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1 2 AULA 3: A VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 3 INTRODUÇÃO 3 CONTEÚDO 4 CONSTITUIÇÃO E DIREITO PRIVADO: UMA INTRODUÇÃO AO TEMA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 4 O PARADIGMÁTICO CASO LÜTH 7 A DOUTRINA DO STATE ACTION DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA 11 TEORIA DUALISTA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 15 TEORIA MONISTA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 19 ATIVIDADE PROPOSTA 23 REFERÊNCIAS 24 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 24 CHAVES DE RESPOSTA 28 ATIVIDADE PROPOSTA 28 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 29 3 Introdução O tema relativo à vinculação dos particulares aos direitos fundamentais tem recebido grande destaque, seja na doutrina, seja na jurisprudência dos nossos tribunais superiores. Com efeito, o estudioso dos direitos humanos não pode deixar de investigar tal temática, que, induvidosamente, é fundante da ordem jurídica contemporânea. Portanto, o conteúdo programático desta aula está focado na questão relativa à eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das relações entre particulares, consolidando-se a ideia-força de que direitos fundamentais destinam-se não apenas a garantir os direitos de liberdade em face do Estado (eficácia vertical), mas também a estabelecer as bases essenciais da vida ético-social (eficácia horizontal). Em consequência, o escopo de nossa investigação será estudar as diferentes teorias atinentes ao tema, desde o exame da assim chamada doutrina do state action nos Estados Unidos, perpassando-se pela teoria da eficácia mediata, até, finalmente, atingir a teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Sendo assim, esta aula tem como objetivo: 4 1. Compreender a influência que a Constituição, como norma superior, exerce sobre o direito privado, bem como examinar as principais teorias que vinculam os particulares aos direitos fundamentais. Conteúdo Constituição e Direito Privado: Uma Introdução ao Tema da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais O grande desiderato acadêmico desta aula é examinar o conceito da denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que se aplica nas relações privadas, ao qual se contrapõem de um lado a autonomia da vontade privada e, do outro, a efetivação dos direitos fundamentais, notadamente, o princípio da dignidade da pessoa humana. 5 Eis que a força normativa da Constituição, sob a égide da reconstrução neoconstitucionalista do direito, penetra no círculo antes fechado dos diferentes ramos do direito privado. Supera-se o paradigma positivista e o antigo entendimento de que apenas o Estado estaria vinculado aos direitos fundamentais. Projeta-se dessarte a ideia-força de oponibilidade dos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas, invocados diretamente da Constituição e, não apenas contra o Estado. É certo, portanto, que os direitos fundamentais incidem sobre as relações jurídicas entre particulares, o que significa dizer que o direito civil encontra-se hoje repleto de conflitos de interesses que repercutem no âmbito dos direitos fundamentais. Nesse sentido, não resta mais nenhuma dúvida, doutrina e jurisprudência já não hesitam em reconhecer que o papel dos direitos fundamentais na ordem jurídica hodierna não se limita apenas a atuar como proibição de intervenção estatal (eficácia vertical de direitos negativos de defesa), mas, também, atuar como garantia de proteção no âmbito do jusprivativismo. Não se trata mais de vislumbrar os direitos fundamentais como instrumento de limitação de poder de um Estado violador de direitos civis e políticos. Ao revés, na realidade, a grande atenção que hoje se confere à efetividade dos direitos fundamentais prende-se à percepção de uma relação de recíproca interação, seja com o conceito de democracia (regra da maioria), seja com a ideia de constitucionalismo e Estado de Direito (limitação do poder estatal). Dessa tensão constante entre democracia e constitucionalismo surge a múltipla dimensão dos direitos fundamentais, cuja incidência não se limita mais ao direito público, mas penetra também em todos os ramos do jusprivativismo, chegando mesmo a ser um dos principais parâmetros de aferição do grau de democracia de uma sociedade, vale dizer, quanto mais 6 democraticamente avançada for uma sociedade, maior será o respeito e a efetividade do rol jusfundamental de direitos do cidadão comum. Isso significa dizer que, mesmo em questões características de direito privado, os direitos fundamentais deverão ser invocados para gerar direitos subjetivos contra todos. Gilmar Mendes mostra que tais questões são variadas e têm sido discutidas nos diversos sistemas jurídicos, seja na doutrina alemã da Drittwirkung, seja na concepção americana da state action. Tais questões, na linha de Gilmar Mendes, eis que relevantes para os direitos fundamentais, v.g., a exigência de que um contrato de aluguel não seja celebrado com pessoas com determinadas características, ou, ainda, a exigência de que um sabatista trabalhe aos sábados. Nas palavras do autor: Seria legítimo que uma escola religiosa desse preferência, na contratação, a professores que adotassem aquela religião? Ou poderia uma dada instituição religiosa de ensino rescindir o contrato de um casal de professores sob a alegação de que eles estão vivendo maritalmente sem a celebração do matrimônio? Outras indagações são igualmente concebíveis: Em que medida, por exemplo, a liberdade de expressão autorizaria alguém a conclamar o público a um boicote contra uma dada publicação ou contra uma dada produção artística (v.g., um livro ou filme)? O princípio da igualdade impediria que, na adoção de critérios para contratação, uma empresa privilegiasse determinada categoria de pessoas, v.g., as adeptas de uma dada concepção filosófico-social? A administração de uma "cidade privada" (company-town) poderia impedir que adeptos dos testemunhas de Jeová distribuíssem panfletos nas suas ruas e praças? 