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1 2 AULA 2: BASES TEÓRICAS DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO – PARTE II 3 INTRODUÇÃO 3 CONTEÚDO 3 O CONTROLE DEMOCRÁTICO DAS DECISÕES JUDICIAIS NO PLANO CONCRETO DE SIGNIFICAÇÃO 5 A DIFERENÇA ENTRE “TEXTO DA NORMA” E “NORMA PROPRIAMENTE DITA” 12 O TEXTO DA NORMA COMO PARTE VISÍVEL DO ICEBERG NORMATIVO 16 ATIVIDADE PROPOSTA 23 REFERÊNCIAS 23 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 24 CHAVES DE RESPOSTA 30 ATIVIDADE PROPOSTA 30 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 31 3 Introdução O conteúdo programático desta aula tem por escopo o estudo das mudanças hermenêuticas que informam o fenômeno da constitucionalização do direito, notadamente a questão do controle democrático intersubjetivo das decisões judiciais, perpassando pela análise da diferença entre os conceitos de “texto da norma” e “norma propriamente dita” na viragem do neoconstitucionalismo, para, finalmente, adentrar ao exame do significado hermenêutico do chamado “iceberg normativo de Friedrich Müller”. Sendo assim, esta aula tem como objetivo: 1. Compreender o contexto normativo contemporâneo, no qual se destaca a necessidade do controle intersubjetivo das decisões judiciais, bem como a diferença entre os conceitos de “texto da norma” e “norma propriamente dita” e, na sua esteira epistemológica, a compreensão do texto escrito como a parte visível da norma-resultado no plano concreto de significação. Conteúdo Como já se comentou na aula anterior, o contexto dogmático hodierno vive a invasão do direito pela ética, seja pela necessidade de legitimação democrática das decisões judiciais, seja pela necessidade de se atribuir força normativa aos princípios. 4 É nesse diapasão que exsurge a necessidade daquela imagem de que a Constituição é um sistema aberto de regras e princípios, imagem esta que é capaz de compatibilizar uma dogmática axiológica garantidora dos direitos fundamentais, com a necessária segurança jurídica de uma sociedade plural e democrática. Com efeito, é por intermédio da estrutura aberta dos princípios constitucionais que se alcança a proteção dos hipossuficientes e a valorização da dignidade da pessoa humana, da mesma forma que é a estrutura fechada das regras que imprime a certeza do ordenamento jurídico. Hoje em dia, o objeto do direito neoconstitucional não é somente o texto escrito da norma posta pelo legislador democrático, mas, também, e, principalmente, a norma interpretada pelo juiz/exegeta. A invocação dos valores morais é hoje o traço jurídico que caracteriza a dogmática pós- positivista. A nova metódica sustenta que o direito não se limita à norma escrita, na qual predomina a racionalidade linguística do texto; é dizer o direito hodierno não deixa de fora a retitude material dessa norma aferida a partir da incidência dos elementos fáticos e axiológicos advindos do caso concreto. As diretrizes normativo-jurídicas do novo quadro neoconstitucional caminham na direção do engrandecimento dos paradigmas de racionalidade retórico- argumentativa, cujo ethos hermenêutico é construir a normatividade das decisões judiciais com base no grau de adesão da comunidade aberta de intérpretes da Constituição (Peter Häberle). Aqui, o aluno deve compreender a visão alexyana de que os princípios são normas abstratas feitas pelo poder legislativo, mas que devem ser realizados na maior medida possível pelo juiz/intérprete. Postula-se desse modo a necessidade de um modelo articulado não somente com a racionalidade literal ou linguística do texto da norma, mas, 5 principalmente, com a racionalidade discursiva ou retórico-argumentativa, própria da fundamentação jurídica usada pelo exegeta no processo de interpretação constitucional. Ou seja, as normas-decisão – situadas no âmbito da efetividade ou eficácia social – são as normas que resultaram do processo interpretativo com base na racionalidade retórico-argumentativa empregada pelo juiz/ intérprete. Veja-se, nesse sentido, que, sob a égide do neoconstitucionalismo, a teoria hermenêutica da norma jurídica consolida a tese da não identidade entre “texto da norma” e “norma propriamente dita”. Trata-se, pois, de uma construção teórica que parte dos elementos fáticos do caso decidendo, vale dizer dos fatos do mundo da vida, que portam juridicidade e que, por conseguinte, penetram no discurso axiológico-indutivo do direito (fatos portadores de juridicidade). É por tudo isso que a presente aula pretende abordar três grandes segmentações temáticas, a saber: O controle democrático das decisões judiciais no plano concreto de significação; A diferença entre “texto da norma” e “norma propriamente dita”; O texto da norma como parte visível do iceberg normativo. O Controle Democrático das Decisões Judiciais no Plano Concreto de Significação Como já amplamente examinado, é a partir da (re)fundamentação do pensamento jurídico, amparado no marco teórico do neoconstitucionalismo, que surge um novo mundo hermenêutico que antes os juízes positivistas não podiam ver. Nesses termos, o pensamento originário positivista tinha a visão da árvore (norma escrita posta pelo legislador democrático) e não da floresta (valores 6 constitucionais a serem protegidos). Daí o motivo de a norma jurídica requerer sempre uma interpretação mecânica de subsunção silogística. Ora, é sabido por todos que os princípios constitucionais são aplicados mediante uma dimensão de peso, tendo em vista os elementos fáticos e jurídicos do caso concreto. Logo, o magistrado não pode proferir sua decisão judicial final no plano concreto de significação por meio apenas do procedimento lógico-formal, segundo um modelo clássico do silogismo axiomático-dedutivo. Com efeito, o processo de interpretação do direito realizado pelo poder judiciário na vertente positivista segue a linha inflexível do juiz soldado da lei. Isto significar dizer que o caminho hermenêutico percorrido pelo juiz positivista deve ser axiologicamente neutro, absoluto, completo e definitivo (visão autopoiética do direito). Ou seja, a lógica positivista está presa ao vazio ético da norma escrita legislada, não absorvendo nenhum tipo de leitura axiológica do conteúdo