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Aula_02 Pós-graduação em Direito Público

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1 
 
 
 
 2 
AULA 2: BASES TEÓRICAS DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO – 
PARTE II 3 
INTRODUÇÃO 3 
CONTEÚDO 3 
O CONTROLE DEMOCRÁTICO DAS DECISÕES JUDICIAIS NO PLANO CONCRETO DE 
SIGNIFICAÇÃO 5 
A DIFERENÇA ENTRE “TEXTO DA NORMA” E “NORMA PROPRIAMENTE DITA” 12 
O TEXTO DA NORMA COMO PARTE VISÍVEL DO ICEBERG NORMATIVO 16 
ATIVIDADE PROPOSTA 23 
REFERÊNCIAS 23 
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 24 
CHAVES DE RESPOSTA 30 
ATIVIDADE PROPOSTA 30 
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 31 
 
 
 
 
 3 
Introdução 
O conteúdo programático desta aula tem por escopo o estudo das mudanças 
hermenêuticas que informam o fenômeno da constitucionalização do direito, 
notadamente a questão do controle democrático intersubjetivo das decisões 
judiciais, perpassando pela análise da diferença entre os conceitos de “texto 
da norma” e “norma propriamente dita” na viragem do neoconstitucionalismo, 
para, finalmente, adentrar ao exame do significado hermenêutico do 
chamado “iceberg normativo de Friedrich Müller”. 
 
Sendo assim, esta aula tem como objetivo: 
1. Compreender o contexto normativo contemporâneo, no qual se 
destaca a necessidade do controle intersubjetivo das decisões judiciais, 
bem como a diferença entre os conceitos de “texto da norma” e 
“norma propriamente dita” e, na sua esteira epistemológica, a 
compreensão do texto escrito como a parte visível da norma-resultado 
no plano concreto de significação. 
 
 
Conteúdo 
Como já se comentou na aula anterior, o contexto dogmático hodierno vive a 
invasão do direito pela ética, seja pela necessidade de legitimação 
democrática das decisões judiciais, seja pela necessidade de se atribuir força 
normativa aos princípios. 
 
 4 
 
É nesse diapasão que exsurge a necessidade daquela imagem de que a 
Constituição é um sistema aberto de regras e princípios, imagem esta que é 
capaz de compatibilizar uma dogmática axiológica garantidora dos direitos 
fundamentais, com a necessária segurança jurídica de uma sociedade plural e 
democrática. Com efeito, é por intermédio da estrutura aberta dos princípios 
constitucionais que se alcança a proteção dos hipossuficientes e a valorização 
da dignidade da pessoa humana, da mesma forma que é a estrutura fechada 
das regras que imprime a certeza do ordenamento jurídico. 
 
Hoje em dia, o objeto do direito neoconstitucional não é somente o texto 
escrito da norma posta pelo legislador democrático, mas, também, e, 
principalmente, a norma interpretada pelo juiz/exegeta. A invocação dos 
valores morais é hoje o traço jurídico que caracteriza a dogmática pós-
positivista. A nova metódica sustenta que o direito não se limita à norma 
escrita, na qual predomina a racionalidade linguística do texto; é dizer o 
direito hodierno não deixa de fora a retitude material dessa norma aferida a 
partir da incidência dos elementos fáticos e axiológicos advindos do caso 
concreto. 
 
As diretrizes normativo-jurídicas do novo quadro neoconstitucional caminham 
na direção do engrandecimento dos paradigmas de racionalidade retórico-
argumentativa, cujo ethos hermenêutico é construir a normatividade das 
decisões judiciais com base no grau de adesão da comunidade aberta de 
intérpretes da Constituição (Peter Häberle). 
 
Aqui, o aluno deve compreender a visão alexyana de que os princípios são 
normas abstratas feitas pelo poder legislativo, mas que devem ser realizados 
na maior medida possível pelo juiz/intérprete. 
 
Postula-se desse modo a necessidade de um modelo articulado não somente 
com a racionalidade literal ou linguística do texto da norma, mas, 
 
 5 
principalmente, com a racionalidade discursiva ou retórico-argumentativa, 
própria da fundamentação jurídica usada pelo exegeta no processo de 
interpretação constitucional. Ou seja, as normas-decisão – situadas no âmbito 
da efetividade ou eficácia social – são as normas que resultaram do processo 
interpretativo com base na racionalidade retórico-argumentativa empregada 
pelo juiz/ intérprete. 
 
Veja-se, nesse sentido, que, sob a égide do neoconstitucionalismo, a teoria 
hermenêutica da norma jurídica consolida a tese da não identidade entre 
“texto da norma” e “norma propriamente dita”. Trata-se, pois, de uma 
construção teórica que parte dos elementos fáticos do caso decidendo, vale 
dizer dos fatos do mundo da vida, que portam juridicidade e que, por 
conseguinte, penetram no discurso axiológico-indutivo do direito (fatos 
portadores de juridicidade). 
 
É por tudo isso que a presente aula pretende abordar três grandes 
segmentações temáticas, a saber: 
 O controle democrático das decisões judiciais no plano concreto de 
significação; 
 A diferença entre “texto da norma” e “norma propriamente dita”; 
 O texto da norma como parte visível do iceberg normativo. 
 
O Controle Democrático das Decisões Judiciais no Plano 
Concreto de Significação 
Como já amplamente examinado, é a partir da (re)fundamentação do 
pensamento jurídico, amparado no marco teórico do neoconstitucionalismo, 
que surge um novo mundo hermenêutico que antes os juízes positivistas não 
podiam ver. 
 
Nesses termos, o pensamento originário positivista tinha a visão da árvore 
(norma escrita posta pelo legislador democrático) e não da floresta (valores 
 
 6 
constitucionais a serem protegidos). Daí o motivo de a norma jurídica 
requerer sempre uma interpretação mecânica de subsunção silogística. 
 
Ora, é sabido por todos que os princípios constitucionais são aplicados 
mediante uma dimensão de peso, tendo em vista os elementos fáticos e 
jurídicos do caso concreto. Logo, o magistrado não pode proferir sua decisão 
judicial final no plano concreto de significação por meio apenas do 
procedimento lógico-formal, segundo um modelo clássico do silogismo 
axiomático-dedutivo. 
 
