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09 27 UM CONVITE A FILOSOFIA CAP PERCEPCAO

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Marilena Chauí
_______________________________
– 151 –
Capítulo 2
A percepção
Sensação e percepção
O conhecimento sensível também é chamado de conhecimento empírico ou
experiência sensível e suas formas principais são a sensação e a percepção.
A tradição filosófica, até o século XX, distinguia sensação de percepção pelo 
grau de complexidade.
A sensação é o que nos dá as qualidades exteriores e interiores, isto é, as
qualidades dos objetos e os efeitos internos dessas qualidades sobre nós. Na 
sensação vemos, tocamos, sentimos, ouvimos qualidades puras e diretas: cores, 
odores, sabores, texturas. Sentimos o quente e o frio, o doce e o amargo, o liso e 
o rugoso, o vermelho e o ve rde, etc.
Sentir é algo ambíguo, pois o sensível é, ao mesmo tempo, a qualidade que está 
no objeto e o sentimento interno que nosso corpo possui das qualidades sentidas. 
Por isso, a tradição costuma dizer que a sensação é uma reação corporal imediata 
a um estímulo ou excitação externa, sem que seja possível distinguir, no ato da 
sensação, o estímulo exterior e o sentimento interior. Essa distinção só poderia 
ser feita num laboratório, com análise de nossa anatomia, fisiologia e sistema 
nervoso.
Quando examinamos a sensação, notamos que ninguém diz que sente o quente, 
vê o azul e engole o amargo. Pelo contrário, dizemos que a água está quente, que 
o céu é azul e que o alimento está amargo. Isto é, sentimos as qualidades como 
integrantes de seres mais amplos e complexos do que a sensação isolada de cada 
qualidade. Por isso, se diz que, na realidade, só temos sensações sob a forma de 
percepções, isto é, de sínteses de sensações.
Empirismo e intelectualismo
Duas grandes concepções sobre a sensação e a percepção fazem parte da tradição 
filosófica: a empirista e a intelectualista.
Para os empiristas, a sensação e a percepção dependem das coisas exteriores, isto 
é, são causadas por estímulos externos que agem sobre nossos sentidos e sobre o 
nosso sistema nervoso, recebendo uma resposta que parte de nosso cérebro, volta 
a percorrer nosso sistema nervoso e chega aos nossos sentidos sob a forma de 
uma sensação (uma cor, um sabor, um odor), ou de uma associação de sensações 
numa percepção (vejo um objeto vermelho, sinto o sabor de uma carne, sinto o 
cheiro da rosa, etc.).
Convite à Filosofia
_______________________________
– 152 –
A sensação seria pontual, isto é, um ponto do objeto externo toca um de meus 
órgãos dos sentidos e faz um percurso no interior do meu corpo, indo ao cérebro 
e voltando às extremidades sensoriais. Cada sensação é independente das outras e 
cabe à percepção unificá-las e organizá-las numa síntese. A causa do
conhecimento sensível é a coisa externa, de modo que a sensação e a percepção 
são efeitos passivos de uma atividade dos corpos exteriores sobre o nosso corpo.
O conhecimento é obtido por soma e associação das sensações na percepção e tal 
soma e associação dependem da freqüência, da repetição e da sucessão dos
estímulos externos e de nossos hábitos.
Para os intelectualistas, a sensação e a percepção dependem do sujeito do
conhecimento e a coisa exterior é apenas a ocasião para que tenhamos a sensação 
ou a percepção. Nesse caso, o sujeito é ativo e a coisa externa é passiva, ou seja, 
sentir e perceber são fenômenos que dependem da capacidade do sujeito para 
decompor um objeto em suas qualidades simples (a sensação) e de recompor o 
objeto como um todo, dando-lhe organização e interpretação (a percepção).
A passagem da sensação para a percepção é, neste caso, um ato realizado pelo 
intelecto do sujeito do conhecimento, que confere organização e sentido às
sensações. Não haveria algo propriamente chamado percepção, mas sensações 
dispersas ou elementares; sua organização ou síntese seria feita pela inteligência 
e receberia o nome de percepção. Assim, na sensação, “sentimos” qualidades 
pontuais, dispersas, elementares e, na percepção, “sabemos” que estamos tendo 
sensação de um objeto que possui as qualidades sentidas por nós. Como disse um 
filósofo, perceber é “saber que percebo”; ver é “pensamento de ver”; ouvir é 
“pensamento de ouvir”, e assim por diante.
Para os empiristas, a sensação conduz à percepção como uma síntese passiva, isto 
é, que depende do objeto exterior. Para os intelectualistas, a sensação conduz à 
percepção como síntese ativa, isto é, que depende da atividade do entendimento.
Para os empiristas, as idéias são provenientes das percepções. Para os
intelectualistas, a sensação e a percepção são sempre confusas e devem ser 
abandonadas quando o pensamento formula as idéias puras.
