Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL RACISMO Análise do caso "Jonas Abib". DIREITO ADMINISTRATIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR A Súmula Vinculante 5 continua válida. DIREITO PENAL ABORTO Interrupção da gravidez no primeiro trimestre da gestação. PECULATO STF recebeu denúncia contra o Senador Renan Calheiros em razão de ter desviado recursos públicos da verba parlamentar para pagamento de pensão alimentícia à filha. RACISMO Análise do caso "Jonas Abib". LEI DE DROGAS A grande quantidade de droga, isoladamente, não constitui fundamento idôneo para afastar a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º da LD. DIREITO PROCESSUAL PENAL PROVAS Entrega voluntária de computador do órgão público para ser periciado em investigação. Autorização para acesso de e-mails baixados no computador que foi objeto de busca e apreensão. As peças processuais que fazem referência à prova declarada ilícita não devem ser desentranhadas do processo. DIREITO TRIBUTÁRIO ICMS Judiciário não pode alterar os critérios de compensação das desonerações de ICMS decorrentes das exportações previstos no art. 91 do ADCT e na LC 87/96. Reconhecida a omissão do Congresso Nacional em editar a LC de que trata o art. 91 do ADCT. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 2 DIREITO CONSTITUCIONAL RACISMO Análise do caso "Jonas Abib" Importante!!! Determinado padre escreveu um livro, voltado ao público da Igreja Católica, no qual ele faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé. O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra ele pela prática do art. 20, § 2º da Lei nº 7.716/89 (Lei do racismo). No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime. A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas também o de fazer proselitismo religioso. Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião. Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo. Só haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os "inferiores" para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual e, neste caso não haverá conduta criminosa. Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo. Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo. STF. 1ª Turma. RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/11/2016 (Info 849). Veja comentários em Direito Penal. DIREITO ADMINISTRATIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR A Súmula Vinculante 5 continua válida A Súmula Vinculante 5 continua válida. O STF rejeitou proposta da OAB que pretendia o cancelamento do verbete. Após a edição da SV 5, não houve mudança na legislação, na jurisprudência ou na percepção da sociedade a justificar a revisão ou o cancelamento do enunciado. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 3 A súmula vinculante deve ter certo grau de estabilidade, somente devendo ser cancelada ou revista em caso de superveniência de fatos suficientemente relevantes. Assim, a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a CF. STF. Plenário. PSV 58/DF, julgado em 30/11/2016 (Info 849). Proposta de cancelamento de SV O Conselho Federal da OAB ingressou com um pedido no STF para cancelamento da Súmula Vinculante 5, que tem a seguinte redação: SV 5-STF: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. Segundo argumentou a OAB, o procedimento de edição da SV 5 não teria observado os pressupostos impostos pelo art. 103-A da CF/88, que exige que tenha havido reiteradas decisões do STF sobre a matéria. Além disso, a entidade alegou que a SV 5 viola o direito ao contraditório e à ampla defesa. A OAB tem legitimidade para propor o cancelamento de SV? SIM. A CF/88 determina que a proposta de cancelamento da súmula vinculante poderá ser provocada pelas mesmas autoridades e entidades que podem propor a ADI. Em outras palavras, quem pode propor ADI pode também pedir o cancelamento de súmula vinculante. No caso, a OAB encontra-se no rol de legitimados da ADI (art. 103, VII, da CF/88) e, consequentemente, pode requerer o cancelamento de súmula vinculante. O que o STF decidiu? A SV 5 foi cancelada? NÃO. O STF rejeitou a proposta de cancelamento do Enunciado 5 da Súmula Vinculante. Segundo o STF, para admitir-se a revisão ou o cancelamento de súmula vinculante, é necessário demonstrar que houve: a) evidente superação da jurisprudência do STF no tratamento da matéria; b) alteração legislativa quanto ao tema; ou c) modificação substantiva de contexto político, econômico ou social. O mero descontentamento ou eventual divergência quanto ao conteúdo da súmula vinculante não autorizariam a rediscussão da matéria. A OAB não conseguiu comprovar a ocorrência de qualquer um desses pressupostos, o que impossibilita o exame da proposta de cancelamento. STF continua entendendo que a falta de defesa técnica no PAD não ofenda a CF O precedente que deu origem à SV 5 foi o RE 434.059/DF (DJe 12.9.2008). Neste julgamento, o STF concluiu que a falta de defesa técnica por advogado no PAD não ofende a CF. Após a edição da SV 5, não houve mudança na legislação, na jurisprudência ou na percepção da sociedade a justificar a revisão ou o cancelamento do verbete. Estabilidade A súmula vinculante deve ter certo grau de estabilidade, somente devendo ser cancelada ou revista em caso de superveniência de fatos suficientemente relevantes, sob pena de se negar autoridade e se transformar o verbete vinculante num precedente qualquer, eliminando sua função no sistema, principalmente a de dar estabilidade e segurança às decisões da Corte. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 4 A participação do advogado no PAD é permitida e até recomendável, só não é obrigatória Os Ministros ressaltaram que não é proibida a participação dos advogados nos processos administrativos disciplinares. Pelo contrário, a Administração Pública deve viabilizar a presença de advogado nesses procedimentos administrativos, devendo também cientificar os servidores públicos que eles possuem o direito de contratar um profissional para fazer a sua defesa. Isso não significa, contudo, que, não havendo advogado, o PAD seja nulo. Para o Min. Roberto Barroso, o PAD deve observar cautelas inerentes ao processo penal, mas não se pode fazer uma equiparação plena entre um e outro porque, apóso PAD, haverá ainda a possibilidade de revisão judicial da decisão que lá for tomada. Existem processos judiciais que dispensam advogado Importante relembrar que, caso se reconheça que a SV 5 viola a Constituição, também deveria ser reconhecida a inconstitucionalidade das normas que, em processo judicial, dispensam a presença de advogado (exs: processos trabalhistas, juizados especiais etc.). SV 5 não se aplica para processos disciplinares que apuram falta grave no sistema prisional Vale ressaltar que a SV 5 refere-se ao típico processo administrativo disciplinar, ou seja, aquele que tramita no âmbito da Administração Pública. Este enunciado não se aplica para o processo administrativo que apura infrações cometidas no sistema penitenciário. Assim, mesmo havendo precedentes do STF exigindo advogado nos processos de apuração de falta grave do condenado, estes não podem ser invocados para justificar o cancelamento da SV 5. Votos vencidos Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio, Edson Fachin, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia, que acolhiam a proposta de cancelamento da SV 5. Em suma A SV 5 continua válida. O STF rejeitou proposta da OAB que pretendia o cancelamento do verbete. Após a edição da SV 5, não houve mudança na legislação, na jurisprudência ou na percepção da sociedade, a justificar a revisão ou o cancelamento do enunciado. A súmula vinculante deve ter certo grau de estabilidade, somente devendo ser cancelada ou revista em caso de superveniência de fatos suficientemente relevantes. Assim, a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a CF. STF. Plenário. PSV 58/DF, julgado em 30/11/2016 (Info 849). DIREITO PENAL ABORTO Interrupção da gravidez no primeiro trimestre da gestação Importante!!! A interrupção da gravidez no primeiro trimestre da gestação provocada pela própria gestante (art. 124) ou com o seu consentimento (art. 126) não é crime. É preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 5 A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade. STF. 1ª Turma. HC 124306/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/11/2016 (Info 849). NOÇÕES GERAIS SOBRE O ABORTO Conceito de aborto Aborto é a interrupção da vida intrauterina, com a destruição do produto da concepção (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. São Paulo: Atlas, 24ª ed., 2006, p. 62). O aborto no Brasil é crime? SIM. O aborto no Brasil é crime, tipificado nos arts. 124, 125 e 126 do Código Penal. Vejamos cada um dos tipos penais: Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide ADPF 54) Pena - detenção, de um a três anos. Aborto provocado por terceiro Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Exceções em que o aborto não é crime O Código Penal, em seu art. 128, traz duas hipóteses em que o aborto é permitido: 1ª) se não há outro meio de salvar a vida da gestante. É o chamado aborto “necessário” ou “terapêutico”, previsto no inciso I. 2ª) no caso de gravidez resultante de estupro. Trata-se do aborto “humanitário”, “sentimental”, “ético” ou “piedoso”, elencado no inciso II. Segundo o texto expresso do CP, essas são as duas únicas hipóteses em que o aborto é permitido no Brasil. 