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Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- Aborto É a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. Diferença entre abortamento e aborto ABORTAMENTO ABORTO Conduta criminosa - Interrupção da gravidez Resultado - Feto sem vida O certo seria chamar o crime de abortamento, porque abortamento é o nome da conduta criminosa (interrupção da gravidez). Aborto é o nome do resultado. É possível o abortamento em gravidez anormal (extrauterina ou molar)? A gravidez interrompida deve ser normal. Se extrauterina ou molar, a sua interrupção não caracteriza o crime. Na gravidez extrauterina, o embrião não se desenvolve na cavidade uterina, mas, por exemplo, na trompa de falópio (gravidez ectópica ou tubária), no ovário (gravidez ovárica) ou no tubo que atravessa a parede uterina (intersticial). A evolução desse tipo de gravidez pode gerar a morte da gestante. Na gravidez molar, o produto da concepção apresenta-se degenerado, incapaz de vida nova. A gravidez molar, gravidez em mola ou mola hidatiforme, é uma condição rara onde durante a fecundação há um erro genético e o feto não recebe os pares de cromossomos vindos da mãe, somente do pai, fazendo com que o suposto bebê seja formado Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- de um emaranhado de células, que formam várias vesículas no útero da mulher, semelhante a cachos de uvas. Classificação do aborto 1º- Aborto natural: É a interrupção espontânea da gravidez (não é crime); 2º- Aborto acidental: decorrente de acidentes em geral (não é crime); 3º Aborto criminoso: art. 124 (autoaborto e aborto praticado com o consentimento da gestante), art. 125 (aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante), art 126 (aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante); 4º- Aborto legal ou permitido: Previsto no artigo 128, inciso I – aborto necessário, inciso II – aborto sentimental; 5º- Aborto miserável ou econômico-social: praticado por razões de miséria, incapacidade financeira para sustentar uma vida nova (futura); 6º- Aborto eugenésico ou eugênico: praticado em face dos comprovados riscos de que o feto nasça graves anomalias psíquicas ou físicas (o aborto do feto anencefálico é uma espécie de aborto eugênico e para o STF é fato atípico); 7º- Aborto “honoris causa”: modalidade de aborto praticado para ocultar gravidez resultante de adultério; 8º- Aborto ovular: é aquele praticado até a 8ª semana de gestação; 9º- Aborto embrionário: praticado até a 15ª semana de gestação; 10º- Aborto fetal: praticado após a 15ª semana de semana de gestação. Possível questão de prova: Pessoa que anuncia produtos abortivos ou métodos abortivos responde por qual crime? Poderá configurar contravenção penal prevista no artigo 20 da lei de contravenções penais. É um crime de menor potencial ofensivo, lavra- se o TCO (Termo circunstanciado de ocorrência), cabe transação penal. Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- Art. 124 (Aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento) Vejamos o artigo em comento: Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos. A pena mínima é de um ano, isso significa que estamos diante de uma infração penal de médio potencial ofensivo (admite suspenção condicional do processo). Sujeito ativo: Gestante. É um crime de mão própria (prevalece na doutrina). Sujeito passivo: Temos duas correntes: 1ª) Corrente – Não sendo o feto (em sentido amplo) titular de direitos, salvo aqueles previstos na lei civil, o sujeito passivo é apenas o Estado; 2ª) o feto (em sentido amplo) é o sujeito passivo. A segunda corrente prevalece. Importante: para a segunda corrente, se a gravidez é de gêmeos, haverá concurso formal impróprio. Professor, o que se entende por concurso formal impróprio/anormal/ impróprio? É quando o agente, com uma única conduta, pratica dois ou mais crimes dolosos, tendo o desígnio de praticar cada um deles. Ex.: O médico que abortar o feto 1 e o feto 2 da mesma gestante. Para tanto, o médico realiza uma única conduta, causando o aborto de ambos os fetos. O médico abortou dois coelhos com uma cajadada só. Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- Seu sucesso só depende das suas escolhas diárias. Faça a escolha certa e mude o rumo da sua vida (Dalmo F. Arraes Jr) Condutas que são punidas no art. 124: 1) Auto-aborto: a própria gestante provoca a interrupção da gravidez (utilizando-se de qualquer meio); 2) Consentimento para que outrem olho provoque: a gestante apenas consente, ficando os atos executórios a cargo de um terceiro provocador (autor do art. 126 CP). Nós temos aqui uma exceção pluralista a teoria monista do artigo 29 do código penal. Voluntariedade: Dolo direto ou dolo eventual. Exemplo de dolo eventual: Segundo a doutrina, a gestante suicida que tenta se matar, mas não consegue e a gravidez é interrompida. Consumação do art. 124: Consuma-se com a morte do feto (delito material). Não importa se a morte do feto ocorreu dentro ou fora do ventre materno, desde que decorrente das manobras abortivas. Resumo: MANOBRAS ABORTIVAS REALIZADAS PELA GESTANTE Se em decorrência das manobras