Psicologia da forma e fenomenologia
Em nosso século, porém, a Filosofia alterou bastante essas duas tradições e as 
superou numa nova concepção do conhecimento sensível. As mudanças foram 
trazidas pelo fenomenologia de Husserl e pela Psicologia da Forma ou teoria da 
Gestalt (Gestalt é uma palavra alemã que significa: configuração, figura
estruturada, forma). Ambas mostraram:
? contra o empirismo, que a sensação não é reflexo pontual ou uma resposta 
físico-fisiológica a um estímulo externo também pontual;
? contra o intelectualismo, que a percepção não é uma atividade sintética feita 
pelo pensamento sobre as sensações;
Marilena Chauí
_______________________________
– 153 –
? contra o empirismo e o intelectualismo, que não há diferença entre sensação e 
percepção.
Empiristas e intelectualistas, apesar de suas diferenças, concordavam num
aspecto: julgavam que a sensação era uma relação de causa e efeito entre pontos 
das coisas e pontos de nosso corpo. As coisas seriam como mosaicos de
qualidades isoladas justapostas e nosso aparelho sensorial (órgãos dos sentidos, 
sistema nervoso e cérebro) também seria um mosaico de receptores isolados e 
justapostos. Por isso, a percepção era considerada a atividade que “somava” ou 
“juntava” as partes numa síntese que seria o objeto percebido.
Fenomenologia e Gestalt, porém, mostram que não há diferença entre sensação e 
percepção porque nunca temos sensações parciais, pontuais ou elementares, isto 
é, sensações separadas de cada qualidade, que depois o espírito juntaria e
organizaria como percepção de um único objeto. Sentimos e percebemos formas, 
isto é, totalidades estruturadas dotadas de sentido ou de significação.
Assim, por exemplo, ter a sensação e a percepção de um cavalo é sentir/perceber 
de uma só vez sua cor (ou cores), suas partes, sua cara, seu lombo e seu rabo, seu 
porte, seu tamanho, seu cheiro, seus ruídos, seus movimentos. O cavalo-
percebido não é um feixe de qualidades isoladas que enviam estímulos aos meus 
órgãos dos sentidos (como suporia o empirista), nem um objeto indeterminado 
esperando que meu pensamento diga às minhas sensações: “Este objeto é um 
cavalo” (como suporia o intelectualista). O cavalo-percebido não é um mosaico 
de estímulos exteriores (empirismo), nem uma idéia (intelectualismo), mas é, 
exatamente, um cavalo-percebido.
As experiências conhecidas como figura-e-fundo mostram que não temos
sensações parciais, mas percepções globais de uma forma ou de uma estrutura.
As experiências com formas “incompletas” mostram que a percepção sempre 
percebe uma totalidade completa, o que seria impossível se tivéssemos sensações 
elementares que o pensamento unificaria numa percepção.
Se a percepção fosse uma soma de sensações parciais e se cada sensação
dependesse dos estímulos diretos que as coisas produzissem em nossos órgãos 
dos sentidos, então teríamos que ver como sendo de mesmo tamanho duas linhas
que são objetivamente de mesmo tamanho. Mas a experiência mostra que nós as 
percebemos como formas ou totalidades diferentes.
O que é a percepção
A percepção possui as seguintescaracterísticas:
? é o conhecimento sensorial de configurações ou de totalidades organizadas e 
dotadas de sentido e não uma soma de sensações elementares; sensação e
percepção são a mesma coisa;
Convite à Filosofia
_______________________________
– 154 –
? é o conhecimento de um sujeito corporal, isto é, uma vivência corporal, de 
modo que a situação de nosso corpo e as condições de nosso corpo são tão 
importantes quanto a situação e as condições dos objetos percebidos;
? é sempre uma experiência dotada de significação, isto é, o percebido é dotado 
de sentido e tem sentido em nossa história de vida, fazendo parte de nosso mundo 
e de nossas vivências;
? o próprio mundo exterior não é uma coleção ou uma soma de coisas isoladas, 
mas está organizado em formas e estruturas complexas dotadas de sentido. Uma 
paisagem, por exemplo, não é uma soma de coisas que estão apenas próximas 
umas das outras, mas é a percepção de coisas que formam um todo complexo e 
com sentido: o vale só é vale por causa da montanha, cuja altura e distância só 
podem ser avaliadas porque há o céu, as árvores, um rio e um caminho; o verde 
do vale só pode ser percebido por contraste com o cinza ou o dourado da
montanha; o azul do céu só pode ser percebido por causa do verde da vegetação e 
o marrom da terra; essa paisagem será um espetáculo de contemplação se o 
sujeito da percepção estiver repousado, mas será um objeto digno de ser visto por 
outros se o sujeito da percepção for um pintor, ou será um obstáculo, se o sujeito 
da percepção for um viajante que descobre que precisa ultrapassar a montanha. 