3ª) Interrupção da gravidez de feto anencéfalo O STF, no julgamento da ADPF 54/DF, criou uma nova exceção e decidiu que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta atípica (Plenário. ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11 e 12/4/2012). Assim, por força de interpretação jurisprudencial, realizar aborto de feto anencéfalo também não é crime. 4ª) Interrupção da gravidez no primeiro trimestre da gestação A 1ª Turma do STF, no julgamento do HC 124306, mencionou a possibilidade de se admitir uma quarta exceção: a interrupção da gravidez no primeiro trimestre da gestação provocado pela própria gestante (art. 124) ou com o seu consentimento (art. 126) também não seria crime (HC 124306/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/11/2016. Info 849). Vamos entender o julgado. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 6 INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ NO PRIMEIRO TRIMESTRE DA GESTAÇÃO Requisitos para que a tipificação de uma conduta seja compatível com a Constituição Segundo o Min. Roberto Barroso, para ser compatível com a Constituição, a criminalização de uma conduta exige o preenchimento de três requisitos: a) este tipo penal deverá proteger um bem jurídico relevante; b) o comportamento incriminado não pode constituir exercício legítimo de um direito fundamental; e c) deverá haver proporcionalidade entre a ação praticada e a reação estatal. Em outras palavras, se determinada conduta for prevista como crime, mas não atender a algum desses três requisitos, este tipo penal deverá ser considerado inconstitucional. A conduta de praticar aborto com consentimento da gestante no primeiro trimestre da gravidez não pode ser punida como crime porque não preenche o segundo e terceiro requisitos acima expostos (letras "b" e "c"). Os arts. 124 e 126 do CP protegem um bem jurídico relevante (a vida potencial do feto). No entanto, a criminalização do aborto antes de concluído o primeiro trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade. A criminalização da interrupção voluntária da gestação ofende diversos direitos fundamentais das mulheres, com reflexos sobre a sua dignidade humana. A mulher que realiza um aborto, o faz por se encontrar diante de uma decisão trágica e não precisa que o Estado torne a sua vida ainda pior, processando-a criminalmente. Desse modo, a mulher que realiza aborto age de forma legítima, sendo também, por via de consequência, legítima a conduta do profissional de saúde que a viabiliza. Verifique abaixo os argumentos invocados pelo Min. Relator Roberto Barroso: VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS MULHERES Violação à autonomia da mulher A criminalização viola, em primeiro lugar, a autonomia da mulher, que corresponde ao núcleo essencial da liberdade individual, protegida pelo princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CF/88). Autonomia significa a autodeterminação das pessoas, isto é, o direito de elas fazerem suas escolhas existenciais básicas e de tomarem as próprias decisões morais sobre o rumo de sua vida. Todo indivíduo – homem ou mulher – tem assegurado um espaço legítimo de privacidade dentro do qual lhe caberá viver seus valores, interesses e desejos. Neste espaço, o Estado e a sociedade não têm o direito de interferir. Quando se trata de uma mulher, um aspecto central de sua autonomia é o poder de controlar o próprio corpo e de tomar as decisões a ele relacionadas, inclusive a de cessar ou não uma gravidez. Como pode o Estado – isto é, um Delegado de Polícia, um Promotor de Justiça ou um Juiz de Direito – impor a uma mulher, nas semanasiniciais da gestação, que leve esta gestação até o fim mesmo contra a sua vontade? Isso significaria considerar como se este útero estivesse a serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida. Violação do direito à integridade física e psíquica Em segundo lugar, a criminalização do aborto afeta a integridade física e psíquica da mulher. A integridade física é abalada porque é o corpo da mulher que sofrerá as transformações, riscos e consequências da gestação. Aquilo que pode ser uma bênção quando se cuide de uma gravidez desejada, transmuda-se em tormento quando indesejada. A integridade psíquica, por sua vez, é afetada pelo fato de ela estar sendo obrigada a assumir uma obrigação para toda a vida, exigindo renúncia, dedicação e comprometimento profundo com outro ser. Também aqui, o que seria uma bênção se decorresse de vontade própria, pode se transformar em provação quando decorra de uma imposição heterônoma. Ter um filho por determinação do direito penal constitui grave violação à integridade física e psíquica da mulher. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 7 Violação aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher A criminalização viola, também, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que incluem o direito de toda mulher de decidir sobre se e quando deseja ter filhos, sem discriminação, coerção e violência, bem como de obter o maior grau possível de saúde sexual e reprodutiva. A sexualidade feminina atravessou milênios de opressão. O direito das mulheres a uma vida sexual ativa e prazerosa, como se reconhece à condição masculina, ainda é objeto de tabus, discriminações e preconceitos. Parte dessas disfunções é fundamentada historicamente no papel que a natureza reservou às mulheres no processo reprodutivo. O reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres como direitos humanos percorreu uma longa trajetória, que teve como momentos decisivos a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD), realizada em 1994, conhecida como Conferência do Cairo, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995, em Pequim. A partir desses marcos, vem se desenvolvendo a ideia de liberdade sexual feminina em sentido positivo e emancipatório. A criminalização do aborto afeta a capacidade de autodeterminação reprodutiva da mulher, ao retirar dela a possibilidade de decidir, sem coerção, sobre a maternidade, sendo obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada. Violação à igualdade de gênero A punição do aborto traduz-se, ainda, em quebra da igualdade de gênero. Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não. "Se os homens engravidassem, não tenho dúvida em dizer que seguramente o aborto seria descriminalizado de ponta a ponta" (Min. Ayres Britto, na ADPF 54-MC, j. 20.10.2004). Discriminação social e impacto desproporcional sobre mulheres pobres A tipificação penal do aborto produz também discriminação social, já que prejudica, de forma desproporcional, as mulheres pobres, que não têm acesso a médicos e clínicas particulares, nem podem se valer do sistema público de saúde para realizar o procedimento abortivo. Por meio da criminalização, o Estado retira da mulher a possibilidade de submissão a um procedimento médico seguro. Não raro, mulheres pobres precisam recorrer a clínicas clandestinas sem qualquer infraestrutura médica ou a procedimentos precários e primitivos, que lhes oferecem elevados riscos de lesões, mutilações e óbito. Em suma A criminalização da interrupção da gestação no primeiro trimestre vulnera o núcleo essencial de um conjunto de direitos fundamentais da mulher. Trata-se, portanto, de restrição que ultrapassa os limites constitucionalmente aceitáveis. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE Funções do princípio da proporcionalidade nos crimes e penas O legislador, ao definir crimes e penas, deverá fazê-lo levando em consideração dois valores essenciais: o respeito aos direitos fundamentais dos acusados; a necessidade de garantir a proteção da sociedade, cabendo-lhe resguardar valores, bens e direitos fundamentais dos indivíduos. Assim, o princípio da razoabilidade-proporcionalidade funciona com uma dupla dimensão, tendo por objetivo proibir os excessos e também a insuficiência. