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HORTÊNCIA DE ABREU GONÇALVES é licenciada plena e bacharel em História, com pós- graduação stricto sensu (mestrado) em Sociologia, tendo sido classificada em quarto lugar, e em Geografia, com aprovação em primeiro lugar, pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde lecionou a disciplina Introdução à Metodologia Científica. Foi bolsista de Iniciação Científica pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Tecnologia (CNPq), convênio UFS/UFAL/CNPq, por quatro anos, com premiação na 46º Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) durante a I Jornada Nacional de Iniciação Científica. Atualmente encontra-se cursando o doutorado em Geografia, na Universidade Federal de Sergipe (UFS), tendo sido classificada em primeiro lugar na seleção para ingresso no referido curso. Leciona as disciplinas Seminário de Pesquisa, Metodologia da Pesquisa Científica, Metodologia da Ciência, Monografia e Métodos e Técnicas de Pesquisa I em cursos de graduação e de pós- graduação da Universidade Tiradentes (UNIT). Também ministra as disciplinas Metodologia do Trabalho Científico e Iniciação ao Trabalho Científico na Faculdade de Sergipe (FaSe) e Faculdade Atlântico (FA) respectivamente. A Wilson, Pedro, Péricles e Luciano, que me acompanham nessa jornada acadêmica. A meus alunos e ex-alunos, que, com suas dúvidas e indagações constantes sobre a realização de pesquisas científicas, propiciaram meu aprofundamento no assunto, de forma a repassá-lo, pautado no rigor científico e metodológico que norteia essa atividade. A meus colegas de trabalho e de estudo, que utilizam essas orientações em sala de aula e na vida universitária. Mais uma vez, obrigada! Apresentação A necessidade crescente de preparo e execução de pesquisas científicas, por parte de professores, pesquisadores e estudantes universitários de graduação e de pós-graduação, originou este manual, que demonstra, de forma clara, simples e precisa, as etapas de realização dessa atividade, baseado no rigor metodológico que confere veracidade e cientificidade aos métodos e às técnicas de investigação, bem como aos seus resultados. Com esse objetivo, ele apresenta também, de forma didática, alguns exercícios que possibilitarão a realização da Oficina de Pesquisa Científica, por meio de explanação diagramada que permite ao estudante a concreção de pesquisa pautada nas exigências de uma investigação científica. Essa prática foi iniciada na sala de aula com a disciplina Metodologia da Pesquisa; por meio dela os alunos de graduação têm a oportunidade de elaborar o projeto de pesquisa sobre a temática da área em que estão inseridos e, em seguida, de executar uma pesquisa bibliográfica, acompanhada da documental ou da de campo, a ser apresentada no Seminário de Pesquisa na forma de painéis, pôsteres, banners e comunicações orais. A concretização dessa atividade exigiu a participação de outras disciplinas, que tiveram importância fundamental no acompanhamento e na realização de todas as suas etapas. Durante a execução deste trabalho, houve constante preocupação em repassar para os alunos as contribuições da pesquisa e o papel atual do jovem pesquisador, bem como o da iniciação científica e sua importância futura em nível de pós-graduação. Essa metodologia desenvolveu entre os participantes a responsabilidade pela pesquisa e sua valorização nos períodos iniciais dos cursos de graduação, promovendo o ensino pela pesquisa, coma construção do conhecimento direcionado à realidade, a partir de questionamentos sobre determinado tema. Nesse processo pela busca do saber, aluno e professores estabeleceram uma cumplicidade valorizada por curiosidade, motivação, exigência e incerteza com significados próprios, propiciando a finalidade principal do ensino universitário: o exercício da crítica na pesquisa, no ensino e na extensão. A autora Lista de Quadros 1 Ciência-Metodologia-Método ..................................... 27 2 Estrutura Organizacional da Graduação e da Pós-graduação ................................................. 30 3 Caracterização, Esquematização e Função das Ciências Formais e Fatuais.........................................33 4 Os Métodos e suas Diversas Aplicações por Área de Conhecimento 50 5 Estrutura e Organização da Pesquisa Científica ...... 109 Sumário 1 INTRODUÇÃO .......................................................................... 11 2 CIÊNCIA: METODOLOGIA E MÉTODOS ...................................... 15 2.1 Caracterização do Conhecimento Científico .......................... 16 2.2 Ciência e Metodologia Científica ........................................... 19 2.3 Iniciação Científica e Pós-graduação ................................... 24 2.4 Cientista: Ciência, Técnica e Domínio do Saber .................... 28 2.5 Métodos Científicos .............................................................. 33 2.5.1 Métodos gerais (métodos de abordagem) ............... 34 2.5.2 Métodos específicos (métodos de procedimento) .. 43 2.5.3 Outros métodos ........................................................ 45 2.54 Relação entre os métodos científicos e suas aplicações ....................................................... 45 3 PESQUISA CIENTÍFICA: CONSTRUÇÃO DO SABER ............... 47 3.1 Objetivo ................................................................................. 48 3.2 Características ..................................................................... 49 3.3 Critérios de Cientificidade ..................................................... 50 3.4 Antecedentes da Pesquisa .................................................. 51 3.5 Planejamento da Pesquisa .................................................. 52 4 PESQUISA CIENTÍFICA: TIPOS E MODALIDADES ...................... 55 4.1 Classificação das Pesquisas ............................................... 55 4.2 Tipos e Estruturações Básicas ............................................ 57 4.2.1 Pesquisa bibliográfica............................................... 58 4.2.1.1 Etapas da pesquisa bibliográfica .................. 59 4.2.2 Pesquisa documental ............................................... 60 4.2.2.1 Locais de pesquisa, tipos e utilização de documentos ........................................... 62 4.2.3 Pesquisa teórica, aplicada e de campo .................... 63 4.2.4 Pesquisa de motivação e atitudes ........................... 83 4.2.5 Pesquisa sobre a propaganda ................................. 83 4.2.6 Pesquisa sobre o produto ........................................ 83 10 -------- Manual de Metodologia da Pesquisa Científica 4.2.7 Pesquisa sobre as vendas ........................................ 83 4.2.8 Pesquisa de mercado ............................................... 84 4.2.9 Pesquisa experimental .............................................. 84 4.2.10 Pesquisa-ação .......................................................... 87 4.2.11 Pesquisa expost facto ............................................... 89 4.2.12 Pesquisa descritiva ................................................... 91 4.2.13 Pesquisa participante ............................................... 92 4.2.14 Pesquisa histórica ..................................................... 95 4.2.15 Pesquisa etiológica ................................................... 97 4.2.16 Pesquisa exploratória ................................................ 98 4.2.17 Pesquisa explicativa.... .............................................. 99 4.2.18 Estudo de coorte ....................................................... 99 4.2.19 Levantamentos....................................................... 100 4.3 Diferença entre Pesquisa Quantitativa e Qualitativa ........... 101 5 ETAPAS DE REALIZAÇÃO DE UMA PESQUISA CIENTÍFICA 103 5.1 Estrutura e Organização da Pesquisa Científica .................. 103 5.2 Escolha do Tema e Referencial Teórico ............................... 104 5.3 Delimitação do Tema ............................................................ 105 5.4 Estabelecimento do Problema e Justificativa ....................... 105 5.5 Definição das Hipóteses de Trabalho e das Questões Norteadoras .......................................................107 5.6 Determinação dos Objetivos da Pesquisa .......................... 111 5.7 Seleção das Fontes de Pesquisa ....................................... 112 5.8 Categorias de Análise ........................................................ 112 5.9 Instrumentos de Coleta de Dados...................................... 115 5.10 Coleta e Representação dos Dados Obtidos ..................... 116 5.10.1 Amostragem ............................................................ 117 5.10.1.1 Amostra quantitativa .................................. 118 5.10.1.2 Amostra qualitativa .................................... 121 5.11 Análise, Crítica e Interpretação dos Resultados Obtidos .. 122 6 EXERCÍCIO PRÁTICO PARA AOFICINA DE PESQUISA CIENTÍFICA .............................................................. 125 6.1 Questões Básicas ................................................................ 125 6.2 Oficina de Pesquisa Científica .............................................. 