dessa norma. A missão do juiz positivista é atuar como um agente garantidor da ordem jurídica posta, não lhe cabendo agir positivamente na transformação da sociedade. Tal postura é um reflexo desta própria lógica positivista, isto é, da hegemonia exegética do texto da norma. É por tudo isso que, a partir da segunda metade do século XX, o positivismo jurídico entra em declínio, despontando, em seu lugar, a concepção da escola pós-positivista do direito. Com o desiderato de solucionar os problemas constitucionais atuais não resolvidos pelo sistema anterior, que impunha um hiato entre a realidade ético-social e o direito, o novo paradigma neoconstitucional pós-positivista busca superar tais dificuldades. Como exemplos irrespondíveis, vale destacar os problemas da bioética, do biodireito e da projeção constitucional dos direitos da personalidade. Da 7 mesma forma, vale lembrar a ADPF 54, que tratou da possibilidade de antecipar o parto em casos de anencefalia, bem como a ADI 3510, relativa à manipulação das chamadas células-tronco embrionárias. São problemas constitucionais que o positivismo jurídico, orientado pela interpretação clássica, do geral para o particular (concepção dedutiva do direito), impondo ao juiz simplesmente aplicar a regra, e, na sua lacuna, os princípios geraisde direito, não resolvem. No entanto, o novo paradigma não pode ser confundido com o mero decisionismo judicial, aqui percebido como a criação jurisprudencial do direito sem nenhuma cientificidade. Ao revés, a norma interpretada – muito embora seja o resultado final do processo exegético – não pode ser vislumbrada como ato volitivo do magistrado (positivismo jurídico kelseniano). Como bem destaca Lenio Luiz Streck: Permaneço, destarte, fiel à tese assumida de há muito, de maneira a enfatizar e a reprimir com veemência - a começar pela nomenclatura - a possibilidade de o discricionário (repita-se, de aceitabilidade conceitual cogitável uma vez contextualizada a discricionariedade naqueles limites traçados por Castanheira Neves) revestir-se de arbitrário. Na hermenêutica aqui defendida não há respostas/interpretações (portanto, aplicações) antes da diferença ontológica ou, dizendo de outro modo, antes da manifestação do caso decidendo. 1 Assim, é certo afirmar que discricionariedade (com aceitabilidade social) não é arbitrariedade (com mero decisionismo judicial). Urge, pois, superar tal normativismo positivista, no qual predomina o solipsismo subjetivista do magistrado, que Lenio Streck denomina de “subjetividade assujeitadora de um sujeito que se considera "proprietário dos sentidos (abstratos) do direito" 1 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3. ed., rev, atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 422. 8 e que nada "deixa" para a faticidade”.2 É nesse sentido que o neoconstitucionalismo rejeita a operação exegética simples do esquema normativista kelseniano, na qual o legislador assume a postura de "proprietário dos sentidos da norma posta” e que nada "deixa" para a dimensão retórico-argumentativa das decisões judiciais na entrega da tutela jurisdicional do caso concreto. Portanto, opera-se a passagem do juiz conforme a lei do positivismo para o juiz conforme a Constituição do neoconstitucionalismo. Nas palavras de André Ramos Tavares: A proposta remonta, preliminarmente, à distinção entre juiz conforme a lei e juiz da lei, ou seja, entre a postura clássica da função jurisdicional (juiz conforme a lei) e a postura desenvolvida, sobretudo, com o constitucionalismo e, com maior intensidade, pelo neoconstitucionalismo (juiz da lei, juiz conforme a Constituição).3 Com rigor, observa-se o afastamento da aplicação mecânica do direito pelo juiz conforme a lei, é dizer afasta-se a hegemonia exegética do texto da norma exercida por um juiz soldado da lei, preocupado com o cumprimento das leis em vigor e completamente desvinculado da retitude material da norma escrita. Em seu lugar, surge o juiz constitucional, ciente do seu papel dentro de uma sociedade plural, complexa e desigual, cuja atuação jurisdicional deve ficar subordinada, como já amplamente visto, à “consciência epistemológica de uma sociedade democraticamente pluralista”. 2 Nas palavras do autor, verbis: “Se se quiser, poder-se-á dizer que a discricionariedade que combato - e nesse sentido me aproximo da posição de C. Neves - é aquela decorrente do esquema sujeito-objeto, da consciência de si do pensamento pensante, enfim, da subjetividade assujeitadora de um sujeito que se considera "proprietário dos sentidos (abstratos) do direito" e que nada "deixa" para a faticidade”. ibidem. 3 TAVARES, André Ramos. Paradigmas do judicialismo constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 19. 9 Isto significa dizer que a legitimidade democrática das decisões judiciais é função de um contexto intersubjetivo de fundamentação. Ou seja, a normatividade do direito não se atrela tão somente ao texto da norma no plano abstrato de significação, mas, também, ao grau de aceitabilidade da norma-decisão (norma interpretada) pelo auditório universal, tal qual concebido por Chäim Perelman. 4 Com isso, destaca-se a importância da teoria da argumentação jurídica na aplicação do direito pelo juiz constitucional, isto é, no âmbito de sua atuação, não existem verdades apodíticas, axiomas irrefutáveis, mas, sim, opções razoáveis capazes de promover a adesão do auditório universal, conceito este que deve, induvidosamente, coincidir com a comunidade aberta de intérpretes da Constituição de Peter Häberle. Com rigor, não se pode negar que o convencimento do auditório universal de Perelman (agora percebido também como a sociedade aberta de intérpretes de Häberle) depende da fundamentação jurídica, ou seja, quanto maior o grau de coerência das razões expostas pelo juiz constitucional, maior a racionalidade do discurso e, portanto, maior a aceitabilidade da decisão judicial (norma-decisão) pelo auditório universal e pela sociedade aberta de intérpretes da Constituição. Tal fato legitima, sem nenhuma dúvida, a atuação do juiz constitucional, reduzindo o déficit democrático imputado ao poder judiciário. Em suma, diferentemente do juiz soldado da lei, a atuação do juiz constitucional constrói cientificamente uma nova lógica jurídica intrínseca e democraticamente pluralista e mais afeita às ideias de sistema aberto de regras e princípios, reaproximação entre direito e ética, força normativa da Constituição, paradigmas de racionalidade argumentativa, garantia dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. 