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 8 Divisão do princípio da proporcionalidade O princípio da proporcionalidade divide-se em três subprincípios: a) subprincípio da ADEQUAÇÃO: no qual deve ser analisado se a medida adotada é idônea (capaz) para atingir o objetivo almejado; b) subprincípio da NECESSIDADE: consiste na análise se a medida empregada é ou não excessiva; e c) subprincípio da PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO: representa a análise do custo-benefício da providência pretendida, para se determinar se o que se ganha é mais valioso do que aquilo que se perde. Subprincípio da adequação Aqui, deve-se analisar se os tipos penais previstos nos arts. 124 e 126 do CP protegem realmente o feto. A medida adotada (punir o aborto consensual) é idônea para proteger o feto? O STF entendeu que não. De acordo com estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) a criminalização não produz impacto relevante sobre o número de abortos. As taxas de aborto nos países onde esse procedimento é permitido são muito semelhantes àquelas encontradas nos países em que ele é ilegal. Atualmente, existem medicamentos que são facilmente encontrados e que a mulher, ao usá-los, consegue interromper a gravidez sem que o Poder Público tenha meios para tomar conhecimento e impedir a sua realização. Desse modo, a criminalização não gera uma diminuição na quantidade de abortos. Eles continuam sendo realizados constantemente, de forma clandestina e perigosa para a saúde da mulher. Por outro lado, se não houvesse a punição haveria a possibilidade de estes procedimentos serem realizados de forma segura e sem tantos riscos. Na prática, portanto, a criminalização do aborto é ineficaz para proteger o direito à vida do feto. Do ponto de vista penal, ela constitui apenas uma reprovação “simbólica” da conduta. Subprincípio da necessidade Aqui, a pergunta a ser analisada e respondida é a seguinte: existe meio alternativo à criminalização que proteja igualmente o direito à vida do nascituro, mas que produza menor restrição aos direitos das mulheres? O Min. Roberto Barroso defendeu que sim. Há instrumentos que são eficazes à proteção dos direitos do feto e, simultaneamente, menos lesivos aos direitos da mulher. Uma política alternativa à criminalização implementada com sucesso em diversos países desenvolvidos do mundo é a descriminalização do aborto em seu estágio inicial (em regra, no primeiro trimestre), desde que se cumpram alguns requisitos procedimentais que permitam que a gestante tome uma decisão refletida. É assim, por exemplo, na Alemanha, em que a grávida que pretenda abortar deve se submeter a uma consulta de aconselhamento e a um período de reflexão prévia de três dias. Procedimentos semelhantes também são previstos em Portugal, na França e na Bélgica. Além disso, o Estado deve atuar sobre os fatores econômicos e sociais que dão causa à gravidez indesejada ou que pressionam as mulheres a abortar. As duas razões mais comumente invocadas para o aborto são a impossibilidade de custear a criação dos filhos e a drástica mudança na vida da mãe (que a faria, p. ex., perder oportunidades de carreira). Nessas situações, é importante a existência de uma rede de apoio à grávida e à sua família, como o acessoà creche e o direito à assistência social. Além disso, muitas gestações não programadas são causadas pela falta de informação e de acesso a métodos contraceptivos. Isso pode ser revertido, por exemplo, com programas de planejamento familiar, com a distribuição gratuita de anticoncepcionais e assistência especializada à gestante e educação sexual. Logo, a criminalização do aborto também não é aprovada no teste relacionado com o subprincípio da necessidade. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 9 Subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito As restrições aos direitos fundamentais das mulheres decorrentes da criminalização são ou não compensadas pela proteção à vida do feto? O fato de as mulheres serem privadas do direito de abortar gera uma maior proteção ao feto? O STF entendeu que não. Conforme demonstrado, a tipificação penal do aborto produz um grau elevado de restrição a direitos fundamentais das mulheres. Por outro lado, a criminalização do aborto promove um grau reduzido (se algum) de proteção dos direitos do feto, uma vez que não tem sido capaz de reduzir o índice de abortos. Dessa forma, não há proporcionalidade em sentido estrito em se manter a punição do aborto consentido nos três primeiros meses da gravidez. Praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante a fase inicial da gestação como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália. Primeiro trimestre da gravidez Vale ressaltar que, pela decisão do STF, só não será punido o aborto consentido (realizado pela mulher ou por terceiro com sua concordância) e desde que feito nos três primeiros meses da gravidez. Se for realizado após o primeiro trimestre, continua sendo crime. Por que este critério de três meses? Existe uma intensa e polêmica discussão sobre quando se inicia a vida e qual é o status jurídico do embrião durante a fase inicial da gestação. Dentre outras, há duas posições principais e antagônicas em relação a isso: 1ª) de um lado, os que sustentam que existe vida desde a concepção, desde que o espermatozoide fecundou o óvulo, dando origem à multiplicação das células. 2ª) de outro lado, estão os que sustentam que antes da formação do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de consciência (o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação) não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno. Não há solução jurídica para esta controvérsia. Ela dependerá sempre de uma escolha religiosa ou filosófica de cada um a respeito da vida. Porém, existe um dado científico que é inquestionável: durante os três primeiros, meses o córtex cerebral (que permite que o feto desenvolva sentimentos e racionalidade) ainda não foi formado nem há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno. Assim, não há qualquer possibilidade de o embrião subsistir fora do útero materno nesta fase de sua formação. Ou seja: ele dependerá integralmente do corpo da mãe. Justamente com base nessas premissas científicas, diversos países do mundo adotam como critério que a interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada, desde que feita no primeiro trimestre da gestação. É o caso da Alemanha, Bélgica, França e Uruguai. ESCLARECIMENTOS SOBRE OS EFEITOS DA DECISÃO COMENTADA Tão logo esta decisão foi proferida, surgiram várias notícias na imprensa no sentido de que o STF teria descriminalizado o aborto realizado nos três primeiros meses de gravidez. Esta afirmação não é tecnicamente correta. Vamos entender os motivos. No caso concreto, o STF analisava um habeas corpus impetrado por dois médicos que foram presos em flagrante no momento em que supostamente estariam realizando um aborto com o consentimento da gestante (art. 126 do CP). No HC impetrado, os pacientes buscavam a liberdade provisória. O Min. Roberto Barroso, ao analisar o writ, entendeu que não estavam presentes os pressupostos da prisão preventiva. Um desses pressupostos é a existência de crime, o que é exigido na parte final do art. 312 do CPP: Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 10 Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Segundo o Ministro, não havia motivo para a prisão preventiva, considerando o fato de que a gravidez da mulher estava ainda no primeiro trimestre, razão pela qual a punição prevista nos arts. 124 e 126 do CP não seria compatível com a Constituição Federal, ou seja, não teria sido recepcionada pela atual Carta Magna. Por conta disso, o Ministro concedeu a ordem de habeas corpus para afastar a prisão preventiva dos pacientes, concedendo-lhes liberdade provisória. É importante, no entanto, pontuar três observações: 1) Esta decisão foi tomada pela 1ª Turma do STF (não se sabe como o Plenário decidiria); 2) A discussão sobre a criminalização ou não do aborto nos três primeiros meses da gestação foi apenas para se analisar se seria cabível ou não a manutenção da prisão preventiva; 3) O mérito da imputação feita contra os réus ainda não foi julgado e o STF não determinou o "trancamento" da ação penal. O habeas corpus foi concedido apenas