128 REFERÊNCIAS ..............................................................................137 C A P Í T U L O 1 Introdução O ingresso na vida universitária representa, para o estudante de graduação e de pós- graduação, um novo patamar a ser alcançado na esfera do conhecimento científico. Isso significa que, a partir de então, terá início uma nova etapa de estudos e pesquisas que resultarão em sua formação profissional ou especificação científica (lato sensu, stricto sensu) no âmbito acadêmico. A cada dia, a cada aula e a cada atividade didática percebe-se que aumenta a responsabilidade acadêmica e, de forma rápida, objetiva e simplificada, o estudante deve absorver o máximo possível das informações repassadas pelos docentes, para que possa atingir a qualidade e a excelência nos estudos. Isso requer, em primeiro lugar, uma vida universitária organizada, com método e disciplina, objetivando atingir as metas que necessitam ser alcançadas, [...] [seja] pelo seu próprio desenvolvimento psíquico e intelectual, seja pela própria natureza do processo educacional desse nível, as condições de aprendizagem transformam-se no sentido de exigir do estudante maior autonomia na efetivação da aprendizagem, maior independência em relação aos subsídios da estrutura do ensino e dos recursos institucionais que ainda continuam sendo oferecidos (SEVERINO,2002,p.23). 12 ___ Manual de Metodologia da Pesquisa Cientifica Esse conjunto de recursos disponibiliza ao discente as ferramentas necessárias para que assuma uma posição voltada para a auto-atividade didática, crítica e rigorosa, repleta de trabalhos práticos, teóricos, de laboratório ou de campo, culminando em habilidades profissionais e com- petências inerentes às especificações de cada área, representadas pelo referencial teórico básico e complementar, que formará sua bagagem de conhecimentos acerca de determinado assunto. Manuais, livros, periódicos científicos e /ou especializados passarão então a constituir a biblioteca pessoal do graduando e do pós-graduando que será complementada por dicionários, compêndios e tratados específicos. A medida que o curso avança, novos referenciais são adquiridos, freqüentemente, na forma de trabalhos monográficos em seus diversos níveis, ampliando assim, cada vez mais, o saber na área, completado pelos textos especializados, elaborados por pesquisadores, estudiosos e especialistas, com os quais os estudantes passarão a conviver diariamente. Na busca do saber, "[...] [o] universitário deve passar por um 'encaminhamento lógico' que o inicie ao pensar, por mais que o professor não goste de executar essa tarefa" (Op. cit, p. 26). Cabendo, então, a ele, desvincular-se de seu papel de mero transmissor de idéias para assumir a postura de mestre, que conduzirá seu aluno no caminho da ciência, ajudando-o nesse processo de descoberta dos caminhos da aprendizagem. Entre os instrumentos de trabalho utilizados na vida universitária, destacam-se, especialmente, o recurso eletrônico, rede mundial de computadores, Internet e multimídia (CD-ROM, disquete etc), o qual permite acesso fácil a sites (endereços) de distração de cultura geral, informativo e formativo, inclusive no âmbito do conhecimento científico (sites específicos), diretamente relacionados à área de interesse do estudo ou pesquisa. No nível da pesquisa científica e do âmbito acadêmico mais avançado, [...] diversas instituições públicas e privadas, incluindo as de ensino superior, têm armazenada e disponível para consulta uma base de dados da produção intelectual e do acervo de documentos. Também pode-se encontrar um farto material para universitários e pesquisadores em sites de publicações científicas que mantêm uma versão eletrônica, bem como em banco de dados de órgãos do governo, não necessariamente ligados ao ensino e pesquisa (ANDRADE, 2003, p. 53). Introdução 13 Entretanto, é importante mencionar a existência de sites ligados às agências do governo que dão apoio à ciência e à pesquisa nacionais, como é o caso do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (www.cnpq.br) e da Coordenação de Aperfeiçoa- mento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (www.periodicos.capes.gov.br), com a possibilidade de acesso fácil e rápido a textos científicos, especializados e atualizados, relacionados à área de interesse. Em segundo lugar, aparecem as preocupações ligadas à disciplina de estudo, etapa que requer do aluno desde a organização do tempo para estudar até a preparação e a revisão das aulas. A aula representa para o estudante grande oportunidade para a elucidação de dúvidas pendentes e a primeira aproximação com os conteúdos de disciplinas. Ele deve aproveitar ao máximo esse momento, procurando compreender os assuntos, por meio da participação ativa, mesmo em disciplinas ministradas on-line ou de ensino a distância. O tempo para estudar deve ter a duração ideal para a leitura, a revisão dos assuntos apreendidos anteriormente, o fichamento e o resumo ou a esquematização dos textos, de forma a possibilitar aprendizagem eficiente. O estudante deve se programar em relação ao número de disciplinas e às tarefas a serem cumpridas em um determinado espaço de tempo, observando as datas preestabelecidas para a execução de todas essas atividades. A preparação para a aula representa um aspecto importante do processo de estudo. É o momento em que, de posse do referencial teórico da disciplina e com base em seu conteúdo programático, é realizada uma análise dos assuntos que serão discutidos posteriormente nas aulas, servindo, assim, para que haja preocupação prévia com os conteúdos que compõem determinada matéria. Nesse prisma, encontram-se as revisões do que já foi ministrado. Elas podem ser imediatas (diárias) ou globalizadas (semanais), desde que haja uma preocupação constante com a atualização desses conteúdos, individualmente ou por meio do estudo em grupo. Outro aspecto relevante é a leitura, agente fundamental do processo de aprendizagem, que garante o êxito nos estudos. E fundamentalque 14 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica o estudante selecione o que vai ler, para economizar tempo e desgaste físico. Convém consultar os professores das respectivas áreas, antes de decidir sobre a leitura ou não de uma obra ou parte dela (capítulo). Também faz parte dessas observações a velocidade e sua eficiência, ou seja, a necessidade de se ter um ritmo satisfatório de leitura que permita a compreensão, a captação, a retenção e a integração de conhecimentos contidos no referencial teórico da disciplina. Ele deve, ainda, escolher um ambiente que reúna comodidade e higiene, para que a leitura seja eficaz, observando se a iluminação, a ventilação e o silêncio são suficientes para o bom rendimento e a aprendizagem do que foi definido como propósito e metas a serem atingidas para que obtenha sucesso nos estudos acadêmicos. C A P Í T U L O 2 Ciência: Metodologia e Métodos A palavra ciência, ao longo dos estudos desenvolvidos sobre ela, recebeu vários significados, entre eles (MARCONI; LAKATOS, 2000, P-21): □ 'Acumulação de conhecimentos sistemáticos'. □ 'Atividades que se propõem a demonstrar a verdade dos fatos experimentais e suas aplicações práticas'. □ 'Caracteriza-se pelo conhecimento racional, sistemático, exato, verificável e, por conseguinte, falível'. □ 'Conhecimento certo do real pelas suas causas'. □ 'Conhecimento sistemático dos fenômenos da natureza e das leis que o regem obtido pela investigação, pelo raciocínio e pela experimentação intensiva'. □ 'Conjunto de enunciados lógicos e dedutivamente justificados por outros enunciados'. □ 'Conjunto orgânico de conclusões certas e gerais, metodicamente demonstradas e relacionadas com o objeto determinado'. □ 'Corpo de conhecimentos consistindo em percepção, experiências, fatos certos e seguros'. □ 'Estudos de problemas solúveis, mediante método científico'. □ 'Forma sistematicamente organizada de pensamento objetivo'. 16 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica Esses conceitos são ampliados por Trujillo (1974 apud Op. cit., p. 22), quando acrescenta que "[...] [a] ciência é todo um conjunto de atitudes e atividades racionais, dirigidas ao sistemático conhecimento com objeto limitado, capaz de ser submetido à verificação", entendendo que a ciência é "uma sistematização de conhecimentos, um conjunto de preposições logicamente correlacionadas sobre o comportamento de certos fenômenos que se deseja estudar". Assim, ela é compreendida em duas acepções: a lato sensu, que representa apenas o significado de conhecimento; e a stricto sensu, referindo-se não a um conhecimento qualquer, mas àquele que é obtido por meio da apreensão e do registro dos fatos, com a demonstração de suas causas constitutivas ou determinantes. 