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DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo. Unisinos, 2009.

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Prévia do material em texto

O F I M D O S DIREITOS HUMANOS
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
Reitor
Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, SJ 
Vice-reitor 
Pe. José Ivo FoUmann, SJ
mD Editora Unisinos
Diretor 
Pe. Pedro Gilberto Gomes, SJ
Conselho Editorial 
Alfredo Culleton 
Carlos Alberto Gianotti 
Pe. Luis Fernando Rodrigues, SJ 
v . Pe. Pedro Gilberto Gomes, SJ 
Vicente de Paulo Barretto
?
Editora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos 
ED ITO RA UNISINOS 
Av. Unisinos, 950 
93022-000 São Leopoldo RS Brasil
Telef.: 51. 35908239 
Fax: 51.35908238 
editora@unisinos.br
O FIM DOS DIREITOS HUMANOS
Costas Douzmas
Tradutora
A raújo
E d it o r a U nisinos 
C oleção D ik e
© Costas Douzinas 
Título original:
The E n d ofH um an TUghts
2 0 0 7 Direitos de publicação em Mngua portuguesa no Brasil cedidos pelo autoe à 
Editora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos 
E D IT O R A U N ISIN O S
Coleção D íke 
Sob direção de Vicente de Paulo Barretto
Editor 
Carlos Alberto Gianotti
Tradutora 
Luzia Araújo 
Revisor 
Renato Deitos
D 7 4 2 f Douzinas, Costas
O fim dos direitos humanos / p o r Costas Douzinas; tradutora Luzia Araújo.
- São Leopoldo : Unisinos, 2009 .
418 p. — (C oleção Díke).
Título original: The end o f human rights.
Inclui bibliografia.
ISB N 9 7 8 -8 5 -7431 -333 -7
1. Direitos humanos. 2 . Direito natural. 3. D ireito - Filosofia. 4 . Psicanálise - 
Direito. I. Araújo, Luzia. II. Título. III. Série.
C D U 342 .7
Catalogação na Fonte:
Bibliotecária Vanessa Borges N unes - CRB 1 0 /1 5 5 6
reprodução, ainda que parcial, por qualquer meio, das páginas que compõem este Ii- 
, para uso não-individual, mesmo para fins didáticos, sem autorização escrita do edi­
tor, é ilícita e constitui uma contrafação danosa à cultura- 
Foi feito o depósito legal.
'Editoração 
Mariana Ram os 
Capa 
Mari Pini
Sumário
09 Prefácio
13 Prefácio à tradução brasileira
Parte Um - A GENEALOGIA DOS DIREITOS HUMANOS
19 1. O TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS
39 2. UMA BREVE HISTÓRIA DO DIREITO NATURAL: As origens clássicas 
40 I. Natureza e justiça na Grécia clássica 
48 II. Platão e a justiça como ideal 
53 m . Aristóteles e a justiça legal
61 3. UMA BREVE HISTÓRIA DO DIREITO NATURAL: Do Direito Natural aos 
direitos naturais
- 61 I. Os estoicos e o Direito Natural
70 II. O Direito Natural relativo de Tomás de Aquino 
74 III. A invenção do indivíduo
83 4. O DIREITO NATURAL EM HOBBES E EM LOCKE
99 5. REVOLUÇÕES E DECLARAÇÕES:. OS DIREITOS DOS HOMENS, DOS CI­
DADÃOS E DE ALGUNS OUTROS
10Í I. Uma breve comparação histórica entre a França e os Estados 
Unidos
105 II. A proclamação de uma liberdade sem fundamento
109 III. A emancipação do ‘"homem” abstrato
113 IV. Os direitos podem ser garantidos apenas por lei nacional
6
C o s t a s D o u z in a s
121 6. O TRIUNFO DA HUMANIDADE: DE 1789 A 1989 E DOS DIREITOS 
NATURAIS AOS DIREITOS HUMANOS
121 I. O declínio dos direitos naturais
126 II. O surgimento irresistível e a fragilidade resistível dos direitos 
humanos internacionais
135 III. Os direitos humanos e a hipocrisia do Estado 
141 IV. Os direitos humanos e o uso da força 
153 V. O “triunfo” da humarúdadé
Parte Dois - A FILOSOFIA DOS DIREITOS HUMANOS
159 7. AS CRÍTICAS CLÁSSICAS AOS DIREITOS: BURKE E MARX 
159 I. Burke e o historicismo dos direitos 
169 II. Marx e os direitos do homem
177 III. O marxismo ocidental e a política dos direitos humanos 
186 IV. Direitos humanos e utopia
193 8. SUBJECTUM E SUBJECTUS: O SUJEITO LIVRE E SUJEITADO 
194 I. O sujeito autônomo: Kant e Sartre 
211 II. O sujeito desamparado: a crítica ontológica de Heidegger 
225 III. O sujeito sujeitado: o poder, a lei e o sujeito
237 9. OS SUJEITOS D d;DIREITO: OS DIREITOS E O HUMANISMO JURÍDICO 
239 I. Règras, direitos e sujeitos 
243 II. 0 ' sujeito dos direitos humanos 
248 III. O humanismo jurídico e os direitos humanos 
253 IV. Uma cultura dos direitos humanos?
261 V. O significante flutuante: a semiótica dos direitos humanos
269 10. O DIREITO DE HEGEL: DIREITOS E RECONHECIMENTO 
271 I. A jornada jurídica de Hegel 
279 II. Reconhecimento jurídico e democracia social 
286 UI. Reconhecimento e propriedade 
291 IV. Direitos, dominação e opressão
303 11. A PSICANÁLISE TORNA-SE A LEI: DIREITOS E DESEJOS 
304 I. Freud e a gênese da lei 
306 II. Lacan e o nome da iei 
311 m . A lei e a dialética do desejo 
314 IV. A psicanálise como jurisprudência
___________________________________ 7____________________________
S u m á r io
317 V. Os direitos como o pequeno objeto a
325 12. O DOMÍNIO IMAGINÁRIO E O FUTURO DA UTOPIA
325 I. Direitos impossíveis: os direitos humanos e o gozo 
333 II. O desejo dá lei: será que precisamos do soberano? 
340 III, O domínio imaginário
349 13. OS DIREITOS HUMANOS DO OUTRO
354 I. A ética da alteridade e os direitos humanos 
362 II. Os direitos humanos, o refugiado e o Outro 
371 III. Os direitos humanos e a justiça da lei
375 14. O FBÍDOS DIREITOS HUMANOS
385 Bibliografia 
403 índice remissivo
P r e f á c i o
Esta é a parte final de ■uma trilogia que Ronnie Warrington e eu plane­
jamos no final dos anos 1980. Os dois primeiros volumes, PostmodernJuríspru- 
dence e Justice Miscarried, ambos ainda sem tradução no Brásil, foram publica­
dos em 1991 e 1994 e contribuíram para a criação de um autêntico movimento 
jurídico crítico britânico e para a guinada do saber jurídico para questões éti­
cas. Este último livro da trilogia completa a jornada intelectual que Ronnie e 
eu começamos com o objetivo de reconstruir uma teoria jurídica para um 
novo mundo de pluralismo cultural, abertura intelectual e consciência ética. 
Quis o destino que eu não tivesse o privilégio de discutir as ideias, debater 
os argumentos e escrever este livro com Ronnie. O fim dos direitos humanos é 
dedicado a ele.
Quando comecei minha carreira, o então chefe do meu departamento 
me disse que, se eu persistisse em meus interesses teóricos, meu futuro acadêmi­
co seria limitado. Alguns anos mais tarde, um artigo que escrevi em co-autoria 
com Ronnie foi rejeitado por um periódico jurídico acadêmico porque nele ha­
via palavras como “desconstrução” e “logocentrismo”, que não constavam do 
OxfordEngüsh Dictionary. As coisas estão bem diferentes agora: nosso artigo aca­
bou sendo publicado e traduzido para outros cinco idiomas, um feito bastante 
singular na área do Direito; a palavra “desconstrução” aparece com frequência 
em livros didáticos e em artigos de direito, e o interesse por teoria representa 
uma vantagem a mais para jovens pesquisadores que se candidatam a postos 
acadêmicos.
A formação em Direito tem vivido ultimamente uma espécie de renasci­
mento, o que a colocou de volta ao lugar ao qual pertence, o coração da academia.
