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aborto e a política do corpo

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1 
 
O Aborto e a Política do Corpo 
Patrícia Toledo 
 
As relações de poder estabelecidas a partir do pensamento binário colocam mulheres e 
homens em campos diferentes, estes no campo da produção/domínio e aquelas no campo da 
reprodução/submissão. Por serem capazes de gerar filhos, as mulheres são vistas como seres 
mais próximos do natural/animal, que respondem a comportamentos biológicos, enquanto que 
os homens provedores de cultura se posicionam como donos do saber e mais próximos das 
capacidades superiores exclusivamente humanas. 
Desta maneira, a emancipação das mulheres em relação à reprodução é fundamental 
para sua emancipação como ser humano. Logo, faz-se necessário o acesso às formas de 
anticoncepção e ao aborto, não somente como técnicas de evitar ou interromper uma gravidez, 
mas de possibilitar à mulher o controle do próprio corpo. 
O aborto é um tema que perpassa diversas áreas do conhecimento humano, desde a 
medicina, psicologia e demais práticas de saúde, às disciplinas de ciências sociais, como a 
antropologia e das políticas públicas. Trata-se de um assunto polêmico e que por despertar 
divergências acaba ficando de lado, quando na realidade, deve ser amplamente discutido. 
 Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2008 a estimativa de abortos 
inseguros alcançava 21,6 milhões, principalmente nos países em desenvolvimento. Em 2003 o 
número era de 19,7 milhões, o que mostra o caráter preocupante em torno desse assunto. 
AConstrução do Ideal de Maternidade 
No que se refere aos papéis estipulados para as mulheres como inerente à sua natureza, 
apresenta-se a maternidade.No entanto, arelação mãe e filho, assim como outras formas de 
comportamento, estão em constantes mudanças que se adaptam aos valores políticos e 
econômicos de determinada época. 
De acordo com Badinter (1985) apud Moura e Araujo (2004) o amor materno, não 
deve ser visto como uma qualidade essencial da mulher, mas como uma construção histórico-
social. Durante a Idade Média e na Antiguidade o conceito de maternidade era desvalorizado 
devido à autoridade e poder paternal, já que o homem era superior tanto à mulher quanto à 
2 
 
criança.A relação da mãe com o filho era apenas de reprodução e não cabia a ela os cuidados 
na infância, mesmo a amamentação. As crianças nem sequer ficavam muito tempo com a 
família burguesa, sendo enviadas para um instrutor a fim de aprender as tarefas dos adultos. 
Os sentimentos de ternura e valorização da criança são de certa forma recente. O amor 
materno, convencionalmente descrito como “instintivo” e “natural” foi reforçado por 
discursos filosófico, médico e político a partir do século XVIII. 
Devido o declínio populacional que enfrentava a Europa e a necessidade da nova 
classe social (burguesia), que através do liberalismo discursava sobre a igualdade e a 
liberdade individual proporcionou uma nova posição para a maternidade e a educação das 
crianças. A nova ordem econômica contou ainda com o auxílio da medicina e suas novas 
práticas que promoveram mudanças de hábitos e a higienização. Surgia nesta época a noção 
de vida privada e o casamento “por amor”, já que aquele feito por contrato não garantia os 
ideais liberais. Os cuidados da criança deveriam passar a ser função essencialmente da mãe. 
(MOURA E ARAUJO, 2004). 
O culto à Maria, proclamada imaculada pela Igreja, a define como a única pessoa a ter 
concebido sem pecado, reafirmando o modelo cristão de mulher submissa, pura, virgem e 
mãe. Acentua-se então, o papel da mulher com relação à maternidade, e define o não desejo 
de gerar ou cuidar de um filho como um comportamento anormal, e o aborto como exercício 
de crueldade. (NUNES, 2006) 
Porém, segundo Nunes (2006), mesmo a crença na concepção imutável da Igreja 
Católica quanto à defesa incondicional da vida pode encobrir uma historia, que na realidade, é 
cheia de controvérsias. De fato, nos primeiros séculos do cristianismo, a fim de proteger a 
monogamia, o aborto era permitido quando era fruto de adultério. A afirmação do casamento 
monogâmico era mais importante como fundamento social do que a proteção da vida. A 
própria discussão teológica da época não mantinha um consenso sobre o momento em que o 
feto passaria a ser uma pessoa. Até o século XIX pensou-se que a interrupção da gestação no 
início da gravidez não seria pecaminoso, não atentaria contra a vida de uma pessoa. 
A maternidade é vista como parte de um processo biológico que capacita as mulheres 
a gerarem filhos. Porém, os seres humanos são capazes de controlar suas vidas reprodutivas, 
ou seja, pensar, refletir e decidir. Neste aspecto, trazer à vida outro indivíduo é um ato 
completamente diferente para os humanos do que para qualquer outro animal. Nunes (2006) 
3 
 