2.1 Caracterização do Conhecimento Científico O conhecimento científico distingue-se de outras formas de conhecimento por ter origem [...] na observação minuciosa e objetiva dos fatos, de modo a permitir uma compreensão de sua natureza e de suas causas, sem que as interpretações do observado sejam influenciadas pelos desejos ou preconceitos do observador. Busca-se, mais do que tudo, conhecer as relações existentes entre os fatos e os fenômenos observados, isto é, suas leis (REY, 1998, p. 7). Nesse sentido, ele se apóia no raciocínio lógico para fazer deduções com base nas informações alcançadas, com o objetivo de proceder a novas aplicações a partir do cumprimento de leis e normas gerais que regem a ciência, decorrentes da aplicação correta do método científico. Tudo isso pressupõe ainda a aceitação (consciente ou não) de alguns conceitos básicos, como: a) a objetividade dos fatos empíricos, ou seja, a existência de um mundo real; b) a existência de ordem no universo, pela qual os fatos ocorrem na natureza de forma regular e não caótica [...]; Capítulo 2: Ciência: Metodologia e Métodos 17 c) o determinismo, que implica existir, para cada fenômeno observado, uma causa determinante; e d) a possibilidade de se conhecerem ou se descobrirem as relações causais existentes entre os fatos observados (Op. cit., p. 9). Para Marconi; Lakatos (2000, p. 18-20), são quatro as formas de conhecimento, assim especificadas: a) Conhecimento popular (senso comum): fundamenta-se nas informações adquiridas na convivência familiar e social, e possui as seguintes características: b) Conhecimento filosófico: caracteriza-se pelo esforço da razão pura para questionar os problemas humanos e poder discernir entre o certo e o errado, unicamente recorrendo às luzes da própria razão humana, com as seguintes características: 18 Manual de Metodologia da Pesquisa Cientifica c) Conhecimento religioso: parte do princípio de que as verdades tratadas são infalíveis e indiscutíveis por consistirem em revelações de uma divindade (sobrenatural), com a seguinte caracterização: d) Conhecimento científico: lida com ocorrências ou fatos, isto é, com toda forma de existência que se manifesta de algum modo, estando pautado nas características relacionadas a seguir: Capítulo 2: Ciência: Metodologia e Métodos 19 Isso significa que "o aperfeiçoamento do conhecimento comum e ordinário é obtido através de um procedimento metódico; o qual mobiliza explicações rigorosas e/ou plausíveis sobre o que se afirma sobre um objeto ou realidade" (BARROS; LEHFELD, 2000a, p. 10). Portanto, ele deve ser produzido pela investigação científica. 2.2 Ciência e Metodologia Científica De acordo com Rey (1998, p. 8-9), a ciência moderna nasceu "na Renascença, [resultante] da fusão das tradições intelectuais com as artesanais, dando origem ao método experimental-matemático, indispensável à solução dos problemas teóricos e práticos da nova sociedade mercantilista em transição para o sistema capitalista de produção", passando a significar, desde Galileu, a aplicação correta do método científico. Ao longo da História, foi adquirindo algumas características, sendo elas (RUIZ, 2002, p. 129-131): 20 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica O espírito científico (mentalidade ou atitude) faz parte da ciência; ele possibilita a construção do conhecimento, assim especificado (Op. cit,p. 132-133): Espírito crítico: analisa, questiona, submete a exame, julga a validade e a fundamentação das soluções estabelecidas; Espírito de confiança na ciência: sente entusiasmo pela ciência, não cedendo ao ceticismo ou ao dogmatismo; Busca de evidências: procura as evidências dos fatos; interroga e busca explicações; preocupa-se em conhecer o "como" e os "porquês" dos fenômenos (curiosidade intelectual); Espírito de análise: decompõe, desdobra e segmenta um todo complexo em seus componentes ou elementos simples; Espírito positivo de apego à objetividade: guarda o veridictum da evidência dos fatos, acatando-o mesmo contra seu desejo ou à custa de seu prestígio momentâneo; Capítulo 2; Ciência: Metodologia e Métodos 21 Espírito criativo: usa a criatividade na elaboração das hipóteses, instrumentos e processos de pesquisa e nunca nas conclusões que só devem brotar das evidências dos fatos; Espírito indagador: duvida do peso das razões já conhecidas e ponderadas; duvida para aprofundar a ponderação das razões, para chegar à certeza com o apoio da evidência. Esse espírito deve ser direcionado para a pesquisa, que, para ser conduzida com responsabilidade, necessita do desejo do pesquisador para saber e informar-se sobre as coisas e os fenômenos que o cercam e se mostram, em determinado momento, relevantes para o conhecimento do mundo em que vive. Para alcançar esse resultado, ele deve responder às seguintesperguntas: □ O que pesquisar? □ Por que realizar essa atividade? □ Para que servirá? □ Que contribuições trará? □ Como executá-la? □ O que é necessário? □ Com que pesquisar? □ Onde pesquisar? Essas indagações caracterizam uma ação metodológica - repassada na universidade por meio da disciplina Metodologia Científica, da Pesquisa ou da Ciência - partindo-se da definição etimológica do termo: "a palavra metodologia vem do grego meta que significa ao largo [ao longo de]; odos [hodós], caminho [via]; logos, discurso, estudo". Assi m, ela é entendida * 'como uma disciplina que se relaciona [diretamente] com a epistemologia1 [e que] consiste em avaliar os vários métodos disponíveis, [...] identificando suas limitações ou não em nível das implicações de suas utilizações" (BARROS; LEHFELD, 2000b, p. 1). Essa 1 Do grego episteme - ciência. "Estuda a validade do conhecimento científico, das ciências particulares" (OLIVEIRA, 1997, p. 56). 22 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica disciplina fornece ao aluno de graduação e de pós-graduação os subsídios necessários ao desenvolvimento e à realização de uma pesquisa científica, examinando, avaliando, sugerindo e aperfeiçoando as técnicas de pesquisa, bem como gerando ou verificando novos métodos que con- duzam à captação e ao processamento de informações com vistas à resolução de problemas de investigação. Portanto, entende-se método como agente de ação e metodologia como procedimento concreto de operacionalização. Nesse sentido, a pesquisa serve para se conseguir os dados necessários ao estudo de um fenômeno da realidade. Para realizá-la, entretanto, deve-se seguir alguns passos, entre eles: a definição do tipo de amostra; a elaboração e a aplicação de instrumentos (coleta de dados); a tabulação dos dados e sua leitura e interpretação, sendo cada um deles definitivo para a descrição da problemática analisada. A esses passos acrescenta-se ainda a importância do referencial teórico, que contribui para o desdobramento de cada um deles, promovendo o estudo aprofundado do tema, de forma a facilitar seu entendimento e possibilitar, ao mesmo tempo, o contato com o que já foi escrito até então sobre a temática que está sendo analisada. Esse procedimento didático-metodológico deve ser praticado diariamente por intermédio da ação docente, revelando a concepção conhecimento - ciência - saber, característica da atividade didática, que associa o ensino à pesquisa científica em sala de aula. Com essa visão, a Metodologia Científica assume o papel de disciplina norteadora da produção científica universitária, correspondendo "a um conjunto de procedimentos a serem utilizados na obtenção do conhecimento, [...] [significando] a aplicação do método, através de processos e técnicas, que garantem a legitimidade do saber obtido" (BARROS; LEHFELD, 2000b, p. 2). Por meio dela, "o aluno, o professor e o pesquisador conseguem um contato mediador do conhecimento [...] [pautado no] questionamento construtivo e reconstrutivo do objeto de pesquisa, possibilitando a colocação do saber no plano sócio-histórico e político" (Op. cit, p. 2). Esse direcionamento pode ser observado no Quadro 1, que faz uma distinção entre ciência, metodologia e método: Capítulo 2: Ciência: e Metodologia 23 Quadro 1: Ciência - Metodologia - Método Fonte: Baseado em BARROS, Aidil Jesus da Silveira; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos da metodologia científica: um guia para a iniciação científica. 2. ed. ampl. São Paulo: Pearson Educatiort do Brasil, 2000, p. 3. Por essa esquematização, o método é entendido tanto em seu processo operacional (organização da seqüência de atividades para chegar ao fim almejado), quanto intelectual (abordagem e análise prévia e siste- mática do problema para a identificação das vias de acesso que permitem solucioná-lo). Ao cursar a disciplina Metodologia Científica, o estudante universitário desenvolve habilidades teóricas e práticas, que facilitam o desenvolvimento do processo de investigação diante da necessidade de tomar decisões oportunas na busca do saber e na formação do estado de espírito crítico, além de adquirir hábitos inerentes ao processo de investiga- 24 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica ção científica, daí sua importância no meio universitário. Os objetivos dessa disciplina são assim discriminados: a) análise das características essenciais que permitem distinguir Ciência de outras formas de conhecer, enfatizando o método científico e não o resultado; b) análise das condições em que o conhecimento é cientificamente construído, abordando o significado de postulados e atitudes da Ciência hoje; c) oportunidades especiais para o aluno comportar-se cientificamente, levantando e formulando problemas, coletando dados para responder aos questionamentos, analisando-os e interpretando-os e comunicando resultados; d) capacitação do aluno para que ele leia criticamente a realidade e produza conhecimento; e) vetor de informações e referenciais para montagem formal e substantiva de trabalhos científicos: resenhas, monografias, artigos científicos etc. f) fornecimento de processos facilitadores à adaptação do aluno, integrando-o à universidade, minimizando suas dificuldades e apreensões quanto às formas de estudar e, conseqüentemente, de encontrar os meios de extrair o maior proveito do estudo (Op. cit., p. 7). Ela serve, ainda, para fornecer as diretrizes básicas que promovem no aluno o interesse pela pesquisa científica, levando-o a inserir-se em projetos desenvolvidos por docentes ou sob sua orientação. Nesse momento, o trabalho do estudante passa a fazer parte da iniciação científica universitária. 