C o s t a s D o u z in a s
O movimento dos Estudos Jurídicos Críticos (CLS)* foi central neste processo, 
Mas devo acrescentar que, para mim, a maior realização dos juristas críticos é que 
eles ensinam, pesquisam e escrevem norteados pelo princípio de que um direito 
sem justiça é um corpo sem alma, e uma formação jurídica que ensina regras sem 
espírito é intelectualmente infecunda e moralmente falida. Este livro, uma crítica 
do humanismo jurídico inspirado pelo amor à humanidade, faz parte dessa atmos­
fera. Ele tem por objetivo ser um livro didátièo avançado de teoria jurídica e direi­
tos humanos para o jurista melancólico do final do século mais atroz da história da 
humanidade.
Tive a incrível sorte de estar envolvido com a criação e o fenomenal su­
cesso da Birkbeck Law School no início dos anos 1990. Este sucesso não teria sido 
possível sem o extra.ordinário grupo de acadêmicos empreendedores e pesquisa­
dores dotados de fértil imaginação, meus antigos e atuaiscolegas, que transforma­
ram a Birkbeck na melhor pequena faculdade de Direito da Grã Bretanha. Devo 
muito intelectualmente a todos eles e em particular a Peter Goodrich e Nicola La- 
cey, meus antecessores na direção da Birkbeck Law School A sensibilidade histó­
rica de Peter, sua imaginação incandescente e seu ácido senso de humor contri­
buíram para que este livro fosse escrito e para o projeto jurídico crítico como um 
todo de muitas formas, muitas conscientes e reconhecidas, outras inconscientes e 
nebulosas. A generosa sabedoria de Nicola e seusconselhos amigos em relação a 
este e. a muitos outps projetos foram de imensa valia. Os estudos jurídicos críti­
cos não teriam sidd:4im movimento tão influente sem estes dois amigos carismáti­
cos.
Muitos colegas é amigos contribuíram para a realização deste livro nos 
dois últimos anos. Não é possível mencionar todos eles. Mas tenho muito prazer 
em agradecer a alguns amigos cujas contribuições estão próximas da superfície do 
texto. Gostaria de agradecer em particular a Aiexandra BakalaM, Bill Bowring, julia 
Chryssostali, Lindsay Farmer, Peter Fit2patrick, Rolando Gaete, Adam Gearey, 
Shaun McVeigh, Les Moran, Tim Murphy e Adam Tomkins. Os alunos do curso 
de Direitos Humanos da Birkbeck Law School contribuíram para este livro tanto 
por meio de seu imenso entusiasmo e comprometimento com os direitos huma­
nos quanto por sua suspeita em relação a todas as afirmações grandiosas feitas pe-
Forma abreviada em inglês para Criticai Legal Stuáiu, usualmente empregada em português (N. deT.).
11
P r e f á c i o
los poderosos. Com o passar dos anos, aprendi mais com eles do que eles podem 
ter aprendido comigo.
A pesquisa para este livro foi muito facilitada por várias subvenções e bol­
sas de pesquisa. O Birkbeck College concedeu-me um longo período sabático 
após a criação da Faculdade de Direito. Parte da pesquisa foi levada a cabo no 
Instituto Universitário Europeu, em Florença, e na Universidade de Princeton e na 
Cardozo Law School, em Nova York, com o subsídio de várias bolsas de pesquisa 
em 1997 e 1998. Yiota Cravaritou foi de grande ajuda e inspiração em Florença; Je- 
anne Schroeder e David Carlson foram importantes fontes de aperfeiçoamento 
em Nova York, e Kostis Douzinas e Nancy Rauch proporcionaram maravilhosa 
hospitalidade e animadas discussões naquela cidade. Natasja Smüjanic e Maria 
Kyriakou foram inestimáveis assistentes de pesquisa em várias partes do projeto. 
Minha filha Phaedra padeceu muito nos verões de 1998 e'1999 quando, em vez de 
ir nadar com ela, eu ficava escrevendo e me transformava num acompanhante in­
sociável e irritável. Nicos e Ana Tsigonía foram fontes de inspiração e de ideias 
desafiadoras. Finalmente, meus mais profundos agradecimentos a Joanna Bour- 
ke, que, por todo o seu annus mirabilis de 1999, continuou sendo uma companhia 
versátil, tolerante e totalmente fabulosa.
Dyros, Paros, agosto de 1999.
Apenas paradoxos a oferecer
P r e f á c i o à e d i ç ã o b r a s i l e i r a
—“Quando os apologistas do pragmatismo decretam o £im da ideologia, da 
história ou da utopia, eles não assinalam o triunfo dos direitos humanos; ao con­
trário, eles colocam um fim nos direitos humanos. O fim dos direitos chega quan­
do eles perdem o seu fim utópico.”1 Estas foram as últimas palavras esparsas de O 
fi m dos direitos humanos. Os direitos humanos perdem seu fim, argumentava-se, 
quando deixam de ser o discurso e a prática da resistência contra a dominação e a 
opressão públicas e privadas para se transformar em instrumentos de política ex­
terna das grandes potências do momento, a “ética” de uma missão “civilizatória” 
contemporânea que espalha o capitalismo e a democracia nos rincões mais escu­
ros do planeta.
Estas palavras, escritas no verão de 1999, no auge da euforia pós Guerra 
Fria, pareciam temerárias na melhor das hipóteses. Certamente, elas fizeram este 
autor cair em muita controvérsia. Em um artigo de 2003, John Morss acusava O fim 
dos direitos humanos de ser “adverso a uma abordagem dos direitos humanos demo­
crática e embasada na justiça” e procurava “salvar os direitos humanos dos seus 
amigos”.2 Ao contrário deJurgen Habermas, este autor não era reverenciai nem oti­
mista em relação aos direitos. No outro extremo, Stewart Motha e Thanos Zarta- 
loúdis concluíam uma cuidadosa leitura do livro com uma crítica totalmente
1 Costas Douzinas, The End of Human 'Rights, Oxford: Hart, 2000,380; Costas Douzinas, T h End(s) o f Hu­
man Rights, 2 6 /2 University of Melbourne Law Revieiv 445,2002.
2 John Morss, 'Saving Human Rights from its Friends: A Critique o f the Imaginar)'justice o f Costas Douzi- 
nas’ 27 Melbourne University Paw Revfov 890,2003.
14
C o s t a s D o ü z in a s
oposta. O livro era muito positivo em relação aos direitos. A política radical futura 
iria “além dos direitos humanos” porque sua linguagem destorce tonto a diferença 
quanto a alteridade e não pode conduzir à emancipacão.3 Uma figura de retórica 
padrão seria o criticado alegar que, como é atacado tanto pela Direita quanto pela 
Esquerda, ele deve ter encontrado um ponto de equilíbrio exato. Não posso lan­
çar mão de uma defesa desse tipo. Primeiro, porque não me sinto confortável no 
meio da estrada, lugar onde as pessoas são atropeladas. Mas, ainda mais importan­
te, não posso alegar ser o intermediário prudente, o mediador ou sintetizador, 
pois ambas as críticas estão parcialmente corretas. Os apologistas esperam dos di­
reitos humanos muito mais do que é plausível e negligenciam seus efeitos colate­
rais. Porém, não é possível “livrar-se” dos direitos como críticos generosos têm 
insistido. Citando uma afirmação chave de 0 fim, “os direitos humanos têm ape­
nas paradoxos a oferecer”. O paradoxal, o aporético, o contraditório não são dis­
trações periféricas esperando para serem resolvidas pelo teórico. O paradoxo é o 
princípio organizador dos direitos humanos.
Ao recapitular os acontecimentos atuais, após o 11 de Setembro, em meio 
a consequências das guerras e ocupações desastrosas do Afeganistão e do Iraque, 
ao despertar da guerra contra o terror, a Abu Ghraib e a Baía de Guatanamo, com 
a experiência do hiato obsceno cada vez maior entre o Norte e o Sul e entre o po­
bre e o rico em todos os lugares, o prenuncio do fim dos direitos humanos parece 
um tanto profético.-jAs entusiasmadas discussões sobre as maravilhas da globali­
zação, sobre a futurá^sujeição da soberania a regras morais e legais e sua substitui­
ção por instituições internacionais e leis cosmopolitas abriram caminho para te­
mores sombrios e ações ainda mais sombrias.4 O “estado de exceção”, a suspensão 
das liberdades civis, o uso extensivo da tortura, coisas que, de acordo com o con­
senso liberal, as democracias não podem fazer, estão de volta à agenda. Este é um 
momento para as pessoas boas defenderem os direitos contra os ataques de gover­
nos temíveis e exploradores do medo; na verdade, defenderem direitos contra os li­
berais que foram seduzidos por estímulos de poder e estão preparados para descar­
tar o princípio cardinal do liberalismo político.