diz que o desejo de conceber novas vidas é um ato plenamente humano. Dessa forma, seguir 
com uma gravidez não pode ser apenas uma aceitação de um resultado biológico, mas o 
desejo de amar essa nova pessoa. 
Aborto - Questão de Saúde Pública 
A maternidade adquire um sentido específico para cada mulher, e está vinculado à sua 
historia de vida e o momento da gravidez. A gravidez altera o senso físico da mulher, 
reorganiza aspectos de sua identidade, além de alterar sua relação com seu corpo, com o pai 
da criança e seus planos de vida. Uma gravidez não desejada pode ser bastante opressiva. Um 
conflito moral é aí estabelecido, já que a expectativa social da maternidade como algo ideal, 
onde se espera um papel desempenhado com perfeição barra o sentido individual da mulher 
de não ter este desejo. Como no Brasil a legislação só permite o aborto intencional em poucas 
exceções, o comportamento da mulher que não deseja o filho, não só é desviante como 
também transgredi as leis, desencadeando um sentimento de culpa. (BENUTE, NOMURA, 
PEREIRA, LUCIA e ZUGAIB, 2009) 
O Código Penal Brasileiro de 1940 permite o aborto apenas nos casos de estupro e 
risco de morte materna. Quando ocorre diagnóstico de anomalia fetal há possibilidade de 
interrupção da gestação, porém mediante autorização judicial. Dessa forma, a mulher que 
deseja o aborto acaba fazendo-o de maneira insegura, com pessoas não especializadas, sem 
técnicas e em ambientes sem preparo básico. As consequências são desastrosas para estas 
mulheres, para a própria sociedade e o sistema público. (BENUTE, NOMURA, PEREIRA, 
LUCIA e ZUGAIB, 2009) 
Na maioria dos países desenvolvidos, a legislação permite o aborto em casos de risco 
de vida à gestante, em gestações decorridas de estupro ou incesto, em casos de anomalia fetal, 
por razões econômicas ou sociais e por solicitação da mulher. No caso da América Latina, o 
aborto é permitido em poucas situações, normalmente associado à vida e à saúde da 
mulher.Novamente com relação ao código de 1940, o aborto praticado por médico não é 
punido quando não há outro meio de salvar a vida da mulher ou em caso de estupro, sendo 
todos os demais casos passíveis de punição. (DUARTE, OSIS, FAÚNDES e SOUSA, 2010) 
Moura e Araújo (2004) revelam que atualmente o progresso científico proporcionado 
pela Medicina e pela tecnologia tem trazido novas e importantes questões para a família que 
certamente repercutirão em novas possibilidades de configuração subjetiva. Para as mulheres 
4 
 