7 Os proprietários ou administradores de shopping centers poderiam impedir a distribuição de informações sobre temas de interesse público no seu interior sob a alegação de que se cuida de um espaço submetido exclusivamente ao regime de propriedade privada? Quais seriam os limites da responsabilidade do Poder Público pelo fato de alguém, em razão de sua raça ou cor, deixar de ser atendido em um café ou restaurante administrado sob o regime de autorização ou permissão?1 De tudo se vê, portanto, que os conflitos no campo jusprivatista repercutem induvidosamente no campo dos direitos fundamentais e, ao mesmo tempo, põem em evidência a importância científica da leitura das normas infraconstitucionais à luz da Constituição. Em consequência, não há outro caminho a trilhar senão o de incluir a necessária via judicial na aferição e proteção dos direitos fundamentais não apenas nas relações verticais, estabelecidas entre o Estado e os particulares, mas também nas relações horizontais, interprivadas, estabelecidas entre os particulares. O Paradigmático Caso Lüth O debate acerca da aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas começou a se desenvolver a partir do paradigmático caso Lüth, decidido pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, no qual ficou patenteada a possibilidade de aplicar a letraconstitucional no âmbito do direito privado. Conheça o paradigmático caso Lüth, nas palavras dos ministros Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso, verbis: Em 1950, o Presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo, Erich 1 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 4. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 117. 8 Lüth, defendeu um boicote contra o filme ‘Unsterbliche Geliebte’, de Veit Harlan, diretor do filme ‘Jud Süs’, produzido durante o 3. Reich. Harlan logrou decisão do Tribunal estadual de Hamburgo no sentido de determinar que Lüth se abstivesse de conclamar o boicote contra o referido filme com base no § 826 do Código Civil (BGB). Contra essa decisão foi interposto recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde) perante o Bundesverfassungsgericht. A Corte Constitucional deu pela procedência do recurso, enfatizando que decisões de tribunais civis, com base em leis gerais de natureza privada, podem lesar o direito de livre manifestação de opinião consagrado no art. 5, 1, da Lei Fundamental. Os tribunais ordinários estariam obrigados a levar em consideração o significado dos direitos fundamentais em face dos bens juridicamente tutelados pelas leis gerais (juízo de ponderação). Na espécie, entendeu a Corte que, ao apreciar a conduta do recorrente, o Tribunal estadual teria desconsiderado (verkannt) o especial significado que se atribui ao direito de livre manifestação de opinião também nos casos em que ele se confronta com interesses privados.” MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 4. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 127. Erich Lüth, presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo, incitava o boicote de um filme dirigido por Veit Harlan, cineasta que havia sido ligado ao regime nazista no passado. A produtora e a distribuidora do filme obtiveram, na jurisdição ordinária, decisão determinando a cessação de tal conduta, por considerá-la uma violação ao § 826 do Código Civil (BGB) (“Quem, de forma atentatória aos bons costumes, infligir dano a outrem, está obrigado a reparar os danos causados”). O Tribunal Constitucional Federal reformou a decisão, em nome do direito fundamental à liberdade de expressão, que deveria pautar a interpretação do Código Civil. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil, p. 20. 9 Portanto, a decisão do Tribunal alemão superou incontrastavelmente a vetusta dicotomia direito público-direito privado, consolidando-se, na jurisprudência e na doutrina, a tese de que as normas constitucionais se aplicam, sim, às relações jurídicas entre particulares, ainda que com determinadas limitações. É nesse sentido que o exame da eficácia horizontal dos direitos fundamentais é tema fundamental no constitucionalismo contemporâneo, porque é o tema que provoca verdadeira revolução de ideias no que diz respeito à efetividade ou eficácia social de todas as dimensões de direitos, bem como projeta a imagem da filtragem constitucional, na qual impera a leitura do direito infraconstitucional à luz da Constituição. Assim, por exemplo, avançou o direito brasileiro ao, em nome do princípio constitucional da igualdade, conceber, por via legislativa, as mudanças tocantes à não discriminação entre filhos legítimos e adulterinos (que o antigo Código Civil de 1916 fazia), ao novo regime matrimonial e os direitos dos ex- cônjuges após o divórcio e à evolução nos conceitos do direito de família (poder familiar, nome de família, paternidade biológica/afetiva, etc.) e direito dos contratos. Na via judicial, contata-se, facilmente, a evolução do conceito de família e os julgamentos favoráveis às uniões homossexuais/homoafetivas (verdadeira mutação constitucional do artigo 223 da Constituição