Mas será que a recente suspensão de algumas liberdades civis significa o . 
abandono radical da ordem jurídica e política em construção após 1989? Será que
3 Stewart MothaeThanos Zartaloudis, 'Law, Ethics and die Utopian End of Human Rights’, 12 Social Legal 
Studies, 243-268,2003.
4 Joanna Bourke, Fear: A CulturalHistoy, Londres: Virago, 2005.
______________ 15______________
P r e f á c i o À t r a d u ç ã o b r a s i l e i r a
o Bush fils foi um rompimento tão radical com o Bush père? As políticas hegemô­
nicas, as estratégias e os planos dos últimos anos foram introduzidos bem antes 
dos ataques de 2001. O Afeganistão e o Iraque foram invadidos sob violação do. 
Direito Internacional, mas a ilegalidade da guerra do Kosovo foimuito maior. 
Quando sua justificação, a partir de argumentos de defesa preventiva, tomou-se 
absurda, as invasões se transformaram em instâncias de mudança de regime, “ape­
nas guerras” para libertar os afegãos e os iraquianos de líderes militares e ditado­
res. Essas invasões representam uma continuação mais tenebrosa do “espírito de 
Kosovo”, no qual o Ocidente demonstrou uma nova disposição de disseminar os 
direitos humanos, a liberdade e a democracia'pelo mundo afora. O fim dos direitos 
humanos anteviu que os excêntricos alardes sobre o alvorecer de uma nova era hu­
manitária seriam acompanhados de sofrimento não computado.5 As “vitórias em 
nome da liberdade e da democracia” no Afeganistão e no Iraque confirmaram 
isso. Essas vitórias foram afogadas em um. naufrágio dos direitos humanos para as 
pessoas locais.
Portanto, é importante continuar as lutas poKticas e intelectuais contra a 
perversão do espírito de resistência e utopia identificado em O fim dos direitos hu­
manos. Intelectualmente, -um imenso paradoxo caracteriza a filosofia dos direitos 
humanos. Embora os direitos representem uma das mais nobres instituições libe­
rais, a política liberal e a filosofia do direito parecem incapazes de compreender a 
sua ação. Parte do problema deriva de um senso histórico e de uma consciência 
política dos liberais deploravelmente inadequados. O mundo em que habitam é 
um lugar atomocêntrico, constituído por contratos sociais e posturas originais 
motivados pela cegueira subjetiva dos véus da ignorância, atribuídos a situações 
de discurso ideais e que retornam a uma certeza pré-modema de respostas corre­
tas únicas a conflitos morais e jurídicos. Igualmente, o modelo de pessoa que po­
voa este mundo é o de um indivíduo autocentrado, racional e reflexivo, um sujeito 
autônomo kantiano, desvinculado de raça, classe ou gênero, sem experiências in­
conscientes ou traumáticas e que se encontra no perfeito domínio de si mesmo, 
pronto a usar os direitos humanos para adequar o mundo aos seus próprios fins. 
Os melhores filósofos liberais da direita escrevem como se duzentos anos de filo­
sofia e teoria social não tivessem acontecido, como se eles nunca tivessem ouvido 
falar de Marx e de lutas sociais, de Nietzsche, do poder e da resistência de Fouca-
5 Douzinas, op. cit.. Capítulo 1.
16
C o s t a s D o u z in a s
ult, de Freud, da psicanálise e da dialética do desejo, ou de Levinas, Derrida e da 
ética da alteridade. A precariedade da filosofia política liberal e da jurisprudência é • 
extraordinária e pode não estar totalmente desvinculada da5 nossas catástrofes re­
centes. Este livro é uma tentativa de retornar o entendimento dos direitos huma­
nos ao lugar a que pertence: o coração da teoria crítica e social.
Será que existe uma relação interna entre o discurso e a prática dos direitos 
humanos e as desastrosas guerras recentes conduzidas em seu nome? Será que os 
direitos humanos constituem um instrumento de defesa eficaz contra a dominação 
e a opressão, ou são o brilho ideológico de um império emergente? Os direitos hu­
manos possuem não apenas aspectos institucionais, mas também subjetivos. 
Como entidades institucionais, pertencem a constituições, leis, decisões judiciais, 
organismos internacionais, tratados e convenções. Porém, sua função primeira é 
construir a pessoa individual como um sujeito (jurídico). Direitos são instrumen­
tos e estratégias para definir o significado e os poderes da humanidade. O. humano 
e seus derivados, humanismo e humanitarismo, estão intimamente relacionados à 
ação dos direitos. Nós adquirimos nossa identidade em uma luta sem fim por re­
conhecimento, na qual os direitos são fichas de barganha no nosso desejo de ou­
tros. O direito constitui uma contribuição fundamental ao projeto de tornar-se 
sujeito através do recíproco reconhecimento de si mesmo e da identificação (equi­
vocada) de outros;-'
Politicamente, a retórica dos direitos humanos parece ter triunfado, pois 
ela pode ser adotadã: pela Esquerda ou Direita, pelo Norte ou Sul, Estado ou púl­
pito, ministro ou rebelde. Essa é a característica que os toma a única ideologia na 
praça, a ideologia após o fim das ideologias, a ideologia no fim da história. Mas 
esse fascínio pelos direitos à moda “Igreja Ampla” é também seu ponto fraco. Di­
reitos naturais e humanos foram concebidos como uma defesa contra o domínio 
do poder, a arrogância e a opressão da riqueza. Após sua inauguração institucio 
nal, eles foram sequestrados por governos cientes dos benefícios de uma política 
moralmente confiável. Essa tendência encaminha-se agora para seu estágio final. 
Os direitos humanos são a forma como as pessoas falam sobre o múndo e suas 
aspirações, a expressão do que é universalmente bom na vida. Encontram-se en­
tranhados na nova ordem mundial; suas reivindicações adotadas, absorvidas e 
reflexivamente seguradas contra objeções. Concordância e crítica, aprovação e 
censura são partes do mesmo jogo, ambas contribuindo para a proliferação e o 
colonialismo sem fim dos direitos. Os direitos humanos tomaram-se o credo das . 
classes médias. Nesse sentido, a maior realização do discurso dos. direitos não é o
P r e f á c i o à t r a d u ç ã o b r a s il e ir a
encurtamento da distância entre o Leste e o. Oeste, a Esquerda e a Direita ou o 
rico e o pobre, mas a imposição da ideologia dos ricos aos pobres. Porém, parado­
xalmente, um resíduo de transcendência ainda reste. Toda vez que um pobre, ou 
oprimido, ou torturado emprega a' linguagem do Direito — porque não existe ne­
nhuma outra disponível atualmente - para protestar, resistir, lutar, essa pessoa 
recorre e se conecta a mais honrada metafísica, moralidade e política do mundo 
ocidental. Permitam-me repetir: os direitos humanos têm apenas paradoxos a 
oferecer.
28 de março de 2008
C .D .
P a r t e U m - A g e n e a l o g i a d o s d i r e i t o s h u m a n o s
1 . 0 TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS
Um novo ideal foi alardeado no cenário do mundo globalizado: os direi­
tos humanos. Ele une a Esquerda e a Direita, o púlpito e o Estado, o ministro e o 
rebelde, os países em desenvolvimento e os liberais de Hampstead e Manhattan. 
Os direitos humanos se tomam o princípio de libertação da opressão e da domi­
nação, o grito de guerra dos sem-teto e dos destituídos, o programa político dos re­
volucionários e dos dissidentes. Mas o seu apelo não se restringe aos desventurados 
da terra. Estilos de vida alternativos, vorazes consumidores de bens e cultura, hedo­
nistas zpktyboys do mundo ocidental, o dono da Harrods, o ex-diretor gerente da 
Guiness PLC, assim como o destronado rei da Grécia, todos traduziram suas rei­
vindicações na linguagem dos direitos humanos.1 Os direitos humanos são o fado 
da pós-modernidade, a energia das nossas sociedades, o cumprimento da promes­
sa do Iluminismo de emancipação e autorrealização. Fomos bem-fadados - ou 
condenados- - a travarmos as batalhas crepusculares do milênio da dominação 
ocidental e as escaramuças iniciais do novo período sob as divisas duais de huma­
nidade e direito. Os direitos humanos são alardeados como a mais nobre criação 
de nossa filosofia e jurisprudência e como a melhor prova das aspirações univer­
sais da nossa modernidade, que teve de esperar por nossa cultura global pós-mo- 
derna para ter seu justo e merecido reconhecimento.
