cópia autenticada da decisão ou certidão que lhe retrate o teor. Já a comprovação do decurso de prazo sem decisão deve ser adequadamente compreendida. A única forma de se demonstrar documentalmente tal fato negativo seria pela apresentação de certidão ou declaração do próprio órgão ou entidade, indicando que inexiste decisão. Mas, se o órgão ou entidade nega-se a dar resposta ao pleito do interessado, muito provavelmente não emitirá a certidão ou declaração. Daí que, em tais hipóteses, haverá de se considerar satisfeito o requisito do art. 8.º, parágrafo único, da Lei 9.507/1997 com a comprovação de que foi protocolado o pleito de apresentação, correção ou complementação de dados, acompanhada da mera afirmação de que não houve decisão - sob pena de se criar óbice intransponível ou de difícil transposição para o emprego do habeas data (o interessado teria de propor medida judicial específica para obter a certidão ou declaração e, só depois, ajuizar o habeas data!?). Deve-se tomar em conta a presunção de boa-fé que milita a favor de todo aquele que vai a Juízo. Reitere-se parecer possível que, em certos casos, a recusa a ser comprovada nãoconsista em resposta especificamente dada em prévio procedimento extrajudicial, mas sim previsão geral e abstrata, constante de regulamento da entidade ou órgão que mantém os dados (v. item 4). Quando o impetrante estiver pedindo a retificação ou adição dos dados, e não apenas sua apresentação, caber-lhe-á juntar com a inicial os documentos que justifiquem seu pleito. Faltando algum dos requisitos genéricos ou específicos da inicial, o juiz determinará antes sua emenda ou complemento, no prazo de dez dias, para só depois, se desatendida tal determinação, indeferir (art. 8.º da Lei 9.507/97 c/c o art. 284 do CPC (LGL\1973\5)). Por isso, o art. 10 da Lei 9.507/1997 deve ser adequadamente interpretado: o juiz só indeferirá "desde logo" a inicial, quando o defeito nela contido ou indicado for insanável. O indeferimento da inicial, em qualquer caso, será passível de apelação (arts. 10, parágrafo único, e 15 da Lei 9.507/1997 - não bastasse a previsão genérica do art. 513 do CPC (LGL\1973\5)). 7. Procedimento A sumariedade, a celeridade e a gratuidade caracterizam o rito do habeas data. Não são devidas custas judiciais, no processo de habeas data (CF (LGL\1988\3), art. 5.º, LXXVII; art. 21 da Lei 9.507/1997). Deferida a inicial, "o juiz ordenará que se notifique o coator do conteúdo da petição, entregando-lhe a segunda via apresentada pelo impetrante, com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de dez dias, preste as informações que julgar necessárias" (art. 9.º da Lei 9.507/1997). "Feita a O PROCESSO DO HABEAS DATA: BREVE EXAME Página 4 notificação, o serventuário em cujo cartório corra o feito juntará aos autos cópia autêntica do ofício endereçado ao coator, bem como prova da sua entrega a este ou da recusa, seja de recebê-lo, seja de dar recibo" (art. 11 da Lei 9.507/1997). Depois, passado o prazo para o "coator" prestar informações, com ou sem estas, ouvir-se-á o Ministério Público, em prazo de cinco dias, e, a seguir, os autos irão conclusos ao juiz, para que, também em cinco dias, sentencie. Conforme já se afirmou (item 6), o impetrante não tem o ônus de, já na inicial, ao lado do pedido de apresentação dos dados, formular pedido eventual de correção ou complementação das informações - as quais, até então, desconhece. Concedido o habeas data e apresentadas as informações, pode surgir a necessidade de retificação ou complementação dos dados. A Lei 9.507/97 silenciou quanto à hipótese, mas seria desarrazoado exigir-se a propositura de outro habeas data, gerador de processo autônomo e apartado, para tal fim. A solução mais consonante com a "eficácia potenciada" da garantia é a de, nos mesmos autos, proceder-se a simples requerimento de retificação ou complementação (acompanhado de documentos comprobatórios) - reiniciando-se a estrutura procedimental acima indicada (apreciação inicial pelo juiz, notificação do "coator", apresentação de informações, ouvida do Ministério Público e sentença). Parece-nos que não haverá propriamente duas sentenças no mesmo processo, 6mas sim dois processos postos em "conexão sucessiva" (expressão usada por Liebman, 7para designar o fenômeno que envolve o processo de conhecimento e o posterior processo de execução de sentença, desenvolvido nos mesmos autos - o que dispensa maiores formalidades na nova peça inicial). Dadas as marcantes similaridades funcionais e estruturais, aplica-se subsidiariamente ao habeas data a disciplina específica do mandado de segurança (especialmente a Lei 1.533/51). Igualmente, incidem todas as regras do Código de Processo Civil (LGL\1973\5) que sejam compatíveis com o processo de habeas data. De tal conjugação extrair-se-á a conclusão, por exemplo, do cabimento de litisconsórcio, em todas as suas formas, e da assistência, assim como da inviabilidade das demais formas de intervenção de terceiros (Lei 1.533/51, arts. 19 e 20; art. 46 do CPC (LGL\1973\5), e seguintes). 