Com efeito, o processo de interpretação do direito realizado pelo poder 
judiciário na vertente positivista segue a linha inflexível do juiz soldado da lei. 
Isto significar dizer que o caminho hermenêutico percorrido pelo juiz 
positivista deve ser axiologicamente neutro, absoluto, completo e definitivo 
(visão autopoiética do direito). Ou seja, a lógica positivista está presa ao 
vazio ético da norma escrita legislada, não absorvendo nenhum tipo de leitura 
axiológica do conteúdo dessa norma. A missão do juiz positivista é atuar 
como um agente garantidor da ordem jurídica posta, não lhe cabendo agir 
positivamente na transformação da sociedade. 
 
Tal postura é um reflexo desta própria lógica positivista, isto é, da hegemonia 
exegética do texto da norma. É por tudo isso que, a partir da segunda 
metade do século XX, o positivismo jurídico entra em declínio, despontando, 
em seu lugar, a concepção da escola pós-positivista do direito. 
 
Com o desiderato de solucionar os problemas constitucionais atuais não 
resolvidos pelo sistema anterior, que impunha um hiato entre a realidade 
ético-social e o direito, o novo paradigma neoconstitucional pós-positivista 
busca superar tais dificuldades. 
 
Como exemplos irrespondíveis, vale destacar os problemas da bioética, do 
biodireito e da projeção constitucional dos direitos da personalidade. Da 
 
 7 
mesma forma, vale lembrar a ADPF 54, que tratou da possibilidade de 
antecipar o parto em casos de anencefalia, bem como a ADI 3510, relativa à 
manipulação das chamadas células-tronco embrionárias. São problemas 
constitucionais que o positivismo jurídico, orientado pela interpretação 
clássica, do geral para o particular (concepção dedutiva do direito), impondo 
ao juiz simplesmente aplicar a regra, e, na sua lacuna, os princípios geraisde 
direito, não resolvem. 
 
No entanto, o novo paradigma não pode ser confundido com o mero 
decisionismo judicial, aqui percebido como a criação jurisprudencial do direito 
sem nenhuma cientificidade. Ao revés, a norma interpretada – muito embora 
seja o resultado final do processo exegético – não pode ser vislumbrada como 
ato volitivo do magistrado (positivismo jurídico kelseniano). Como bem 
destaca Lenio Luiz Streck: 
 
Permaneço, destarte, fiel à tese assumida de há muito, de maneira 
a enfatizar e a reprimir com veemência - a começar pela 
nomenclatura - a possibilidade de o discricionário (repita-se, de 
aceitabilidade conceitual cogitável uma vez contextualizada a 
discricionariedade naqueles limites traçados por Castanheira Neves) 
revestir-se de arbitrário. Na hermenêutica aqui defendida não há 
respostas/interpretações (portanto, aplicações) antes da diferença 
ontológica ou, dizendo de outro modo, antes da manifestação do 
caso decidendo. 1 
 
Assim, é certo afirmar que discricionariedade (com aceitabilidade social) não 
é arbitrariedade (com mero decisionismo judicial). Urge, pois, superar tal 
normativismo positivista, no qual predomina o solipsismo subjetivista do 
magistrado, que Lenio Streck denomina de “subjetividade assujeitadora de 
um sujeito que se considera "proprietário dos sentidos (abstratos) do direito" 
 
1 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias 
discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3. ed., rev, 
atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 422. 
 
 8 
e que nada "deixa" para a faticidade”.2 
 
É nesse sentido que o neoconstitucionalismo rejeita a operação exegética 
simples do esquema normativista kelseniano, na qual o legislador assume a 
postura de "proprietário dos sentidos da norma posta” e que nada "deixa" 
para a dimensão retórico-argumentativa das decisões judiciais na entrega da 
tutela jurisdicional do caso concreto. 
 
Portanto, opera-se a passagem do juiz conforme a lei do positivismo para o 
juiz conforme a Constituição do neoconstitucionalismo. Nas palavras de André 
Ramos Tavares: 
A proposta remonta, preliminarmente, à distinção entre juiz 
conforme a lei e juiz da lei, ou seja, entre a postura clássica da 
função jurisdicional (juiz conforme a lei) e a postura desenvolvida, 
sobretudo, com o constitucionalismo e, com maior intensidade, pelo 
neoconstitucionalismo (juiz da lei, juiz conforme a Constituição).3 
 
Com rigor, observa-se o afastamento da aplicação mecânica do direito pelo 
juiz conforme a lei, é dizer afasta-se a hegemonia exegética do texto da 
norma exercida por um juiz soldado da lei, preocupado com o cumprimento 
das leis em vigor e completamente desvinculado da retitude material da 
norma escrita. 
 
Em seu lugar, surge o juiz constitucional, ciente do seu papel dentro de uma 
sociedade plural, complexa e desigual, cuja atuação jurisdicional deve ficar 
subordinada, como já amplamente visto, à “consciência epistemológica de 
uma sociedade democraticamente pluralista”. 
 
 
2 Nas palavras do autor, verbis: “Se se quiser, poder-se-á dizer que a discricionariedade que combato - e 
nesse sentido me aproximo da posição de C. Neves - é aquela decorrente do esquema sujeito-objeto, 
da consciência de si do pensamento pensante, enfim, da subjetividade assujeitadora de um sujeito que 
se considera "proprietário dos sentidos (abstratos) do direito" e que nada "deixa" para a faticidade”. 
ibidem. 
3 TAVARES, André Ramos. Paradigmas do judicialismo constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. 
p. 19. 
 
 9 
Isto significa dizer que a legitimidade democrática das decisões judiciais é 
função de um contexto intersubjetivo de fundamentação. Ou seja, a 
normatividade do direito não se atrela tão somente ao texto da norma no 
plano abstrato de significação, mas, também, ao grau de aceitabilidade da 
norma-decisão (norma interpretada) pelo auditório universal, tal qual 
concebido por Chäim Perelman. 4 
 
Com isso, destaca-se a importância da teoria da argumentação jurídica na 
aplicação do direito pelo juiz constitucional, isto é, no âmbito de sua atuação, 
não existem verdades apodíticas, axiomas irrefutáveis, mas, sim, opções 
razoáveis capazes de promover a adesão do auditório universal, conceito este 
que deve, induvidosamente, coincidir com a comunidade aberta de 
intérpretes da Constituição de Peter Häberle. 
 
Com rigor, não se pode negar que o convencimento do auditório universal de 
Perelman (agora percebido também como a sociedade aberta de intérpretes 
de Häberle) depende da fundamentação jurídica, ou seja, quanto maior o 
grau de coerência das razões expostas pelo juiz constitucional, maior a 
racionalidade do discurso e, portanto, maior a aceitabilidade da decisão 
judicial (norma-decisão) pelo auditório universal e pela sociedade aberta de 
intérpretes da Constituição. Tal fato legitima, sem nenhuma dúvida, a 
atuação do juiz constitucional, reduzindo o déficit democrático imputado ao 
poder judiciário. 
 