4 PERELMAN, Chäim. Lógica jurídica. Nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 10 O núcleo central da nova dogmática encontra-se exatamente nesta contínua aprovação da comunidade aberta härbeleana de intérpretes da Constituição e do auditório universal perelmaniano, porque coloca em confronto direto valores constitucionais igualmente protegidos no seio da sociedade democrática. Há, pois, nítida articulação entre razão e ação, entre ética e direito, entre norma e valor. O espírito normativo-científico da nova dogmática constitucional deve afastar toda e qualquer atuação calcada no mero decisionismo judicial. Nesse diapasão, o aluno haverá de concordar que muito pior que o “positivismo desprovido de abertura axiológica” é o “decisionismo pós-positivista desprovido de cientificidade”.5 Firme, portanto, a visão de uma nova postura do juiz constitucional que não pode se deixar seduzir pelo caminho fácil do ativismo judicial desproporcional, sem freios hermenêuticos e desvinculado do controle intersubjetivo da sociedade como um todo. A Constituição configura um sistema normativo axiológico, cujas normas são mandamentos cogentes que devem ser obedecidos, seja pelo legislador democrático, seja pelo poder judiciário. É nesse sentido que surge, sim, a necessidade de controle democrático intersubjetivo da margem de discricionariedade de juízes e tribunais na concretização da Constituição. 5 Assim, acreditamos piamente ser possível edificar-se a reconstrução neoconstitucionalista do direito a partir de um sistema axiológico-indutivo pautado na racionalidade discursiva do direito. Com isso, amplia-se o horizonte da interpretação constitucional e em seu bojo a perspectiva de se atribuir cientificamente normatividade a princípios abertos segundo um novo padrão exegético pós-positivista que explora a noção de fatos portadores de juridicidade. O que releva sublinhar, portanto, é a fé que anima a reconstrução neoconstitucionalista do direito e que é seu espírito científicoque afasta modelagem hermenêutica de base jusnaturalista. Nesse diapasão, o leitor haverá de concordar que muito pior do que um “positivismo desprovido de abertura axiológica” é o “decisionismo pós- positivista desprovido de cientificidade”. Cf GÓES, Guilherme Sandoval. Neoconstitucionalismo e dogmática pós-positivista. In: A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Organizado por Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 124. 11 Note-se que a essência democrática da reconstrução neoconstitucionalista sempre será uma forma de controle que se passa entre cidadãos diversos, cujo convencimento imprime legitimidade à dimensão retórico-argumentativa (dianoética) das decisões judiciais. Com rigor, tais cidadãos são os destinatários das decisões judiciais (os elementos componentes tanto da sociedade aberta de intérpretes da Constituição de Häberle quanto do auditório universal de Perelman) e estarão aptos a julgar a norma-decisão do magistrado a partir da argumentação jurídica usada na escolha dos princípios constitucionais vencedores na solução do caso decidendo. É bem de ver, pois, que a argumentação jurídica feita pelo juiz/exegeta é o elemento nuclear do controle democrático das decisões judiciais porque permite que todos os intérpretes da Constituição, elementos componentes do auditório universal, avaliem a tese jurídica engendrada para a solução do caso concreto. Em síntese, é o convencimento deste círculo universal que serve de base para a legitimação democrática da decisão final (norma-resultado no plano concreto de significação) do poder judiciário. Em suma, as decisões feitas em nome do Estado-pacificador de lides resistidas devem observar os influxos de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, devendo, portanto, buscar sua nobreza hermenêutica no seio da comunidade aberta de intérpretes da Constituição (concepção de Peter Häberle) e do convencimento do auditório universal (construção de Chäim Perelman). Uma vez compreendida a relevância do controle intersubjetivo democrático das decisões judiciais, importa agora investigar mais um dos elementos teóricos que informam o fenômeno da constitucionalização do direito e que é 12 a diferenciação entre o texto do comando normativo e a norma propriamente dita. A Diferença entre “Texto da Norma” e “Norma Propriamente Dita” Em tempos de democracia pós-moderna, no seio de uma sociedade globalizada, complexa, plural, assimétrica e democrática, predomina induvidosamente um contexto jurídico dominado pelo assim chamado fog of wright (nevoeiro do direito). Esta ideia de nevoeiro do direito simboliza a obscuridade normativa que se forma nas diferentes camadas de uma sociedade axiologicamente fragmentada e constituída de grande número de conflitos de diferentes matizes (políticos, sociais, econômicos, culturais, éticos, trabalhistas, religiosos, etc.). Disso tudo resulta reduzida possibilidade de grandes consensos, daí a relevância da compreensão do significado do constitucionalismo compromissório, isto é, tal nevoeiro ético-normativo é o símbolo de um constitucionalismo compromissório que tenta, a um só tempo, conciliar valores axiológicos da democracia liberal e da social democracia. Por certo, o intérprete da Constituição tem que conviver com antinomias aparentes que colocam, e.g., de um lado, a livre iniciativa, a livre concorrência e a propriedade (valores da democracia liberal), e, do outro, o direito do consumidor, a proteção dos hipossuficientes, a igualdade material e a função social da propriedade (valores da social democracia). Destarte, será a figura jurídica da ponderação de valores o norte dogmático das decisões judiciais, cujo alcance normativo deve ser compatível com o sentimento constitucional de justiça. A validade normativa da decisão judicial está associada aos valores éticos projetados como princípios constitucionais. 