2.3 Iniciação Científica e Pós-graduação A Iniciação Científica caracteriza-se como um instrumento de apoio teórico e metodológico, realizado nas universidades por meio de Programas Institucionais de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), "que possuem cotas institucionais de bolsas de órgãos como o Conselho Nacional Capítulo 2: Ciência: Metodologia e Métodos 25 de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq - e a Fundação de Amparo à Pesquisa dos Estados - FAPES" (Op. cit., p. 13). A participação em programas de iniciação científica, por meio de bolsa ou como voluntário, coloca o aluno em contato com o ambiente da produção científica acadêmica, levando-o futuramente a ingressar em cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Assim, a aprendizagem ocorrerá nas aulas e durante a execução de pesquisas científicas, acompanhadas por orientadores experientes e especializados nas linhas de pesquisa (temáticas) que norteiam os estudos que estão sendo realizados. Eles são os responsáveis pelo repasse da prática adquirida com a pesquisa para seu orientando, de forma que este consiga realizar satisfatoriamente o encaminhamento da pesquisa, comprovando o que foi proposto, com posterior defesa pública, perante banca examinadora, visando aos títulos de especialista, mestre, doutor e pós-doutor (Quadro 2). Na pós-graduação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) oferece bolsas que financiam a realização de pesquisas no Brasil e no exterior. "Os pós- graduandos utilizam, [...] [na pesquisa], mais de 60 horas de dedicação semanal, enriquecendo seus próprios processos formativos". Nessa perspectiva, "a iniciação científica tem se mostrado um instrumento eficaz no processo formativo, despertando no aluno o interesse pela busca continuada do saber" (GUIMARÃES, 2004, p. 19) não somente na sala de aula, como também em atividades de pesquisa e produção científica, podendo ob-ter, inclusive, a publicação dessesresultados em periódicos científicos nacionais e internacionais, e sua apresentação em eventos (seminários, congressos etc.) com o objetivo de demonstrar o que foi alcançado com a pesquisa, de submeter o trabalho à avaliação de seus pares, aceitando, em muitos casos, suas contribuições/sugestões. O estudo científico, resultante dessa atividade, é elaborado e apresentado na forma de trabalhos acadêmicos (relatório de pesquisa, monografia, trabalho de conclusão de curso -TCC), dissertação e tese, antecedidos pelo projeto de pesquisa, necessário no momento de se iniciar a pesquisa, 26 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica Quadro 2: Estrutura Organizacional da Graduação e da Pós-graduação Fonte: Adaptado do artigo científico de RUIZ, Antônio Ibãnez. Estrutura e gestão da educação superior. Cadernos do MEC. Brasília, Ministério da Educação, p. 25-34, jun. de 2004. Capítulo 2: Ciência: Metodologia e Métodos 27 por apresentar o roteiro básico de sua realização. Esses trabalhos são assim identificados: Monografia é um termo de origem grega, que etimologicamente significa: uma só (monos) e escrever (graphein). Na monografia, o estudante realiza o estudo aprofundado de um só assunto. Para a NBR 14724 (2002), trata-se de um documento que apresenta a descrição exaustiva de determinada matéria, abordando seus aspectos científicos, históricos, técnicos, econômicos, artísticos etc. A dissertação - que também é de origem grega, em que dis é um prefixo indicador de separação e afastamento e sertare significa ajuntar, ligar, entrelaçar - designa "um estudo teórico de natureza reflexiva, que consiste na ordenação de idéias sobre um determinado tema. Exige, por isso, a capacidade de sistematização dos dados coletados, sua ordenação e interpretação" (SALVADOR, 1980, p. 35). Nela, é realizado um amplo levantamento das referências disponíveis atualizadas, observando-se o rigor científico e metodológico, sem, entretanto, a exigência da originalidade e do ineditismo. A tese (tésis - ação de pôr, de colocar) é um estudo que aborda "um único tema, que exige pesquisa própria da área científica em que se situa, com os instrumentos metodológicos específicos'' (SEVERINO, 2002, p. 150). Salomon (1999, p. 267) completa essa explicação afirmando que se trata de "um trabalho [...] de alto nível de qualificação, de conteúdo original, de profunda reflexão no tratamento das questões teóricas, mes- 28 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica mo quando se identifica com pesquisa empírica".2 Acrescenta, ainda, que ela contribui para "o avanço do conhecimento científico naquela área da especialização escolhida" e revela sua cientificidade pelo uso correto do método científico. Exige-se da tese uma contribuição original e inédita sobre determinado tema. Esses estudos são completados ao se alcançar os objetivos propostos, levando o pesquisador a experimentar a satisfação pessoal refletida na felicidade e na euforia do êxito. Outro motivo de alegria é o benefício que eles podem trazer para a área em que se inserem, contribuindo para o avanço do conhecimento científico e, conseqüentemente, da ciência. Durante essa jornada acadêmica, o estudioso vai adquirindo experiência de pesquisa, que, em muitos casos, faz emergir o embrião do futuro cientista, pressupondo-se uma preparação acadêmica, que teve seu início na iniciação científica. Esse processo se desenvolve à medida que ele executa as atividades de pesquisa, acumulando experiência e novas conquistas científicas a cada estudo. 2.4 Cientista: Ciência, Técnica e Domínio do Saber Para Barros; Lehfeld (2000b, p. 46)"[...] [os] objetivos da Ciência são ainda determinados pela necessidade que o homem possui de compreender e controlar a natureza das coisas e do universo, compreendendo-as naquilo que elas encerram de certo, evidente e verdadeiro". Nesse sentido, a ciência realiza três funções: descreve, explica e prevê. Atualmente, tem ainda outros papéis a desempenhar, como proporcionar: "[...] [aumentos] e melhoria de conhecimento; descoberta de novos fatos ou fenômenos; aproveitamento espiritual; aproveitamento material do conhecimento; estabelecimento de certo tipo de controle sobre a natureza" (FERRARI, 1982 apud Op. cit, p. 47), subdividindo-se em dois grupos: ciências formais e ciências fatuais (Quadro 3). 2 "[...] empírica (que demanda método indutivo: experimento, observação de campo. survey etc.)"- Já a não-empírica, implica em processo dedutivo, recorrendo por isso à demonstração (SALOMON, 2001, p. 300). Capítulo 2: Ciência: Metodologia e Métodos 29 Quadro 3: Caracterização, Esquematização e Função das Ciências Formais e Fatuais Fonte: BARROS, Aidil Jesus da Silveira; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos de metodologia científica: um guia para a iniciação cientifica. 2. ed. ampl. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2000, p. 49. A lógica e a matemática compõem as ciências formais, norteadas pelo método dedutivo e seus objetos de estudo que "são aqueles que realizam imagens mentais, correspondentes às simbologias", estabelecidos por noções abstratas de grandeza e quantidade, e tendo como escopo a busca científica. Para elas, "uma proporção x é demonstrada quando é deduzida de proposições já assumidas como verdadeiras, como necessariamente decorrentes dos precedentes" (Op. cit., p. 48). 30 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica Já as ciências fatuais englobam a física, a química, a biologia etc, que são precedidas de causas naturais; e a antropologia, a sociologia, a história, a geografia, a filosofia, o direito etc. representam as causas humanas. Pelo princípio indutivo, essas ciências consignam a passagem de alguns para todos; ou seja, "de um presente conhecido para um futuro previsto", sendo impossível a exigência da certeza, como ocorre no caso das ciências formais, que elaboram conexões lógicas gerais para examinar casos particulares (Op. cit., p. 49). No aspecto ciência e técnica, [...] [a] ciência emana da autoridade do conhecimento obtido por procedimentos metódicos, estabelecidos entre o mundo da realidade existente e o mundo mental, para obter o conhecimento do fenômeno. A técnica é revestida da autoridade da intervenção profissional própria de um dever, procedente da competência da prestação de serviços necessários, da natureza da profissão como tal e das solicitações da realidade (Op. cit., p. 50). A técnica científica representa, ainda, uma prática "racional, casual, explicativa e compreensiva justificada na respectiva Ciência que formaliza a formação profissional. Trata-se da utilização dos conhecimentos expressos pelas teorias e leis sistematizadas para a obtenção de resultados desejados" (Op. cit., p. 50). Nesse sentido, "constata-se que entre Ciência e Técnica não há uma ruptura epistemológica, mas há um encadeamento [...]