Em suma, diferentemente do juiz soldado da lei, a atuação do juiz 
constitucional constrói cientificamente uma nova lógica jurídica intrínseca e 
democraticamente pluralista e mais afeita às ideias de sistema aberto de 
regras e princípios, reaproximação entre direito e ética, força normativa da 
Constituição, paradigmas de racionalidade argumentativa, garantia dos 
direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. 
 
4 PERELMAN, Chäim. Lógica jurídica. Nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
 
 
 10 
 
O núcleo central da nova dogmática encontra-se exatamente nesta contínua 
aprovação da comunidade aberta härbeleana de intérpretes da Constituição e 
do auditório universal perelmaniano, porque coloca em confronto direto 
valores constitucionais igualmente protegidos no seio da sociedade 
democrática. Há, pois, nítida articulação entre razão e ação, entre ética e 
direito, entre norma e valor. 
 
O espírito normativo-científico da nova dogmática constitucional deve afastar 
toda e qualquer atuação calcada no mero decisionismo judicial. Nesse 
diapasão, o aluno haverá de concordar que muito pior que o “positivismo 
desprovido de abertura axiológica” é o “decisionismo pós-positivista 
desprovido de cientificidade”.5 
 
Firme, portanto, a visão de uma nova postura do juiz constitucional que não 
pode se deixar seduzir pelo caminho fácil do ativismo judicial desproporcional, 
sem freios hermenêuticos e desvinculado do controle intersubjetivo da 
sociedade como um todo. 
 
A Constituição configura um sistema normativo axiológico, cujas normas são 
mandamentos cogentes que devem ser obedecidos, seja pelo legislador 
democrático, seja pelo poder judiciário. É nesse sentido que surge, sim, a 
necessidade de controle democrático intersubjetivo da margem de 
discricionariedade de juízes e tribunais na concretização da Constituição. 
 
5 Assim, acreditamos piamente ser possível edificar-se a reconstrução neoconstitucionalista 
do direito a partir de um sistema axiológico-indutivo pautado na racionalidade discursiva do 
direito. Com isso, amplia-se o horizonte da interpretação constitucional e em seu bojo a 
perspectiva de se atribuir cientificamente normatividade a princípios abertos segundo um 
novo padrão exegético pós-positivista que explora a noção de fatos portadores de 
juridicidade. O que releva sublinhar, portanto, é a fé que anima a reconstrução 
neoconstitucionalista do direito e que é seu espírito científicoque afasta modelagem 
hermenêutica de base jusnaturalista. Nesse diapasão, o leitor haverá de concordar que muito 
pior do que um “positivismo desprovido de abertura axiológica” é o “decisionismo pós-
positivista desprovido de cientificidade”. Cf GÓES, Guilherme Sandoval. Neoconstitucionalismo 
e dogmática pós-positivista. In: A reconstrução democrática do direito público no 
Brasil. Organizado por Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 124. 
 
 11 
 
Note-se que a essência democrática da reconstrução neoconstitucionalista 
sempre será uma forma de controle que se passa entre cidadãos diversos, 
cujo convencimento imprime legitimidade à dimensão retórico-argumentativa 
(dianoética) das decisões judiciais. 
 
Com rigor, tais cidadãos são os destinatários das decisões judiciais (os 
elementos componentes tanto da sociedade aberta de intérpretes da 
Constituição de Häberle quanto do auditório universal de Perelman) e estarão 
aptos a julgar a norma-decisão do magistrado a partir da argumentação 
jurídica usada na escolha dos princípios constitucionais vencedores na solução 
do caso decidendo. 
 
É bem de ver, pois, que a argumentação jurídica feita pelo juiz/exegeta é o 
elemento nuclear do controle democrático das decisões judiciais porque 
permite que todos os intérpretes da Constituição, elementos componentes do 
auditório universal, avaliem a tese jurídica engendrada para a solução do caso 
concreto. Em síntese, é o convencimento deste círculo universal que serve de 
base para a legitimação democrática da decisão final (norma-resultado no 
plano concreto de significação) do poder judiciário. 
 
Em suma, as decisões feitas em nome do Estado-pacificador de lides 
resistidas devem observar os influxos de um verdadeiro Estado Democrático 
de Direito, devendo, portanto, buscar sua nobreza hermenêutica no seio da 
comunidade aberta de intérpretes da Constituição (concepção de Peter 
Häberle) e do convencimento do auditório universal (construção de Chäim 
Perelman). 
 
Uma vez compreendida a relevância do controle intersubjetivo democrático 
das decisões judiciais, importa agora investigar mais um dos elementos 
teóricos que informam o fenômeno da constitucionalização do direito e que é 
 
 12 
a diferenciação entre o texto do comando normativo e a norma propriamente 
dita. 
 
A Diferença entre “Texto da Norma” e “Norma Propriamente 
Dita” 
Em tempos de democracia pós-moderna, no seio de uma sociedade 
globalizada, complexa, plural, assimétrica e democrática, predomina 
induvidosamente um contexto jurídico dominado pelo assim chamado fog of 
wright (nevoeiro do direito). 
 
Esta ideia de nevoeiro do direito simboliza a obscuridade normativa que se 
forma nas diferentes camadas de uma sociedade axiologicamente 
fragmentada e constituída de grande número de conflitos de diferentes 
matizes (políticos, sociais, econômicos, culturais, éticos, trabalhistas, 
religiosos, etc.). 
 
Disso tudo resulta reduzida possibilidade de grandes consensos, daí a 
relevância da compreensão do significado do constitucionalismo 
compromissório, isto é, tal nevoeiro ético-normativo é o símbolo de um 
constitucionalismo compromissório que tenta, a um só tempo, conciliar 
valores axiológicos da democracia liberal e da social democracia. Por certo, o 
intérprete da Constituição tem que conviver com antinomias aparentes que 
colocam, e.g., de um lado, a livre iniciativa, a livre concorrência e a 
propriedade (valores da democracia liberal), e, do outro, o direito do 
consumidor, a proteção dos hipossuficientes, a igualdade material e a função 
social da propriedade (valores da social democracia). 
 