13 Nesse sentido, a solução jurídica possível somente será alcançada a partir do caso concreto, o que evidentemente afasta as teorias positivistas meramente procedurais. Portanto, é fundamental compreender a noção de que “texto da norma” e “norma propriamente dita” são entidades jurídicas distintas. De feito, o elemento decisivo para a compreensão da estrutura normativa pós-positivista das normas constitucionais é a visão da não identidade entre norma e texto. O texto da norma é o enunciado positivo que corresponde ao processo democrático legislativo (plano abstrato de significação). Tal elemento não se confunde com o outro, o elemento de concretização resultante do processo de interpretação do referido enunciado normativo (plano concreto de significação). Destarte, é importante compreender a nova trilha da teoria hermenêutica da norma jurídica, na qual os termos texto e norma não são coincidentes. Isto significa dizer que a norma-decisão do juiz, na qualidade de última fase do ciclo hermenêutico, é a norma concretizada; é a norma já devidamente interpretada, não se confundindo com o seu texto. Em outras palavras, a concretização de uma determinada norma constitucional dar-se-á sempre a partir de um caso concreto, cujos elementos fáticos incidirão sobre o texto de uma ou mais normas constitucionais escritas ou não, gerando de fato o direito a ser aplicado, vale dizer a norma propriamente dita. A construção dessa norma-decisão no plano concreto de significação exige uma escolha valorativa do juiz/intérprete e que não se confunde com a letra dos textos normativos no plano abstrato de significação. 14 Ou seja, é preciso entender que os artigos, parágrafos, incisos, alíneas, etc., da Constituição estão situados no plano preliminar de análise abstrata das normas (plano prima facie de significação na visão de Humberto Ávila).6 Já as normas propriamente ditas (normas-decisão) estão localizadas no plano all things considered de significação na visão de Aleksander Peczenik. 7 Em outras palavras, as normas-decisão levam em consideração todos os elementos fáticos do caso concreto, daí seu posicionamento no plano all things considered de significação. Neste sentido, o pensamento de Humberto Ávila: é preciso distinguir o plano preliminar de análise abstrata das normas, comumente chamado de plano prima facie de significação, do plano conclusivo de análise concreta das normas, comumente denominado all things considered de significação.8 Enfim, é bem de ver que os conceitos de texto e norma são muito diferentes, muito embora a norma (norma-decisão do magistrado no plano concreto de significação) seja o seu texto (norma posta previamente pelo legislador democrático no plano abstrato de significação) após o devido processo interpretativo. Em outro dizer, os elementos fáticos e axiológicos do caso decidendo incidiram sobre o “texto da norma” gerando a “norma propriamente dita”, isto é, esta última nada mais é do que a primeira aplicada num determinado caso concreto depois de um processo interpretativo de ponderação de valores. 6 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. Rio de janeiro: Malheiros, 2004. p. 57. 7 PECZENIK, Aleksander. On law and reasons. The Netherlands: Kluwer Academic Publishers, 1989. p. 76. 8 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. Rio de janeiro: Malheiros, 2004. p. 57. 15 Fácil, portanto, a compreensão da teoria hermenêutica da norma jurídica, que projetaa ideia-força de que as normas-resultado no plano concreto de significação são normas que resultaram da incidência dos fatos portadores de juridicidade do caso concreto específico sobre o texto das normas no plano abstrato de significação. Note-se que as normas em abstrato, no plano prima facie de significação, são normas dotadas de racionalidade linguística que lhes é imposta pelo legislador democrático, enquanto que as normas propriamente ditas, isto é, as normas- decisão, no plano all things considered de significação, são normas dotadas de racionalidade argumentativa que lhes é imposta pelo intérprete/juiz após aplicar um determinado critério hermenêutico de ponderação de valores de mesma dignidade constitucional. Isso significa dizer que, para ocorrer a transformação de texto em norma, é necessário um processo hermenêutico de interpretação-concretização, cuja função precípua é captar o sentido e o alcance dos textos escritos e, ao depois, realizar a vontade constitucional no caso concreto. Eis aqui o caminho da nova interpretação constitucional: transformar a racionalidade linguística e abstrata do texto escrito em racionalidade discursiva e axiológica da norma constitucional propriamente dita, ou seja, levando em consideração os elementos externos da dimensão literal dos comandos constitucionais, o resultado final do processo de interpretação- concretização da Constituição transmuda-se em norma-decisão, cuja equação dogmática incorpora no seu bojo as variáveis fáticas e axiológicas específicas de cada caso concreto de per si. O texto constitucional é, induvidosamente, o ponto de partida das decisões judiciais, sua matéria-prima de extração cognitiva e axiológica, mas não é o resultado final do ato decisional da interpretação-concretização da Constituição. Como amplamente já examinado, a interpretação da 16 Constituição não é cativa dos órgãos do poder judiciário, ao revés, seu círculo de intérpretes alcança toda a sociedade. Portanto, partindo desta premissa hermenêutico-filosófica de Peter Häberle, é imperioso destacar que um dos grandes elementos exegéticos diferenciadores do novo paradigma é exatamente a “cisão entre texto da norma e norma” e cujos desdobramentos acabam por "blindar" a concretização das normas constitucionais contra o subjetivismo solipsista irracional da escola decisionista do direito. Vale, portanto, em seguida, investigar a construção teórica do iceberg normativo de Friedrich Müller, jurista alemão idealizador do método interpretativo chamado Metódica Estruturante do Direito, cuja linhagem científica parte da ideia-força de que o texto escrito da norma é apenas a parte descoberta do grande iceberg normativo, cuja parte