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INFLAÇÃO DIAGÓSTICA
Atualmente, pesquisas tem verificado um aumento exponencial na incidência de diversas doenças mentais. O Transtorno do Espectro Autista, a Depressão, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e diversos outros transtornos mentais atingiram níveis epidêmicos. De acordo com levantamento feito pela Faculdade de Medicina Feiberg, só nos EUA, entre o ano 2000 e 2010 o número de crianças diagnosticadas com TDAH aumentou 66%. Esse dado demonstra um significativo crescimento no número de casos do transtorno em apenas 10 anos.
Allen Frances (2015), em seu livro “Voltando ao Normal: Como o excesso de diagnósticos e a medicalização da vida estão acabando com a nossa sanidade e o que pode ser feito para retomarmos o controle’” aborda o questionamento acerca da existência de uma indústria de diagnósticos que promove um discurso médico patologizador e impõe intervenções que, muitas vezes, são desnecessárias. O conceito de “inflação diagnóstica” é usado por ele para intitular as elevações das taxas diagnósticas de doenças mentais e seu trabalho traz diversas contribuições para o entendimento de suas causas e consequências. 
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), é uma ferramenta que categoriza e sistematiza as psicopatologias, demarcando critérios diagnósticos para a classificação de cada uma delas. Este manual norteia a prática psiquiátrica e exerce influência no trabalho de outros profissionais da saúde e educadores. Apesar de ser um instrumento importante, o mau uso do DSM acaba acarretando consequências, entre elas, a inflação diagnóstica. Segundo o autor, o sucesso do TDAH se deu a partir do afrouxamento de critérios do DSM, tornando-os mais abrangentes, e assim possibilitando que mais pessoas se enquadrassem neste diagnóstico e consequentemente, houve a inflação do número de diagnósticos no transtorno. A mesma dinâmica pôde ser observada também no Autismo, que ao ser classificado como transtorno de espectro autista, atribui graus à doença, isso gerou mudanças nos critérios diagnósticos e possibilitou que pessoas com alguma deficiência mental ou outros transtornos fossem inseridas neste diagnóstico. Similarmente, a Epidemia da Depressão ocorreu por conta da ampliação dos critérios de inclusão diagnóstica no DSM-III, fazendo com que sofrimentos e reações inerentes à natureza do homem (como a tristeza) fossem qualificados como depressão (Frances, 2015), provocando também o crescimento do número de casos.
A inflação diagnóstica de psicopatologias, portanto, não se trata de fato de uma epidemia de doenças mentais, e sim, de uma epidemia de diagnósticos. Segundo Frances (2015), forças externas influenciam o DSM e levam a modificações que estão de acordo com interesse econômicos. Uma dessas forças é a da Indústria Farmacêutica que lucra com a venda dos psicofármacos e que inserida em uma lógica capitalista busca, através de sua influência, expandir o seu mercado consumidor. Além disso, essa mesma indústria aplica copiosamente estratégias de marketing e pesquisas tendenciosas, a fim de favorecer seus produtos em um mercado competitivo.
A inflação diagnóstica se dá também por uma tendência atual de patologização da vida, na qual se transfere para o discurso médico, comportamentos, emoções ou características, que mesmo fazendo parte da natureza e da subjetividade do homem, são tratados como doença. A sociedade cada vez mais passa por uma banalização dos diagnósticos de transtornos mentais, que muitas vezes, patologiza sentimentos normais e converte em transtorno as singularidades, tornando a sanidade em algo quase inatingível. Essa dinâmica tem se estendido até na infância, onde as crianças e adolescentes estão sendo bombardeadas com uma série de diagnósticos para justificar qualquer mínimo desvio do padrão esperado, tanto no comportamento, quanto no rendimento escolar. O diagnóstico de TDAH é o mais presente no contexto da infância, só no Brasil, 4,4% da população de 4 a 18 anos possuí este diagnóstico de acordo com estudo coordenado pelo Instituto Glia. Para Frances (2015), a explosão diagnóstica de casos de TDAH está atrelada a um diagnóstico tendencioso, que patologiza características comuns à infância como agitação e falta de atenção.
Assim, medicalizar todos os comportamentos da criança e da infância nos faz perder de vista o que é uma criança, suas necessidades, suas demandas, seus desejos, que nesse contexto, são reduzidos a patologias que estão sempre sustentadas por um tripé: todo problema da criança é um transtorno mental, todo transtorno revela uma desordem química e essa desordem química precisa ser corrigida por um medicamento − sendo essas as condições que têm transformado o TDAH em uma das principais causas de consulta em neuropediatria. 
KAMERS (2015)
Em suma, há o diagnóstico em TDAH, prescrição de psicofármacos fortes e a imposição de estigmas da doença mental sobre crianças e adolescentes que nem sequer possuem o transtorno de fato. Conforme a Professora Maria Aparecida Affonso Moysés, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o diagnóstico geralmente se dá por conta da criança apresentar dificuldades de aprendizagem e diversas vezes esses problemas estão relacionados não com a criança, e sim, com a política educacional ou a defasagem no ensino. Segundo ela, um problema que é coletivo passa a ser transformado em um problema individual. 
Portanto, a explosão do número de casos de TDAH também está relacionada aos interesses de desculpabilização dos pais e do sistema educacional. Ao invés de rever questões familiares, escolares e investigar a fundo se há mesmo algum transtorno ou se a dificuldade da aprendizagem e/ou comportamento remetem a outras questões, é mais cômodo rotular como um transtorno psiquiátrico, uma doença a ser medicada (SILVEIRA, 2015 p. 13)
As escolas têm auxiliado no processo de inflação diagnóstica de TDAH, pois este diagnóstico propicia uma solução rápida e simples para problemas de comportamento em sala de aula e falta de atenção. Não é atoa que o metilfenidato, um dos principais medicamentos usados no tratamento deste transtorno é chamado de a “droga da obediência”. 
Entretanto, na maior parte dos casos os pais não consultam espontaneamente, mas são motivados por profissionais que atuam na área da infância, pessoas ou associações que têm tido um importante papel de filtro prédiagnóstico. Eles não apenas falam do TDAH para os pais, mas indicam sites na internet, serviços e principalmente, profissionais que eles sabem de antemão que darão o diagnóstico. 
KAMERS (2015)
Portanto, os diagnósticos indiscriminados dos transtornos mentais seguem uma lógica capitalista de consumo da indústria farmacêutica, que ao colocar rótulos psiquiátricos amplos acaba incluindo diversas pessoas que não precisam de tratamento medicamentoso, o qual pode até ser danoso. É preciso se atentar para a negligência e banalização dos diagnósticos de TDAH, para assim, fugir da lógica de medicalização da vida e da infância.

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