Destarte, será a figura jurídica da ponderação de valores o norte dogmático 
das decisões judiciais, cujo alcance normativo deve ser compatível com o 
sentimento constitucional de justiça. A validade normativa da decisão judicial 
está associada aos valores éticos projetados como princípios constitucionais. 
 
 13 
 
Nesse sentido, a solução jurídica possível somente será alcançada a partir do 
caso concreto, o que evidentemente afasta as teorias positivistas meramente 
procedurais. Portanto, é fundamental compreender a noção de que “texto da 
norma” e “norma propriamente dita” são entidades jurídicas distintas. 
 
De feito, o elemento decisivo para a compreensão da estrutura normativa 
pós-positivista das normas constitucionais é a visão da não identidade entre 
norma e texto. O texto da norma é o enunciado positivo que corresponde ao 
processo democrático legislativo (plano abstrato de significação). Tal 
elemento não se confunde com o outro, o elemento de concretização 
resultante do processo de interpretação do referido enunciado normativo 
(plano concreto de significação). 
 
Destarte, é importante compreender a nova trilha da teoria hermenêutica da 
norma jurídica, na qual os termos texto e norma não são coincidentes. Isto 
significa dizer que a norma-decisão do juiz, na qualidade de última fase do 
ciclo hermenêutico, é a norma concretizada; é a norma já devidamente 
interpretada, não se confundindo com o seu texto. 
 
Em outras palavras, a concretização de uma determinada norma 
constitucional dar-se-á sempre a partir de um caso concreto, cujos elementos 
fáticos incidirão sobre o texto de uma ou mais normas constitucionais escritas 
ou não, gerando de fato o direito a ser aplicado, vale dizer a norma 
propriamente dita. A construção dessa norma-decisão no plano concreto de 
significação exige uma escolha valorativa do juiz/intérprete e que não se 
confunde com a letra dos textos normativos no plano abstrato de significação. 
 
 
 14 
Ou seja, é preciso entender que os artigos, parágrafos, incisos, alíneas, etc., 
da Constituição estão situados no plano preliminar de análise abstrata das 
normas (plano prima facie de significação na visão de Humberto Ávila).6 
 
Já as normas propriamente ditas (normas-decisão) estão localizadas no plano 
all things considered de significação na visão de Aleksander Peczenik. 7 Em 
outras palavras, as normas-decisão levam em consideração todos os 
elementos fáticos do caso concreto, daí seu posicionamento no plano all 
things considered de significação. Neste sentido, o pensamento de Humberto 
Ávila: 
 
é preciso distinguir o plano preliminar de análise abstrata das 
normas, comumente chamado de plano prima facie de significação, 
do plano conclusivo de análise concreta das normas, comumente 
denominado all things considered de significação.8 
 
Enfim, é bem de ver que os conceitos de texto e norma são muito diferentes, 
muito embora a norma (norma-decisão do magistrado no plano concreto de 
significação) seja o seu texto (norma posta previamente pelo legislador 
democrático no plano abstrato de significação) após o devido processo 
interpretativo. 
 
Em outro dizer, os elementos fáticos e axiológicos do caso decidendo 
incidiram sobre o “texto da norma” gerando a “norma propriamente dita”, isto 
é, esta última nada mais é do que a primeira aplicada num determinado caso 
concreto depois de um processo interpretativo de ponderação de valores. 
 
 
6 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios 
jurídicos. Rio de janeiro: Malheiros, 2004. p. 57. 
7 PECZENIK, Aleksander. On law and reasons. The Netherlands: Kluwer Academic 
Publishers, 1989. p. 76. 
8 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. Rio de 
janeiro: Malheiros, 2004. p. 57. 
 
 15 
Fácil, portanto, a compreensão da teoria hermenêutica da norma jurídica, que 
projetaa ideia-força de que as normas-resultado no plano concreto de 
significação são normas que resultaram da incidência dos fatos portadores de 
juridicidade do caso concreto específico sobre o texto das normas no plano 
abstrato de significação. 
 
Note-se que as normas em abstrato, no plano prima facie de significação, são 
normas dotadas de racionalidade linguística que lhes é imposta pelo legislador 
democrático, enquanto que as normas propriamente ditas, isto é, as normas-
decisão, no plano all things considered de significação, são normas dotadas 
de racionalidade argumentativa que lhes é imposta pelo intérprete/juiz após 
aplicar um determinado critério hermenêutico de ponderação de valores de 
mesma dignidade constitucional. 
 
Isso significa dizer que, para ocorrer a transformação de texto em norma, é 
necessário um processo hermenêutico de interpretação-concretização, cuja 
função precípua é captar o sentido e o alcance dos textos escritos e, ao 
depois, realizar a vontade constitucional no caso concreto. 
 
Eis aqui o caminho da nova interpretação constitucional: transformar a 
racionalidade linguística e abstrata do texto escrito em racionalidade 
discursiva e axiológica da norma constitucional propriamente dita, ou seja, 
levando em consideração os elementos externos da dimensão literal dos 
comandos constitucionais, o resultado final do processo de interpretação-
concretização da Constituição transmuda-se em norma-decisão, cuja equação 
dogmática incorpora no seu bojo as variáveis fáticas e axiológicas específicas 
de cada caso concreto de per si. 
 
O texto constitucional é, induvidosamente, o ponto de partida das decisões 
judiciais, sua matéria-prima de extração cognitiva e axiológica, mas não é o 
resultado final do ato decisional da interpretação-concretização da 
Constituição. Como amplamente já examinado, a interpretação da 
 
 16 
Constituição não é cativa dos órgãos do poder judiciário, ao revés, seu círculo 
de intérpretes alcança toda a sociedade. 
 
Portanto, partindo desta premissa hermenêutico-filosófica de Peter Häberle, é 
imperioso destacar que um dos grandes elementos exegéticos diferenciadores 
do novo paradigma é exatamente a “cisão entre texto da norma e norma” e 
cujos desdobramentos acabam por "blindar" a concretização das normas 
constitucionais contra o subjetivismo solipsista irracional da escola 
decisionista do direito. 
 
Vale, portanto, em seguida, investigar a construção teórica do iceberg 
normativo de Friedrich Müller, jurista alemão idealizador do método 
interpretativo chamado Metódica Estruturante do Direito, cuja linhagem 
científica parte da ideia-força de que o texto escrito da norma é apenas a 
parte descoberta do grande iceberg normativo, cuja parte oculta esconde o 
seu verdadeiro programa normativo, vale dizer, o amplo quadro de 
possibilidades/alternativas hermenêuticas possíveis de serem extraídas da 
letra da lei. 
 