. A técnica utiliza as orientações fornecidas pela Ciência sobre a realidade e transforma-as em programas e planos de execução". Os processos de renovação e de invenção permitem o progresso científico mediante o "desenvolvimento e aperfeiçoamento dos instrumentos, teóricos e práticos, utilizados nas pesquisas científicas" (Op. cit., p. 50,51), orientados pelo paradigma do pensamento vigente. Do interior do conhecimento científico, emerge o cientista, que, por meio de suas atividades de pesquisa, contribui para a ampliação do conhecimento já acumulado, bem como para a construção, a reformulação e a transformação de teorias científicas. Assim, "a principal necessidade para a formação dos cientistas contemporâneos é a ampliação considerável da comunicabilidade, em suas diferentes formas,níveis e processos, no cotidiano desses profissionais" (TRIGUEIRO, 2003, p. 5), incluindo-se nessa abordagem não apenas o uso de computadores e Internet, como Capítulo 2; Ciência: Metodologia e Métodos 31 também a ampliação dos canais de comunicação "nas instituições de ensino superior e na formação dos cientistas, atingindo desde as relações interpessoais e o contato direto entre profissionais de diferentes áreas e formações, facilitando a troca de informações e a compreensão de diferentes linguagens e concepções [...]" (Op. cit., p. 5). Essa interdisciplinaridade facilita a divulgação efetiva dos resultados das pesquisas realizadas para a sociedade como um todo. Além disso, a prática de seminários e discussões temáticas estimula a produção e a divulgação científica, incrementando a dimensão do intercâmbio, propício à busca de novas soluções de pesquisa para problemas já conhecidos. O cientista, em sua prática e vivência diária, deve lançar um olhar estratégico, "a partir da sua área de atuação específica, desenvolvendo esquemas de planejamento e avaliação [...] no contexto atual do desenvolvimento científico - tecnológico" (Op. cit., p. 7), ultrapassando as barreiras do laboratório e participando das discussões globais institucionais, buscando novas oportunidades, recursos e visibilidades. A sua capacidade criativa ocupa um lugar importante na vida acadêmica, permitindo a inovação e a descoberta de novos caminhos pela pesquisa. A sua experiência acadêmica, a sua prática de trabalho de produção científica e a orientação de alunos na graduação e na pós- graduação, e os estudos regulares, acrescentando-se ainda o talento natural desenvolvido para a pesquisa, fazem do cientista alguém privilegiado por utilizar o raciocínio diante da manipulação experimental e da mente em lugar dar mãos, indicando a superioridade presente em sua ação (NEVES; LEITE, 2002, p. 172-173). Historicamente, essa profissão originou-se no século XVII, "quando a ciência moderna ou ocidental [...] [surgiu] com a revolução copernicana, que [...] [explicava] o mundo natural, físico, a partir de elementos racionais, frutos da inteligência do homem [...]" (CALAZANS, 2002, p. 164). No início, o cientista foi visto como um indivíduo que estava à frente de uma sociedade que se pretendia renovada, e naquele momento ele 32 Manual de Metodologia da Pesquisa Cientifica [...] [representava] a possibilidade humana de negação do mundo das trevas, da superstição, do medo, dos desejos e desígnios divinos incontroláveis [...] [aparecendo] como agente promotor do progresso e do empreendimento coletivo rumo a uma sociedade utópica (Op.cit.,p. 171). De modo geral, sua figura era carismática e pensava-se ser ele o condutor da civilização para uma nova fase. Pautadas em uma responsabilidade social, científica e na coletividade, as sociedades construíram uma imagem superdimensionada desse personagem, como se ele tivesse a capacidade de resolver todos os problemas da humanidade. Sob esse estereótipo, resistiu o cientista até o século XX, quando, nos anos 1930, passou a representar uma congregação regida apenas pelas leis da razão, significando-se pelo progresso e pela evolução científica (JAPIASSU, 1997 apud Op. cit, p. 172). Algumas características lhe foram atribuídas, entre as quais: 1. Amor e dedicação à pesquisa; 2. honestidade; 3. inteligência; 4. imaginação; 5. curiosidade; 6. organização (disciplina); 7. capacidade de trabalho; 8. interesse pelo estudo (leituras científicas); 9. espírito critico; 10. espírito aberto à novidade; 11. preocupação com seu papel na sociedade e com os efeitos de seu trabalho; 12. poder de concentração; 13. rapidez no trabalho; 14. capacidade para trabalhar em equipe; 15. capacidade de redação; 16. desinteresse por outras atividades que sejam conflitantes com a tarefa do pesquisador; 17. desejo de reconhecimento e prestígio no meio científico internacional; 18. desinteresse por popularidade no meio leigo (MAIA, 1991 apud Op. cit, p. 172). No início do século XXI, percebeu-se que essa visão do senso comum, que transformava o cientista em um ser humano diferente, foi estereotipada. Hoje, ele é considerado uma pessoa que carrega consigo os mesmos problemas e as mesmas preocupações relativas à vida prática do homem comum (Op. cit., p. 173). Entretanto, faz da dedicação à pesquisa um dos principais objetivos de sua vida, abrindo mão de muitas outras atividades em nome do amor à pesquisa, desenvolvendo uma satisfação pessoal que se reflete em sua conduta como pesquisador, pautando seu dia-a-dia em uma ética pessoal de responsabilidade social, objetivando a melhoria da qualidade de vida e assumindo papel fundamental no caminho das novas descobertas científicas. Capítulo 2: Ciência: Metodologia e Métodos 33 2.5 Métodos Científicos Na pesquisa científica, os termos "fatos" e "fenômenos" são utilizados com freqüência, havendo certa dificuldade em diferenciá-los. Para Barros; Lehfeld (200b, p. 55), "os fatos acontecem na realidade, independentemente de haver ou não quem os conheça, mas, quando existe um observador, a percepção que ele tem do fato é que se chama fenômeno", podendo inclusive ser observado de variadas formas, dependendo do paradigma do pesquisador. De acordo com Kuhn (1970, p. 232), o paradigma é uma espécie de teoria formada por leis, conceitos, modelos, analogias, valores e regras para a avaliação de teorias e a formulação de problemas, princípios metafísicos e por exemplares (exemplos partilhados - estrutura comunitária da ciência), que são "soluções concretas de problemas que os estudantes encontram desde o início de sua educação científica, seja nos laboratórios, exames ou no fim dos capítulos dos manuais científicos". A forma do paradigma é percebida pelo cientista. Na universidade, "os estudantes são estimulados a aplicá-los na solução de problemas e também a modificar e estender os modelos para a solução de novos problemas" (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 25). Dessas considerações, emerge o método científico, que significa "um conjunto de processos mediante os quaís se torna possível chegar ao conhecimento de algo", acrescentando-se, ainda, que trata-se de um "conjunto de processos que o espírito humano deve empregar na investigação e demonstração da verdade" (CERVO; BERVIAN, 1996 apud SOARES, 2003, p. 14). Nas concepções atuais (filosóficas, físicas e sociais), ele deve cumprir as seguintes etapas (BUNGE, 1974 apud BARROS; LEHFELD, 2000b, p. 60): a) descobrimento do problema ou lacuna em um conjunto de conhecimentos; b) colocação precisa do problema ou, ainda, a recolocação de um velho problema à luz de novos conhecimentos; 34 Manual de Metodologia da Pesquisa Cientifica c) procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes do problema (dados empíricos, teorias, aparelhos de medição, técnica de medição etc); d) tentativa de uma solução (exata ou aproximada do problema com o auxílio de instrumento conceitual ou empírico disponível); e) investigação da conseqüência da solução obtida; f) prova (comprovação da solução, isto é, confronto da solução com a totalidade das teorias e das informações empíricas pertinentes); g) correção das hipóteses, teorias, procedimentos ou dados empregados na obtenção da solução incorreta. Para Nascimento (2002, p. 17), a preocupação com o uso do método científico não é nova. Segundo ela, [...] desde a época antiga os filósofos procuraram definir os meios que levariam ao fim almejado. Sócrates se referia à maiêutica como o meio de encontrar conceitos universais. Platão usava a dialética para superar a doxa (opinião) e chegar ao conhecimentoverdadeiro (episteme), Aristóteles construiu o silogismo lógico cujo princípio é a dedução. Com esse direcionamento, os métodos científicos assumem papéis primordiais na pesquisa científica, servindo para direcioná-la no sentido da identificação dos caminhos a serem seguidos para o alcance dos objetivos almejados. 2.5.1 Métodos gerais (métodos de abordagem) □ Método Dedutivo Parte de verdades universais para obter conclusões particulares, e é muito requisitado na lógica e na matemática, "as quais usando o raciocínio lógico partem de um princípio apriori, tido como verdadeiro, para chegar a verdades simples" (Op. cit, p. 17). A dedução pode ser analítica e formal ou silogística. A silogística é "constituída por raciocínio composto de três juízos ou proposições (duas Capítulo 2: Ciência: Metodologia e Métodos 35 premissas e uma conclusão), não oferecendo novos conhecimentos, no sentido investigativo, porque o seu ponto de partida é sempre uma verdade universal" (Op. cit, p. 18), conforme sua regra geral: Exemplo: Todos os gatos possuem quatro patas. Se Xanduba é um gato, Logo, ele possui quatro patas. Principais Tipos de Dedução: □ Regra de Modus Ponens (ou afirmação do antecedente-condicional) Também chamada de afirmação do antecedente, essa regra consiste em apresentar na primeira premissa "um enunciado condicional, sendo que [...] [na] segunda coloca o antecedente desse mesmo condicional; a conclusão é o conseqüente da primeira premissa" (MARCONI; LAKATOS, 2000, p. 65), formando, com esse encadeamento, um argumento assim estruturado: Regra Geral Se A, então B (antecedente geral condicional). Ora, A (conseqüente afirmativo simples), Então, B (conclusão particular). 