Os direitos humanos estavam ligados inicialmente a interesses de classe es­
pecíficos e foram as armas ideológicas e políticas na luta da burguesia emergente 
contra o poder político despótico e a organização social estática. Más suas pressu­
posições ontológicas, os princípios de igualdade e liberdade, e seu corolário político, 
a pretensão de que o poder político deve estar sujeito às exigências da razão e da lei, 
agora passaram a fazer parte da principal ideologia da maioria dos regimes con­
temporâneos e sua parcialidadefoi transcendida. O colapso do comunismo e a eli­
minação do apartheid marcaram o fim dos dois últimos movimentos mundiais a
1 Fayed v. UK (1994) 18 EHR3R. [Essex Human Rights Review] 393; Saunàers v. UK (1997) 23 EH RR 242; The 
Fom er King Constantin of Gnece v. Greãe Appl. 25701/94. Declarado admissível em 21 de abril de 1998.
20
C o s t a s D o u z in a s
desafiar a democracia liberal. Os direitos humanos venceram as batalhas ideológi­
cas da modernidade. Sua aplicação universal e seu total triunfo parecem ser uma 
questão de tempo e de ajuste entre o espírito da época e uns poucos regimes recal­
citrantes. Sua vitória não é outra que não o cumprimento da promessa iluminista 
de emancipação pela razão. Os direitos humanos são a ideologia depois do fim, a 
derrocada das ideologias ou, para usar uma expressão em voga, a ideologia no 
“fim da história”.
E, no entanto, ainda restam dúvidas.2 O registro das violações dos direitos 
humanos desde as suas alardeadas declarações ao final do século XVIII é estarrece­
dor. “E um fato inegável”, escreve Gabriel Mareei, “que a vida humana nunca foi 
tão universalmente tratada como uma commoâity desprezível e perecível quanto du­
rante nossa própria época”.3 Se o século XX é a era dos direitos humanos, seu triun­
fo é, no mínimo, um paradoxo. Nossa época tem testemunhado mais violações de 
seus princípios do^que qualquer uma das épocas anteriores e menos “iluminadas”. 
O século XX é o século do massacre, do genocídio, da faxina étnica, a era do Holo­
causto. Em nenhuma outra época dahistória houve um hiato maior entre os pobres 
e os ricos no mundo ocidental, e entre o Norte e o Sul globalmente. “Nenhum pro­
gresso permite ignorar que nunca, em número absoluto, nunca tantos homens, mu­
lheres e crianças foram subjugados, passaram fome e foram exterminados sobre a 
terra.”4“ Não é de espantar, então, a razão de as pomposas afirmações de preocu­
pação de governos e organizações internacionais serem frequentemente tratadas 
com escárnio e ceticismo pelas pessoas. Mas será que nossa experiência da imensa 
lacuna entre a teoria e a prática dos direitos humanos deve fazer com que duvide­
mos dos seus princípios e questionemos a promessa de emancipação pela razão e 
pelo direito quando parece estarmos próximos de sua vitória final?
2 A despeito de uma imensa quantidade de livros sobre direitos humanos, a jurisprudência dos direitos é do­
minada pelos liberais neokantistas. Há umas poucas exceções notáveis. Huma:: BJgbtsnndtheU.mil; of Critica! 
Rtason, de Rolando Gaete (Aldershot: Dartmouth, 1993), é uma expressão significativa das dúvidas a testxá- . 
to da demagogia dos direitos humanos e dos limites da capacidade emancipadora da razão. A partir de uma 
perspectiva jurídica e histórica, a crítica roais importante aos direitos humanos é o pequeno clássico de Mi­
chel Villey, L e Droit et les droits de l'homme (Paris: P.U.F., 1983). Bernard Bourgeois em Philosophe et droits de 
lhomme. deKaiiïàMatxÇPziis: P.U.F., 1990) oferece a melhor introdução crítica à filosofia clássica dos direi­
tos humanos. Em uma veia mais política, a coletânea recente Htmatt Rights:Fif!j Yesrs On, editada por Tony 
Evans (Manchester: Manchester University Press, 1998), explora algumas das preocupações mais difundi­
das sobre o estado das ieis internacionais de direitos humanos.
3 Gabriel Marcel, Creative FiM ty, 94 (trad. de R. Rosthal), Nova York: Fanar, Strauss, 1964.
4 Jacques Derrida, Spectres fo r M arx (trad. de P. Kamuf), Londres: Routledge, 1994, p. 85. [Em português: 
Espectros de M arx (trad. deAnamaria Skinner), Rio de janeiro: Relomè Dumará, 1994,117].
Sempre que localizada, como na citação acima, é fornecida a tradução já existente em português, acompa­
nhada da respectiva referência (N. de T.).
______________ 21 _________
O TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS
Cabem aqui dois pontos preliminares. O primeiro diz respeito ao conceito 
de crítica. Critica hoje em geral assume a forma de uma “crítica da ideologia”, de um 
ataque externo à procedência, às premissas ou à coerência interna do seu alvo. Mas 
seu objetivo kantiano original era explorar os pressupostos filosóficos, as “condi­
ções de existência” necessárias e suficientes de um discurso ou prática em particular. 
É este o tipo de crítica que este livro busca exercitar primeiramente, antes de passar 
para a crítica da ideologia ou à crítica dos direitos humanos. Qual trajetória histórica 
conecta o Direito Natural clássico aos direitos humanos? Que circunstâncias histó­
ricas levaram à emergência dos direitos naturais e, mais tarde, dos direitos huma­
nos? Quais são as premissas filosóficas do discurso dos direitos? Quais são hoje a 
natureza, a função e a ação dos direitos humanos, de acordo com o liberalismo e 
seus muitos críticos filosóficos? São os direitos humanos uma forma de política? 
São eles a resposta pós-moderna ao esgotamento das majestosas teorias e grandio­
sas utopias 'políticas da modernidade? Nosso objetivo não é negar a procedência 
predominantemente liberal e as muitas realizações da tradição dos direitos. Sejam 
quais forem as restrições dos comunitadstas, das feministas ou dos relativistas 
culturais, os direitos passaram a ser um componente importante da nossa paisa­
gem filosófica, do nosso ambiente político e das nossas aspirações imaginárias, e a 
sua importância não pode ser facilmente descartada. Mas, embora o liberalismo 
político tivesse sido o progenitor dos direitos, sua filosofia teve menos sucesso em 
explicar a natureza deles. A jurisprudência liberal dos direitos tem sido extremamen­
te volumosa, mas pouco tem sido acrescentado aos textos canônicos de Hobbes e 
Kant. A despeito do triunfo político dos direitos, sua jurisprudência tem oscilado de 
modo decepcionante entre ser laudatória e legitimadora e repetitiva e banal.
Veja o problema da natureza humana e do sujeito, uma preocupação cen­
tral deste livro, que também poderia ser descrito como um longo ensaio sobre o su­
jeito (jurídico). A natureza humana assumida pela filosofia liberal é pré-moral. De 
acordo com Immanuel Kant, o Eu transcendental, precondição da ação e fundamen­
to do significado e do valor, é uma criatura de deveres morais absolutos e carece de 
quaisquer atributos mundanos. O pressuposto do sujeito autônomo e autodiscipli- 
nador é compartilhado igualmente pela filosofia moral e pela jurisprudência, mas foi 
transformado, no neokantismo, de uma pressuposição transcendental em um dis­
positivo heurístico (Rawls) ou um pressuposto construtivo que parece oferecer a 
melhor descrição da prática jurídica (Dworkin). Com isso, ficamos com a “noção de 
sujeito humano como um agente soberano da escolha, uma criatura cujos fins são 
escolhidos, e não dados, que alcança seus objetivos e propósitos por meio de atos 
de vontade, em oposição, digamos, a atos de cognição”.5 Esta abordagem atomo-
5 Gaete, op. c it , supra n. 2 ,125.
22
C o s t a s D o u z in a s
cêntrica pode ser um bônus para a política e o direito liberal, mas é cognitivamente 
limitada e moralmente empobrecida. Nossa estratégia é outra. Iremos examinar, a 
partir das perspectivas liberal e não-liberal, ôs principais elementos formadores 
do conceito de direitos humanos: o ser humano, o sujeito, a pessoa jurídica, a li­
berdade e o direito, dentre outros. Burke, Hegel, Marx, Heidegger, Sartre, as 
abordagens psicanalítica, desconstrutivista, semiótica e ética serão empregados, 
primeiro, para aprofundar a nossa compreensão dos direitos e, depois, para cri­
ticar aspectos da sua ação. Nenhuma grande síntese pode surgir a partir de tal comu- 
cópia de reflexões filosóficas, e não há muito em comum entre Hegel e Heidegger ou 
Sartre e Lacan. E mesmo assim, a despeito da ausência de uma teoria final e defini­
tiva dos direitos, emergem vários temas comuns, um dos quais é precisamente a 
impossibilidade de haver uma teoriageral dos direitos humanos. Á esperança é 
que, ao se seguir as críticas filosóficas do liberalismo, a definição original de “críti­
ca” de Kant possa ser revivida e nosso entendimento dos direitos humanos resga­
tado da chatice do senso-comum analítico e de seu esvaziamento da visão política 
e do propósito moral. Este é um livro didático para a mente crítica e o coração fo­
goso.