para que fosse afastada a prisão preventiva dos acusados. Obviamente, esta decisão representa um indicativo muito claro do que o STF poderá decidir caso seja provocado de forma específica sobre o tema, tendo o Min. Roberto Barroso proferido um substancioso voto que foi acompanhado pelos Ministros Edson Fachin e Rosa Weber. Os demais Ministros da 1ª Turma (Marco Aurélio e Luiz Fux) não se comprometeram expressamente com a tese da descriminalização e discutiram apenas a legalidade da prisão preventiva. Dessa forma, existem três votos a favor da tese, não se podendo afirmar que o tema esteja resolvido no STF. Ao contrário, ainda haverá muita discussão a respeito. PECULATO STF recebeu denúncia contra o Senador Renan Calheiros em razão de ter desviado recursos públicos da verba parlamentar para pagamento de pensão alimentícia à filha O Ministério Público ofereceu denúncia contra o Senador Renan Calheiros pelas seguintes condutas: • o denunciado teria desviado recursos públicos da chamada verba indenizatória (destinada a despesas relacionadas ao exercício do mandato parlamentar) para pagar pensão alimentícia à filha. Com isso, teria praticado peculato (art. 312 do CP). • além disso, ele teria inserido e feito inserir, em documentos públicos e particulares, informações diversas das que deveriam ser escritas, com o propósito de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (sua capacidade financeira para custear despesas da referida pensão). Isso porque o parlamentar, ao prestar contas dos valores recebidos a título de verba indenizatória, teria apresentado notas fiscais fictícias, ou seja, de serviços que não teriam sido prestados. Ademais, ele teria apresentado livros-caixa de suas atividades como pecuarista com informações supostamente falsas. Por conta desses fatos, foi denunciado pelos crimes de falsidade ideológica (art. 299) e de uso de documento falso (art. 304). Quanto ao art. 312 do CP, a denúncia foi recebida porque o STF entendeu estarem presentes indícios de autoria e materialidade minimamente suficientes. No que tange aos arts. 299 e 304 do CP, a denúncia foi rejeitada em virtude de os delitos imputados estarem prescritos. STF. Plenário. Inq 2593/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 1º/12/2016 (Info 849). Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 11 O caso concreto, com algumas adaptações, foi o seguinte: O Ministério Público ofereceu denúncia contra o Senador Renan Calheiros pelas seguintes condutas: o denunciado teria desviado recursos públicos da chamada verba indenizatória (destinada a despesas relacionadas ao exercício do mandato parlamentar) para pagar pensão alimentícia à filha. Com isso, teria praticado peculato (art. 312 do CP). além disso, ele teria inserido e feito inserir, em documentos públicos e particulares, informações diversas das que deveriam ser escritas, com o propósito de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (sua capacidade financeira para custear despesas da referida pensão). Isso porque o parlamentar, ao prestar contas dos valores recebidos a título de verba indenizatória, teria apresentado notas fiscais fictícias, ou seja, de serviços que não teriam sido prestados. Ademais, ele teria apresentado livros-caixa de suas atividades como pecuarista com informações supostamente falsas. Por conta desses fatos, foi denunciado pelos crimes de falsidade ideológica (art. 299) e de uso de documento falso (art. 304). O STF analisou apenas o recebimento da denúncia. O que decidiu a Corte? quanto ao art. 312 do CP: a denúncia foi recebida. quanto aos arts. 299 e 304 do CP: a denúncia foi rejeitada em virtude de os delitos imputados estarem prescritos. Notas fiscais e livros-caixa de atividade rural: documentos públicos ou particulares? Como vimos acima, o STF reconheceu que estava prescrita a imputação quanto aos delitos de falsidade ideológica (art. 299) e de uso de documento falso (art. 304). A questão interessante aqui a ser destacada é que o PGR afirmou que houve falsidade ideológica e uso de documento PÚBLICO falso. O STF, por sua vez, considerou que os documentos listados pelo MP eram documentos PARTICULARES. Se fossem públicos, a pena seria maior e não teria havido ainda a prescrição. Veja a redação dos tipos penais: Falsidade ideológica Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular. Uso de documento falso Art. 304. Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração. Dessa forma, chamo atenção para o fato de que, segundo o STF, notas fiscais, recibos de compra e venda de gado, declarações de IRPF, contrato de mútuo e livros-caixa de atividade rural são documentos PARTICULARES, para fins penais. Só podem ser considerados documentos públicos: aqueles em cuja elaboração, de alguma forma, houve a participação de servidores públicos; e aqueles expressamente equiparados por força de lei. Ex: o testamento particular (art. 297, § 2º). Embora a emissão das notas fiscais seja autorizada, regulamentada e padronizada por critérios definidos pelo Governo (Fisco), a confecção desses documentos fica integralmente a cargo do particular, ou seja, não há a participação de funcionário público antes ou durante a sua confecção. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 12 Quanto aos livros-caixa, o PGR defendia que seria documento público por se tratar de "livro mercantil", que é equiparado a documento público por força do § 2º do art. 297 do CP: § 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular. O STF, contudo, não concordou com a argumentação. Para a Corte, só se poderia falar que os livros-caixa seriam livros comerciais se ficasse provado que o Senador desempenha a atividade rural de forma empresarial, nos termos do art. 971 do Código Civil: Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro. Assim, a atividade rural só está sujeita ao regime jurídico empresarial (hipótese em que se poderia falar em livros mercantis) quando o produtor expressamente organiza seus negócios dessa maneira, compreensão sintetizada pelo Enunciado 202 do CJF (“O registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-se ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção”). Como o Senador não organizava sua atividade pecuária de forma empresarial, não se pode falar que os livros-caixa por ele utilizados possam ser considerados "livros comerciais". Quanto ao delito de peculato No tocante ao crime de peculato, o STF entendeu estarem presentes indícios de autoria e materialidade minimamente suficientes ao recebimento da denúncia. O acusado, ao prestar contas dos valores recebidos a título de verba indenizatória, apresentou notas fiscais emitidas em seu nome por uma empresa de aluguel de carros, ou seja, como se tivesse locado os veículos. Entretanto, mediante análise dos extratos bancários, tanto da referida empresa quanto do próprio acusado, não foram encontrados os lançamentos correspondentes ao efetivo pagamento dos valores constantes das notas fiscais. RACISMO Análise do caso "Jonas Abib" Importante!!! Determinado padre escreveu um livro, voltado ao público da Igreja Católica, no qual ele faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé. O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra ele pela prática do art. 20, § 2º da Lei nº 7.716/89 (Lei do racismo). No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime. A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas também o de fazer proselitismo religioso. Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião. Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 13 Só haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os "inferiores" para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual e, neste caso não haverá conduta criminosa. Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo. Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atuacomo verbo núcleo do tipo. STF. 1ª Turma. RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/11/2016 (Info 849). A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: Jonas Abib, conhecido sacerdote da Igreja Católica, escreveu um livro (“Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de cura e libertação”), voltado aos católicos, no qual faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé. O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra ele, acusando-o de ter cometido o crime do art. 20, § 2º da Lei nº 7.716/89 (conhecida como Lei do Racismo): Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa. (...) § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. Segundo o Parquet, as afirmações feitas no livro incitariam os leitores à discriminação ou preconceito com pessoas de outras religiões. A questão chegou até o STF. Para a Corte, houve a prática de crime? NÃO. Liberdade religiosa A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa em diversos dispositivos, podendo ser destacados os seguintes: Art. 5º (...