36 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica Exemplo: Rose não estudar, será reprovada nas provas do concurso para professora. Ora, Rose não estudou. Então, Rose será reprovada. □ Regra de Modus Tollens (ou negação do conseqüente-condicional) Denominada também de negação do conseqüente, essa regra deriva "do fato de que a primeira premissa é um condicional, sendo a segunda uma negação do conseqüente desse mesmo condicional" (Op. cit, p. 66), conforme sua regra geral: Regra Geral Se A, então B (antecedente condicional). Ora, não-B (negação do conseqüente). Então, não-A (conclusão particular). Exemplo: Se a água for potável, então fará bem à saúde. Ora, a água não fez bem à saúde. Então, a água não era potável. Em Soares (2003, p. 23), "a essência da dedução está na relação lógica estabelecida entre as proposições e a conclusão", acrescentando que isso ocorre, "de tal maneira que, ao se admitir as premissas, deve-se admitir também a conclusão". Essa afirmação baseia-se, segundo ele, na regra lógica: "se as premissas são verdadeiras, então, a conclusão deve ser verdadeira". □ Método Indutivo É o método científico caracterizado pelo seu tipo de argumento, que, partindo "de premissas particulares, conclui por uma geral [...] [possibilitando] o desenvolvimento de enunciados gerais sobre as observa- Capítulo 2: Ciência: Metodologia e Métodos 37 ções acumuladas de casos específicos ou proposições que possam ter validade universal" (OLIVEIRA, 1997 apud Op. cit., p. 32), constituindo-se na base do fazer científico, a partir do estabelecimento da "diferença entre os enunciados científicos, das outras formas de expressão de conhecimento do mundo construídas pelo homem". Esse método "[...] nasceu com a filosofia moderna e sua intenção de superar os critérios de verdade aceitos até o momento: a autoridade, a tradição, o preconceito, o hábito e a conjectura" (NASCIMENTO, 2002, p. 18), ultrapassando a simples observação. Diferentemente da dedução, "não parte de princípios e sim dos fatos resultantes de observações, visando à obtenção de leis gerais, capazes de explicar a realidade" (Op. cit., p. 18). Quanto ao tipo, a indução pode ser: formal, analógica, estatística e científica. A indução formal, também denominada indução completa, "equivale ao inverso da dedução e é submetida unicamente às leis do pensamento, tendo como ponto de partida todos os casos de uma espécie ou de um gênero e não apenas alguns" (SOARES, 2003, p. 34), de acordo com o exemplo: Regra Geral Se H, Cv C2, C3,..., Cn (antecedente particular), ora, Cj, C2, C,..., Cn (conseqüente mais geral), logo, H (conclusão geral). Se o calor apodrece a laranja, Se o calor apodrece a banana, Se o calor apodrece a manga, ora, laranja, banana e manga são frutas, logo, o calor apodrece as frutas. Na indução analógica, também reconhecida como "indução por analogia", supõe-se que "se duas ou mais coisas se parecem em certo sentido, também se parecerão em outros" (HEGENBERG, 1975 apud Op. cit., p. 36). Já a estatística tem seu argumento sustentado "pelas premissas por razões puramente matemática ou estatística" (Op. cit., p. 37), conforme a fórmula: 38 Manual de Metodologia da Pesquisa Cientifica Fórmula: n% de F é G. x é R x é G. Soares (2003, p. 37) explica que F e G "são substituídas por predicados, x por um nome e n por um número entre 0 e 100, de forma tal que a probabilidade indutiva de um argumento estatístico é n/100", como pode ser verificado: Exemplo: 80% das mulheres casadas pretendem ser mães. Maria é casada, logo, Maria pretende ser mãe. No caso da indução científica, criada por Galileu e aperfeiçoada por Bacon, também denominada indução incompleta, verifica-se que [...] não deriva de seus elementos inferiores, enumerados ou provados pela experiência, mas permite induzir, de alguns casos adequadamente observados (sob circunstâncias diferentes, sob vários pontos etc), e às vezes de uma só observação, aquilo que se pode dizer (afirmar ou negar) dos restantes elementos da mesma categoria (LAKATOS; MARCONI, 1983 apud Op. cit., p. 35). Para que ocorra a indução, alguns critérios devem ser observados, entre os quais: □ o número de observações deve ser grande; □ as observações devem ser repetidas sob ampla variedade de situações; □ nenhuma proposição de observação deve conflitar com a lei universal derivada. Convém acrescentar que é possível um argumento indutivo ser falso, embora suas premissas sejam verdadeiras e, ainda assim, não Capítulo 2: Ciência: Metodologia e Métodos 39 haver contradição. Isso ocorre quando há uma proposição de observação (hipótese) ou um conjunto delas logicamente possível, porém inconsistentes, isto é, se estabelecidas como verdadeiras, falsificariam o argumento. Exemplo 1: Todas as frutas que caem das árvores frutíferas estão maduras. Exemplo 2: O gato 1 possui cinco patas. O gato 2 possui cinco patas. O gato 3 possui cinco patas. Xanduba é um gato, logo, Xanduba possui cinco patas. □ Método Hipotético-dedutivo Desenvolvido por Karl Popper e reproduzido em sua obra A lógica da investigação científica (1935), esse método representa uma tentativa de equilíbrio entre os métodos indutivo e dedutivo, como pode ser observado no diagrama que segue: 40 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica Sua explicação baseia-se na experimentação e consiste [...] na construção de conjecturas, as quais deveriam ser submetidas a testes, os mais diversos possível [sic], à crítica intersubjetiva e ao controle mútuo pela discussão crítica, à publicação crítica e ao confronto com os fatos para ver nos quais as hipóteses que sobrevivem como mais aptas na luta pela vida, resistindo às tentativas de refuta-ção e falseamento (SOARES, 2003, p. 39). Além disso, para que ele possa ser usado na pesquisa, é necessário queo pesquisador observe suas etapas. São elas: O método hipotético-dedutivo deve partir de um problema (Pt) ao qual se dá uma solução provisória, chamada (TT) teoria-tentativa, passando-se depois a criticar a solução com o objetivo de se eliminar o erro (EE). Depois, renova-se esse processo ao qual se seguem novos problemas (P2; P3; P4etc.) (LAKATOS; MARCONI, 2001, p. 95). Esse método tem papel decisivo na ciência, especialmente nas áreas humanas e sociais, sobretudo no aspecto da observação, entendida como "atividade com um objetivo (encontrar ou verificar alguma regularidade que foi pelo menos vagamente vislumbrada); trata-se de uma atividade norteada pelos problemas e pelo contexto de expectativas ('horizonte de Capítulo 2: Ciência: Metodologia e Métodos 41 expectativas')" (POPPER, 1977 apud Op. cit, p. 97). Esse posicionamento permite concluir que as conjecturas ou hipóteses precedem à observação ou à percepção, assim como que o problema está em quem, na verdade, desencadeia a pesquisa. Assim, toda investigação nasce de um problema teórico ou prático que, por meio das conjecturas, deve ser solucionado, e, quando isso ocorre, surge um novo problema que também deve ser solucionado, e assim sucessivamente. □ Método Dialético A dialética surgiu da necessidade de se perceber a realidade em suas diversas facetas, estando pautada em leis fundamentais. São elas: a) Mudança dialética: a antítese é a negação da afirmação tese, sendo por sua vez negada pela síntese que, por ser negação da negação, torna-se uma nova afirmação, diferente da tese. A nova afirmação (tese) possui as propriedades da tese inicial, mas é diferente dela. b) Ação recíproca: nenhuma coisa está acabada, mas tudo se encontra em constante mudança, transformação e desenvolvimento, todas as coisas estão interligadas e são interdependentes. Na dialética, "as coisas não são analisadas na qualidade de objetos lixos, mas em movimento: nenhuma coisa está acabada, encontrando-se sempre em vias de se transformar, [se] desenvolver; o fim de um processo é sempre o começo de outro" (Op. cit., p. 101). Além disso, nada 42 __ Manual de Metodologia da Pesquisa Científica existe isoladamente, de forma independente, tudo está interligado, em uma situação de interdependência. c) Contradição (interpenetração dos contrários): as coisas, por possuírem um lado positivo e um negativo, contêm em si mesmas o princípio da contradição ou do movimento (luta entre os contrários). Essa lei se encontra pautada em alguns princípios; são eles (Op. cit.,p.l05): a) a contradição interna - toda realidade é movimento e não há movimento que não seja conseqüência de uma luta de contrários, de sua contradição interna, isto é, essência do movimento considerado e não exterior a ele.[...]