Os direitos humanos podem ser examinados a partir de duas perspectivas 
relacionadas, mas relativamente distintas: uma subjetiva e outra institucional. Por 
um lado, elas ajudam a constituir o sujeito (jurídico) livre e ao mesmo tempo su­
bordinado à lei. Mas os direitos humanos são também um discurso e uma prática 
poderosos no Direito Nacional e no Internacional. Nossa abordagem é predomi­
nantemente teórica, mas com frequência será complementada por narrativas 
históricas e comentários poKücos e jurídicos sobre o registro contemporâneo 
dos direitos humanos. De fato, críticas baseadas nas violações generalizadas dos 
direitos humanos não são facilmente reconciliáveis com a crítica filosófica. A fi­
losofia explora a essência ou o significado de um tema ou conceito, constrói dis­
tinções indissolúveis e busca bases sólidas6, ao passo que a evidência empírica é 
corrompida pelas impurezas da contingência, das peculiaridades do contexto e 
das idiossincrasias do observador. Por outro lado, o lado empirista, os direitos hu­
manos foram desde o início a experiência política da liberdade, a expressão da luta 
para libertar os indivíduos da repressão externa e permitir sua auto-realização. 
Neste sentido, não dependem de conceitos e fundamentos abstratos. Para a filo­
sofia da Europa continental, a liberdade é, como colocou memoravelmente Marx, 
“um insight sobre a necessidade”; para libertários civis anglo-americanos, a liber-
Para uma discussão mais gerai sobre a relação entre a filosofia da Europa continental e a anglo-americana 
em relação ao conceito de liberdade, veja Jean-Luc Nancy, Tbs Experience of Freedom!, Stanford: Stanford 
University Press, 1993.
23
O TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS
dade é a resistência contra a necessidade. A teoria das liberdades civis percorreu 
de modo entusiasmado um espectro limitado de racionalismo otimista a empiris­
mo irrefletido. Talvez o caráter “pós-histórico” dos direitos humanos deva ser 
buscado no paradoxo do triunfo do seu espírito que tem estado afogado na des­
crença universal a respeito de sua prática.
Mas, em segundo lugar, chegamos ao fim da história?7 Mais de dois sécu­
los atrás, as Críticas de Kant, os primeiros manifestos do Iluminismo, desencadea­
ram a modernidade filosófica a partir da investigação feita pela razão sobre seu 
próprio funcionamento. Daquele ponto em diante, o entendimento que o Oci­
dente tem de si mesmo tem sido dominado pela ideia de progresso histórico por 
meio da razão. Emancipação significa para os modernos o abandono progressivo 
do mito e do preconceito em todas as áreas da vida e a substituição destes pela ra­
zão. Em termos de organização política, libertação significa a sujeição do poder à 
razão da lei. O esquema de Kant era excessivamente metafísico e laboriosamente 
evitava o confronto direto com a realidade “patológica” empírica ou com a política 
atuante. Mas a proclamação de Hegel de que o racional e o real coincidem identifi­
cou a razão com a história mundial e estabeleceu uma forte ligação entre filosofia, 
história e política. O próprio Hegel vacilou entre sua crença inicial de que Napo- 
leão personificava o espírito do mundo a cavalo e sua posterior identificação do 
fim da história no Estado prussiano. E embora o sistema hegeliano permanecesse 
ferozmente metafísico, ele foi usado, mais notadamente por Marx, para estabele­
cer uma ligação (dialética) entre conceitos e determinações e eventos abstratos no 
mundo com o propósito de não apenas interpretar como também de alterá-lo.
O hegelianismo pode facilmente se transformar em uma espécie de jorna­
lismo intelectual: o equivalente filosófico de um panfleto no qual é declarado que 
os requisitos da razão ou foram satisfeitos historicamente (como nos hegelianos 
de direita e mais recentemente nos devaneios de Fukuyama) ou então ainda estão 
ausentes (como nas versões messiânicas do marxismo). Nos dois casos, o conflito 
entre razão e mito, os dois princípios contrários do Iluminismo, chegará a um fim 
quando os direitos humanos, o princípio da razão, se tornarem o .mito realizado 
das sociedades pós-modemas. Os mitos, obviamente, fazem parte de comunida­
des, tradições e histórias particulares; sua ação valida, por meio de repetição e me­
mória, um princípio genealógico de legitimação e a narrativa do pertencer a algo. 
A razão e os direitos humanos, por outro lado, são universais, e supõe-se que 
transcendam diferenças geográficas e históricas. Se o mito obtém seu potencial le-
7 Veja Francis Fukuyama, The E nd of History andtbeLasfMcw, Londres: Penguin, 1992, e os comentários críti­
cos de Derrida em Espectros deM arx, op. at., supra n. 4. O debate alemão é revisto em Lutz Niethamer, Post- 
historre. Has Histoiy Come to an End?, Londres: Verso, 1992.
24
C o s t a s D o u z in a s
gitimador a partir de histórias de origem, a legitimação da razão é encontrada na 
promessa de progresso exposta em filosofias da história. É detectada uma direção 
para frente na história que inexoravelmente leva à emancipação humana. Se o 
mito olha para os inícios, a narrativa da razão e dos direitos humanos olha para os 
teloi e os fins.
Na pós-modernidade, a ideia de história como um processo singular uni­
ficado que se move para o objetivo da libertação humana não é mais verossímil,8 e 
o discurso dos direitos perdeu sua coerência e seu universalismo iniciais.9 O disse­
minado cinismo popular em relação a reivindicações de governos e organizações 
internacionais sobre os direitos humanos foi compartilhado por alguns dos maio­
res filósofos políticos e jurídicos do século XX. O melancólico diagnóstico de 
Nietzsche de que ingressamos no crepúsculo da razão, o desespero de Adorno e 
Horkheímer na Dialectics o f the E.nlightenmnfi0 e a afirmação de Foucault de que o 
“homem” moderno era um mero rabisco nas areias do mar da história, prestes a 
ser levado de roldão, parecem mais realistas do que o triunfalismo de Fukuyama. 
Os sábios da Escola de Frankfurt argumentavam que o conflito entre kgose mjtbos 
não poderia levar à terra prometida da liberdade, porque a razão instrumental, 
uma faceta da razão da modernidade, se transformou em seu mito destrutivo. A 
dialética não representa mais a viagem de regresso ao lar do espírito. A marcha 
inexorável da razão e sua tentativa de pacificar as três formas modernas de confli­
to, conflito interno, com os outros e com a natureza, levaram à manipulação psi­
cológica e &osgula^, ao totalitarismo político e a Auschwitz, e finalmente à bomba 
nuclear e à catástrofe ecológica. Na medida em que uma nova tragédia se desenro­
la diariamente no Oriente e no Ocidente, em Kosovo e no Timor Leste, na Tur­
quia e no Iraque, é como se o luto, mais do que a comemoração, virasse a cara do 
final do milênio.
Infelizmente, a filosofia política abandonou sua vocação clássica de ex­
plorar a teoria e a história da boa sociedade e gradualmente se deteriorou e se 
transformou em ciência política comportamentai e na jurisprudência doutrinária 
dos direitos. Do lado da prática, é possível argumentar que os ministros do interior 
deveriam ser oriundos das classes de ex-prisioneiros ou refugiados, os ministros da 
previdência social deveriam ter alguma experiência como sem-teto e mendigos, e 
que os ministros das finanças deveriam ter sofrido a ignomínia da bancarrota na sua 
infância. A despeito de se privilegiar consistentemente a experiência em detrimen­
8 Gianiu Vattimo, Tbs End of Modernity, Cambridge: Cambridge University Press, 1988,/wx»»;The Transparent 
Society, Cambridge: Polity 1992, Capitulo 1.