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; (...) VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; A liberdade religiosa pode ser subdividida em três espécies: a) liberdade de consciência: é o direito que a pessoa tem de fazer suas próprias convicções, escolher seus padrões de valoração ética ou moral. b) liberdade de crença: é o direito de a pessoa adotar ou não uma religião sem ser prejudicada por isso e também o direito de fazer proselitismo religioso (proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião). Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 14 c) liberdade de culto: é o direito, individual ou coletivo, de praticar atos externos de veneração próprios de uma determinada religião. Assim, a liberdade religiosa significa que o indivíduo tem o direito não apenas de escolher qual religião irá seguir (ou se não irá seguir nenhuma), mas também a liberdade de fazer proselitismo e de explicitar os atos próprios de sua religiosidade. A proteção à liberdade religiosa não se limita à crença, assegurando condutas religiosas exteriores. Nesse sentido: CANOTILHO, JJ Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. 1. São Paulo: Coimbra Editora / RT, 2007, p. 609. Liberdade religiosa não é absoluta Obviamente, a liberdade religiosa não possui caráter absoluto, devendo ser exercitada de forma harmoniosa com os demais direitos e garantias fundamentais protegidos pela Constituição Federal, em atenção ao Princípio da Convivência das Liberdades Públicas. Um dos valores que a Constituição protege é o repúdio ao racismo (art. 4º, VIII e art. 5º, XLII). Análise de possível colisão entre as liberdades de expressão e religiosa e o repúdio ao racismo No caso concreto, para verificar se houve ou não crime, é necessário analisar uma possível colisão entre as liberdades de expressão e religiosa e o repúdio ao racismo. A religião professada pelo réu (catolicismo) tem como uma de suas características o objetivo de converter o maior número possível de pessoas (caráter universalista). Assim, impedir que o referido sacerdote exercesse o proselitismo seria o mesmo que impedir que ele exercesse sua liberdade religiosa. Vale ressaltar que é muito comum que o proselitismo religioso seja feito a partir da comparação entre as diversas religiões. Em outras palavras, o indivíduo que almeja a conversão de uma outra pessoa muitas vezes faz isso argumentando que sua religião é melhor que as demais. Isso, se realizado dentro de limites, configura simplesmente a manifestação da própria liberdade religiosa. Nesse sentido: "(…) é natural do discurso religioso praticado pelas Igrejas, em especial pelas instituições daquelas religiões de pretensão universalista, pregar o rechaço às demais religiões. Esta postura integra o núcleo central da própria liberdade de religião.” (TAVARES, André Ramos. O direito fundamental ao discurso religioso: divulgação da fé, proselitismo e evangelização. Disponível em http://www.cjlp.org/direito_fundamental_discurso_religioso.ht ml, acesso em 22/12/2016) Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de incômodas comparações entre as religiões, o que gera certa animosidade, não configura, por si só, crime de racismo. Trata-se do exercício de um dos aspectos da liberdade religiosa. Este tema já foi diversamente debatido pela doutrina portuguesa: “(...) a criminalização do proselitismo em termos genéricos traduzir-se-ia, não na proteção de um bem fundamental devidamente identificado, mas sim na proibição de uma conduta religiosa, independentemente do impacto que a mesma pudesse vir a ter, ou não, nos bens fundamentais constitucional e penalmente tutelados. Tal solução, ao transferir para as autoridades administrativas vastos poderes de restrição do direito à liberdade religiosa, deve ter-se, evidentemente, como constitucionalmente inadmissível.” (MACHADO, Jônatas. Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p 229) Situações em que o proselitismo transborda os limites da liberdade de expressão religiosa Apesar de o proselitismo, por si só, não configurar crime, ainda que feito por meio de comparações entre as religiões, é preciso que isso seja feito dentro de limites que, se ultrapassados, podem sim configurar condutas discriminatórias e preconceituosas. É normal que no discurso proselitista defenda-se que uma religião é melhor que a outra, que uma está Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 15 "certa" e a outra "errada". Até aqui não há qualquer ilícito na conduta. O ponto crucial vem a seguir: pelo fato de uma religião ser superior a outra, o que esta "superior" deve fazer em relação às demais? Se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos: aí teremos discriminação passível de ser punida criminalmente. Por outro lado, se o discurso dessa religião supostamente superior for no sentido de que os superiores têm o dever de ajudar os inferiores para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual: neste caso, não haverá conduta criminosa. "(...) Da relação superior-inferior podem derivar tanto a concepção de que o superior tem o dever de ajudar o inferior a alcançar um nível mais alto de bem-estar e civilização, quanto à concepção de que o superior tem o direito de suprimir o inferior. (…) Somente quando a diversidade leva a este segundo modo de conceber a relação entre superior e inferior é que se pode falar corretamente de uma verdadeira discriminação, com todas as aberrações dela decorrentes.” (BOBBIO, Norberto. Elogio da serenidade. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 109) “O embate religioso, invariavelmente, envolve esta concepção de que determinada religião ou igreja há de ajudar o terceiro a alcançar um nível mais alto de bem-estar, de salvação. Esta é a pedra angular, por exemplo, do cristianismo, presente na sua missãode evangelizar (tema já desenvolvido neste presente artigo), reputada como um dever, mas não apenas do cristianismo. Esta conduta, contudo, não implica discriminação. Apenas a concepção de que o superior tem o direito de suprimir o inferior (que só pode ser verificada adequadamente em cada caso concreto e que não se manifesta no caso em apreço) é que enseja prática discriminatória, a ser, por conseguinte, considerada legalmente (penalmente) censurável.” (TAVARES, André Ramos. O direito fundamental ao discurso religioso: divulgação da fé, proselitismo e evangelização. Disponível em http://www.cjlp.org/direito_fundamental_discurso_religioso.html) O discurso discriminatório criminoso somente se materializa se forem ultrapassadas três etapas indispensáveis: a) uma de caráter cognitivo, em que atestada a desigualdade entre grupos e/ou indivíduos (existem religiões diferentes entre si); b) outra de viés valorativo, em que se assenta suposta relação de superioridade entre eles e, por fim (a minha religião é "superior" às demais); e, por fim, c) uma terceira, em que o agente, a partir das fases anteriores, supõe legítima a dominação, exploração, escravização, eliminação, supressão ou redução de direitos fundamentais do diferente que compreende inferior. Se o discurso proselitista prega que a religião supostamente "superior" tem o objetivo de auxiliar os adeptos de outras religiões (tidas como equivocadas), neste caso, não há discriminação. Isso porque se ficou apenas nas duas primeiras etapas acima expostas, não se ultrapassando a terceira (mais danosa). Assim, a tentativa de persuasão, de convencimento pela fé, sem contornos de violência ou que atinjam diretamente a dignidade humana, não é crime. Voltando ao caso concreto No livro em questão, o autor associa o espiritismo ao demônio, afirma que a doutrina espírita é maligna e que o espiritismo precisa ser eliminado da vida dos cristãos. Defende também que os católicos que possuam livros espíritas em casa devem queimá-los. Veja os trechos transcritos pelo MP na denúncia: “O demônio, dizem muitos, "não é nada criativo". Ele continua usando o mesmo disfarce. Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde nos rituais e nas práticas do espiritismo, da umbanda, do candomblé e de outras formas de espiritismo. Todas essas formas de espiritismo têm em comum a consulta aos espíritos e a reencarnação." (págs. 29/30) Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 16 "Os próprios pais e mães-de-santo e todos os que trabalham em centros e terreiros são as primeiras vítimas: são instrumentalizados por Satanás. (...) A doutrina espírita é maligna, vem do maligno. (...)" (pág 16) "O espiritismo não é uma coisa qualquer como alguns pensam. Em vez de viver no Espírito santo, de depender dele e ser conduzida por Ele, a pessoa acaba sendo conduzida por espíritos malignos. (...) O espiritismo é como uma epidemia e como tal deve ser combatido: é um foco de morte. O espiritismo precisa ser desterrado da nossa vida. Não é preciso ser cristão e ser espírita, (...) Limpe-se totalmente! " (págs. 17/18) "Há pessoas que já leram muitos livros do chamado "espiritismo de mesa branca", de um kardecista muito intelectual que realmente fascina - as coisas do inimigo fascinam. Desfaça-se de tudo. Queime tudo. Não fique com nenhum desses livros. (...)" (pág.43) No entanto, em outros trechos da obra, o padre deixa claro que não está pregando contra as pessoas, mas sim contra a religião: “Não estou falando contra as pessoas espíritas, contra as pessoas que frequentam umbanda, candomblé, mas estou falando aos cristãos que são inocentes úteis: sem saber dos fatos, vão e fazem tudo isso, só para conseguir o que desejam e do jeito que desejam. (...) Não estamos condenando os espíritas, mas o espiritismo. Estamos denunciando a obra covarde, suja, desleal que o inimigo tem feito, enganando muita gente, retirando os filhos de Deus da salvação de Jesus, arrancando os filhos de Deus dos braços de Jesus e os jogando nas garras do lobo. Podemos dizer sem medo que, infelizmente, os espíritas são as primeiras vítimas deste embuste do demônio. Não estamos contra eles: estamos contra aquele que os enganou. (…) São filhos de Deus, são filhas de Deus! Ele os quer resgatar a todos, sem exceção. Não estamos condenando os espíritas nem seus entes queridos, que foram vítimas do espiritismo. Pelo contrário, estamos afirmando que Deus quer salvá-los.” Por conta disso, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e, ainda que isso gere certa animosidade, não se pode extrair de suas palavras a intenção de que os fiéis católicos escravizem, explorem ou eliminem pessoas adeptas ao espiritismo. Não há, portanto, tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo. A publicação escrita pelo sacerdote católico dedica-se à pregação da fé católica, e suas explicitações detêm público específico. Sua intenção foi a de orientar a população católica sobre a incompatibilidade verificada, segundo sua visão, entre o catolicismo e o espiritismo. Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior a outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo. Segundo o Min. Edson Fachin, a afirmação do autor de que a sua religião é superior e que ela deverá resgatar e salvar os espíritas, "apesar de indiscutivelmente preconceituosa, intolerante, pedante e prepotente, encontra guarida na liberdade de expressão religiosa e, em tal dimensão, não preenche o âmbito proibitivo da norma penal incriminadora". Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 17 LEI DE DROGAS A grande quantidade de droga, isoladamente, não constitui fundamento idôneo para afastar a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º da LD Se o réu é primário e possui bons antecedentes, o juiz pode, mesmo assim, negar o benefício do art. 33, § 4º da LD argumentando que a quantidade de drogas encontrada com ele foi muito elevada? O tema é polêmico. 1ª Turma do STF: encontramos precedentes afirmando que a grande quantidade de droga pode ser utilizada como circunstância para afastar o benefício. Nesse sentido: não é crível que o réu, surpreendido com mais de 500 kg de maconha, não esteja integrado, de alguma forma, a organização criminosa, circunstância que justifica o afastamento da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei de Drogas (HC 130981/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/10/2016. Info 844). 2ª Turma do STF: a quantidade de drogas encontrada não constitui, isoladamente, fundamento idôneo para negar o benefício da redução da pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (HC 138138/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 29/11/2016. Info 849). STF. 2ª Turma. HC 138138/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 29/11/2016 (Info 849). Causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 O § 4º do art. 33 da Lei de Drogas prevê uma causa de diminuição de pena conhecida como "tráfico privilegiado": Art. 33 (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Para que o juiz deixe de aplicar a minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, é necessário que demonstrena sentença a existência de conjunto probatório que possa afastar ao menos um dos seguintes critérios, que são autônomos: a) primariedade; b) bons antecedentes; c) não dedicação a atividades criminosas; e d) não integração à organização criminosa. Em suma, se o réu não preencher algum desses requisitos, não terá direito à minorante. Se o réu é primário e possui bons antecedentes, o juiz pode, mesmo assim, negar o benefício do art. 33, § 4º da LD argumentando que a quantidade de drogas encontrada com ele foi muito elevada? O tema é polêmico. Na 1ª Turma do STF encontramos alguns precedentes afirmando que a grande quantidade de droga pode ser utilizada como circunstância para afastar o benefício. Nesse sentido: Não é crível que o réu, surpreendido com mais de 500 kg de maconha, não esteja integrado, de alguma forma, a organização criminosa, circunstância que justifica o afastamento da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei de Drogas. STF. 1ª Turma. HC 130981/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/10/2016 (Info 844). (...) In casu, a paciente, na condição de “mula”, foi surpreendida transportando expressiva quantidade de droga ao exterior. Tal fato afasta o preenchimento dos requisitos do art. 33, § 4°, da Lei de Drogas (...) STF. 1ª Turma. HC 123430, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/10/2014. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 18 Por outro lado, existem julgados da 2ª Turma do STF argumentando que: A quantidade de drogas encontrada não constitui, isoladamente, fundamento idôneo para negar o benefício da redução da pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. STF. 2ª Turma. HC 138138/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 29/11/2016 (Info 849). DIREITO PROCESSUAL PENAL PROVAS Entrega voluntária de computador do órgão público para ser periciado em investigação Autorização para acesso de e-mails baixados no computador que foi objeto de busca e apreensão Não há nulidade se, em mandado de busca e apreensão, o titular do órgão entrega para ser periciado pela Polícia o computador utilizado pela chefia e, após esse fato, antes de a perícia ser iniciada, o magistrado responsável pela investigação autoriza a diligência na máquina. Não há violação do sigilo de correspondência eletrônica se o magistrado autoriza a apreensão e perícia de computador e nele estão armazenados os e-mails do investigado que, então, são lidos e examinados. A proteção a que se refere o art. 5º, XII, da CF/88, é da 'comunicação de dados' e não dos 'dados em si mesmos', ainda quando armazenados em computador. STF. 1ª Turma. RHC 132062/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 29/11/2016 (Info 849). Imagine a seguinte situação adaptada: João, Procurador do MPT, estava sendo investigado por, supostamente, ter falsificado a assinatura da Procuradora-Chefe (Maria) em determinado documento. O Desembargador do TRF (relator do inquérito) autorizou a busca e apreensão do computador utilizado por João. Quando a Polícia Federal chegou para cumprir o mandado, Tiago, Procurador-Chefe em substituição, afirmou que eles também deveriam levar o computador utilizado pela chefia do MPT. A Polícia Federal levou, então, os dois computadores. Ocorre que, antes de periciar o computador da chefia do MPT, o Delegado pediu autorização para o TRF que estendeu os efeitos da busca e apreensão também para esta máquina. Foi realizada, então, a perícia nas duas máquinas, tendo sido analisados, inclusive, os e-mails do investigado, que estavam armazenados (baixados) no computador. A defesa do investigado alegou a nulidade das diligências e do processo, sob três argumentos: 1) O computador da chefia não poderia ter sido apreendido sem prévia autorização judicial porque isso transbordou os limites do mandado. 