Em resumo: na percepção, o mundo possui forma e sentido e ambos são
inseparáveis do sujeito da percepção;
? a percepção é assim uma relação do sujeito com o mundo exterior e não uma 
reação físico-fisiológica de um sujeito físico-fisiológico a um conjunto de
estímulos externos (como suporia o empirista), nem uma idéia formulada pelo 
sujeito (como suporia o intelectualista). A relação dá sentido ao percebido e ao 
percebedor, e um não existe sem o outro;
? O mundo percebido é qualitativo, significativo, estruturado e estamos nele 
como sujeitos ativos, isto é, damos às coisas percebidas novos sentidos e novos 
valores, pois as coisas fazem parte de nossas vidas e interagimos com o mundo;
? o mundo percebido é um mundo intercorporal, isto é, as relações se
estabelecem entre nosso corpo, os corpos dos outros sujeitos e os corpos das 
coisas, de modo que a percepção é uma forma de comunicação que
estabelecemos com os outros e com as coisas;
? a percepção depende das coisas e de nosso corpo, depende do mundo e de 
nossos sentidos, depende do exterior e do interior, e por isso é mais adequado 
falar em campo perceptivo para indicar que se trata de uma relação complexa 
entre o corpo-sujeito e os corpos-objetos num campo de significações visuais, 
tácteis, olfativas, gustativas, sonoras, motrizes, espaciais, temporais e
lingüísticas. A percepção é uma conduta vital, uma comunicação, uma
interpretação e uma valoração do mundo, a partir da estrutura de relações entre 
nosso corpo e o mundo;
Marilena Chauí
_______________________________
– 155 –
? a percepção envolve toda nossa personalidade, nossa história pessoal, nossa 
afetividade, nossos desejos e paixões, isto é, a percepção é uma maneira
fundamental de os seres humanos estarem no mundo. Percebemos as coisas e os 
outros de modo positivo ou negativo, percebemos as coisas como instrumentos 
ou como valores, reagimos positiva ou negativamente a cores, odores, sabores, 
texturas, distâncias, tamanhos. O mundo é percebido qualitativamente,
efetivamente e valorativamente. Quando percebemos uma outra pessoa, por
exemplo, não temos uma coleção de sensações que nos dariam as partes isoladas 
de seu corpo, mas a percebemos como tendo uma fisionomia (agradável ou 
desagradável, bela ou feia, serena ou agitada, sadia ou doentia, sedutora ou
repelente) e por essa percepção definimos nosso modo de relação com ela;
? a percepção envolve nossa vida social, isto é, os significados e os valores das 
coisas percebidas decorrem de nossa sociedade e do modo como nela as coisas e 
as pessoas recebem sentido, valor ou função. Assim, objetos que para nossa 
sociedade não causam temor, podem causar numa outra sociedade. Por exemplo, 
em nossa sociedade, um espelho ou uma fotografia são objetos funcionais ou 
artísticos, meios de nos vermos em imagem; no entanto, para muitas sociedades
indígenas, ver a imagem de alguém ou a sua própria é ver a alma desse alguém e 
fazê-lo perder a identidade e a vida, de modo que a percepção de um espelho ou 
de uma fotografia pode ser uma percepção apavorante;
? a percepção nos oferece um acesso ao mundo dos objetos práticos e
instrumentais, isto é, nos orienta para a ação cotidiana e para as ações técnicas 
mais simples; a percepção é uma forma de conhecimento e de ação fundamental 
para as artes, que são capazes de criar um “outro” mundo pela simples alteração 
que provoca em nossa percepção cotidiana e costumeira. Basta lembrar aqui o 
texto de Clarice Lispector sobre o inseto e sobre o ovo (unidade 3, capítulo 8);
? a percepção não é uma idéia confusa ou inferior, como julgava a tradição, mas 
uma maneira de ter idéias sensíveis ou significações perceptivas;
? a percepção está sujeita a uma forma especial de erro: a ilusão, como vimos no 
exemplo dos versos de Mário de Andrade sobre a garoa de São Paulo, a confusão 
do branco e do negro, do pobre e do rico.
Percepção e teoria do conhecimento
Do ponto de vista das teorias do conhecimento, há três concepções principais 
sobre o papel da percepção:
1. nas teorias empiristas, a percepção é a única fonte de conhecimento, estando 
na origem das idéias abstratas formuladas pelo pensamento. Hume, por exemplo, 
afirma que todo conhecimento é percepção e que existem dois tipos de
percepção: as impressões (sensações, emoções e paixões) e as idéias (imagens 
das impressões);
Convite à Filosofia
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2. nas teorias racionalistas intelectualistas, a percepção é considerada não muito 
confiável para o conhecimento porque depende das condições particulares de 
quem percebe e está propensa a ilusões, pois freqüentemente a imagem percebida 
não corresponde à realidade do objeto.