abortivas, o produto da concepção nasce sem vida: Aborto Se o produto da concepção nasce com vida, mas morre logo após em razão das manobras abortivas: Aborto Se o produto da concepção nasce com vida e morre depois da gestante realizar novo ato de execução: Homicídio ou infanticídio, ficando a tentativa Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- de aborto absorvida, pois ela renovou a execução sobre vida extrauterina Art. 125 – (Aborto provocado por terceiro) Vejamos o artigo em comento: Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. Esta é a modalidade mais grave do crime de aborto. A pena é de três a dez anos, estamos diante de uma infração penal de grande potencial ofensivo. Não cabe suspenção condicional do processo, salvo na modalidade tentada (reduzindo três anos de 2/3, vamos chegar numa pena mínima de um ano, admitindo, portanto, a suspenção condicional do processo da lei 9.099/95). Sujeito ativo: pode ser praticado por qualquer pessoa (crime comum). Sujeito passivo: O feto e a gestante (delito de dupla subjetividade passiva). A gestante porque é sem o seu consentimento. Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- Conduta criminosa: provocar aborto (interromper a gravidez). Importante (jurisprudência): Conforme a jurisprudência, quem desfere violento pontapé na barriga de mulher grávida pratica o crime de aborto (ainda que a título de dolo eventual). Voluntariedade: Dolo direto ou dolo eventual. Possível pergunta de prova: Homicídio doloso de gestante e aborto, responde por quais infrações? Quem mata mulher, ciente de sua gravidez, e com isso provoca também a morte do feto, responde por homicídio (dolo direto) e aborto sem o consentimento da gestante (dolo eventual)em concurso formal impróprio. Caso fique demonstrado que o agente não sabia da gravidez, por estar a gestante ainda no começo da gestação, responde apenas por homicídio. Consumação: Com a morte do feto (delito material). Tentativa: é possível, pois a execução pode ser fracionada em vários atos (crime plurissubsistente). Art. 126 (Aborto provocado com o consentimento da gestante) Vejamos o que diz o referido artigo: Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. A pena mínima é de um ano, estamos diante de uma infração de médio potencial ofensivo (admite suspensão condicional do processo). Trata-se mais uma exceção à teoria monista ou unitária no concurso de pessoas (art. 29), responde a gestante pelo crime definido no art. 124, 2ª parte (consentimento para o aborto), e o terceiro pelo contido no art. 126 (aborto consentido ou consensual), todos os dois do código penal. Resumo do artigo 126 e o artigo 125: Art. 126, CP. Art. 125, CP. Pena: 1 a 4 anos - Admite suspensão condicional do processo - Não cabe prisão preventiva para o primário. Pena: 3 a 10 anos - Não admite suspensão condicional do processo. - Cabe prisão preventiva para o primário. Sujeito ativo: qualquer pessoa Sujeito ativo: qualquer pessoa Sujeito Passivo: Somente o feto. A gestante responde nas penas do artigo 124 (exceção pluralista a teoria monista) Sujeito passivo: Crime de dupla subjetividade passiva (feto mais a gestante) Conduta: provocar aborto com o consentimento da gestante. Conduta: provocar aborto sem o consentimento da gestante. Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- Voluntariedade: dolo Voluntariedade: dolo Momento consumativo: com a morte do feto. Momento consumativo: Com a morte do feto. Possível questão de prova: Mulher grávida, depois de consentir, se arrepende e manda o terceiro provocador interromper as manobras abortivas. O terceiro provocador não obedece, executando a morte do feto. Qual é o crime praticado pela gestante e o terceiro provocador? O terceiro provocador vai responder nas penas do artigo 125 e a gestante nas penas do artigo 124, pois o seu arrependimento não foi eficaz. Artigo 126, parágrafo único, CP (DISSENSO PRESUMIDO) Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. O Código Penal desconsidera a vontade positiva da gestante (dissenso presumido); a pena será do artigo 125 (3 a 10 anos); o dolo do agente provocador deve compreender as qualidades/condições da gestante ou o modo pelo qual o consentimento foi dado, evitando-se responsabilidade penal objetiva. Querer punir sem demonstrar que o terceiro provocador conhecia tais condições, é responsabilidade objetiva. Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- Pergunta interessante: Marido que convence a mulher a interromper a gravidez. Conduz a mulher até “certo médico”, para realizar o abortamento. Qual crime pratica o marido? Qual crime pratica a mulher? Qual crime pratica o médico? A mulher praticou o artigo 124; o médico praticou o abortamento com o consentimento da mulher, responde pelo artigo 126; o marido responde pelo artigo 124 na condição de partícipe. Segunda pergunta: Marido que convence a mulher a interromper a gravidez. Conduz a mulher até “certo médico”, para realizar o abortamento. O marido paga o valor de R$ 2.000,00 para o médico realizar o abortamento. Quais condutas foram praticadas por cada um deles? A mulher responde pelo artigo 124; o médico responde pelo 126; o