de 1988). Enfim, resta patente a relevância e influência do caso Lüth no que diz respeito à interconexão entre a Constituição, os direitos fundamentais e as relações jurídicas privadas. Com efeito, situações como, por exemplo, a possibilidade de um diretor de clube de futebol proprietário de estádio próprio impedir a entrada de jornalistas ou artistas que, de modo contumaz, criticam abertamente as políticas adotadas pelo clube, ou, a obrigatoriedade de inspeção íntima de trabalhadoras de uma fábrica de lingerie por ocasião do fim do expediente, ou, ainda, o célebre caso da casa de espetáculos, em França, que realizava o lançamento de anões, não podem deixar de 10 frequentar a aferição, via judicial, da compatibilidade de atos privados à luz da Constituição. Daí a importância da ponderação de valores nesta aferição da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais constitucionais. No entanto, cabe aqui alertar, juntamente com Lenio Streck, que esse exemplo do caso Lüth não pode ser usado para justificar o mero decisionismo judicial, desprovido de limites hermenêuticos. Ou seja, ponderar princípios em colisão, sim, porém, escolher, a seu próprio talante, não. Nesse sentido, como bem destaca o autor: “que os ‘ponderadores’ não usem mais o exemplo do caso Lüth (e ainda dizendo Lut), sem saber do que se trata”. 2 Assim sendo, é importante concluir esta segmentação temática destacando bem que o caso Lüth é sim um caso paradigmático e que deve ser usado para projetar a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. É por tudo isso que, na sequência, vai-se abordar as três grandes correntes que versam sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a saber: A doutrina do state action dos Estados Unidos; A teoria dualista ou teoria da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais; A teoria monista ou teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais. 2 STRECK, Lenio. Senso Incomum: Uma lista de pedidos de um jurista para o Papai Noel. Pendurando a meia na árvore, disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-dez-12/senso-incomum-lista- pedidos-jurista-papai-noel>. 11 A Doutrina do State Action dos Estados Unidos da América Em linhas gerais, a teoria do state action é uma concepção negadora da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Trata-se de uma criação do direito dos Estados Unidos da América estabelecendo que os direitos fundamentais não penetram nas relações entre particulares. No dizer de Sarmento: É praticamente um axioma do Direito Constitucional norte- americano, quase universalmente aceito tanto pela doutrina como pela jurisprudência, a ideia de que os direitos fundamentais, previstos no Bill of Rights da Carta estadunidense, impõem limitações apenas para os Poderes Públicos e não atribuem aos particulares direitos frente a outros particulares com exceção apenas da 13ª Emenda, que proibiu a escravidão. Para justificar esta posição, a doutrina apóia-se na literalidade do texto constitucional, que se refere apenas aos Poderes Públicos na maioria das suas cláusulas consagradoras de direitos fundamentais.3 Assim, para essa concepção, não haveria eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, já que o Estado seria o único sujeito passivo desses direitos. Ou seja, os seguidores da corrente do state action entendem que os direitos fundamentais previstos na Constituição estadunidense só teriam eficácia em relação aos Poderes Públicos, já que a própriaConstituição admite uma única exceção, que é a escravidão. Além dessa argumentação, nitidamente, decorrente do modelo constitucional liberal-garantista, existe ainda a argumentação atrelada ao pacto federativo dos Estados Unidos, no qual se estabelece que a competência para legislar sobre direito privado é atribuída aos Estados-membros (e não à União), cuja 3 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luis Roberto. A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 298. 12 autonomia enquanto ente federativo impediria o poder judiciário federal de penetrar no campo jusprivatista, salvo nas questões comerciais interestaduais e internacionais. Portanto, é o próprio pacto federativo imutável que afasta a atuação tanto das cortes quanto do legislador federais no âmbito das relações jusprivatistas, na medida em que a competência para gestar a ordem jurídica privatista é da exclusiva responsabilidade do legislador estadual, o que evidente imuniza a ação privada da intervenção, seja poder judiciário federal, seja do próprio legislador federal. Esta última argumentação encontra-se, de certo modo mitigada, a partir da década de 60, ocasião em que se passa a admitir a competência da União para legislar sobre direitos humanos como uma consequência da evolução jurisprudencial feita no bojo dos movimentos civis e que redundaram na promulgação do Civil Rights Act de 1964. Assim sendo, é importante compreender que, nos Estados Unidos, sob o rótulo da state action, é intenso o debate acerca da aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas, cujas oscilações doutrinárias e jurisprudenciais levam à conclusão de que, muito embora, em regra, os direitos fundamentais não se apliquem às relações jurídicas privadas, a teoria do state action tenta definir, ainda que de forma casuística e assistemática, em que situações pode ocorrer a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Diversos artifícios são usados neste mister, v.g., alegação de que a questão decidida demanda um conceito de função pública (public function theory) ou a equiparação de determinados atos privados a atos estatais (entanglement exception theory). 