8. Eventuais restrições à publicidade do processo Não é dado ao órgão público (e tanto menos à entidade privada) subtrair-se à tutela mediante habeas data invocando razões de defesa e segurança nacional. Se tais óbices fossem oponíveis à garantia em exame, constaria do texto constitucional expressa ressalva, tal como a contida, por exemplo, na regra do art. 5.º, XXXIII, da CF (LGL\1988\3). 8O interessado terá sempre direito ao conhecimento dos dados atinentes à sua pessoa, ainda que o sigilo destes seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Deverá, nessa hipótese, o processo submeter-se a regime de publicidade restrita (CF (LGL\1988\3), art. 5.º, LX). Aliás, idêntica solução adotar-se-á, quando a retificação de dados mediante habeas data envolver aspectos atinentes à intimidade do interessado e (ou) de terceiro. Leitura apressada da parte final da alínea b do inc. LXXII do art. 5.º da CF (LGL\1988\3) transmite a impressão de que a opção por "processo sigiloso" afastaria o emprego do habeas data. No entanto, "processo sigiloso" e habeas data não são vias distintas de tutela, que se excluam. O regime de publicidade restrita ("processo sigiloso") pode ser adotado em qualquer tipo de processo, desde que presentes suas razões justificadoras, indicadas no art. 5.º, LX, da CF (LGL\1988\3). Nesses casos, buscar-se-á, muitas vezes, não a correção, mas a própria retirada da informação do registro ou banco de dados, por envolver aspectos atinentes à intimidade do interessado, que não podem legitimamente interessar a terceiros. 9. Cabimento de liminar Ainda que a Lei 9.507/97 omita-se a respeito, cabe inclusive a concessão liminar de tutela no habeas data. É certo que, em tese, o processo de habeas data deve desenvolver-se em breve lapso de tempo. Mas, ainda assim, pode surgir perigo de dano irreparável ou de difícil reparação que exija tutela urgente - a qual será concedida, desde que satisfeito igualmente o requisito da plausibilidade das razões do impetrante. O PROCESSO DO HABEAS DATA: BREVE EXAME Página 5 A justificar o cabimento de liminar, a despeito do silêncio legal, põem-se os seguintes fundamentos: (a) há imposição constitucional de que o instrumento em exame ofereça uma tutela urgente, eis que "ação de eficácia potenciada"; (b) é viável aplicação analógica da regra que autoriza liminar no mandado de segurança; (c) no sistema vigente, há regra geral autorizando a antecipação de tutela no processo civil (arts. 273 e 461 do CPC (LGL\1973\5)). 10. Sentença: eficácias A sentença de improcedência do habeas data terá eficácia declaratória: reconhece a ausência de direito do impetrante ao acesso às informações ou à sua retificação ou complementação. A sentença de procedência tem preponderantemente eficácia mandamental. 9Emite-se ordem aos responsáveis pelo órgão ou entidade mantenedora do registro ou banco de dados, a fim de que apresentem, corrijam ou complementem as informações pleiteadas. Descumprimento do comando judicial poderá caracterizar crime de desobediência ou de prevaricação. A tutela a ser obtida mediante habeas data constitui cumprimento de um dever de fazer (apresentar os dados, corrigi-los, complementá-los), de modo que é aplicável, subsidiariamente, a disciplina geral de tutela contida no art. 461 do CPC (LGL\1973\5). O juiz, portanto, poderá fixar multa diária para assegurar o cumprimento de eventual liminar ou da sentença (art. 461, § 4.º, do CPC (LGL\1973\5)). Poderá, ainda, e sem prejuízo das sanções à desobediência, adotar todas as medidas necessárias para efetivar a apresentação, correção ou complementação dos dados, independentemente da colaboração dos responsáveis pelo órgão ou entidade (art. 461, § 5.º, do CPC (LGL\1973\5)). 10Além disso, fica confirmado o cabimento de liminar no processo de habeas data (art. 461, § 3.º, do CPC (LGL\1973\5)). Nem se diga que a disciplina específica do habeas data e o seu caráter de especial "ação constitucional" afastariam a incidência do regime do art. 461 do CPC (LGL\1973\5).