oculta esconde o seu verdadeiro programa normativo, vale dizer, o amplo quadro de possibilidades/alternativas hermenêuticas possíveis de serem extraídas da letra da lei. O Texto da Norma Como Parte Visível do Iceberg Normativo Como já amplamente visto na segmentação temática anterior, a norma- decisão é a norma-resultado, é a norma final representativa da prestação jurisdicional. É a decisão final do juiz/intérprete e resultado da compilação de todos os elementos envolvidos na solução do caso decidendo, semânticos e extrasemânticos, jurídicos e extrajurídicos. Em consequência, a interpretação sempre será necessária para a fixação da norma-resultado. Calha, nesse sentido, a visão de Jane Reis Gonçalves Pereira: Contra essa noção [a ideia de que só se efetiva a interpretação quando há dúvida sobre o significado do texto] é comum objetar-se 17 que a interpretação é sempre necessária, pois só é possível determinar a clareza ou obscuridade de um texto após interpretá-lo. Mas, ao que parece, a dicotomia interpretação noética/dianoética (ou compreensão/interpretação) tornaria a referida divergência apenas semântica. 9 Assim sendo, a ideia de norma-decisão é aqui desenvolvida dentro daquela imagem da obra de Wittgenstein II do jogo de linguagem se transformando em jogo de interpretação, imagem esta que serve também como substrato jusfilosófico para o já citado jogo concertado dos princípios, instrumento fundamental da hermenêutica constitucional contemporânea. Não resta dúvida de que já se consolidou na melhor doutrina, o entendimento de que a norma-decisão do juiz é a última fase do ciclo hermenêutico, que começa com a incidência dos fatos reais do caso concreto sobre a norma-dado (norma preexistente no ordenamento jurídico) e acaba com a norma-produto (norma-resultado) vinda de um processo de interpretação pautado nos paradigmas de racionalidade discursiva, dianoética. No entanto, é importante frisar bem que a norma-decisão não é um ato volitivo do magistrado, mas, sim, o resultado da incidência dos elementos fáticos da realidade sobre o ordenamento jurídico positivado pelo legislador democrático. São os fatos do mundo real (dimensão hermenêutica da faticidade) que juntamente com os preceitos normativos abstratos da ordem jurídica gestarão a norma-decisão; a norma propriamente dita no plano concreto de significação. Nas palavras de Lenio Streck, tem-se que: Por isso é que se chama de hermenêutica da faticidade [hermenêutica filosófica gadameriana]. E por isso também que se pode dizer que os princípios não proporcionam abertura na interpretação, com o que até positivistas como Ferrajoli concordam. O ovo da serpente do irracionalismo, da discricionariedade e do decisionismo está em Kelsen e Hart, cada um ao seu modo. E para 9 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 36. 18 quem até hoje acredita que a interpretação é um ato de vontade, basta que se acrescente a esse "ato de vontade" a expressão "de poder" e estaremos de volta ao último princípio epocal da modernidade: a Wille zur Macht, a vontade do poder de Nietsche, que sustenta as diversas formas de pragmatismo no direito, além de concepções realistas como as dos Critical Legal Studies. (negritos nossos).10 É certo, pois, afirmar que a interpretação/concretização não é um ato de vontade, não é um ato de poder que se atrela à pré-compreensão do magistrado. Ao contrário, a interpretação/concretização da Constituição alcança a todos, e não apenas aos participantes do processo jurídico- decisional. Concretizar a Constituição não é apenas construir a norma-decisão a partir da letra da lei, mas, sim, realizar o sentimento constitucional de justiça. Trata-se, pois, de hermenêutica avançada que tem por supedâneo o corte epistemológico provocado pela revolução linguístico-ontológica em Heidegger, Gadamer, Wittgenstein e outros. Com rigor, o que se quer aqui reafirmar é a mudança de paradigma da interpretação constitucional que se afasta da racionalidade linguística do texto escrito, para se aproximar da racionalidade retórico-argumentativa da norma interpretada/concretizada, simbolizando verdadeiramente o “giro epistemológico” no âmbito das investigações metodológicas pós-positivas, provocado por sua vez pelo giro pragmático da Filosofia da linguagem, especialmente após a obra de Wittgenstein II. Em consequência, a ideia de norma-decisão é aqui desenvolvida dentro daquela imagem wittgensteiniana do jogo de linguagem se transformando em jogo de interpretação, imagem esta que, em última instância, serve também como substrato jusfilosófico da visão contemporânea de que texto e norma não se confundem.10 Cf. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito, p. 451. 19 Destarte, as normas abstratas feitas pelo poder legislativo são normas dotadas de racionalidade literal ou linguística, própria do texto do enunciado normativo (parte visível do iceberg normativo de Müller). Já as normas propriamente ditas, isto é, as normas-decisão no plano concreto de significação, são normas dotadas de racionalidade discursiva ou retórico- argumentativa, própria da fundamentação jurídica usada pelo operador do direito no processo de interpretação constitucional (norma retirada da parte oculta ou não do iceberg normativo). Assim sendo, o juiz/jurista haverá, então, de refletir que o texto da norma não é a norma jurídica a ser aplicada, porém deve compreender, por outro lado, que o texto da norma é o dado de entrada (input) mais importante do processo de interpretação/concretização, lado a lado com os fatos portadores de juridicidade do caso a ser decidido juridicamente. Logo, a norma propriamente dita resulta da melhor tese jurídica a defender (empregando a racionalidade retórico-argumentativa) e lembrando ainda que a mesma estará submetida ao controle democrático intersubjetivo da sociedade aberta de intérpretes da Constituição. Este é induvidosamente um dos imperativos do Estado Democrático de Direito, sem o qual se desqualifica a ideia de constitucionalismo como elemento limitador do poder do Estado. Isto significa dizer, por outras palavras, que a normatividade que se manifesta nas decisões judiciais não está baseada literalmente apenas no texto