13 Pela teoria da função pública, é fácil ver que a doutrina do state action cria a possibilidade de se aplicar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais numa relação privada quando uma das partes envolvidas estiver no exercício de uma função pública. É bem de ver que, aqui, a Suprema Corte estadunidense dá nova interpretação à doutrina do state action, na medida em que reconhece a vinculação dos atores privados aos direitos fundamentais constitucionais quando promoverem atividades de natureza tipicamente estatal. Ou seja, a doutrina americana da state action admite a aplicação dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas quando os particulares assumirem funções de caráter essencialmente público. Exemplo típico e emblemático da aplicação da teoria da função pública foi o caso Marsh v. Alabama4, julgado em 1946. Marsh, uma testemunha de Jeová, foi presa por distribuir panfletos no interior de uma cidade construída por uma empresa para abrigar seus funcionários (cidade privada - company- owned town). Invocou-se, à época, o direito à liberdade religiosa e a Suprema Corte norte-americana encampou a tese dando, portanto, eficácia ao direito fundamental numa relação privada. Nesse sentido, a empresa proprietária da cidade privada (ruas, residências, estabelecimentos comerciais, etc.) seria equivalente ao Estado e, nessa condição, deveria respeitar a 1ª Emenda protetora da liberdade de culto. Nessa mesma linha de raciocínio, o caso Evas v. Newton, agora referente ao acesso de um negro a um parque privado, porém de acesso público. Nesse 4 U.S. Supreme Court Marsh v. Alabama, 326 U.S. 501 (1946). Syllabus: A state can not, consistently with the freedom of religion and the press guaranteed by the First and Fourteenth Amendments, impose criminal punishment on a person for distributing religious literature on the sidewalk of a company-owned town contrary to regulations of the town's management, where the town and its shopping district are freely accessible to and freely used by the public in general, even though the punishment is attempted under a state statute making it a crime for anyone to enter or remain on the premises of another after having been warned not to do so. 14 caso, a Suprema Corte estadunidense decidiu pela ilicitude do ato denegador de acesso aos negros a um parque privado, mas aberto ao público em geral. Outro exemplo ocorreu no caso Burton v. Wilmington Parking Authority, 365 U.S. 715 (1961) em que um restaurante, situado em local público, recusou-se a servir comida a um negro. A Suprema Corte norte-americana, com base no princípio da isonomia, proibiu o restaurante de discriminar por motivos raciais. 5 Entretanto, em sentido contrário, vale trazer a lume o caso Moose v. Irvis, no qual um cidadão negro chamado Irvis deixou de ser atendido pelos funcionários de um restaurante por causa de sua cor. Na ação movida, Irvis argumentou que o alvará de funcionamento que o próprio Estado da Pensilvânia expediu autorizando o funcionamento de um restaurante exclusivo para brancos caracterizava discriminação patrocinada, ainda que indiretamente, por ação do Estado, com nítida violação da cláusula de igualdade (equal protection clause) prevista na 14ª Emenda da Constituição norte-americana. 5 U.S. Supreme Court Burton v. Wilmington Parking Authority, 365 U.S. 715 (1961). Syllabus: a restaurant located in a publicly owned and operated automobile parking building refused to serve appellant food or drink solely because he was a Negro. The building had been built with public funds for public purposes, and it was owned and operated by an agency of the State of Delaware, from which the private operator of the restaurant leased its premises. Claiming that refusal to serve him abridged his rights under the Equal Protection Clause of the Fourteenth Amendment, appellant sued in a state court for declaratory and injunctive relief against the restaurant and the state agency. The Supreme Court of Delaware held that he was not entitled to relief, on the ground that the restaurant's action was not state action within the meaning of the Fourteenth Amendment and that the restaurant was not required by a Delaware statute to serve all persons entering its place of business. An appeal was taken to this Court on the ground that the state statute had been construed unconstitutionally. 15 No entanto, a Suprema Corte não reconheceu nenhuma violação da cláusula da equal protection, por se tratar de agente privado que apenas recebeu licença de funcionamento por ato estatal, não figurando, portanto, a teoria da public function e equiparação de agente privado a ente estatal. De tudo se vê, por conseguinte, que a aplicação da doutrina do state action sobre a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas ainda está muito longe de assumir fronteiras exegéticas bem definidas, fórmulas dogmáticas claras, mas, que, no entanto, não retira a perspectiva dogmática de sua aplicação em determinadas situações, notadamente nas hipóteses que envolvem a violação de diretos civis (The civil rights cases) ou a alegação do conceitode função pública (exercício de atividade de natureza tipicamente estatal pelo agente privado). Uma vez analisada a doutrina do state action estadunidense, importa agora investigar as duas teorias que reconhecem a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, bem como a jurisprudência do STF sobre tal temática. Teoria Dualista da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais Também chamada de teoria da eficácia indireta ou mediata dos direitos fundamentais, esta concepção foi desenvolvida pelo doutrinador alemão Günter Dürig, em 1956, sendo atualmente a posição adotada pelo Tribunal Constitucional alemão, como bem destaca Gilmar Mendes: Em verdade, ensina Dürig que uma aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas poderia suprimir ou restringir em demasia o princípio da autonomia privada. Portanto, é o próprio sistema de direitos fundamentais, ensina o notável constitucionalista tedesco, que autoriza e legitima que os indivíduos confiram aos negócios de direito privado conformação não coincidente com tais direitos. (...) Não se pode olvidar, por outro lado, que as controvérsias entre particulares com base no direito privado hão de ser decididas pelo Judiciário. 