É certo que a Lei 9.507/97 não previu expressamente a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (LGL\1973\5). No entanto, há de se tomar em conta as razões que levam o ordenamento a instituir vias especiais de tutela. Trata-se de um reforço ao sistema geral - e não um óbice à universalidade da tutela adequada. Se uma "ação especial" foi criada para conferir a determinadas situações proteção mais completa do que a atribuída à generalidade dos casos, sua disciplina diferenciada, por si só, não pode constituir empecilho à incidência das regras gerais, quando estas podem propiciar mecanismos de tutela mais eficientes. É previsível que a jurisprudência venha a descartar a condenação em honorários advocatícios, para qualquer das partes - quer com base na imposição constitucional de "gratuidade" do processo (v. item 7), quer pela transposição do entendimento prevalecente quanto ao mandado de segurança (Súm. 512 do STF). A sentença que concede o habeas data é imediatamente eficaz, eis que a apelação não será dotada de efeito suspensivo (v. item 12, adiante). 11. Coisa julgada A sentença que, no mérito, acolhe ou rejeita o habeas data faz coisa julgada material (Lei 9.507/97, art. 18, a contrario sensu). Não há, nesse tema, nenhuma peculiaridade em face das regras processuais gerais. Pondere-se que não é de mérito a sentença que extingue o processo por falta de prova documental liminar da recusa expressa ou tácita à apresentação, correção ou complementação de informações - e, portanto, poderá tornar a ser ajuizada a mesma demanda. 12. Recursos, reexame necessário e suspensão do cumprimento da ordem Contra a sentença de procedência ou improcedência proferida em primeiro grau de jurisdição caberá apelação (art. 15 da Lei 9.507/1997 - não bastasse a regra geral do art. 513 do CPC (LGL\1973\5)) - sem efeito suspensivo, quando concedido o habeas data (art. 15, parágrafo único, da Lei 9.507/1997). Na disciplina específica do habeas data, não há previsão expressa do cabimento de agravo. Com O PROCESSO DO HABEAS DATA: BREVE EXAME Página 6 base nas regras gerais, há de se reputar utilizável este recurso, contra as decisões proferidas no curso do processo, em primeiro grau de jurisdição, e que não gerem sua extinção (art. 522 do CPC (LGL\1973\5)). É o remédio cabível, por exemplo, contra a decisão que conceda ou indefira a medida liminar referida no item 9. Não existe regra específica prevendo o reexame necessário de toda e qualquer sentença de procedência do habeas data, diferentemente do que ocorre para o mandado de segurança e o habeas corpus. O reexame necessário ocorrerá apenas quando o réu for a União, Estado, Município, autarquia ou fundação pública (CPC (LGL\1973\5), art. 475, II, e art. 10 da Lei 9.469/1997). Caberá recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal contra o acórdão dos Tribunais Superiores que, em única instância, denegue o habeas data, no mérito ou não (CF (LGL\1988\3), art. 102, II, a, e art. 20, II, a, da Lei 9.507/1997). O prazo recursal é de quinze dias (art. 508 do CPC (LGL\1973\5)). A Lei 9.507/97 prevê caber "recurso" para o Superior Tribunal de Justiça contra os acórdãos proferidos pelos Tribunais Regionais Federais, em habeas data de sua competência originária (art. 20, II, b, da Lei 9.507/1997). Trata-se de competência recursal não estabelecida na Constituição. Em face disso, alguns poderiam reputar inconstitucional a regra, eis que a competência do Superior Tribunal de Justiça estaria exaustivamente prevista na Constituição, não podendo ser ampliada no âmbito infraconstitucional. 11Mas, em resposta a essa conjectura, cabe ponderar que a regra infraconstitucional que inova em relação às competências constitucionalmente atribuídas só é inconstitucional quando contiver subtração de competência que a Constituição deferiu - ou seja, quando pretender atribuir a um órgão competência que a Constituição conferiu a outro. Não é o que ocorre no caso exame, em que a regra do art. 20, II, b, da Lei 9.507/1997 veio a estabelecer competência recursal alheia a todas as hipóteses previstas na Constituição. Assim e reputando-se constitucional tal recurso inominado, o prazo da sua interposição será de cinco dias, eis que lhe falta preceito legal específico (art. 185 do CPC (LGL\1973\5)). O art. 20, III, da Lei 9.507/1997 indica, ainda o cabimento de recurso extraordinário, "nos casos previstos na Constituição" - o que