da norma, ao revés, a normatividade da decisão a ser elaborada alcança a doutrina, a jurisprudência, estudos monográficos, obras e legislação de Direito Comparado; enfim, a normatividade do direito abarca numerosos textos jurídicos que transcendem o teor literal da norma legislada. É nesse sentido que se afirma que a normatividade das normas constitucionais está diretamente vinculada às alterações que provoca no 20 mundo da vida (efetividade ou eficácia social de Luís Roberto Barroso), daí a relevância dos elementos fáticos do caso concreto (fatos portadores de juridicidade), que juntamente com o textos destas normas realizarão a vontade constitucional. No entanto, frise-se bem que, muito embora o texto da norma não contenha a normatividade em sua inteireza; o fato é que atua como elemento delimitador das possibilidades de concretização/ interpretação da Constituição. Portanto, o reconhecimento de que há uma diferença entre o texto jurídico e a norma extraída desse texto não implica dizer que a cisão entre eles seja total. Parte da doutrina destaca que a fraqueza da teoria kelseniana vem exatamente da identidade entre “norma” e “texto da norma”. No dizer de David Diniz Dantas: Na construção kelseniana, Müller sustenta que a interpretação se torna operação meramente “volitiva”, de vez que o aplicador é o “senhor” tanto do texto da regra a aplicar (premissa maior do silogismo) quanto da qualificação dos fatos (premissa menor). Assim, o “normativismo” kelseniano acabaria em puro “decisionismo”. A fraqueza da teoria kelseniana da interpretação seria causada pela identificação feita pela teoria pura entre “norma” e “texto da norma”. Haveria desconexão entre a realidade e a norma a aplicar. Esse isolamento – fruto da severa separação entre Sein e Sollen – levaria à indeterminação do significado do texto, uma vez que este restaria isolado dos elementos da realidade que lhe poderiam conferir sentido. Assim, para Müller, a teoria pura do Direito resulta em uma teoria vazia de interpretação. 11 11 DANTAS, David Diniz. Interpretação constitucional no pós-positivismo. Teoria e casos práticos. São Paulo: Madras, 2004. p. 251- 252. 21 É por isso que a metódica jurídica normativo-estruturante de Müller propõe uma abordagem diferente daquela feita por Kelsen, pois parte de uma teoria estruturante calcada na relação “norma-realidade”. Ser e dever ser são considerados como faces de uma mesma moeda. Em consequência, para a teoria da norma jurídica de Friedrich Müller, o texto de um preceito jurídico positivo corresponde a um pedaço da realidade social. Como bem destaca Canotilho, comentando a metódica normativo-estruturante de Müller: elemento decisivo para a compreensão da estrutura normativa é uma teoria hermenêutica da norma jurídica que arranca da não identidade entre norma e texto normativo; (...) o texto de um preceito jurídico positivo é apenas a parte descoberta do iceberg normativo (F. Müller), correspondendo em geral ao programa normativo (ordem ou comando jurídico na doutrina tradicional); (...) mas a norma não compreende apenas o texto, antes abrange um 'domínio normativo', isto é, um 'pedaço de realidade social' que o programa normativo só parcialmente contempla; (...) consequentemente, a concretização normativa deve considerar e trabalhar com dois tipos de elementos de concretização: um formado pelos elementos resultantes da interpretação do texto da norma (= elemento literal da doutrina clássica); outro, o elemento de concretização resultante da investigação do referente normativo (domínio ou região normativa). 12 Para Müller, a assimilação da norma à sua configuração linguística leva os intérpretes positivistas a considerar os elementos externos aos textos da norma como metajurídicos, desprezando-os, assim, na formulação da solução dos casos concretos. O momento culminante da concretização constitucional traduz-se na individualização dessa norma jurídica abstrata em uma “norma- decisão” (dispositivo da sentença). Nesse sentido, entendemos com Lenio Streck, que o texto não “carrega”, de forma retificada, o seu sentido (a sua norma). Trata-se de entender que entre 12 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 1992. p. 1087. 22 texto e norma não há uma equivalência e tampouco uma total autonomização (cisão). Correta a crítica feita ao positivismo jurídico com relação ao caráter volitivo das decisões judiciais. Lenio Streck alerta, com acuidade científica, que: Entender que não são a mesma coisa texto e norma não é suficiente para suplantar a relação sujeito-objeto e tampouco para superar a (dogmática e metafísica) equiparação entre texto e norma, ainda predominante no sentido comum teórico dos juristas.13 Por sua vez, Luís Roberto Barroso mostra que “para muitos, não se pode sequer falar da existência de norma antes que se dê a sua interpretação com os fatos, tal como pronunciada por um intérprete”.14 Em conclusão, é lícito afirmar que a operação de transmutação da “norma em abstrato” para “norma-decisão” reclama do juiz constitucional uma estratégia de interpretação pós-positivista, cuja dinâmica leva em consideração os elementos fáticos do caso concreto (fatos portadores de juridicidade) e a pauta de valores axiológicos da Constituição-texto. Em sentido metafórico, diríamos que a letra da Constituição é a trilha, mas, nunca o trilho do processo de tomada de decisões do juiz/exegeta constitucional. De feito, como bem salienta a figura hermenêutica de Friedrich Müller, o texto constitucional é apenas aquela pequena parte visível de um imenso iceberg normativo, cabendo ao juiz constitucional descobrir sua parte oculta – a maior delas – fazendo uso das hodiernas estratégiashermenêuticas que lhe são postas à disposição pela reconstrução neoconstitucionalista do direito. 13 Cf. Hermenêutica jurídica e(m) crise, p. 226. 14 Cf. “O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro”. In: Temas de direito constitucional. Tomo III, p.8. 