9 Costas Douzinas e Ronnie Warrington com Shaun McVeigh, Postmodern Jurisprudence. Tie lan' of text in the ■ 
textsofkiw, Londres: Routiedge, 1991, Capitulos 1 e 5.
10 Londxes: Verso, 1979.
O TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS
to da teoria, não é provável que isto ocorra. O pensamento e a ação oficiais quanto 
aos dkeitos humanos têm sido entregues aos cuidados de colunistas triunfalistas, 
diplomatas entediados e abastados juristas internacionais em Nova York e Gene­
bra, gente cuja experiência com ás violações dos direitos humanos está confinada 
a que lhe seja servido vinho de uma péssima safra. No frigir dos ovos, os direitos 
humanos foram transformados de um discurso de rebeldia e divergência em um 
discurso de legitimidade do Estado.
Nesta época de incertezas e confusão entre triunfo e desastre, devemos 
fazer uma avaliação da tradição dos direitos humanos. Mas será que podemos pôr 
em dúvida o princípio dos direitos humanos e questionar a promessa de emanci­
pação da humanidade por meio da razão e da lei quando parece que ele está próxi­
mo de sua vitória final? Devemos acrescentar imediatamente que a alegação de 
que as relações de poder podem ser plenamente traduzidas para a linguagem da lei 
e dos direitos nunca foi totalmente digna de crédito e agora está mais esfarrapada 
do que nunca. Estamos sempre enredados em relações de força e reagimos às exi­
gências do poder que, como Foucault argumentou convincentemente, são colo­
cadas em prática e estão disfarçadas em formas jurídicas. Conflitos militares e 
confusões financeiras recentes têm mostrado que as relações de força e as lutas 
políticas, de classe e nacionais adquiriram uma importância ainda mais abrangente 
em nosso mundo globalizado. Enquanto isso, a democracia e o Estado de direito 
são cada vez mais usados para garantir que as forças econômicas e tecnológicas 
não estejam sujeitas a qualquer outro fim que não o da sua própria expansão con­
tínua. De fato, uma das razões da impressão de irrealidade, da qual os estudiosos 
do Direito tanto reclamam, transmitida pela jurisprudência normativa, é que ela 
tem total desprezo pelo papel da lei na manutenção das relações de poder e desce 
a minúcias em exegeses e apologias desinteressantes da técnica jurídica.
Na época em que surgiram, seguindo a tradição radical do Direito Natu­
ral, os direitos humanos eram um fundamento transcendente da crítica contra o 
que é opressivo e do senso-comum. Nos anos 1980 também, na Polônia, na Tche- 
coslováquia, na Alemanha Oriental, na Romênia, na Rússia e em outros lugares, a 
expressão “direitos humanos” adquiriu mais uma vez, por um breve momento, o 
tom de dissidência, rebeldia e reforma associado a Thomas Paine, aos revolucio­
nários franceses, ao movimento de reforma e aos antigos movimentos socialistas. 
Logo, no entanto, a redefinição popular dos direitos humanos foi abafada por di­
plomatas, políticos e juristas internacionais que se reuniram em Viena, Pequim e 
em outras festanças dos direitos humanos a fim de reaver o discurso das tuas para 
os tratados, as convenções e os especialistas. A energia liberada pelo colapso do 
comunismo foi outra vez contida pelos novos governos e pelas novas máfias do 
Leste, que têm a mesma aparência dos governos e das máfias do Ocidente. .
26
C o s t a s D o u z in a s
Contra este pano de fundo, é altamente contemporâneo perguntar se o 
estado de direitos humanos é o resultado de traços intrínsecos ou se é um desen­
volvimento contingente que será superado na medida em que os poucos regimes 
canalhas do mundo vierem a aceitar os princípios da vida civilizada. De fato, tais 
perguntas são muitas vezes tratadas com incredulidade, quando não com franca 
hostilidade; para muitos, questionar os direitos humanos é tomar o partido do que 
é inumano, anti-humano e do mal. Mas se os direitos humanos se tornaram o mito 
realizado das sociedades pós-modernas, a sua história exige que reavaliemos suas 
promessas longe da arrogância autossatisfeita dos Estados e dos apologistas liberais 
e tentemos descobrir estratégias políticas e princípios morais que não dependam ex­
clusivamente da universalidade da lei, da arqueologia do mito ou do imperialismo da 
razão.
* * *
A tradição do Direito Natural foi exaurida muito antes do nosso século, 
embora tenha recentemente gozado de certo renascimento. A jurisprudência con­
temporânea examina o Direito Natural como parte da história das ideias, como 
um movimento intelectual e doutrina política que chegou a um merecido fim com 
a crítica do Iluminismo ao mito, à religião e ao preconceito. livros didáticos pa­
drões começam o exame do Direito Natural a. partir das “leis não escritas” de 
Antígona e passam para os estoicos, para quem o Direito Natural corporificava os 
“princípios elementares da justiça que são evidentes, acreditavam eles, apenas aos 
‘olhos da razão”\n Cícero entra brevemente em cena: “há uma lei verdadeira, a 
reta razão, conforme a natureza; ela é imutável e eterna”. Ele é acompanhado, em 
pequenas pontas, por Tomás de Aquino, Grócio e Blackstone, cuja afirmação de 
que “a lei natural é obrigatória em todo o mundo; nenhuma lei humana tem qual­
quer validade se for contrária a ela” é explicada com certo embaraço.12 Para todos 
estes autores, o que é certo e o que é natural estão unidos de alguma forma obscu­
ra, embora a definição de natureza e a identidade de seu autor difiram largamente, 
indo desde o cosmo intencional até Deus, à razão, à natureza humana e ao interes­
se pessoal de cada um. A transformação do Direito Natural em direitos naturais 
no século XVII é aclamada como a primeira vitória da razão moderna sobre as 
bruxas medievais, e Locke e Bentham, os ingleses que contribuíram para o debate,
11 Maurice Cranston, What are Human Rights>, Londres: Bodley Head, 1973,10-11. H. McCoubrey, The Deve­
lopment of Naturalist Legal Theory, Londres: Croom Helm, 1987, e urn bom exemplo deste estilo superficial de 
jurisptudencia.
12 Cranston, ibid., II. -
27
O TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS
são reconhecidos como os primeiros precursores dos direitos humanos. Locke é 
o revitalizador moderno da tradição moribunda, ao passo que Bentham é o des- • 
masca rador definitivo de qualquer “estupidez ao quadrado” remanescente. A his­
tória condensada do Direito Natural termina com a introdução da Declaração 
Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que transformou o “contrassenso” 
naturalista em direitos positivos contundentes. Pela primeira vez na história, essas 
ficções não escritas, inalteráveis, eternas, dadas por Deus ou racionais podem dei­
xar de ser desconcertantes. Elas foram plenamente reconhecidas e legalizadas e 
desfrutam da dignidade da lei, embora de um tipo um tanto brando. Deus pode 
ter morrido, de acordo com Nietszche, mas pelo menos temos o Direito Interna­
cional. Mais recentemente, uma nova jurisprudência dos direitos, cujo propósito 
explícito é mitigar a pobreza moral do positivismo jurídico, reconheceu discreta­
mente o Direito Natural como parte de sua genealogia.13
Como toda história simplificada, esta apresentação padronizada do Direi­
to Natural contém alguns elementos de verdade, mas também sofre de várias im­
perfeições filosóficas e históricas devastadoras. Sua perspectiva como um todo é a 
do progressivismo evolutivo: o presente é sempre e necessariamente superior ao 
passado, a história é a marcha para frente da razão triunfante, que apaga os erros e 
combate os preconceitos de posturas intelectuais e movimentos políticos. A his­
tória do Direito Natural é um exemplo típico da historiografia de ala Whig* na 
qual toda ideia ou época se move inexoravelmente em direção ao presente. Nesta 
versão, o reconhecimento internacional dos direitos humanos assinala o fim de 
um passado ignorante, embora mantenha e realize, simultaneamente,seu poten­
cial para a liberdade e a igualdade individuais. Há uma dificuldade empírica óbvia 
nesta abordagem: mais violações dós direitos humanos têm sido cometidas neste 
século obcecado por direitos do que em qualquer outro período da história. Mas é 
a questão filosófica do historicismo que nos interessa aqui.