nos remete ao art. 102, III, da CF (LGL\1988\3). A Lei silenciou acerca do cabimento do recurso especial. Mas tal omissão não tem o condão de afastar a incidência da regra constitucional que prevê esse recurso - que, portanto, é utilizável no processo de habeas data, desde que presentes seus específicos pressupostos de cabimento (CF (LGL\1988\3), art. 105, III). O art. 16 da Lei 9.507/97 prevê a possibilidade de suspensão da efetivação da decisão concessiva do habeas data, pelo presidente do tribunal ao qual competiria o julgamento de recurso. Aplicam-se ao caso, por analogia, as regras que prevêem o emprego desse mecanismo em relação a outras espécies de tutela (mandado de segurança, medidas cautelares, ações civis públicas...), de modo que só será possível a suspensão pelo presidente do tribunal quando houver perigo de "grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas" (Leis 4.348/64, 7.347/85, 8.437/92...). A decisão haverá de ser fundamentada (CF (LGL\1988\3), art. 93, IX) e contra ela caberá agravo, no âmbito interno do tribunal (art. 16 da Lei 9.507/1997). 12 13. Competência Compete ao Supremo Tribunal Federal o conhecimento de habeas data dirigido contra o Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, o Tribunal de Contas da União, o Procurador-Geral da República ou o próprio Supremo (CF (LGL\1988\3), art. 102, I, d; art. 20, I, a, da Lei 9.507/1997). É de competência originária do Superior Tribunal de Justiça o habeas data contra o próprio tribunal ou ministro de Estado (CF (LGL\1988\3), art. 105, I, b; art. 20, I, b, da Lei 9.507/1997). Incumbe aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar habeas data contra o próprio tribunal ou órgão inferior da Justiça Federal (CF (LGL\1988\3), art. 108, I, c; art. 20, I, c, da Lei 9.507/1997). A competência originária dos tribunais estaduais (de Alçada e Justiça) e do Distrito Federal é definida de acordo com as respectivas Constituições (Lei 9.507/97, art. 20, I, e ; art. 125, § 1.º, da CF/1988 (LGL\1988\3)). O PROCESSO DO HABEAS DATA: BREVE EXAME Página 7 A competência dos juízes de primeiro grau é residual: abrange as hipóteses não contidas nas regras anteriores - sendo que ao juiz federal de primeiro grau caberá julgar os habeas data contra as autoridades federais não mencionadas acima (Lei 9.507/97, art. 20, I, d e f; art. 109, VIII, da CF/1988 (LGL\1988\3)). (1) Michel Temer. Elementos de direito constitucional. 9. ed., São Paulo : Malheiros, 1992. p. 194. (2) Veja-se, p. ex., decisão do extinto TFR citada por J. Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo, 11. ed., São Paulo : Malheiros, 1996. p. 432. (3) V., p. ex., J. Afonso da Silva. Curso..., cit., p. 433; Michel Temer. Elementos de direito constitucional. 9. ed., São Paulo : Malheiros, 1993. p. 194; C. A. Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo. 9. ed., São Paulo : Malheiros, 1997. p. 146; Zanella Di Pietro. Direito administrativo. 3. ed., São Paulo : Atlas, 1993. p. 439. (4) Hipótese cogitada, entre outros, por Carlos Ari Sundfeld. " Habeas data e mandado de segurança coletivo", RDP 95/195. (5) A expressão é de Kazuo Watanabe, referindo-se ao mandado de segurança ( Controle jurisdicional [Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional no sistema jurídico brasileiro] e mandado de segurança contra atos judiciais. São Paulo : RT, 1980. p. 99). (6) É o que sustenta, p. ex., Barbosa Moreira ("O habeas data brasileiro e sua lei regulamentadora", Habeasdata. Org. T. Alvim Wambier. São Paulo : RT, 1998. p. 138-139). (7) Processo de execução. 4. ed., São Paulo : Saraiva, 1980. p. 50 e 55. (8) Nesse sentido, Michel Temer. Elementos..., cit., p. 195. (9) Sobre a eficácia mandamental e sua distinção da eficácia condenatória, vede Talamini, "Tutelas mandamental e executiva lato sensu e a antecipação ex vi do art. 461, § 3.º, do CPC (LGL\1973\5)", Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. Org. T. Alvim Wambier. São Paulo : RT, 1997. p. 137-151. (10) Nesse sentido, Barbosa Moreira, "O habeas data...", cit., p. 143-144. (11) A tese é aventada por Barbosa Moreira ("O habeas data...", cit., p. 146-147) - sem, no entanto, adotá-la expressamente. (12) Sobre a suspensão da ordem de habeas data, v. Scarpinella Bueno. " Habeas data - Efeitos da apelação, liminar e suspensão de sentença". Habeas data. Org. T. Alvim Wambier. São Paulo : RT, 1998. p. 53-71. O PROCESSO DO HABEAS DATA: BREVE EXAME Página 8
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