. b) a contradição é inovadora - não basta constatar o caráter interno da contradição. É necessário, ainda, frisar que essa contradição é a luta entre o velho e o novo, entre o que morre e o que nasce, entre o que perece e o que se desenvolve. [...] c) unidade dos contrários - a contradição encerra dois termos que se opõem: para isso, é preciso que seja uma unidade, a unidade dos contrários. [...] apresentando-se em sua unidade indissolúvel. Além disso, nessa ligação recíproca, esse processo, em um dado momento, converte um contrário em outro, por exemplo, o dia (12 horas) e a noite (12 horas), o dia se transforma em noite, e vice-versa (Op. cit., p. 105), representando, assim, uma luta constante no desenvolvimento e no movimento, baseada na contradição. d) Passagem da quantidade para a qualidade: é a explicação de como acontece a transformação. Há mudanças contínuas que, acumulando-se, acabam por produzir uma mudança brusca. Isso significa, em outras palavras, que a mudança das coisas não podem ser indefinidamente quantitativa; mas que, em um determinado momento, sofrem mudanças qualitativas, ocorrendo na forma de transformações contínuas (Op. cit., p. 104). Capitulo 2: Ciência: Metodologia e Métodos 43 2.5.2 Métodos específicos (métodos de procedimento) Esses métodos têm como finalidade explicar os fenômenos de forma menos abstrata. □ Método Comparativo Esse método foi desenvolvido por Tylor e procura identificar similitudes e diferenças entre grupos, pessoas, sociedades, organizações etc. Seu objetivo é entender o comportamento humano não só no presente, como também no passado. Ele se propõe a explicar o fenômeno por meio da análise completa de seus elementos, □ Método Histórico O método histórico foi elaborado por Franz Boas e preocupa-se em estudar o passado das atuais formas de vida social, as instituições e os costumes para compreender o passado, entender o presente e predizer o futuro, verificando não apenas a influência do fato e do fenômeno, como também sua formação, modificação e transformação durante determinado espaço de tempo. □ Método Monográfíco Esse método originou o trabalho monográfico que hoje conhecemos. Foi elaborado por Frederico Le Play, e preocupa-se em executar um estudo aprofundado e exaustivo sobre determinado assunto, buscando sua generalização. □ Método Estatístico O princípio da estatística foi desenvolvido por Quetelet e permite a transformação dos dados qualitativos em resultados quantitativos por meio de representações que demonstram a constatação de relações entre os fenômenos, objetivando generalizações sobre sua natureza, ocorrência e significado. □ Método Tipológico Neste método, elaborado por Max Weber, são confrontados fenômenos sociais complexos. Nele, o pesquisador cria modelos ideais, com base na análise de seus aspectos essenciais. Como não existem na rea- 44 Manual de Metodologia da Pesquisa Cientifica lidade, esses modelos estabelecem características que determinam o tipo ideal para um caso concreto. □ Funcionalista Em seus estudos, Bronislaw Malinowski considera "que a sociedade é formada por partes componentes, diferenciadas, inter-relacionadas e interdependentes, satisfazendo, cada uma, funções essenciais da vida social, e que as partes são mais bem entendidas compreendendo-se as funções que desempenham no todo" (Op. cit., p. 110), dando origem, assim, a um método que estuda a sociedade do ponto de vista de um sistema organizado, reunindo uma trama de ações, de relações sociais e de instituições correlacionadas, que agem e reagem umas em relação às outras, de forma dependente e equilibrada. Entretanto, ele acrescenta que, se uma dessas partes perde o controle, ela entra em disfunção ou anomia, e isso se reflete sobre o todo (sistema), causando, conseqüentemente, a desorganização e o desequilíbrio social. □ Método Estruturalista Método desenvolvido por Lévi-Strauss, que "parte da investigação de um fenômeno concreto, eleva-se a seguir ao nível abstrato, por intermédio da constituição de um modelo que represente o objeto de estudo retornando por fim ao concreto, dessa vez, como uma rea- lidade estruturada e relacionada com a experiência do sujeito social" (Op. cit,p. 111), servindo para a análise do fenômeno sob seus diversos aspectos. □ Método Fenomenológico A fenomenologia, representada por esse método, foi desenvolvida por Edmund Husserl e preocupa-se em entender o fenômeno como ele se apresenta na realidade. Não deduz, não argumenta, não busca explicações (porquês), satisfaz-se apenas com seu estudo, da forma que é constatado e percebido no concreto (realidade). Para Oliveira (1997, p. 66), ele "consiste em isolar num fenômeno influências para estudá-lo e usá-lo, embora suas ligações abandonadas possam, mais tarde, ser leva- Capítulo 2: Ciência: Metodologiae Métodos 45 das em consideração" durante a verificação e a comprovação dos resultados obtidos. □ Método de Pesquisa-ação Este método, elaborado por Michel Thiollent, possibilita a participação dos investigados na pesquisa, do início até o final, de tal forma que os resultados analisados possam levar a comunidade a perceber e a superar seus desequilíbrios, identificando-os, e, em um segundo momento, propondo ações de mudança que venham a beneficiá-los. 2.5.3 Outros métodos □ Método Clínico Em sua realização, esse método utiliza estratégias metodológicas que permitem o acesso indireto aos fenômenos da consciência, chegando ao inconsciente. Ele é muito empregado na Psicologia, não possibilitando, entretanto, generalizações, já que seus estudos são individuais. □ Método Experimental Esse método procura comprovar o fenômeno por meio da experimentação provocada, consistindo em observação, manipulação e controle de seus efeitos, em uma dada situação, "introduzindo uma modificação voluntária de uma variável dependente" (NASCIMENTO, 2002, p. 26). Ele é muito adotado em Ciências Físicas e Naturais. 2.5.4 Relação entre os métodos científicos e suas aplicações Uma das preocupações da Metodologia Científica é a relação entre os métodos de investigação e os fenômenos, considerando a ciência estudada, conforme segue: 46 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica MÉTODOS CARACTERÍSTICAS APLICAÇÃO Quadro 4: Os Métodos e suas Diversas Aplicações por Área de Conhecimento Fonte: NASCIMENTO, Dinalva Melo do. Metodologia do trabalho científico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 28. Assim, para o encaminhamento satisfatório de uma pesquisa, é necessário que sejam estabelecidos os métodos que a nortearão; por meio deles é que os resultados da investigação estarão garantidos. Esse é o caminho para se buscar as verdades científicas. Dialético [...] [constrói] um novo sistema de hipóteses a partir da negação da anterior (tese, antítese, síntese) Pesquisas de caráter qualitativo nas áreas sociais Fenomenológico Consiste em colocar um fenômeno entre parênteses, ou seja, isolado, para estudá-lo como se [...] [estivesse livre] de qualquer influência, a não ser as considerações do sujeito que conhece Pesquisas nas áreas de educação, artes, química Experimental Permite o estabelecimento de relações de causa e efeito, [...] [por meio] da indução Pesquisas físico- químicas Analógico Permite, com base em certas semelhanças observadas, concluir outras, ainda não observadas Pesquisas na área de zoologia e botânica Monográfico (estudo de caso) Permite, mediante o estudo de casos isolados ou de pequenos grupos, entender determinados fatos sociais Pesquisas sociológicas e educacionais Comparativo Viabiliza a comparação de variáveis sociais, econômicas, políticas e históricas para prever a eficácia de medidas socioeconômico-políticas Pesquisas econômicas, sociológicas, históricas e jurídicas Compreensivo Permite o estudo do conteúdo de ações sociais, seus significados e motivos Pesquisas sociológicas Morfológico Permite a determinação de grupos de elementos que podem ser parte de um conceito morfológico ou de uma máquina Pesquisas de inovação tecnológica e astronômica C A P Í T U L O 3 Pesquisa Científica; Construção do Saber Pesquisar significa encontrar novos saberes científicos que permitam o avanço da ciência, ao mesmo tempo que se soluciona uma dificuldade que não se pode resolver automaticamente, mas apenas por meio de estudo conceituai ou empírico,3 com base em fontes de informação. Em Salomon (2000, p. 149), pesquisar significa [..,] buscar novos conhecimentos científicos [...] que podem conduzir à averiguação do novo no mundo do saber. Seja no nível individual, seja no institucional, a pesquisa será sempre uma força propulsora que nos impulsiona do mundo conhecido para o desconhecido, daquilo que já sabemos (ainda que limitado e vago) para aquilo que vemos e conseguiremos conhecer. Nunca portanto, um ato gratuito de criação, pois ninguém cria algo a partir do nada, do zero absoluto. Para ele, a pesquisa requer esforço, imaginação criativa e dedicação. Entretanto, em qualquer de seus níveis, ela "supõe sempre método, reflexão analítica e crítica, tanto em relação ao objeto que está sendo pesquisado como em relação aos métodos postos em prática no descobrimento e na prova dos resultados". Acrescente a isso que, metodologicamente, ela opera em três níveis. São eles: "1- o da procura, da descoberta; 2 - o da justificação, da demonstração, da prova; e 3 - o da aplicação do conhecimento ' Termo de origem grega, empeiria, que significa experiência. "É uma doutrina que afirma que a única fonte de nosso conhecimento é a experiência recebida e experimentada pelos nossos sentidos" {OLIVEIRA, 1998, p. 52). 48 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica encontrado e/ou comprovado" (Op. cit, p. 150), exigindo sempre a presença de um problema para que se possa dar início à investigação científica. De forma genérica, o termo pesquisa significa um "trabalho empreendido metodologicamente, quando surge um problema, para o qual se procura a solução adequada de natureza científica"(SALOMON,2001,p. 152). 