2) Os investigadores não poderiam ter analisado os e-mails do investigado, tendo havido violação ao art. 5º, XII, da CF/88 (XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;). Os argumentos da defesa foram acolhidos pelo STF? NÃO. 1) Não houve nulidade por três motivos: a) o computador da chefia foi entregue espontaneamente pelo Procurador-Chefe em substituição; b) não cabe falar em violação ao direito à intimidade, por se tratar de material disponibilizado para o serviço público; c) uma vez entregue o computador que não constava da ordem de busca e apreensão, a perícia nessa máquina foi sustada e somente foi realizada depois de o Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 19 Desembargador autorizar em nova decisão. Assim, no caso, não houve a produção de prova ilícita para, posteriormente, decidir-se sobre sua admissão. A prova apenas foi produzida depois de decidido sobre a licitude da colheita do equipamento. 2) Quanto à suposta violação do sigilo de correspondência eletrônica, não houve quebra da troca de dados, mas sim acesso aos dados registrados nos computadores. Logo, isso estava autorizado no mandado de busca e apreensão. O STF possui entendimento de que "a proteção a que se refere o art. 5º, XII, da Constituição, é da 'comunicação de dados' e não dos 'dados em si mesmos', ainda quando armazenados em computador (...)" (RE 418.416/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19/12/2006). PROVAS As peças processuais que fazem referência à prova declarada ilícita não devem ser desentranhadas do processo Se determinada prova é considerada ilícita, ela deverá ser desentranhada do processo. Por outro lado, as peças do processo que fazem referência a essa prova (exs: denúncia, pronúncia etc.) não devem ser desentranhadas e substituídas. A denúncia, a sentença de pronúncia e as demais peças judiciais não são "provas" do crime e, por essa razão, estão fora da regra que determina a exclusão das provas obtidas por meios ilícitos prevista art. 157 do CPP. Assim, a legislação, ao tratar das provas ilícitas e derivadas, não determina a exclusão de "peças processuais" que a elas façam referência. STF. 2ª Turma. RHC 137368/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 29/11/2016 (Info 849). Imagine a seguinte situação adaptada: João ingeriu bastante bebida alcoólica e, em seguida, saiu dirigindo seu carro em alta velocidade, atropelando um pedestre. Enquanto ele estava desacordado, no hospital, foi realizado exame sanguíneo de alcoolemia, que atestou uma grande quantidade de álcool em seu organismo. João foi denunciado por homicídio doloso. Ao final da 1ª fase do rito do júri, o acusado foi pronunciado. Antes que se marcasse o dia da sessão do júri, o réu conseguiu, no Tribunal de Justiça, que fosse anulado o exame de alcoolemia nele realizado. O TJ determinou, em consequência, que o laudo pericial fosse desentranhado dos autos. Vale ressaltar que, além do exame de alcoolemia, existem nos autos outros elementos de prova que demonstram a embriaguez de João no momento do acidente, como é o caso do depoimento dos garçons do restaurante, do socorrista e o próprio interrogatório do acusado no inquérito. Em diversas peças processuais existe a menção ao resultado do exame pericial. É o caso, por exemplo, da denúncia e da sentença de pronúncia. Qual é a providência a ser adotada em relação a isso? Os trechos da denúncia e da pronúncia que fazem referência ao resultado do exame devem ser riscados das peças processuais. Tais peças processuais (denúncia e pronúncia) precisam ser desentranhadas dos autos, recomeçando-se a ação penal do início, com o oferecimento de nova denúnciae a prolação de outra sentença de pronúncia? NÃO. As peças do processo que fazem referência ao exame de alcoolemia não devem ser desentranhadas e substituídas. A denúncia, a pronúncia e as demais peças judiciais não são provas do crime e, por essa razão, estão fora da regra que determina a exclusão das provas obtidas por meios ilícitos prevista no art. 5º, LVI, da CF/88 e no art. 157 do CPP: Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 20 Art. 5º (...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. § 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. Assim, a legislação, ao tratar das provas ilícitas e derivadas, não determina a exclusão de "peças processuais" que a elas façam referência. Limitações ao debate são previstas expressamente O TJ já adotou uma interpretação teleológica favorável à defesa ao determinar que as referências ao resultado do exame fossem riscadas das peças processuais. Não é necessário retirar completamente as peças dos autos. Os arts. 478 e 479 do CPP já preveem quais referências podem ou não ser feitas durante os debates no Plenário do Júri e estas são pontuais e vêm recebendo interpretação restritiva por parte do STF. Veja quais as limitações que são impostas: Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo. Em suma, a exclusão de peça processual que faça menções à realização da prova e ao debate quanto à sua validade não é uma consequência lógica da exclusão da prova. Pode ser determinado o envelopamento da denúncia, da pronúncia e das demais peças processuais, para que elas fiquem ocultas? Também não. Em primeiro lugar, porque isso não é imposto pela legislação. Em segundo, porque o CPP determina que os jurados devem receber cópia da peça processual relativa à pronúncia e têm a prerrogativa de acessar a integralidade dos autos (arts. 472, parágrafo único; e 480, § 3º, do CPP). Logo, seria incompatível com o rito que a decisão de pronúncia fosse uma peça oculta. DIREITO TRIBUTÁRIO ICMS Judiciário não pode alterar os critérios de compensação das desonerações de ICMS decorrentes das exportações previstos no art. 91 do ADCT e na LC 87/96 O ICMS é um imposto estadual. A CF/88 e a LC 87/96 determinaram que não deveria incidir ICMS nas operações e prestações destinadas ao exterior. Como isso causou uma perda de arrecadação, foi prevista uma forma de compensação por meio da qual a União deveria transferir recursos aos Estados. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 21 Os critérios para compensar os Estados por conta das desonerações de ICMS sobre as exportações estão previstos no art. 91 do ADCT. O caput do art. 91 exige que seja editada uma nova lei complementar para regulamentar os critérios de compensação dos Estados. No entanto, o § 3º prevê que, até a edição da nova lei complementar, devem ser adotados para o repasse os critérios estabelecidos no Anexo da LC 87/96, com a redação da LC 115/2002. Portanto, o próprio texto constitucional transitório já previu a solução a ser adotada até a vinda da nova lei complementar. Dessa forma, o Poder Judiciário não pode alterar os índices de repasse da União aos Estados previstos no art. 91 do ADCT e na LC 87/96, criando novos critérios. Tal atitude equivaleria a uma inovação no ordenamento jurídico contra o direito posto, violando a cláusula da separação dos Poderes. STF. Plenário. ACO 1044/MT, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/11/2016 (Info 849). ICMS exportação O ICMS é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da CF e na LC 87/96: Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II — operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; Histórico da imunidade do ICMS exportação Redação originária do art. 155, X, "a" A CF/88 previu algumas hipóteses de imunidade tributária específicas para o ICMS. Veja o que dizia a redação originária do art. 155, X, "a": Art. 155. (...) X - não incidirá: a) sobre operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar. (Redação anterior à EC 42/2003) Desse modo, segundo a redação originária da CF/88, se um produto industrializado fosse exportado, não haveria pagamento de ICMS. Autorização conferida pelo art. 155, XII, "e" O art. 155, XII, "e", por sua vez, autorizou que o legislador infraconstitucional previsse, além dos produtos industrializados, outros casos de exclusão do ICMS para produtos e serviços destinados ao exterior. Confira: Art. 155 (...) XII - cabe à lei complementar: e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a"; Lei Kandir Utilizando-se da autorização do art. 155, XII, "e", da CF/88, o legislador editou a LC 87/96 (Lei Kandir) prevendo que não deveria incidir ICMS sobre nenhum produto ou prestação de serviços destinadas ao exterior: Art. 3º O imposto não incide sobre: II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços; Art. 32. A partir da data de publicação desta Lei Complementar: I - o