O Texto da Norma Como Parte Visível do Iceberg Normativo 
Como já amplamente visto na segmentação temática anterior, a norma-
decisão é a norma-resultado, é a norma final representativa da prestação 
jurisdicional. É a decisão final do juiz/intérprete e resultado da compilação de 
todos os elementos envolvidos na solução do caso decidendo, semânticos e 
extrasemânticos, jurídicos e extrajurídicos. 
 
Em consequência, a interpretação sempre será necessária para a fixação da 
norma-resultado. Calha, nesse sentido, a visão de Jane Reis Gonçalves 
Pereira: 
 
Contra essa noção [a ideia de que só se efetiva a interpretação 
quando há dúvida sobre o significado do texto] é comum objetar-se 
 
 17 
que a interpretação é sempre necessária, pois só é possível 
determinar a clareza ou obscuridade de um texto após interpretá-lo. 
Mas, ao que parece, a dicotomia interpretação noética/dianoética 
(ou compreensão/interpretação) tornaria a referida divergência 
apenas semântica. 9 
 
Assim sendo, a ideia de norma-decisão é aqui desenvolvida dentro daquela 
imagem da obra de Wittgenstein II do jogo de linguagem se transformando 
em jogo de interpretação, imagem esta que serve também como substrato 
jusfilosófico para o já citado jogo concertado dos princípios, instrumento 
fundamental da hermenêutica constitucional contemporânea. Não resta 
dúvida de que já se consolidou na melhor doutrina, o entendimento de que a 
norma-decisão do juiz é a última fase do ciclo hermenêutico, que começa 
com a incidência dos fatos reais do caso concreto sobre a norma-dado 
(norma preexistente no ordenamento jurídico) e acaba com a norma-produto 
(norma-resultado) vinda de um processo de interpretação pautado nos 
paradigmas de racionalidade discursiva, dianoética. 
 
No entanto, é importante frisar bem que a norma-decisão não é um ato 
volitivo do magistrado, mas, sim, o resultado da incidência dos elementos 
fáticos da realidade sobre o ordenamento jurídico positivado pelo legislador 
democrático. São os fatos do mundo real (dimensão hermenêutica da 
faticidade) que juntamente com os preceitos normativos abstratos da ordem 
jurídica gestarão a norma-decisão; a norma propriamente dita no plano 
concreto de significação. Nas palavras de Lenio Streck, tem-se que: 
 
Por isso é que se chama de hermenêutica da faticidade 
[hermenêutica filosófica gadameriana]. E por isso também que se 
pode dizer que os princípios não proporcionam abertura na 
interpretação, com o que até positivistas como Ferrajoli concordam. 
O ovo da serpente do irracionalismo, da discricionariedade e do 
decisionismo está em Kelsen e Hart, cada um ao seu modo. E para 
 
9 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de 
Janeiro: Renovar, 2005. p. 36. 
 
 18 
quem até hoje acredita que a interpretação é um ato de 
vontade, basta que se acrescente a esse "ato de vontade" a 
expressão "de poder" e estaremos de volta ao último princípio 
epocal da modernidade: a Wille zur Macht, a vontade do poder de 
Nietsche, que sustenta as diversas formas de pragmatismo no 
direito, além de concepções realistas como as dos Critical Legal 
Studies. (negritos nossos).10 
 
É certo, pois, afirmar que a interpretação/concretização não é um ato de 
vontade, não é um ato de poder que se atrela à pré-compreensão do 
magistrado. Ao contrário, a interpretação/concretização da Constituição 
alcança a todos, e não apenas aos participantes do processo jurídico-
decisional. Concretizar a Constituição não é apenas construir a norma-decisão 
a partir da letra da lei, mas, sim, realizar o sentimento constitucional de 
justiça. 
 
Trata-se, pois, de hermenêutica avançada que tem por supedâneo o corte 
epistemológico provocado pela revolução linguístico-ontológica em Heidegger, 
Gadamer, Wittgenstein e outros. Com rigor, o que se quer aqui reafirmar é a 
mudança de paradigma da interpretação constitucional que se afasta da 
racionalidade linguística do texto escrito, para se aproximar da racionalidade 
retórico-argumentativa da norma interpretada/concretizada, simbolizando 
verdadeiramente o “giro epistemológico” no âmbito das investigações 
metodológicas pós-positivas, provocado por sua vez pelo giro pragmático da 
Filosofia da linguagem, especialmente após a obra de Wittgenstein II. 
 
Em consequência, a ideia de norma-decisão é aqui desenvolvida dentro 
daquela imagem wittgensteiniana do jogo de linguagem se transformando em 
jogo de interpretação, imagem esta que, em última instância, serve também 
como substrato jusfilosófico da visão contemporânea de que texto e norma 
não se confundem.10 Cf. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à 
necessidade de respostas corretas em direito, p. 451. 
 
 19 
 
Destarte, as normas abstratas feitas pelo poder legislativo são normas 
dotadas de racionalidade literal ou linguística, própria do texto do enunciado 
normativo (parte visível do iceberg normativo de Müller). Já as normas 
propriamente ditas, isto é, as normas-decisão no plano concreto de 
significação, são normas dotadas de racionalidade discursiva ou retórico-
argumentativa, própria da fundamentação jurídica usada pelo operador do 
direito no processo de interpretação constitucional (norma retirada da parte 
oculta ou não do iceberg normativo). 
 
 Assim sendo, o juiz/jurista haverá, então, de refletir que o texto da norma 
não é a norma jurídica a ser aplicada, porém deve compreender, por outro 
lado, que o texto da norma é o dado de entrada (input) mais importante do 
processo de interpretação/concretização, lado a lado com os fatos portadores 
de juridicidade do caso a ser decidido juridicamente. 
 
Logo, a norma propriamente dita resulta da melhor tese jurídica a defender 
(empregando a racionalidade retórico-argumentativa) e lembrando ainda que 
a mesma estará submetida ao controle democrático intersubjetivo da 
sociedade aberta de intérpretes da Constituição. Este é induvidosamente um 
dos imperativos do Estado Democrático de Direito, sem o qual se desqualifica 
a ideia de constitucionalismo como elemento limitador do poder do Estado. 
 
Isto significa dizer, por outras palavras, que a normatividade que se 
manifesta nas decisões judiciais não está baseada literalmente apenas no 
texto da norma, ao revés, a normatividade da decisão a ser elaborada alcança 
a doutrina, a jurisprudência, estudos monográficos, obras e legislação de 
Direito Comparado; enfim, a normatividade do direito abarca numerosos 
textos jurídicos que transcendem o teor literal da norma legislada. 
 