16 Estando a jurisdição vinculada aos direitos fundamentais, parece inevitável que o tema constitucional assuma relevo tanto na decisão dos tribunais ordinários, como no caso de eventual pronunciamento da Corte Constitucional.6 A teoria mediata ou dualista ou indireta assume uma posição intermediária entre a doutrina do state action e a teoria da eficácia direta, uma vez que, muito embora rejeite a possibilidade de aplicação imediata dos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas, não chega a negar a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, pois reconhece que a ordem de valores formulada por tais direitos deve, sim, ser levada em consideração no campo do direito privado. Para tal teoria, os direitos fundamentais não são direitos subjetivos diretamente sindicáveis perante o poder judiciário, isto é, não são direitos destinados a resolver diretamente os conflitos jusprivatistas, na medida em que sua aplicação deve ser realizada por intermédio do próprio sistema jurídico. Em consequência, é o legislador democrático que tem a missão de realizar ou concretizar os direitos fundamentais na esfera das relações entre particulares, sempre tendo presente a intelecção de que as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados (abertos) simbolizam a “porta de entrada” dos direitos fundamentais no campo privatista. Tais cláusulas e conceitos são os vetores de irradiação dos direitos fundamentais para as relações privadas. Eis aqui o ponto nodal da teoria indireta ou mediata dos direitos fundamentais: a aplicação das normas constitucionais no âmbito das relações privadas se dá mediante dois modos principais, a saber: 6 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 4. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 126. 17 Pela intervenção do poder legislativo através de sua competência constitucional de elaborar as leis infraconstitucionais (na tarefa de regular a Constituição) e as emendas constitucionais (na tarefa de atualizar o catálogo de direitos fundamentais); Pelo intérprete na atribuição de sentido às cláusulas gerais e conceitos jurídicos abertos e indeterminados. Assim, na visão da teoria indireta, ainda que se não possa desfigurar a ideia de liberdade individual, é preciso concordar que os direitos fundamentais legitimam limitações à tal liberdade, seja no plano da legislação, seja no plano da interpretação. É nesse sentido que a teoria mediata afasta a aplicação direta dos direitos fundamentais, uma vez que isso implicaria em atribuir poder demasiado aos juízes e tribunais, tendo em conta a abertura terminológica e a baixa densidade normativa dos princípios constitucionais que asseguram direitos fundamentais. Portanto, a teoria da eficácia mediata dos direitos fundamentais limita-se precipuamente a uma interpretação limitada pelas cláusulas abertas e conceitos jurídicos indeterminados, tendo em conta a visão de que o reconhecimento do direito de alguém implica o sacrifício de outros reconhecidos a outrem pela ordem constitucional como um todo. Assim, os defensores da teoria dualista entendem que os direitos fundamentais devem ser garantidos no campo do próprio direito privado (legislado pelo detentor do mandato político) e não na esfera do direito constitucional com a intervenção do juiz ou intérprete, aplicando diretamente a Constituição na esfera privada. Por isso a supremacia da liberdade contratual entre as partes não pode ser exterminada nem pela legislação nem pela interpretação. Em consequência, a incidência das normas constitucionais na órbita privada se dá apenas de forma mediata, ou seja, as normas de direito fundamental desenvolvidas pelo legislador só indiretamente se 18 projetam sobre o espaço jurídico privado (pessoas físicas e jurídicas em suas relações contratuais). Em essência, a doutrina da eficácia indireta propugna pela autonomia das relações jurídicas privadas ante as normas jusfundamentais e assim o faz com espeque na crença inabalável de que a liberdade contratual é mandamento de estirpe constitucional e não pode ser limitada a talante do juiz ou exegeta constitucional. Em outras palavras, a Constituição também protege a autonomia da vontade e, nesse sentido, é perfeitamente possível reconhecer o não exercício de certos direitos fundamentais, em nome da manutenção do núcleo essencial intangível dessa própria autonomia da vontade. Cabe ao legislador democrático, e não ao magistrado (por ser carecedor de legitimidade democrática), a tarefa medianeira de determinar a incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, pois se assim não fosse, haveria um espaço enorme de discricionariedade pelos juízes na solução do caso concreto. Portanto, em eventual conflito entre a liberdade individual (autonomia da vontade) e o direito fundamental, cabe