de classes mais favorecidas há possibilidade de planejar e decidir a maternidade, de adiá-la até 
o momento que considera propício às circunstâncias de sua vida, pode também optar por viver 
a maternidade sozinha, amparada pelos avanços das técnicas de fertilização assistida. Mas, as 
mulheres que engravidam e decidem interromper a gestação por não desejaram um filho 
naquele momento ou por não terem condições de criá-lo, já que muitas mulheresainda não 
tem acesso ou assistência do governo para planejamento familiar e métodos 
contraceptivos,não têm outra opção e acabam em clínicas clandestinas recorrendo a um aborto 
inseguro. 
É importante salientar que mesmo as questões sobre o aborto envolver diversos 
discursos masculinos, a responsabilidade da decisão do abortamento é atribuída à mulher, 
deixando de lado a responsabilidade do homem na gravidez. Além disso, questões 
econômicas e sociais também são negadas quando se trata de culpar as mulheres que decidem 
interromper a gestação, como se isso fosse uma decisão tomada individualmente. (HARDY, 
COSTA, RODRIGUES e MORAES, 1994) 
Por tentar justificar a oposição ao aborto, diz-se lutar pelo direito à vida, apoiando-se 
na ideia fortemente arraigada de que a maternidade seria a expressão máxima de respeito pela 
vida humana, enquanto o aborto seria sua negação. Defender o aborto não é banalizar o 
argumento de defesa da vida, pois não se deve restringir esse direito ao feto. Muitas mulheres 
não têm outra opção e correm risco de vida, ou danos físicos e psicológicos por conta de 
abortos inseguros. Nesse momento ignora-se o direito à vida dessas mulheres. (NUNES, 
2006) 
A partir do momento em que o Estado ou uma instituição religiosa decidem sobre o 
que as mulheres podem ou não fazer de seus corpos, está em jogo o controle sobre sua 
capacidade reprodutiva e assim, o seu reconhecimento de humanidade. O dever do Estado é 
de fornecer condições para que qualquer decisão acerca da procriação seja atendida, ou seja, 
desde o planejamento familiar, o atendimento contínuo durante a gestação e parto até o acesso 
facilitado à anticoncepção e ao aborto seguro. Somente dessa maneira os princípios de 
igualdade e laicidade que sustentam um Estado democrático serão respeitados. (Nunes, 2006) 
As Relações de Poder e a Política do Corpo 
5 
 
As relações de poder mantiveram historicamente as mulheres como sujeitos invisíveis. 
Segundo as feministas mais radicais, a lógica androcêntrica que estabelece essa hierarquia do 
homem sobre a mulher remete-se às características biológicas que distingue ambos e justifica 
o papel secundário das mulheres. (LOURO, 2007) 
Louro também menciona como o pensamento estruturalista, ancorado no binarismo, 
supõe uma lógica de relação masculino-feminino em uma oposição entre um polo dominante 
(masculino) e outro dominado (feminino). 
Almeida (2004) em seu Manifesto do Corpo coloca em discussão a política do corpo, a 
partir da biopolítica, como a concepção de uma sociedade constituída por corpos e não por 
indivíduos. O corpo se mantém na linha divisória entre a natureza e a cultura e ampara 
posição social, etnia, gênero, sexualidade, saúde, doença e consequentemente inclusão ou 
exclusão. Além de interiorizar desigualdades e relações de poder, o corpo as reproduz, 
reafirmando esses arranjos sociais. 
Para o autor o controle de esquemas institucionais como o patriarcado, a família e até 
mesmo a construção do gênero se faz a partir do estatuto reprodutivo da mulher. Logo, as 
novas tecnologias e intervenções médicas no campo reprodutivo possibilitam a ruptura entre a 
função biológica do corpo e a ordem social, como por exemplo, do corpo da mulher e a 
capacidade de engravidar, ou da reprodução apenas entre sexos diferentes. 
A dificuldade encontra-se nas relações políticas em âmbito global que constituem leis 
que mantêm a condenação moral e cultural às mulheres que recorrem ao aborto, em vez de 
realizar esforços para entender porque é que o fazem e investir em campanhas e políticas de 
planejamento familiar. As medidas políticas unilaterais estão em boa parte atreladas a 
interpretações patriarcais e religiões fundamentalistas, além de não escapar das negociações 
políticas e interesses econômicos. Para uma democracia plena é necessário adissociação entre 
religião e Estado. (CORRÊA, 2010) 
A concepção patriarcal de nossas sociedades impede a consciência social de igualdade 
e, portanto, negam os direitos das mulheres. São os homens negociando o corpo das mulheres 
por um ponto de vista sexista e patriarcal que promove a estagnação ou até o retrocesso no 
que se refere aos direitos das mulheres de decidir. (GUTIÉRREZ, 2010) 
Considerações Finais 
6 
 