23 Atividade Proposta Discorra sobre o significado da expressão “a letra da norma é apenas a parte visível do iceberg normativo”. Referências ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. Rio de janeiro: Malheiros, 2004. DANTAS, David Diniz. Interpretação constitucional no pós-positivismo. Teoria e casos práticos. São Paulo: Madras, 2004. GÓES, Guilherme Sandoval. Neoconstitucionalismo e dogmática pós- positivista. In: A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Organizado por Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 113-150. PECZENIK, Aleksander. On law and reasons. The Netherlands: Kluwer Academic Publishers, 1989. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. PERELMAN, Chäim. Lógica jurídica. Nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1998. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3. ed., rev, atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. TAVARES, André Ramos. Paradigmas do judicialismo constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. 24 Exercícios de Fixação Questão 1 Leia o texto abaixo de autoria de Luís Roberto Barroso: “A cláusula constitucional que estabelece a aposentadoria compulsória por idade é uma regra. Quando o servidor completa 70 anos, deve passar à inatividade, sem que a aplicação do preceito comporte maior especulação. O 25 mesmo se passa com a norma constitucional que prevê que a criação de uma autarquia depende de lei específica. O comando é objetivo e não dá margem a elaborações mais sofisticadas acerca de sua incidência. Sua aplicação se dá, predominantemente, mediante subsunção”. A partir da leitura do texto acima, analise as assertivas abaixo e assinale a resposta CORRETA: I. O texto revela que os comandos normativos regracionais, como é o exemplo da cláusula constitucional da aposentadoria compulsória, são objetivos e somente deixarão de incidir sobre a hipótese de fato que contemplam, se houver razões axiológicas reconhecidas pelo exegeta a partir dos elementos fáticos do caso concreto. II. O texto revela que os comandos normativos principiológicos, contrariamente ao exemplo da cláusula constitucional da aposentadoria compulsória, são abertos e deverão ser aplicados axiomaticamente pelos juízes com base no dogma do silogismo jurídico. a) As duas assertivas são falsas; b) A assertiva I é verdadeira e a assertiva II é falsa; c) Ambas as assertivas são verdadeiras; d) A assertiva I é falsa e a assertiva II é verdadeira. Questão 2 Com relação à reconstrução neoconstitucionalista do direito, analise as assertivas abaixo e assinale a resposta CORRETA: I. A teorização de um direito "constitucionalmente aberto" é a mais consentânea com a Carta Magna de 1988, que é classificada como sendo uma “constituição compromissória”, vale dizer uma 26 constituição que tenta harmonizar, ao mesmo tempo, os valores da democracia liberal e da social democracia. II. A formação de uma nova hermenêutica constitucional, dinâmica e flexível, é característica do neoconstitucionalismo que concebe a Constituição como um sistema autopoiético gerador da certeza jurídica máxima. a) As duas assertivas são falsas; b) A assertiva I é verdadeira e a assertiva II é falsa; c) Ambas as assertivas são verdadeiras; d) A assertiva I é falsa e a assertiva II é verdadeira. Questão 3 Analise as assertivas abaixo e assinale a alternativa INCORRETA: a) A nova hermenêutica constitucional confere ao juiz maior autonomia para realizar a Constituição, dando-lhe maior flexibilidade para captar o sentido e o alcance das normas in abstracto, porém não admite o mero decisionismo judicial; 27 b) A efetivação de um direito "constitucionalmente aberto" exige cada vez mais a racionalidade linguístico-silogística dos princípios constitucionais com alto teor axiológico. c) A hodierna dogmática pós-positivista se pauta na não identidade entre norma e texto da norma, valendo dizer que a primeira é a norma- decisão representativa da prestação jurisdicional, enquanto a última é a norma posta pelo legislador democrático. d) A busca da efetividade das normas constitucionais, em especial dos princípios e o desenvolvimento de uma dogmática baseada em fórmulas hermenêuticas de valorização da dimensão retórica das decisões judiciais, é característica do modelo pós-positivista. Questão 4 Hodiernamente, o direito neoconstitucional apresenta grandes evoluções hermenêuticas, entre as quais se destaca a ideia de que o texto escrito da norma posta pelo legislador democrático não é necessariamente a norma- resultado do juiz/exegeta. A invocação dos valores morais é hoje o traço jurídico que caracteriza tal dogmática pós-positivista. 28 Assim sendo, em relação a esta nova postura neoconstitucionalista do direito, analise cada item a seguir e informe se as características apontadas são VERDADEIRAS ou FALSAS em relação a tal movimento: I. Verificação da retitude material da norma posta pelo legislador democrático. II. Discurso exegético-axiológico. III. Postura atrelada ao vazio ético da norma jurídica. IV. Predominância cêntrica do solipsismo judicial de natureza deontológica. V. Calcado na teoria epistemo-procedimental de verdades apodícticas. a) V; F; F; V; V. b) F; V; F; V; V. c) F; V; V; V; F. d) V; F; V; V; F. e) V; V; F; F; F. Questão 5 Determinada revista masculina publicou fotos utilizando-se dos símbolos eclesiásticos. A comunidade cristã considerou abusiva a conduta dos publicitários, requerendo na Justiça uma medida cautelar no sentido de proibir a venda do periódico. Os publicitários, por sua vez, reivindicaram o 29 direito de exercer seu direito constitucional à liberdade de expressão artística. A partir da situação narrada, assinale a alternativa correta: a) A solução desse caso será obtida com os critérios tradicionais da hierarquia (lex superior derogat inferioris), segundo a qual a norma superior prevalece sobre a inferior, o critério cronológico, pelo qual a norma posterior prevalece sobre a anterior (lex posterior derogat priori), e, finalmente, o critério da especialização que, por seu turno, estabelece que a lei específica predomina sobre a lei geral (lex especialis derogat generali) tem emprego adequado; b) A solução desse caso será obtida de acordo com modelo normativo- positivista de aplicação silogística com a preferência pelos valores morais da comunidade cristã; c) A solução desse caso virá da aferição da dimensão de peso atribuída pelo exegeta aos princípios constitucionais em colisão, feito sob a égide da técnica de ponderação de valores, que levará em consideração os fatosportadores de juridicidade do caso concreto; d) A solução desse caso será obtida com o critério da interpretação literal das normas constitucionais que estabelece uma ordem de valores objetiva da Constituição, onde se estabelece a superioridade normativa das regras sobre os princípios tendo em conta sua maior densidade normativa. 