É nesse sentido que se afirma que a normatividade das normas 
constitucionais está diretamente vinculada às alterações que provoca no 
 
 20 
mundo da vida (efetividade ou eficácia social de Luís Roberto Barroso), daí a 
relevância dos elementos fáticos do caso concreto (fatos portadores de 
juridicidade), que juntamente com o textos destas normas realizarão a 
vontade constitucional. 
 
No entanto, frise-se bem que, muito embora o texto da norma não contenha 
a normatividade em sua inteireza; o fato é que atua como elemento 
delimitador das possibilidades de concretização/ interpretação da 
Constituição. 
 
Portanto, o reconhecimento de que há uma diferença entre o texto jurídico e 
a norma extraída desse texto não implica dizer que a cisão entre eles seja 
total. Parte da doutrina destaca que a fraqueza da teoria kelseniana vem 
exatamente da identidade entre “norma” e “texto da norma”. No dizer de 
David Diniz Dantas: 
 
Na construção kelseniana, Müller sustenta que a interpretação se 
torna operação meramente “volitiva”, de vez que o aplicador é o 
“senhor” tanto do texto da regra a aplicar (premissa maior do 
silogismo) quanto da qualificação dos fatos (premissa menor). 
Assim, o “normativismo” kelseniano acabaria em puro 
“decisionismo”. A fraqueza da teoria kelseniana da 
interpretação seria causada pela identificação feita pela 
teoria pura entre “norma” e “texto da norma”. Haveria 
desconexão entre a realidade e a norma a aplicar. Esse isolamento 
– fruto da severa separação entre Sein e Sollen – levaria à 
indeterminação do significado do texto, uma vez que este restaria 
isolado dos elementos da realidade que lhe poderiam conferir 
sentido. Assim, para Müller, a teoria pura do Direito resulta em uma 
teoria vazia de interpretação. 11 
 
 
11 DANTAS, David Diniz. Interpretação constitucional no pós-positivismo. Teoria e casos práticos. 
São Paulo: Madras, 2004. p. 251- 252. 
 
 21 
É por isso que a metódica jurídica normativo-estruturante de Müller propõe 
uma abordagem diferente daquela feita por Kelsen, pois parte de uma teoria 
estruturante calcada na relação “norma-realidade”. Ser e dever ser são 
considerados como faces de uma mesma moeda. Em consequência, para a 
teoria da norma jurídica de Friedrich Müller, o texto de um preceito jurídico 
positivo corresponde a um pedaço da realidade social. Como bem destaca 
Canotilho, comentando a metódica normativo-estruturante de Müller: 
 
elemento decisivo para a compreensão da estrutura normativa é 
uma teoria hermenêutica da norma jurídica que arranca da 
não identidade entre norma e texto normativo; (...) o texto de um 
preceito jurídico positivo é apenas a parte descoberta do iceberg 
normativo (F. Müller), correspondendo em geral ao programa 
normativo (ordem ou comando jurídico na doutrina tradicional); 
(...) mas a norma não compreende apenas o texto, antes abrange 
um 'domínio normativo', isto é, um 'pedaço de realidade social' que 
o programa normativo só parcialmente contempla; (...) 
consequentemente, a concretização normativa deve considerar e 
trabalhar com dois tipos de elementos de concretização: um 
formado pelos elementos resultantes da interpretação do texto da 
norma (= elemento literal da doutrina clássica); outro, o elemento 
de concretização resultante da investigação do referente normativo 
(domínio ou região normativa). 12 
 
Para Müller, a assimilação da norma à sua configuração linguística leva os 
intérpretes positivistas a considerar os elementos externos aos textos da 
norma como metajurídicos, desprezando-os, assim, na formulação da solução 
dos casos concretos. O momento culminante da concretização constitucional 
traduz-se na individualização dessa norma jurídica abstrata em uma “norma-
decisão” (dispositivo da sentença). 
 
Nesse sentido, entendemos com Lenio Streck, que o texto não “carrega”, de 
forma retificada, o seu sentido (a sua norma). Trata-se de entender que entre 
 
12 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: 
Livraria Almedina, 1992. p. 1087. 
 
 22 
texto e norma não há uma equivalência e tampouco uma total autonomização 
(cisão). Correta a crítica feita ao positivismo jurídico com relação ao caráter 
volitivo das decisões judiciais. Lenio Streck alerta, com acuidade científica, 
que: 
 
Entender que não são a mesma coisa texto e norma não é 
suficiente para suplantar a relação sujeito-objeto e tampouco para 
superar a (dogmática e metafísica) equiparação entre texto e 
norma, ainda predominante no sentido comum teórico dos 
juristas.13 
 
Por sua vez, Luís Roberto Barroso mostra que “para muitos, não se pode 
sequer falar da existência de norma antes que se dê a sua interpretação com 
os fatos, tal como pronunciada por um intérprete”.14 
 
Em conclusão, é lícito afirmar que a operação de transmutação da “norma em 
abstrato” para “norma-decisão” reclama do juiz constitucional uma estratégia 
de interpretação pós-positivista, cuja dinâmica leva em consideração os 
elementos fáticos do caso concreto (fatos portadores de juridicidade) e a 
pauta de valores axiológicos da Constituição-texto. Em sentido metafórico, 
diríamos que a letra da Constituição é a trilha, mas, nunca o trilho do 
processo de tomada de decisões do juiz/exegeta constitucional. 
 
De feito, como bem salienta a figura hermenêutica de Friedrich Müller, o texto 
constitucional é apenas aquela pequena parte visível de um imenso iceberg 
normativo, cabendo ao juiz constitucional descobrir sua parte oculta – a maior 
delas – fazendo uso das hodiernas estratégiashermenêuticas que lhe são 
postas à disposição pela reconstrução neoconstitucionalista do direito. 
 
 
13 Cf. Hermenêutica jurídica e(m) crise, p. 226. 
14 Cf. “O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito 
brasileiro”. In: Temas de direito constitucional. Tomo III, p.8. 
 
 23 
Atividade Proposta 
Discorra sobre o significado da expressão “a letra da norma é apenas a parte 
visível do iceberg normativo”. 
 
Referências 
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos 
princípios jurídicos. Rio de janeiro: Malheiros, 2004. 
 