A problemática do historicismo pode ser expressa com simplicidade: se 
todo movimento histórico'é implacavelmente progressivo e todo pensamento 
inescapavelmente histórico, no sentido de que só pode surgir ou adquirir validade . 
caso seja amplamente aceito em um período histórico em particular, não existem 
ideais ou padrões fora do processo histórico, e nenhum princípio pode julgar a 
história e seus terrores. De acordo com o filósofo político Leo Strauss, o histori­
cismo defende que “todo pensamento humano é histórico e, portanto, incapaz de
13 Anchony Lisska, Aquina's Theary ofNaturalLaiu, Oxford: Clarendon, 1996; os Capítulos 1 ,2 e 3 fazem uma 
abrangente revisão da recente volta do naturalismo à filosofia jurídica e política.
* Nome dado a um membro de um partido político britânico nos séculos XVHI e X IX , que era a fa­
vor de mudanças políticas e sodais, reunindo tendências liberais, em oposição à Unha conservadora do Toty 
Party (N. de T-).
C o s t a s D o u z in a s
apreender qualquer coisa eterna”.14 Strauss argumentou convincentemente que a 
filosofia política desde Maquiavel tem sofrido de um historicismo extremo, no 
qual o ideal tem sido identificado, constante e perigosamente, com o real e perdeu 
sua propriedade crítica. O historicismo é exemplificado pela afirmação hegeliana 
de que o real e o racional coincidem e, na jurisprudência, pelo surgimento do posi­
tivismo.15
Para a tradição jurídica clássica, a natureza era um padrão quase objetivo 
contra o quaí as leis e as convenções podiam ser criticadas. Mas a positivação cog­
nitiva e normadva da modernidade expeliu a transcendência ou a exterioridade 
histórica. A exigência incessante de que toda tradição, ordem ou regra esteja de 
acordo com a liberdade human2 levou à total desmistificação não apenas dos as­
pectos míticos e rejigiosos do mundo, como também de todas as tentativas de jul- . 
gar a história de uma posição não-imanente. No Direito, esta tendência fica ciara 
em várias ocorrências que abalaram e acabaram por desttuir o cosmo jurídico 
pré-modemo: o abandono de conceitos substantivos de justiça e a sua substituição 
por conceitos processuais e formais; a identificação da lei com regras postuladas 
pelo Estado e a destruição da tradição mais antiga de acordo com a qual o direito 
(dikaion ou jus) é o que leva a um justo resultado nas relações entre cidadãos; a 
substituição da ideia de um direito de acordo com a natureza por direitos naturais 
e humanos que, como atributos do sujeito, são individuais e subjetivos e dificil­
mente podem estabelecer uma comunidade forte. Uma sociedade baseada em di­
reitos não reconhece deveres; reconhece apenas responsabilidades oriundas da 
natureza recíproca dos direitos sob a forma de limites aos direitos para a proteção 
dos direitos dos outros.
Se o valor do pensamento humano é relativo ao seu contexto e tudo está fa­
dado a passar com o progresso histórico, os direitos humanos também estão infec­
tados pela transitoriedade e não podem ser protegidos contra mudanças. Apenas 
aqueles direitos adotados pela legislação (internacional ou nacional) foram introdu­
zidos na história da instituição política e podem ser usados, enquanto durarem, para 
defender os indivíduos. O legalismo dos direitos anda de mãos dadas com o vo- 
Iuntarismo do positivismo e se toma uma proteção muito restrita contra o onívo- 
ro poder legislativo e administrativo do Estado. Alegações sobre a existência de 
direitos não-legalizados são exemplos de “estupidez ao quadrado” e ficções como 
a “crença em bruxas e unicórnios”.16 Consequentemente, “longe de o que é histó­
rico ter que ser julgado pelos critérios dos direitos e da lei, a própria história, como
14 Leo Strauss, Natural Lan> and History, Chicago: University o f Chicago Press, 1965, Capítulos 1 ,2 e 12.
15 Ibid., 319.
16 jeremy ’&taxhzm,Ajiiirchica/Fa[lacies, em J. Waldron (ed.), Nortsmseupon Stits, Londresi'Methuen, 1987,53.
______________ 29
O TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS
sabemos, passa a ser o ‘tribunal do mundo’, e o próprio direito deve ser pensado 
como baseado em sua inserção na historicidade”.17 O sintoma da doença é ho- 
meopaticamente declarado ser também sua cura, mas, como muitas terapias me­
nos respeitáveis, leva a um mal ainda maior.
Quando a natureza não é mais o padrão do que é correto, todos os desejos 
dos indivíduos podem set transformados em direitos. De uma perspectiva subje­
tiva, os direitos na pós-modernidade se tornaram afirmações ou extensões do Eu, 
uma coletânea elaborada de máscaras que o sujeito coloca sobre a face sob o im­
perativo de ser autêntico, “ser ele mesmo”, seguir sua versão preferida de identi­
dade. Os direitos são o reconhecimento legal da vontade do indivíduo. As pessoas 
adquirem sua natureza concreta, sua humanidade e subjetividade tendo direitos. 
Do ponto de vista jurídico, a concordância generalizada de que um desejo ou um 
interesse é constitutivo da “humanidade” basta para a criação de um novo direito. 
Desta forma, é e deveria entram em colapso, os direitos são reduzidos aos fatos e 
acordos expressos na legislação ou, em uma veia mais crítica, às prioridades disci- 
plinadoras do poder e da dominação.58 Como coloca asperamente Sttauss, ao--- 
criticar a substituição do Direito Natural transcendente pela vontade geral so­
cialmente imanente, “se o critério último da justiça passa a ser a vontade geral,
i.e., a vontade de uma sociedade livre, o canibalismo é tão justo quanto o seu 
oposto. Toda instituição consagrada por um pensamento popular tem que ser 
vista como sagrada”.19
O humanismo jurídico, ao unir direito e fato no terreno da natureza hu­
mana, sem dúvida contribuiu para o surgimento do positivismo e do historicismo 
jurídico. O historicismo é o companheiro indispensável do individualismo, e o 
fascínio com a história o resultado paradoxal da nossa obsessão pelo presente. 
Estamos interessados na história porque queremos entender e controlar nossa 
época, e porque acreditamos que a história pode tornar a humanidade transparen­
te à sua introspecção. A história é um antídoto—inadequado — pata aquelas filoso­
fias da suspeita que declararam a finitude e a opacidade humanas. Hoje é impossível 
não ser historicista, não acreditar que tudo acontece e é validado na história; é quase 
impossível não acreditar que o direito é coevo dos direitos legais. Estas objeções 
levaram à recente proliferação de teorias que tentam resgatar a esfera dos direitos 
do relativismo do historicismo apresentando-os como a estrutura imanente das 
sociedades ocidentais, as exigências inescapáveis da razão moral ou ambos.20 No
17 T nrPpnyp A la in Rpnaiilf Fmm ihnRbhir nfMr.n fn iheRepubUeanldes ítrad de F . PhilipV Chicago: University 
o f Chicago Press, 1992,31.
18 Veja Viiley, op. ck., supra n. 2 , Capítulos 1 e 2 passim.
19 Leo Strauss, What is Political Philosophy, Chicago: University of Chicago Press, 1959, 51.
20 Veja o Capítulo 9 mais adiante.
30
C o s t a s D o u z in a s
entanto, uma teoria dos direitos humanos que deposita toda a confiança em go­
vernos, instituições internacionais, juizes e outros centros de poder público ou 
privado, até mesmo os valores rudimentares de uma sociedade, frustra sua raison 
d ’être, que era precisamente defender as pessoas dessas instituições e poderes. Mas 
será uma teoria sólida dos direitos possível em nosso mundo altamente histori- 
cizado? A alegação de que os direitos humanos são universais, transculturais e 
absolutos é contraíntuitiva e vulnerável a acusações de imperialismo cultural; 
por outrolado, a afirmação de que são criações da cultura europeia, embora his­
toricamente precisa, priva-os de qualquer valor transcendente. D a perspectiva 
da modernidade tardia, não se pode ser nem um universalista nem um relativista 
cultural.
E aqui chegamos ao maior problema político e ético da nossa era: se a críti­
ca da razão destruiu a crença na marcha inexorável do progresso, se a crítica da ideo­
logia varreu para lóhge a maioria dos vestígios da credulidade metafísica, será que a 
necessária sobrevivência da transcendência depende da inconvincente absolutiza- 
ção do conceito liberal dos direitos por meio de sua imunização contra a história? 