30 Atividade Proposta Em última instância, o neoconstitucionalismo tem como substrato jusfilosófico a visão contemporânea de que texto e norma não se confundem. Com efeito, já se consolidou na melhor doutrina o entendimento de que texto e norma são entidades jurídicas distintas. Nesse passo, preleciona Canotilho que: “o texto de um preceito jurídico positivo é apenas a parte descoberta do iceberg normativo (F. Müller), correspondendo em geral ao programa normativo (ordem ou comando jurídico na doutrina tradicional); (...) mas a norma não compreende apenas o texto, antes abrange um 'domínio normativo', isto é, um 'pedaço de realidade social' que o programa normativo só parcialmente contempla”. Da lição do mestre lusitano, importa extrair a visão de que a norma-decisão do juiz representa a última fase do ciclo hermenêutico, ou seja, é a norma já interpretada levando-se em consideração todos os elementos fáticos do caso concreto, ou seja, a norma-decisão está localizada no plano all things considered de significação (Aleksander Peczenik). Com a devida atenção, o estimado aluno haverá de concordar que as normas em abstrato, no plano prima facie de significação, são normas dotadas de racionalidade linguística que lhes é imposta pelo legislador democrático, enquanto que as normas propriamente ditas, isto é, as normas-decisão no plano all things considered de significação são normas dotadas de racionalidade dianoética que lhes é imposta pelo intérprete após aplicar uma determinada fórmula hermenêutica. Isto significa dizer, por outras palavras, que a transformação de “norma em abstrato” em “norma-decisão” exige uma estratégia de interpretação constitucional que leve em consideração os elementos fáticos do caso concreto. Em sentido metafórico, a letra da Constituição é a trilha, mas nunca o trilho do processo de tomada de decisões do magistrado. Na verdade, o texto constitucional é aquela pequena parte visível do imenso iceberg normativo (Friedrich Müller), cabendo ao exegeta descobrir sua parte oculta – a maior delas – mediante emprego de uma das 31 estratégias que lhe são postas à disposição pela moderna teoria hermenêutica da norma jurídica. Com isso, queremos dizer que o decisor judicial tem a tarefa de identificar a retitude material do texto da lei a partir de criteriosa seleção dos fatos do mundo real que incidem sobre ela no plano preliminar de significação. Precisa ter plena consciência de que a dimensão retórica de sua norma-decisão é parte integrante da normatividade do direito e, por isso mesmo, suscetível de controle intersubjetivo por parte de comunidade aberta de intérpretes da Constituição. Exercícios de fixação Questão 1 - C Justificativa: Ambas as assertivas estão erradas, porque as cláusulas constitucionais regracionais não dão margem às elaborações axiológicas fora do âmbito do texto da norma. As regras são comandos de certeza e sua aplicação se dá, predominantemente, mediante subsunção-silogística. Ou seja, as regras são comandos objetivos que somente deixarão de incidir sobre a hipótese de fato que contemplam se forem inválidas, se houver outra mais específica ou se não estiverem em vigor. Sua aplicação se dá de modo axiomático-dedutivo. Já os comandos normativos principiológicos são abertos e deverão ser aplicados axiologicamente com base na ponderação de valores de mesma dignidade constitucional. Questão 2 - B Justificativa: A justificativa II está errada, porque a reconstrução neoconstitucionalista vislumbra a Constituição como um sistema aberto de regras e princípios e não como um sistema normativo autopoiético, fechado em si mesmo, autorreprodutor e autorreferente, sem conexão com os outros fluxos epistemológicos. Questão 3 - B 32 Justificativa: A reconstrução neoconstitucionalista do direito defende a tese de um sistema aberto, em constante evolução, cuja lógica caminha na direção da leitura axiológico-indutiva, que por sua vez reclama, sem nenhuma dúvida, a racionalidade retórico-argumentativa em detrimento da racionalidade literal- subsuntiva-silogística. Questão 4 - E Justificativa: Somente as duas primeiras assertivas são verdadeiras. As demais são falsas. O direito neoconstitucional rejeita categoricamente a postura atrelada ao vazio ético da norma jurídica, na medida em que legitima a leitura axiológica do direito em detrimento da leitura axiomática. Da mesma forma, refuta o solipsismo judicial de natureza discricionária, não admitindo o mero decisionismo judicial desprovido de cientificidade. Finalmente, adota-se a teoria epistemo-subtancial que reconhece o ativismo judicial como elemento relevante na garantia da efetividade dos direitos fundamentais. Questão 5 - C Justificativa: Somente a assertiva C está correta. Com efeito, os critérios tradicionais da hierarquia, cronológico e especialização não se coadunam com a colisão de normas principiológicas de mesma dignidade, como é exatamente o caso em tela. O modelo normativo-positivista de aplicação silogística não dá conta, daí a necessidade de aplicar a ponderação de valores. Ou seja, a solução desse caso deverá levar em consideração os fatos portadores de juridicidade do caso concreto, uma vez que a Constituição é um sistema aberto de regras e princípios, sem hierarquia normativa entre eles. No âmbito de uma sociedade plural e democrática, os valores morais da comunidade cristã deverão ser ponderados com a liberdade de expressão. A nova metódica sustenta que a colisão desses princípios constitucionais deve ser resolvida com técnica de ponderação de valores, de modo a extrair suas respectivas dimensões de peso após a incidência dos elementos fáticos e axiológicos advindos do caso concreto. Atualizado em: 22 jun. 2014
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