3.1 Objetivo A pesquisa científica permite a formação e a ampliação do espírito científico e da consciência crítica do investigador, por consistir na observação dos fatos tal como ocorrem de forma espontânea, na coleta dos dados e no registro de variáveis presumivelmente relevantes para as análises posteriores. As variáveis são decorrentes das hipóteses e "servem para mostrar as alterações em termos de valores, aspectos, propriedades, quantidades, qualidades, magnitudes, traços, peso, forma, que se alteram na hipótese, possibilitando que estas sejam submetidas a testes" (OLIVEIRA, 1998, p. 86). Elas podem ser independentes e dependentes. A independente existe naturalmente em decorrência da hipótese e influencia a dependente, que, por sua vez, sofre essa ação (necessidade) para que os resultados sejam obtidos e, em conseqüência, possam ser descobertos, explicados e testados. Sem pesquisa, não há progresso. A pesquisa "é um processo reflexivo, sistemático, controlado e crítico que conduz à descoberta de novos fatos e das relações entre as leis que regem o aparecimento ou a ausência deles" (BARROS; LEHFELD, 2000b, p. 68). Isso quer dizer, em outras palavras, que "toda pesquisa parte da observação da realidade e deve retornar a ela para aplicar e testar seus resultados ou para delimitar novos fenômenos para o estudo" (Op. cit., p. 68). Assim, os objetivos da pesquisa são o estudo e a compreensão do fato ou do fenômeno da realidade com a finalidade de encontrar respostas novas para questões já formuladas que necessitam de soluções, superando "o simples levantamento de fatos e coleção de dados, buscando articulá-los no nível de uma interpretação teórica" (SEVERINO, 2002, p. 149), para assim demonstrar e desenvolver um raciocínio lógico, condição necessária para a construção do conhecimento. Capítulo 3: Pesquisa Científica: Construção do Saber 49 3.2 Características De modo geral, a pesquisa pode ser caracterizada de forma qualitativa, considerando os seguintes aspectos (Op. cit, p. 145-149): □ Interesse pessoal: o pesquisador, ao escolher sua temática, deve considerar seu envolvimento com o que deseja investigar, sobretudo porque, durante a realização da pesquisa, o objeto selecionado passa a fazer parte de sua vida, independentemente de seu nível, tornando-seuma problemática que será vivenciada desde o levantamento das fontes e a coleta de dados até sua análise e apresentação dos resultados, constituindo-se, portanto, em um ato político; □ Relevância social: ao determinar o objeto de pesquisa, delimitar o tema e formular o problema, o pesquisador deverá ter em mente os benefícios diretos e/ou indiretos de seu trabalho para a humanidade; □ Relevância científica: ao iniciar a pesquisa, é importante que seja estabelecida sua relevância científica, determinando as contribuições que ela trará para o campo da investigação científica, que permitirão o avanço da ciência; □ Autonomia: o investigador, com sua iniciativa, desenvolve a capacidade de interação com as fontes de informação, com outros pesquisadores e com outras pesquisas já realizadas sobre o assunto abordado, mas a pesquisa requer, ainda, um grande esforço individual e habilidade para se lidar de forma clara, simples e objetiva com as pessoas e os dados obtidos, por meio de uma inter-relação enriquecedora; □ Postura dialética: à medida que a pesquisa se desenvolve, o pesquisador assume uma conduta dialética, representada pelas negações e afirmações que incrementam seu pensamento, estabelecendo um debate entre o objeto de pesquisa e as fontes consultadas, que resultará no surgimento de novas idéias, nascidas da observação, da experimentação e da experiência unida à intuição; □ Audácia: o pesquisador audaz é aquele que inova no âmbito do conhecimento científico, criando, avançando, e não apenas repetindo o que já foi dito e discutido anteriormente. Ele não tem medo das 50 ___ Manual de Metodologia da Pesquisa Científica críticas, quer do orientador, quer da banca avaliadora, ou mesmo de colegas e de outros pesquisadores e/ou estudiosos do assunto; □ Criatividade: em qualquer nível de realização da pesquisa (graduação ou pós-graduação), a imaginação criativa do investigador pode contribuir no desenvolvimento da ciência, desde que baseada em fontes precisas de investigação e de forma disciplinada; □ Ineditismo: é a vertente do tema que será objeto de investigação, até então não estudado ou aprofundado em trabalhos anteriores, apesar de tratar-se de um assunto já conhecido, proporcionando assim uma idéia nova, que represente um progresso para a área científica em que se situa; □ Originalidade: é a forma e a visão teórica e/ou prática que será dada ao tema, possibilitando uma abordagem diferente. Ao iniciar-se uma pesquisa, algumas indagações básicas ficam subjacentes: □ Sobre o que pesquisar? □ Qual pergunta responder? □ Que passos são necessários para respondê-la? □ Quais as prováveis respostas a essa pergunta? □ Qual a confiabilidade e a garantia das respostas? □ De que ângulo, perspectiva, o assunto será abordado? □ Qual a tese ou ponto de vista que se pretende defender? 3.3 Critérios de Cientificidade □ Externos: ■ reconhecimento do objeto pela comunidade científica; ■ contribuição com idéia nova e ótica diferenciada para o objeto estudado; Capítulo 3: Pesquisa Científica: Construção do Saber 51 ■ utilidade científica, ao acrescentar algo novo ao que já se sabe no meio acadêmico; ■ descrição minuciosa das etapas, métodos e técnicas da pesquisa, de forma que outros pesquisadores possam continuá-los ou contestá-los; ■ referencial teórico atualizado (últimos cinco anos), com o uso de fontes diversificadas (livros, artigos científicos, monografias, dissertações, teses, relatórios etc). □ Internos: ■ apresentação dos resultados de forma coerente, sem contradições, conflitos de informações, argumentação imprecisa ou conclusões congruentes; ■ a argumentação e a demonstração devem ser suficientes para resistir às discussões contrárias; ■ produções não repetitivas a respeito do assunto, possibilitando uma contribuição importante ao campo científico; ■ manutenção da subjetividade nos limite da objetividade, controlando preferências e preceitos pessoais. 3.4 Antecedentes da Pesquisa O desenvolvimento e a realização de uma pesquisa científica seguem alguns passos que compõem suas fases de elaboração: □ escolha e delimitação do tema; □ definição, diferenciação e estabelecimento do problema; □ determinação das hipóteses de trabalho ou questões norteadoras (de acordo com a forma de abordagem); □ seleção e especificação das fontes primárias, secundárias ou terciárias (dependendo do tipo de pesquisa) para a coleta de informações; □ definição das técnicas e dos instrumentos de coleta de dados; 52 Manual de Metodologia da Pesquisa Cientifica □ estabelecimento dos métodos científicos que nortearão a pesquisa; □ determinação da análise e da interpretação dos dados e da forma de abordagem (qualitativa/quantitativa) que será dada à pesquisa. A partir desse momento, já pode ser elaborado o projeto de pesquisa,4 por meio do qual é estabelecido um roteiro de todas as etapas necessárias à realização da pesquisa. 3.5 Planejamento da Pesquisa □ Decisão de pesquisar É o desejo pessoal ou interesse institucional de realizar uma pesquisa por meio ou não de órgão financiador ou, ainda, em decorrência de cursos de graduação e de pós-graduação. □ Estabelecimento dos objetivos (Por quê? Para quê? Para quem?) É o momento em que o pesquisador define o que de fato deseja alcançar com a pesquisa. Os motivos podem ser: intrínsecos ou extrínsecos, teóricos ou práticos, gerais ou específicos, a curto ou a longo prazo. □ Determinação de fontes e locais de pesquisa (Onde? Como? Quais?) Nesse momento, o pesquisador seleciona as fontes (primárias, secundárias e/ou terciárias) de consulta e/ou de coleta de dados, e determina suas localizações e a forma de acesso a elas. □ Formação de equipes para a pesquisa (Quem? De que maneira?) Se a pesquisa requer uma equipe de trabalho, então demanda o recrutamento e o treinamento de pessoas, com a conseqüente determinação e especificação de tarefas e locais de pesquisa, bem como de instrumentos e equipamentos necessários. 4 Ver GONÇALVES, Hortência de Abreu. Manual de projetos de pesquisa científica. São Paulo: Avercamp, 2003. Capítulo 3: Pesquisa Científica: Construção do Saber 53 □ Recursos necessários e cronograma (Quanto? Quando?) É a previsão dos gastos necessários à realização da pesquisa e sua duração. É importante que o pesquisador determine o prazo para finalizá-la e os recursos humanos e materiais para programá-la e implementá-la, com a definição de seu financiamento, relacionando-o com cada etapa de sua execução. C A P Í T U L O 4 Pesquisa Científica: Tipos e Modalidades A finalidade da pesquisa é "resolver problemas e solucionar dúvidas, mediante a utilização de procedimentos científicos" (BARROS; LEHFELD, 2000a, p. 14) e a partir de interrogações formuladas em relação a pontos ou fatos que permanecem obscuros e necessitam de explicações plausíveis e respostas que venham a elucidá-las. Para isso, há vários tipos de pesquisas que proporcionam a coleta de dados sobre o que se deseja investigar. Algumas razões para eleger uma pesquisa específica são evidenciadas na determinação do pesquisador em realizá-la, entre as quais: as intelectuais, baseadas no desejo de ampliar o saber sobre o assunto escolhido, "atendendo ao desejo quase que genérico do ser humano de conhecer-se a si mesmo e a realidade circundante" (NASCIMENTO, 2002, p. 55). Nessa jornada, "chega-se a um conhecimento novo ou totalmente novo, isto é, [...] [ele] pode aprender algo que ignorava anteriormente, porém já conhecido por outro, ou chegar a dados desconhecidos por todos. Pela pesquisa, chega-se a uma maior precisão
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