DANTAS, David Diniz. Interpretação constitucional no pós-positivismo. 
Teoria e casos práticos. São Paulo: Madras, 2004. 
 
GÓES, Guilherme Sandoval. Neoconstitucionalismo e dogmática pós-
positivista. In: A reconstrução democrática do direito público no 
Brasil. Organizado por Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 
p. 113-150. 
 
PECZENIK, Aleksander. On law and reasons. The Netherlands: Kluwer 
Academic Publishers, 1989. 
 
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos 
fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 
 
PERELMAN, Chäim. Lógica jurídica. Nova retórica. São Paulo: Martins 
Fontes, 1998. 
 
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e 
teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em 
direito. 3. ed., rev, atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. 
 
TAVARES, André Ramos. Paradigmas do judicialismo constitucional. 
São Paulo: Saraiva, 2012. 
 
 24 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Exercícios de Fixação 
Questão 1 
Leia o texto abaixo de autoria de Luís Roberto Barroso: 
 “A cláusula constitucional que estabelece a aposentadoria compulsória por 
idade é uma regra. Quando o servidor completa 70 anos, deve passar à 
inatividade, sem que a aplicação do preceito comporte maior especulação. O 
 
 25 
mesmo se passa com a norma constitucional que prevê que a criação de uma 
autarquia depende de lei específica. O comando é objetivo e não dá margem 
a elaborações mais sofisticadas acerca de sua incidência. Sua aplicação se dá, 
predominantemente, mediante subsunção”. 
 
A partir da leitura do texto acima, analise as assertivas abaixo e assinale a 
resposta CORRETA: 
 
I. O texto revela que os comandos normativos regracionais, como é o 
exemplo da cláusula constitucional da aposentadoria compulsória, são 
objetivos e somente deixarão de incidir sobre a hipótese de fato que 
contemplam, se houver razões axiológicas reconhecidas pelo exegeta a 
partir dos elementos fáticos do caso concreto. 
 
II. O texto revela que os comandos normativos principiológicos, 
contrariamente ao exemplo da cláusula constitucional da aposentadoria 
compulsória, são abertos e deverão ser aplicados axiomaticamente pelos 
juízes com base no dogma do silogismo jurídico. 
 
a) As duas assertivas são falsas; 
b) A assertiva I é verdadeira e a assertiva II é falsa; 
c) Ambas as assertivas são verdadeiras; 
d) A assertiva I é falsa e a assertiva II é verdadeira. 
 
 
Questão 2 
Com relação à reconstrução neoconstitucionalista do direito, analise as 
assertivas abaixo e assinale a resposta CORRETA: 
 
I. A teorização de um direito "constitucionalmente aberto" é a mais 
consentânea com a Carta Magna de 1988, que é classificada como 
sendo uma “constituição compromissória”, vale dizer uma 
 
 26 
constituição que tenta harmonizar, ao mesmo tempo, os valores 
da democracia liberal e da social democracia. 
 
II. A formação de uma nova hermenêutica constitucional, dinâmica e 
flexível, é característica do neoconstitucionalismo que concebe a 
Constituição como um sistema autopoiético gerador da certeza 
jurídica máxima. 
 
a) As duas assertivas são falsas; 
b) A assertiva I é verdadeira e a assertiva II é falsa; 
c) Ambas as assertivas são verdadeiras; 
d) A assertiva I é falsa e a assertiva II é verdadeira. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Questão 3 
Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa INCORRETA: 
 
a) A nova hermenêutica constitucional confere ao juiz maior autonomia 
para realizar a Constituição, dando-lhe maior flexibilidade para captar o 
sentido e o alcance das normas in abstracto, porém não admite o mero 
decisionismo judicial; 
 
 27 
b) A efetivação de um direito "constitucionalmente aberto" exige cada vez 
mais a racionalidade linguístico-silogística dos princípios constitucionais 
com alto teor axiológico. 
c) A hodierna dogmática pós-positivista se pauta na não identidade entre 
norma e texto da norma, valendo dizer que a primeira é a norma-
decisão representativa da prestação jurisdicional, enquanto a última é 
a norma posta pelo legislador democrático. 
d) A busca da efetividade das normas constitucionais, em especial dos 
princípios e o desenvolvimento de uma dogmática baseada em 
fórmulas hermenêuticas de valorização da dimensão retórica das 
decisões judiciais, é característica do modelo pós-positivista. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Questão 4 
Hodiernamente, o direito neoconstitucional apresenta grandes evoluções 
hermenêuticas, entre as quais se destaca a ideia de que o texto escrito da 
norma posta pelo legislador democrático não é necessariamente a norma-
resultado do juiz/exegeta. A invocação dos valores morais é hoje o traço 
jurídico que caracteriza tal dogmática pós-positivista. 
 
 
 28 
Assim sendo, em relação a esta nova postura neoconstitucionalista do direito, 
analise cada item a seguir e informe se as características apontadas são 
VERDADEIRAS ou FALSAS em relação a tal movimento: 
 
I. Verificação da retitude material da norma posta pelo legislador 
democrático. 
II. Discurso exegético-axiológico. 
III. Postura atrelada ao vazio ético da norma jurídica. 
IV. Predominância cêntrica do solipsismo judicial de natureza deontológica. 
V. Calcado na teoria epistemo-procedimental de verdades apodícticas. 
 
a) V; F; F; V; V. 
b) F; V; F; V; V. 
c) F; V; V; V; F. 
d) V; F; V; V; F. 
e) V; V; F; F; F. 
 
 
 
 
 
 
 
Questão 5 
Determinada revista masculina publicou fotos utilizando-se dos símbolos 
eclesiásticos. A comunidade cristã considerou abusiva a conduta dos 
publicitários, requerendo na Justiça uma medida cautelar no sentido de 
proibir a venda do periódico. Os publicitários, por sua vez, reivindicaram o 
 
 29 
direito de exercer seu direito constitucional à liberdade de expressão artística. 
A partir da situação narrada, assinale a alternativa correta: 
 
a) A solução desse caso será obtida com os critérios tradicionais da 
hierarquia (lex superior derogat inferioris), segundo a qual a norma 
superior prevalece sobre a inferior, o critério cronológico, pelo qual 
a norma posterior prevalece sobre a anterior (lex posterior derogat 
priori), e, finalmente, o critério da especialização que, por seu 
turno, estabelece que a lei específica predomina sobre a lei geral (lex 
especialis derogat generali) tem emprego adequado; 
b) A solução desse caso será obtida de acordo com modelo normativo-
positivista de aplicação silogística com a preferência pelos valores 
morais da comunidade cristã; 
c) A solução desse caso virá da aferição da dimensão de peso atribuída 
pelo exegeta aos princípios constitucionais em colisão, feito sob a 
égide da técnica de ponderação de valores, que levará em 
consideração os fatosportadores de juridicidade do caso concreto; 
d) A solução desse caso será obtida com o critério da interpretação literal 
das normas constitucionais que estabelece uma ordem de valores 
objetiva da Constituição, onde se estabelece a superioridade normativa 
das regras sobre os princípios tendo em conta sua maior densidade 
normativa. 
 