marido vai responder pelo artigo 126 na condição de partícipe. Artigo 127 (forma qualificado) Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- Lembre-se: as causas de aumento de pena são aplicáveis aos arts. 125 e 126 do CP (terceiro provocador e seus partícipes). Importante: Não incidem no artigo 124 do código penal (gestante e partícipe): o direito penal não pune a autolesão. Resultados qualificadores: 1º) lesão grave (artigo 129, §§ 1º e 2º, CP); 2º) morte. Obs: os resultados devem ser culposos (estamos diante de majorantes preterdolosas). Dolo no aborto mais culpa na lesão grave ou dolo no aborto mais culpa no homicídio. Pergunta de prova: Para que se incida a majorante é imprescindível a morte do feto, ou seja, que o aborto seja consumado? A morte do feto é dispensável. Pode incidir o artigo 127 mesmo que o aborto fique frustrado. Pergunta da polícia civil do Distrito Federal: A gestante, durante o processo de abortamento realizado por médico, morre, mas o feto nasce com vida. Qual crime praticado pelo médico (sabendo que não quis nem aceitou a morte da gestante)? Duas correntes: 1ª – Corrente: (Capez) Aborto consumado “qualificado” pela morte. Capez defende essa tese porque crime preterdoloso não admite tentativa. Para ele, pouco importa se houve a interrupção da gravidez; 2ª – Corrente (majoritária): Essa foi a corrente adotada pela prova. Responde por aborto tentado “qualificado” pela morte. Para essa corrente, o preterdolo admite tentativa quando a parte frustrada da infração é a dolosa. Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- Art 128 (Aborto permitido/legal) Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54) Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Natureza jurídica do artigo 128, CP: Prevalece o entendimento de que trata-se de uma causa especial de exclusão da ilicitude (descriminante especial). O inciso I é uma modalidade especial do estado de necessidade; o inciso II é uma modalidade especial de exercício regular do direito. Para os adeptos da tipicidade conglobante, o inciso II exclui a tipicidade penal. Artigo 128, inciso I, CP (Aborto necessário/terapêutico) Artigo 128, inciso I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante. Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- Requisitos: 1) Tem que ser praticado por médico; 2) Risco para vida da gestante. (Não basta risco para sua saúde); 3) Impossibilidade de uso de outro meio para salvá-la. Pegadinhas de concurso: Exige-se o consentimento da gestante? Não. Oconsentimento da gestante é dispensável. Exige-se autorização judicial? É dispensável. E se o aborto for praticado por outra pessoa que não seja o médico? Não caracteriza a descriminante especial do artigo 128, inciso I (exige médico). Porém, se agiu para salvar a vida da gestante em risco, pode alegar estado de necessidade (artigo 24, CP). Artigo 128, inciso II (Aborto sentimental/ humanitário/ ético) Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- Requisitos: 1) Praticado por médico; 2) A gravidez de resultar de estupro. (Abrange conjunção carnal, outros atos libidinosos e estupro de vulnerável); 3) Consentimento da gestante ou do seu representante legal Exige-se autorização judicial? Não. A lei não exige. O STF tem julgados exigindo boletim de ocorrência do crime sexual. Aborto de feto anencefálico O que se entende por feto anencefálico? embrião, feto ou recém-nascido que, por malformação congênita, não possui uma parte do sistema nervoso central, faltando-lhe os hemisférios cerebrais, possuindo uma parcela do tronco encefálico (Maria Helena Diniz). O abortamento do feto anencefálico é crime? O código penal não permite essa espécie de aborto (o novo projeto do CP admite). A jurisprudência autoriza essa espécie de abortamento, desde que: 1- presente a anomalia inviabilizando a vida extrauterina; 2- a anomalia deve ser atestada por perícia médica; 3- prova cabal do dano psicológico da gestante. O STF na A.D.P.F. 54 – possui efeito erga omnes - (ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde), admitiu essa espécie de aborto. Quais foram os argumentos do STF? 1- Diante de uma deformidade irreversível do feto. Há de se lançar mão dos Saber mais Direito Dalmo F. Arraes Jr ------------------------------------------- avanços médicos postos à disposição da humanidade, evitando sentimentos mórbidos; 2- Fundamentou a permissão com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, legalidade, liberdade e autonomia da vontade; 3- Implicitamente reconheceu a atipicidade da conduta, por absoluta ausência de viabilidade de vida extrauterina. O Conselho Federal de Medicina, por causa dessa decisão do STF, imediatamente regulamentou o procedimento: 1) prevê exames de ultrassonografia a partir da 12ª semana de gestação (período o qual é mais possível ter certeza do diagnóstico); 2) O laudo deve ser assinado por dois médicos; 3) É preciso ter o consentimento da gestante; 3) Deve ser realizado em hospital público, privado ou em clínicas particulares com estrutura adequada; 4) Deve-se garantir assistência médica constante durante esse período.
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