Vemos o Sol menor do que a Terra, mas ele realmente é maior do que ela. 
Descartes menciona o modo como percebemos um bastão mergulhado na água: 
embora o bastão seja reto e contínuo, percebemos a parte mergulhada como se o 
bastão estivesse entortado e como se houvesse descontinuidade entre a parte que 
está fora da água e a parte mergulhada. O bastão é percebido como distorcido, 
embora, na realidade, não esteja deformado.
Para a concepção racionalista intelectualista, o pensamento filosófico e científico 
deve abandonar os dados da percepção e formular as idéias em relação com o 
percebido; trata-se de explicar e corrigir a percepção;
3. na teoria fenomenológica do conhecimento, a percepção é considerada
originária e parte principal do conhecimento humano, mas com uma estrutura 
diferente do pensamento abstrato, que opera com idéias. Qual a diferença? A 
percepção sempre se realiza por perfis ou perspectivas, isto é, nunca podemos 
perceber de uma só vez um objeto, pois somente percebemos algumas de suas 
faces de cada vez; no pensamento, nosso intelecto compreende uma idéia de uma 
só vez e por inteiro, isto é, captamos a totalidade do sentido de uma idéia de uma 
só vez, sem precisar examinar cada uma de suas “faces”.
Na percepção, nunca poderemos ver, de uma só vez, as seis faces de um cubo, 
pois “perceber um cubo” significa, justamente, nunca vê -lo de uma só vez por 
inteiro.Ao contrário, quando o geômetra pensa o cubo, ele o pensa como figura 
de seis lados e, para seu pensamento, as seis faces estão todas presentes
simultaneamente.
Quanto ao problema da ilusão, a fenomenologia considera que ela não existe. Se 
tomarmos, por exemplo, o verso de Mário de Andrade, diremos que perceber 
uma pessoa sob a garoa ou a neblina de São Paulo é percebê-la como negra de 
longe e branca de perto ou como branca de longe e negra de perto: são quatro 
percepções diferentes e que são como são porque perceber é sempre perceber um 
campo de objetos que permite corrigir uma percepção por meio de outra.
Podemos compreender mais claramente a diferença entre as três concepções
através de um exemplo, oferecido pelo filósofo Merleau-Ponty:
Olhemos para uma piscina ladrilhada de verde-claro e rodeada por um 
jardim. O que percebemos?
O empirista dirá que recebemos estímulos de todos os elementos que estão 
em nosso campo visual: cores, sons, reflexos; que esses estímulos isolados 
são levados a nosso cérebro, onde causam uma impressão e que a
consciência dessa impressão é a percepção como soma dos estímulos.
Marilena Chauí
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O intelectualista nos dirá que vemos qualidades sensíveis – líquido, cor,
reflexos – de uma realidade distorcida: vemos árvores sobre a superfície 
das águas, embora as árvores não estejam ali; vemos os ladrilhos do fundo 
como se fossem curvos, côncavos, convexos, embora sejam quadrados e 
lisos; vemos a água colorida, quando, na realidade, ela não tem cor.
Vemos, portanto, algo que nosso intelecto ou nosso pensamento nos avisa 
que não corresponde à realidade.
O fenomenólogo, porém, mostrará que perceber-uma-piscina-ladrilhada-
com-água-e-rodeada-de-árvores é perceber exatamente isso: os reflexos 
das árvores na água, as nuances de cor no líquido, a movimentação dos 
ladrilhos. Não estamos recebendo estímulos que formarão impressões no 
cérebro: estamos percebendo uma forma organizada ou uma estrutura.
Não estamos tendo ilusões visuais, vendo ladrilhos “apesar” da água que os 
deformaria; nem estamos vendo a água “apesar” dos reflexos das árvores que a 
deformariam. Estamos vendo e percebendo ladrilhos-de-uma-piscina-com-água
(portanto, formas móveis no chão e nas paredes da piscina); estamos vendo ou 
percebendo as-árvores-à-volta-de-uma-piscina-com-água (portanto, refletindo-se
nas águas e agitando-se aos ventos); estamos vendo ou percebendo a água-de-
uma-piscina (portanto, agitando os ladrilhos, recebendo reflexos, mudando de cor 
e de tonalidade). Isso é perceber.
A percepção se realiza num campo perceptivo e o percebido não está
“deformado” por nada, pois ver não é fazer geometria nem física. Não há ilusões 
na percepção; perceber é diferente de pensar e não uma forma inferior e
deformada do pensamento. A percepção não é causada pelos objetos sobre nós, 
nem é causada pelo nosso corpo sobre as coisas: é a relação entre elas e nós e nós 
e elas; uma relação possível porque elas são corpos e nós também somos
corporais.

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