 
 
 30 
Atividade Proposta 
Em última instância, o neoconstitucionalismo tem como substrato jusfilosófico 
a visão contemporânea de que texto e norma não se confundem. Com efeito, 
já se consolidou na melhor doutrina o entendimento de que texto e norma 
são entidades jurídicas distintas. Nesse passo, preleciona Canotilho que: “o 
texto de um preceito jurídico positivo é apenas a parte descoberta do iceberg 
normativo (F. Müller), correspondendo em geral ao programa normativo 
(ordem ou comando jurídico na doutrina tradicional); (...) mas a norma não 
compreende apenas o texto, antes abrange um 'domínio normativo', isto é, 
um 'pedaço de realidade social' que o programa normativo só parcialmente 
contempla”. Da lição do mestre lusitano, importa extrair a visão de que a 
norma-decisão do juiz representa a última fase do ciclo hermenêutico, ou 
seja, é a norma já interpretada levando-se em consideração todos os 
elementos fáticos do caso concreto, ou seja, a norma-decisão está localizada 
no plano all things considered de significação (Aleksander Peczenik). Com a 
devida atenção, o estimado aluno haverá de concordar que as normas em 
abstrato, no plano prima facie de significação, são normas dotadas de 
racionalidade linguística que lhes é imposta pelo legislador democrático, 
enquanto que as normas propriamente ditas, isto é, as normas-decisão no 
plano all things considered de significação são normas dotadas de 
racionalidade dianoética que lhes é imposta pelo intérprete após aplicar uma 
determinada fórmula hermenêutica. Isto significa dizer, por outras palavras, 
que a transformação de “norma em abstrato” em “norma-decisão” exige uma 
estratégia de interpretação constitucional que leve em consideração os 
elementos fáticos do caso concreto. Em sentido metafórico, a letra da 
Constituição é a trilha, mas nunca o trilho do processo de tomada de decisões 
do magistrado. Na verdade, o texto constitucional é aquela pequena parte 
visível do imenso iceberg normativo (Friedrich Müller), cabendo ao exegeta 
descobrir sua parte oculta – a maior delas – mediante emprego de uma das 
 
 31 
estratégias que lhe são postas à disposição pela moderna teoria hermenêutica 
da norma jurídica. Com isso, queremos dizer que o decisor judicial tem a 
tarefa de identificar a retitude material do texto da lei a partir de criteriosa 
seleção dos fatos do mundo real que incidem sobre ela no plano preliminar de 
significação. Precisa ter plena consciência de que a dimensão retórica de sua 
norma-decisão é parte integrante da normatividade do direito e, por isso 
mesmo, suscetível de controle intersubjetivo por parte de comunidade aberta 
de intérpretes da Constituição. 
 
Exercícios de fixação 
Questão 1 - C 
Justificativa: Ambas as assertivas estão erradas, porque as cláusulas 
constitucionais regracionais não dão margem às elaborações axiológicas fora 
do âmbito do texto da norma. As regras são comandos de certeza e sua 
aplicação se dá, predominantemente, mediante subsunção-silogística. Ou 
seja, as regras são comandos objetivos que somente deixarão de incidir sobre 
a hipótese de fato que contemplam se forem inválidas, se houver outra mais 
específica ou se não estiverem em vigor. Sua aplicação se dá de modo 
axiomático-dedutivo. Já os comandos normativos principiológicos são abertos 
e deverão ser aplicados axiologicamente com base na ponderação de valores 
de mesma dignidade constitucional. 
 
Questão 2 - B 
Justificativa: A justificativa II está errada, porque a reconstrução 
neoconstitucionalista vislumbra a Constituição como um sistema aberto de 
regras e princípios e não como um sistema normativo autopoiético, fechado 
em si mesmo, autorreprodutor e autorreferente, sem conexão com os outros 
fluxos epistemológicos. 
 
Questão 3 - B 
 
 32 
Justificativa: A reconstrução neoconstitucionalista do direito defende a tese de 
um sistema aberto, em constante evolução, cuja lógica caminha na direção da 
leitura axiológico-indutiva, que por sua vez reclama, sem nenhuma dúvida, a 
racionalidade retórico-argumentativa em detrimento da racionalidade literal-
subsuntiva-silogística. 
 
Questão 4 - E 
Justificativa: Somente as duas primeiras assertivas são verdadeiras. As 
demais são falsas. O direito neoconstitucional rejeita categoricamente a 
postura atrelada ao vazio ético da norma jurídica, na medida em que legitima 
a leitura axiológica do direito em detrimento da leitura axiomática. Da mesma 
forma, refuta o solipsismo judicial de natureza discricionária, não admitindo o 
mero decisionismo judicial desprovido de cientificidade. Finalmente, adota-se 
a teoria epistemo-subtancial que reconhece o ativismo judicial como elemento 
relevante na garantia da efetividade dos direitos fundamentais. 
 
Questão 5 - C 
Justificativa: Somente a assertiva C está correta. Com efeito, os critérios 
tradicionais da hierarquia, cronológico e especialização não se coadunam com 
a colisão de normas principiológicas de mesma dignidade, como é 
exatamente o caso em tela. O modelo normativo-positivista de aplicação 
silogística não dá conta, daí a necessidade de aplicar a ponderação de 
valores. Ou seja, a solução desse caso deverá levar em consideração os fatos 
portadores de juridicidade do caso concreto, uma vez que a Constituição é 
um sistema aberto de regras e princípios, sem hierarquia normativa entre 
eles. No âmbito de uma sociedade plural e democrática, os valores morais da 
comunidade cristã deverão ser ponderados com a liberdade de expressão. A 
nova metódica sustenta que a colisão desses princípios constitucionais deve 
ser resolvida com técnica de ponderação de valores, de modo a extrair suas 
respectivas dimensões de peso após a incidência dos elementos fáticos e 
axiológicos advindos do caso concreto. 
Atualizado em: 22 jun. 2014

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