Assim como afirma Nunes (2006), impor a qualquer mulher, independentemente de 
suas crenças, uma norma estabelecida nas relações de poder que restringe sua liberdade, é 
impedi-la de exercer sua capacidade de julgamento e decisão e reafirmar seu papel de 
submissão nessas relações, ou seja, é negar-lhe sua humanidade. 
É preciso se atentar que mesmo considerado crime o aborto não deixa de existir. Ele 
está posto na nossa realidade e deve ser tratado como assunto pertinente à saúde física e 
psicológica da mulher. O dever do Estado não é controlar o corpo das mulheres, mas sim 
atendê-las em todas as suas necessidades, principalmente nos seus direitos como indivíduo de 
capacidades intelectuais. 
Para as mulheres há um longo caminho a se percorrer para sua total emancipação. 
Neste caminho inclui-se o contínuo avanço das técnicas de reprodução artificial e 
contracepção e a legalização do aborto. Destaca-se nesse processo a importância dos 
movimentos feministas e sociais que lutam pelos direitos das mulheres. 
Este trabalho não esgota as discussões acerca do assunto, apenas ilustra alguns pontos 
considerados pertinentes. As ciências humanas juntamente com as médicas e as políticas têm, 
portanto, a importante tarefa de contribuir para esse movimento de reflexão acerca dos valores 
e ideais postos na sociedade contemporânea. 
 
REFERÊNCIAS 
ALMEIDA, Miguel V. O Manifesto do Corpo. Revista Manifesto, vol. 5, 2004. p.17-
35. 
BENUTE, Glaucia R.G.; NOMURA, Roseli M.Y.; PEREIRA, Pedro P.; LUCIA, 
Maria C.S. e ZUGAIB, Marcelo.Abortamento espontâneo e provocado: ansiedade, depressão 
e culpa. Revista da Associação Médica Brasileira, vol. 55, nº 3, São Paulo, 2009. 
CORRÊA, Sonia. O aborto, um assunto político global. 2010. Disponível em: 
http://www.bibliotecafeminista.org.br/index.php?option=com_remository&Itemid=56&func=
startdown&id=93 
7 
 
DUARTE, G.A.; OSIS, M.J.; FAÚNDES, A. e SOUSA, M.H. Aborto e legislação: 
opinião de magistrados e promotores de justiça brasileiros.Revista Saúde Pública, vol. 44, 
nº3, 2010. 
GUTIÉRREZ, Estrella. Aborto, moeda de pacto e de poder.Caracas, 2010. Disponível 
em: 
http://www.bibliotecafeminista.org.br/index.php?option=com_remository&Itemid=56&func=
fileinfo&id=154. 
 HARDY, Ellen; COSTA, Rosely G.; RODRIGUES, Telma e MORAES, Teresinha M. 
Características atuais associadas à história de aborto provocado. Revista Saúde Pública, vol. 
28, nº1. São Paulo, 1994. 
LOURO, GuaciraL. A Emergência do Gênero. In: LOURO, GuaciraL.Gênero, 
Sexualidade e Educação – uma perspectiva pós-estruturalista, Petrópolis: Vozes. 2007.p.14-
36. 
MOURA, Solange M. S.; ARAÚJO, Maria de Fátima.A maternidade na história e a 
história dos cuidados maternos. Psicologia: ciência e profissão, v. 24 nº1 Brasília mar. 2004. 
NUNES, Maria José R. Aborto, maternidade e a dignidade da vida das mulheres. In: 
CAVALCANTE, Alcilene e XAVIER, Dulce (Orgs.). Em defesa da vida: aborto e direitos 
humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2006, p. 23-40. 
Organização Mundial de Saúde (WHO). Acesso em 26 de junho de 2011. Disponível 
em: http://www.who.int/reproductivehealth

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