ao legislador solucioná-lo sem, por óbvio, abandonar os valores constitucionais aplicáveis. Ao magistrado caberia tão somente em casos excepcionais, quando diante de conceitos jurídicos indeterminados ou cláusulas abertas, a missão hermenêutica de suprir as lacunas deixadas pelo legislador aplicando os direitos fundamentais na relação entre particulares. Com a visão de que a decisão final do juiz/intérprete é o resultado final da compilação de todos os elementos envolvidos na solução do caso decidendo, semânticos e extrassemânticos, jurídicos e extrajurídicos, a teoria da eficácia mediata tem como fundamento a ideia-força de que a incidência direta das normas constitucionais sobre a esfera privada esvaziaria por completo a autonomia privada, daí, portanto, a limitação de aplicar indiretamente a incidência dos direitos fundamentais na área privada contratual. 19 A aplicação dos direitos fundamentais na esfera privada encontra-se na fronteira entre o público e o privado, ou seja, não se pode confundir a eficácia horizontal dos direitos fundamentais com a obrigação constitucional imposta ao legislador para regular as normas constitucionais abertas e ao magistrado quando concretiza o direito nos casos de conceitos indeterminados e cláusulas gerais e abertas. O aluno deve compreender que a eficácia horizontal (vinculação dos particularesaos direitos fundamentais) é bem diferente da eficácia vertical que atrela os poderes estatais aos direitos fundamentais. Teoria Monista da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais Também chamada de teoria da eficácia direta ou imediata dos direitos fundamentais, esta concepção foi desenvolvida pelo doutrinador alemão Hans Carl Nipperdey, no início da década de 50, sendo atualmente a posição adotada pelo nosso Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, a lição de Gilmar Mendes: Sob o império da Lei Fundamental de Bonn engajou-se Hans Carl Nipperdey em favor da aplicação direta dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas, o que acabou por provocar um claro posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho em favor dessa orientação (unmittelbare Drittwirkung). O Tribunal do Trabalho assim justificou o seu entendimento: Em verdade, nem todos, mas uma série de direitos fundamentais destina-se não apenas a garantir os direitos de liberdade em face do Estado, mas também a estabelecer as bases essenciais da vida social. Isso significa que disposições relacionadas com os direitos fundamentais devem ter aplicação direta nas relações privadas entre os indivíduos. Assim, os acordos de direito privado, os 20 negócios e atos jurídicos não podem contrariar aquilo que se convencionou chamar ordem básica ou ordem pública. 7 A teoria direta ou imediata ou monista assume uma posição de vanguarda no âmbito da reconstrução neoconstitucionalista do direito, uma vez que projeta a oponibilidade erga omnes, mitigando dessarte as ameaças aos direitos fundamentais advindas não somente do Estado, mas de direção multidimensional, como, por exemplo, os poderes sociais de conglomerados multinacionais, empregadores, detentores do poder econômico, sindicatos, associações patronais, clubes, etc. Deve-se compreender, portanto, que a eficácia horizontal (vinculação dos particulares aos direitos fundamentais) é bem diferente da eficácia vertical que atrela os poderes estatais aos direitos fundamentais. Não se há de confundir os destinatários de uma e de outra modalidade de eficácia. O próprio §1º do art. 5º, que garante aplicação imediata para as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, nada sentenciou sobre a quem se destinam tais normas, ou seja, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais devem ser exigidas só contra os agentes estatais, ou, não vinculam também os particulares? É claro que as relações entre pessoas privadas são marcadas, fundamentalmente, pela ideia de desigualdade, desigualdade esta que deriva exatamente dessa assimetria de poder social e econômico entre os agentes privados, daí a importância da vinculação direta dos entes privados aos direitos fundamentais. Nesse sentido, não se pode dissociar a ordem jurídica infraconstitucional privada e a Constituição, como se fossem mundos apartados, sem nenhum acoplamento jurídico-normativo-ético. Tal relação deve ser profunda, pois se fosse o contrário, nada garantiria que os direitos 7 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 4. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 124. 21 fundamentais operariam a favor dos dois partícipes da relação de direito privado. De outra banda, muito embora rejeite o mero decisionismo judicial, a doutrina da eficácia horizontal direta sofre pesadas críticas no sentido de que despreza a liberdade individual e a autonomia privada em detrimento de outros valores que não penetram diretamente no campo jurídico-privado. Isso significa dizer que a aplicação imediata dos direitos fundamentais nas relações entre os cidadãos implica na ponderação entre o direito fundamental em jogo e a autonomia privada dos particulares. Na lição de Vieira de Andrade, citado por Daniel Sarmento, na ponderação a ser feita pelo juiz/exegeta constitucional, a balança deve pender, em princípio, para o lado da autonomia privada, desde que com a solução não se prejudique intoleravelmente a ideia de dignidade da pessoa humana. 