imposto não incidirá sobre operações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, bem como sobre prestações de serviços para o exterior; Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 22 EC 42/2003 ampliou as hipóteses de imunidade do art. 155, X, "a" Foi aí que veio a EC nº 42/2003 e decidiu ampliar o art. 155, X, "a" e prever, no próprio texto constitucional, a imunidade tributária de ICMS para toda e qualquer exportação. Veja: Art. 155. (...) X - não incidirá: a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; (Redação dada pela EC 42/2003) Desse modo, o que já era previsto na Lei Kandir foi constitucionalizado pela EC 42/2003, transformando-se em imunidade tributária. Fomento das exportações e compensação para os Estados O objetivo da Lei Kandir e da EC nº 42/2003 foi o de fomentar as exportações, contribuindo para a competitividade dos produtores brasileiros no mercado internacional. Ocorre que essas medidas geraram uma diminuição da arrecadação tributária dos Estados-membros, já que eles deixaramde receber os valores relativos ao ICMS exportação. Desse modo, a fim de "acalmar" os Governadores, a EC nº 42/2003 acrescentou o art. 91 ao ADCT prevendo uma forma de compensar os Estados-membros pelas perdas sofridas com a ampliação da imunidade do ICMS: Art. 91. A União entregará aos Estados e ao Distrito Federal o montante definido em lei complementar, de acordo com critérios, prazos e condições nela determinados, podendo considerar as exportações para o exterior de produtos primários e semi-elaborados, a relação entre as exportações e as importações, os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, a. (Incluído pela EC 42/2003) § 1º Do montante de recursos que cabe a cada Estado, setenta e cinco por cento pertencem ao próprio Estado, e vinte e cinco por cento, aos seus Municípios, distribuídos segundo os critérios a que se refere o art. 158, parágrafo único, da Constituição. (Incluído pela EC 42/2003) § 2º A entrega de recursos prevista neste artigo perdurará, conforme definido em lei complementar, até que o imposto a que se refere o art. 155, II, tenha o produto de sua arrecadação destinado predominantemente, em proporção não inferior a oitenta por cento, ao Estado onde ocorrer o consumo das mercadorias, bens ou serviços. (Incluído pela EC 42/2003) § 3º Enquanto não for editada a lei complementar de que trata o caput, em substituição ao sistema de entrega de recursos nele previsto, permanecerá vigente o sistema de entrega de recursos previsto no art. 31 e Anexo da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, com a redação dada pela Lei Complementar nº 115, de 26 de dezembro de 2002. (Incluído pela EC 42/2003) § 4º Os Estados e o Distrito Federal deverão apresentar à União, nos termos das instruções baixadas pelo Ministério da Fazenda, as informações relativas ao imposto de que trata o art. 155, II, declaradas pelos contribuintes que realizarem operações ou prestações com destino ao exterior. (Incluído pela EC 42/2003) A EC 42/2003 instituiu, portanto, uma espécie de repasse da União aos Estados e ao DF, pelo qual se compensariam as perdas arrecadatórias decorrentes do processo de desoneração das exportações, especialmente em relação àqueles entes federativos que realizam muitas operações de exportação e poucas de importação. Vale ressaltar que a própria Lei Kandir já havia criado um Fundo para compensação das perdas dos Estados considerando que, como vimos acima, esta LC 87/96 ampliou as situações em que não incidia ICMS na exportação. Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 23 Sistema atual de compensação dos Estados A lei complementar de que trata o art. 91 do ADCT ainda não foi editada. Diante disso, deve-se continuar adotando o Fundo de compensação previsto no anexo da Lei Kandir. É o que prescreve o § 3º do art. 91 do ADCT acima transcrito. Vale ressaltar que a redação atual do anexo da Lei Kandir (LC 87/96) foi dada pela LC 115/2002. Assim, pode-se dizer que o regime de compensação dos Estados é regido pela LC 87/96, com as alterações implementadas pela LC 115/2002. Esta compensação trazida pela LC 115/2002 é baseada em critérios eminentemente políticos, sendo o montante destinado aos Estados definido na lei orçamentária anual da União. Dessa forma, pelo sistema atual os coeficientes de partilha são fixos e não têm relação com as operações de exportação empreendidas por cada Estado, o que, na prática, torna a compensação de cada Estado- membro em uma quantia fixada de forma política. Ação proposta pelo Estado do Mato Grosso O Estado do Mato Grosso ajuizou ação contra a União alegando que a compensação efetuada pela União é insuficiente e pediu que houvesse a ampliação dos valores por ele recebidos. O Estado requeria a aplicação de um outro coeficiente sobre o valor liberado pela União para compensar as perdas arrecadatórias com a desoneração das exportações resultantes da LC 87/96. O STF concordou com o pedido? NÃO. O STF julgou improcedente o pedido formulado pelo Estado do Mato Grosso. A desoneração tributária das operações de exportação foi inicialmente compensada por um fundo previsto na redação original da LC 87/96. Posteriormente, esta Lei foi alterada pela LC 102/2000 e pela LC 115/2002. Como já explicado, a LC 115/2002 inaugurou novo sistema, segundo o qual o montante a ser repassado pela União aos Estados-Membros passou a ser determinado com base em fatores políticos, definidos na Lei Orçamentária da União, após aprovação pelo Congresso Nacional. Finalmente, a Emenda Constitucional 42/2003, fundada na mesma razão de ser, constitucionalizou a obrigação dos repasses devidos pela União aos Estados-Membros em decorrência da desoneração das exportações no art. 91 do ADCT. O caput do art. 91 exige que seja editada uma nova lei complementar para regulamentar os critérios de compensação dos Estados. No entanto, o § 3º prevê que, até a edição da nova lei complementar, devem ser adotados para o repasse os critérios estabelecidos no Anexo da LC 87/96, com a redação da LC 115/2002. Portanto, o próprio texto constitucional transitório já previu a solução a ser adotada até a vinda da nova lei complementar. Dessa forma, não há qualquer espaço para o Poder Judiciário alterar disposição constitucional já existente sobre o tema. Conclui-se, assim, que o STF não pode atuar “contra legem”, não podendo alterar o índice de repasse da União aos Estados, criando novos critérios que não são previstos na lei ou na Constituição. Tal atitude equivaleria a uma inovação no ordenamento jurídico contra o direito posto, violando a cláusula da separação dos Poderes. STF. Plenário. ACO 1044/MT, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/11/2016 (Info 849). Informativo 849-STF (13/12/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 24 ICMS Reconhecida a omissão do Congresso Nacional em editar a LC de que trata o art. 91 do ADCT O ICMS é um imposto estadual. A CF/88 e a LC 87/96 determinaram que não deveria incidir ICMS nas operações e prestações destinadas ao exterior. Como isso causou uma perda de arrecadação, foi prevista uma forma de compensação por meio da qual a União deveria transferir recursos aos Estados. Os critérios para compensar os Estados por conta das desonerações de ICMS sobre as exportações estão previstos no art. 91 do ADCT. O caput do art. 91 exige que seja editada uma nova lei complementar para regulamentar os critérios de compensação dos Estados. No entanto, o § 3º prevê que, até a edição da nova lei complementar, devem ser adotados para o repasse os critérios estabelecidos no Anexo da LC 87/96, com a redação da LC 115/2002. Como já se passaram muitos anos sem que o Congresso Nacional tenha editado a lei complementar de que trata o art. 91 do ADCT, foi proposta uma ADI por omissão por conta desta lacuna. O STF julgou procedente a ação e declarou haver mora, por parte do Congresso Nacional, em editar a aludida lei complementar. Diante disso, o STF fixou um prazo de 12 meses para que o Legislativo faça a lei. Na decisão, o STF consignou que, se for ultrapassado o prazo de 12 meses sem que a lei seja editada, o Tribunal de Contas da União (TCU) deverá: a) fixar o valor total a ser transferido anualmente aos Estados-Membros e ao Distrito Federal, considerando os critérios dispostos no art. 91 do ADCT, a saber, as exportações para o exterior de produtos primários e semielaborados, a relação entre as exportações e as importações, os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, “a”, do texto constitucional; b) calcular
Compartilhar