8 Com efeito, a teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais tem por espeque a aplicação da eficácia horizontal mediante um processo de ponderação de valores, que coloca de um lado a liberdade individual e a autonomia da vontade, e, do outro, o direito fundamental em tensão. Em essência, a doutrina da eficácia horizontal direta advoga a tese da verticalidade imposta pela supremacia constitucional, o que evidentemente implica na aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais na órbita privada. Em outras palavras, os direitos fundamentais – além de vincular diretamente o Poder Legislativo na sua função constitucional de construtor da ordem infraconstitucional e o Poder Judiciário na sua função constitucional de entregar a prestação jurisdicional necessária a solução da lide – vinculam também as relações entre particulares. 8 SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luis Roberto. A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 322. 22 Em suma, a teoria monista busca valorizar a supremacia das normas constitucionais, cuja aplicabilidade imediata se dará a partir do caso concreto e mediante um critério de ponderação de princípios constitucionais. Nesse mister, Luis Roberto Barroso mostra que: Na ponderação a ser empreendida, como na ponderação em geral, deverão ser levados em conta os elementos do caso concreto. Para esta específica ponderação entre autonomia da vontade versus outro direito fundamental em questão, merecem relevo os seguintes fatores: A igualdade ou desigualdade material entre as partes (e.g., se uma multinacional renuncia contratualmente a um direito, tal situação é diversa daquela em que um trabalhador humilde faça o mesmo); A manifesta injustiça ou falta de razoabilidade do critério (e.g., escola que não admite filhos de pais divorciados); Preferência para valores existenciais sobre os patrimoniais; Risco para a dignidade da pessoa humana (e.g., ninguém pode se sujeitar a sanções corporais). 9 Enfim, sem embargo da relevância das controvérsias entre as teorias da eficácia horizontal, o fato é que, nas relações entre particulares, o conflito aparente entre direitos fundamentais só vai ganhar solução jurídico-científica consistente quando passar por processo de ponderação dos valores em tensão que leve em consideração esses elementos apontados acima. De toda sorte, o que importa destacar neste momento é que o conceito de eficácia horizontal consolida a evolução histórica dos direitos fundamentais, na medida em que demonstra que os mesmos não se prestam apenas para 9 BARROSO, Luis Roberto. Temas de direito constitucional. Tomo III, São Paulo: Saraiva, 2006. p. 530. Idem, p. 35). 23 defesa da liberdade perante o Estado, mas, também, para a valorização da dignidade da pessoa humana nas relações entre os próprios particulares. A questão que se impõe é fixar os limites, ou melhor, as fronteirais entre o público e o privado para determinar até que ponto deve reinar a autonomia contratual em detrimento de direitos fundamentais. É por tudo isso que vamos, em seguida, examinar cada uma das três grandes fases de evolução do fenômeno da constitucionalização do direito, vale dizer,desde a fase de predominância cêntrica do Código Civil até a atual fase de filtragem constitucional, perpassando-se antes por etapa intermediária denominada fase de fragmentação do direito infraconstitucional. Atividade Proposta Analise as assertivas abaixo e assinale a resposta CORRETA: I. A teoria do state action é uma concepção afirmativa da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Trata-se de uma criação do direito dos Estados Unidos da América estabelecendo que os direitos fundamentais penetram diretamente nas relações entre particulares. II. Já os defensores da teoria monista entendem que os direitos fundamentais devem ser garantidos no campo do próprio direito privado (legislado pelo detentor do mandato político) e não na esfera do direito constitucional com a intervenção do juiz ou intérprete, aplicando diretamente a Constituição na esfera privada. a) As duas assertivas são falsas; b) A assertiva I é verdadeira e a assertiva II é falsa; c) Ambas as assertivas são verdadeiras; d) A assertiva I é falsa e a assertiva II é verdadeira. 24 Referências MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 4. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 2012. SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luis Roberto. A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3. ed., rev, atual. Rio de Janeir0000o: Lumen Juris, 2009. TAVARES, André Ramos. Paradigmas do judicialismo constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. Exercícios de Fixação Questão 1 A jurisprudência e a doutrina brasileiras tendem a acompanhar a tese da aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, razão pela qual reconhecemos apenas dois modos para sua aplicação: através da intervenção do poder legislativo ordinário e por meio da atribuição de sentido, pelos aplicadores da norma, às cláusulas abertas. 25 A proposição acima possui duas assertivas, sendo correto afirmar que: a) Ambas estão erradas; b) Ambas estão corretas e a segunda complementa a primeira; c) Ambas estão corretas e as ideias não se relacionam; d) Apenas a segunda está errada; e) Apenas a primeira está errada. Questão 2 Veja o que diz o art. 18º (1) da Constituição de Portugal, de 1976: Art.18º-1: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.” 26 Baseado no dispositivo acima, e comparando com o texto constitucional brasileiro de 1988, pode-se dizer que: a) Tanto em Portugal como no Brasil existe previsão expressa da “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais; b) Apenas em Portugal pode-se reconhecer a “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais; c) Enquanto o constituinte português estabeleceu expressamente a “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais, o brasileiro nada falou sobre o tema. d) Por não haver previsão expressa a respeito da “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais na Constituição de 1988, entende-se, majoritariamente, impossível sua aplicação no direito brasileiro; e) Em nenhum dos dois ordenamentos existe “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais, haja vista o respeito ao princípio da autonomia da vontade. Questão 3 Ao se deparar com um caso que envolva dois particulares e no qual exista uma disputa acerca da aplicação de um determinado direito fundamental àquela relação jurídica, deverá o intérprete: a) Fazer valer sempre o direito fundamental contraposto, dada sua magnitude constitucional; 27 b) Respeitar a autonomia da vontade das partes, dado ser o valor fundamental do direito privado; c) Realizar uma ponderação entre o direito fundamental em questão e a autonomia da vontade, tendo em vista tratar-se de dois preceitos constitucionais; d) Abster-se de decidir o conflito; e) Todas as alternativas acima estão erradas. Questão 4 Analise as assertivas abaixo e assinale a resposta CORRETA: Pela teoria monista da eficácia horizontal, a aplicação das normas constitucionais no âmbito das relações privadas se dá mediante dois modos principais: I. A intervenção do poder legislativo através de sua competência constitucional de elaborar as leis infraconstitucionais e pelo intérprete na atribuição de sentido às cláusulas abertas; II. Já pela teoria dualista, a aplicação da eficácia horizontal se dá mediante um processo de ponderação de valores, que coloca de um lado a livre iniciativa e a autonomia da vontade, e, do outro, o direito fundamental em tensão. a) As duas assertivas são falsas; b) A assertiva I é verdadeira e a assertiva II é falsa; c) Ambas as assertivas são verdadeiras; d) A assertiva I é falsa e a assertiva II é verdadeira. Questão 5 Analise as assertivas abaixo e assinale a resposta CORRETA: I. Entre outros, merecem destaque na específica ponderação entre “autonomia da vontade” versus “outro direito fundamental em questão”, os seguintes fatores: a preferência para valores existenciais sobre os patrimoniais e o risco para a dignidade da pessoa humana; 28 II. Na aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, é irrelevante a “igualdade ou desigualdade material entre as partes”, ou seja, é irrelevante, por exemplo, se uma renúncia a um direito foi feita contratualmente por uma grande empresa multinacional ou se foi feita por um trabalhador humilde. Os dois atos têm absolutamente o mesmo valor na aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. a) As duas assertivas são falsas; b) A assertiva I é verdadeira e a assertiva II é falsa; c) Ambas as assertivas são verdadeiras; d) A assertiva I é falsa e a assertiva II é verdadeira. Atividade Proposta Resposta A 29 Exercícios de fixação Questão 1 - D Justificativa: A primeira assertiva está correta, pois a jurisprudência e a doutrina brasileiras defendem a tese da aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, já a segunda assertiva está errada, porque os dois modos indicados são usados na teoria da eficácia mediata ou indireta dos direitos fundamentais. Ou seja, a aplicação através da intervenção do poder legislativo ordinário e por meio da atribuição de sentido, pelos aplicadores da norma, às cláusulas abertas não são características da teoria imediata. Questão 2 - C Justificativa: Com efeito, é certo afirmar que o poder constituinte português estabeleceu expressamente a “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais, enquanto que a Constituição brasileira de 1988 é silente, cabendo, pois, à doutrina e à jurisprudência, consolidar a posição da aplicação da teoria direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas. Questão 3 - C Justificativa: É de sabença geral que a jurisprudência e a doutrina brasileiras defendem a tese da aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas,portanto a resposta C é correta, pois estabelece que, no caso concreto e após a incidência dos elementos fáticos e jurídicos, a solução virá da ponderação entre o direito fundamental em questão e a autonomia da vontade. Questão 4 - A Justificativa: As duas assertivas são falsas, os modos de aplicação estão invertidos. Ou seja, na primeira assertiva é certo afirmar que, pela teoria monista da eficácia horizontal, a aplicação das normas constitucionais no âmbito das relações privadas se dá mediante um processo de ponderação de valores, que coloca de um lado a livre iniciativa e a autonomia da vontade, e, do outro, o direito fundamental em tensão, já pela teoria dualista a aplicação 30 da eficácia horizontal se dá mediante dois modos principais: a) a intervenção do poder legislativo através de sua competência constitucional de elaborar as leis infraconstitucionais; e b) pelo intérprete na atribuição de sentido às cláusulas abertas. Questão 5 - B Justificativa: Somente a assertiva I está correta. Com efeito, na ponderação entre “autonomia da vontade” versus “outro direito fundamental em questão”, a preferência para valores existenciais sobre os patrimoniais e o risco para a dignidade da pessoa humana, entre outros fatores, devem ser levados em consideração. Já a assertiva II está errada exatamente porque a renúncia a um direito foi feita contratualmente por um trabalhador humilde, fator que deve ser considerado. Atualizado em: 22 jun. 2014
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