Ou estaremos condenados ao eterno cinismo em face dos universais imperiais e 
dos particulares letais? Sloterdijk argumentou que a ideologia dominante da 
pós-modernidade é o cinismo, uma “falsa consciência esclarecida. É a consciência mo­
dernizada, infeliz, na qual trabalhou o Iluminismo tanto com sucesso quanto em 
vão... Próspera e indigente ao mesmo tempo, essa consciência não se sente mais 
afetada por qualquer crítica da ideologia; sua falsidade já está reflexivamente 
amortecida”.21 O hiato entre o triunfo da ideologia dos direitos humanos e o desas­
tre da sua aplicação é a melhor expressão do cinismo pós-moderno, a combinação 
de iluminismo com resignação e apatia e, com uma forte sensação de impasse políti­
co e claustrofobia existencial, de uma falta de saída no seio da mais maleável socie­
dade. A única recomendação feita por um crítico dos direitos humanos é a de que 
tomemos uma distância irônica daqueles que nos pedem para levar a sério os di­
reitos e para aceitar a “contingência, a incerteza e a dolorosa responsabilidade” 
por formas de “vida civil e civilização que irão acabar perecendo”.22 A ironia, ob­
viamente, é uma das armas mais poderosas do cinismo e do niilismo interesseiro 
do poder e dos detentores do poder, e dificilmente pode ser usada por si só como 
programa político de resistência ao cinismo. Mas será que pode haver uma ética 
que respeite o pluralismo de valores e comunidades? Será que podemos descobrir 
na história uma concepção não absoluta do bem que possa ser usada como um 
princípio quase transcendente de crítica? A última parte deste livro começa essa
21 Peter Sloterdijk, Critique of Cynical Reason (trad, de M. Eldred), Londres: Verso 1988,5.
22 Gaete, op. cit., supra, n. 2 ,172.
31______________
O TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS
tarefa, das mais difíceis e prementes, de buscar na história um ponto de vista críti­
co em relação ao historicismo.
O significado da história e da determinação histórica estrutura uma se­
gunda pergunta subsidiária. Qual é a ligação, caso exista, entre a tradição clássica 
do Direito Natural e a moderna tradição dos direitos naturais e humanos?23 A De­
claração de Direitos francesa deu início a uma tendência ao proclamar que estes 
direitos são “naturais, inalienáveis e sagrados”. Ela foi seguida pela Declaração de 
Independência dos Estados Unidos, de acordo com a qual “all men are created equal, 
[and] are endowed by their Creator with unalienable 'Right?’? uma afirmação repetida ver­
batim pelo Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Estas afirma­
ções um tanto extremas apresentam os direitos naturais e humanos como uma 
continuação direta da tradição jurídica clássica. Elas têm recebido amplo apoio 
dos filósofos liberais. John Finnis alega que os direitos são extrapolações dos 
“princípios sempre inerentes à tradição da Lei Natural”.24 Alan Gewirth acredita 
que todos os seres humanos, em virtude de sua humanidade, reconhecem em si 
mesmos e nos outros os direitos àliberdade e ao bem-estar. Elé prossegue e argu­
menta que os direitos existem mesmo que não recebam “claro ou explícito reco­
nhecimento ou elucidação”.25 Jack Donnelly argumenta que embora os direitos 
humanos tenham sido concebidos nos séculos XVII e XVIII, eles gozam de um ca­
ráter universal que os tomam aplicáveis a todas as sociedades.26 Para Michael Perry, 
finalmente, a ideia de direitos humanos é “inescapavelmente religiosa” e está indis­
soluvelmente ligada às versões católica e escolástica do Direito Natural.27
23 V. Black, “On connecting natural rights with natural kw”, Personaj Derecbo, 1990,183-209. Fred Miller re­
centemente argumentou que a teoria da justiça de Aristóteles tem uma doutrina implícita de direitos natura- . 
is, em F. Miller, Naiure, Justice, andRight in Aristotk‘s Politia, Oxford University Press, 1995. Brian Tierney 
também argumentou que uma teoria dos direitos naturais poderia ser, mas não foi, formulada na linguagem 
aristotélica. Tierney argumenta que teorias dos direitos naturais foram desenvolvidas primeiro no início da 
Idade Média, bem antes da opinião geralmente aceita de que elas provêm do século XVII. Brian Tierney, 
Theldta ofNatural Rights, Adanta, Geórgia: Scholat Press, 1997, Capítulos 1 e 11. Veja os Capítulos 2 ,3 e 4 
mais adiante.
' A versão oficial em português do Artigo 1 é: ‘Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direi­
tos mas o fraseado original oriundo da Declaração de Independência americana é, segundo a tradução 
oficiai: 'T odos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis 
(...)” . (N. deT.)
2 4 John Finnis, NaturalljnvandNaliiralRigbts, Oxford: Clarendon, Í980,passim. [Em português: Lei Natural e 
Direitos Naturais (trad. de Leila Mendes), Porto Alegre: Ed. Unisinos, 2007,]
25 Alan Gewirth, Rtason andMorality, Uníversity of Chicago Press, 1978,99; e HumanPãghts, Uníversity of Chi­
cago Press, 1982, Introdução e Capítulo 1.
26 JackDonnely, UniversalHuman Rights in Tbeory andPractíce ^Ithaca: Comell University Press, 1989, 88-106; 
Louis Henkin, The Age of Rights, Nova York: Columbia University Press, 1990, Introdução e Capítulo 1.
27 Michael Perry, The Sdea of Human Rights, Nova York: Oxford University Press, 1998, Capítulo 1.
32
C o s t a s D o u z in a s
Leo Strauss, Michel Villey e Alasdair Maclntyre negam que exista uma li­
gação. Paca os neoàristotélicos, os filósofos políticos do século XVII criaram um 
discurso moraí e político radicalmente novo, com base nos direitos individuais, 
que destruiu a tradição clássica do Direito Natural. Os direitos naturais são uma 
criação da modernidade, e suas origens são sucessivamente colocadas no início da 
Idade Média (Tierney), no século XTV (Vílle) ou no XVII (MacPherson, 
Maclntyre, Shapiro e quase todo o resto).28 De mais a mais, o filósofo reconheci­
do como tendo dado o passo crucial para a transformação do Direito Natural em 
direitos naturais oscila de Guilherme de Ockham a Grócio, Hobbes ou Locke. 
Por trás dessa periodização e desse reconhecimento reside uma famosa disputa 
entre os “antigos e os modernos”. Strauss, Villey e Maclntyre acreditam que a pas­
sagem dos antigos para os modernos foi catastrófica. Para Maclntyre, “direitos 
naturais ou humanos são ficções”, invenções do individualismo moderno e de­
vem ser descartados.29 Kenneth Minogue, Maurice Cranston e John Finnis, por 
outro lado, veem esta mudança radical como um estágio necessário no processo 
de emancipação humana.
Por todo este livro será argumentado que talvez tanto o rèlativismo do 
historicismo quanto o universalismo a-histórico dos teóricos liberais, para quem 
todas as sociedades e culturas têm sido ou devem ser submetidas à disciplina dos 
direitos, estão errados. O historicismo não aceita que a história possa ser julgada; 
para os fanáticos por direitos, a história termina na aceitação universal dos direitos 
humanos que transforma conflito político em litígio técnico. Para o primeiro, a es­
perança de transcendência do presente foi banida; já para o segundo grupo, a 
transcendência ainda sobrevive nos postos avançados do império sob a forma de 
aspiração a chegar a ser uma sociedade de consumo individualista dotipo ociden­
tal. Para defender a ideia de transcendência sem abandonar a disciplina da história, 
precisamos reexaminar a origem e a trajetória do Direito Natural.
Desta perspectiva, os próximos quatro capítulos apresentam uma genealo­
gia dos direitos humanos sob a forma de uma história alternativa do Direito Natu­
ral, para o qual a promessa de dignidade humana e justiça social não foi cumprida e 
nem pode ser jamais totalmente cumprida. Nossos principais guias serão o filósofo 
político conservador Leo Strauss, o filósofo e historiador jurídico católico Michel 
Villey e o filósofo marxista Emst Bloch. O Direito Natural representa uma cons­
tante na história das ideias, ou seja, a luta pela dignidade humana em liberdade 
contra as infâmias, degradações e humilhações infligidas às pessoas por poderes 
instituídos, instituições e leis. Os filósofos políticos Luc Ferry e Alain Renault
28 Veja os Capítulos 3 e 4 mais adiante.
29 Alasdair Maclntyre, A fk r Vin»eí Londres: Dudrworth, 1980,70.
______________33___________ _
O TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS
acusaram Strauss e Viíiey de antimodernismo extremo e alegaram que sua obra se 
resume a um chamado a que se retorne a um universo aristotéBco pré-moderno.30 
A ideia de uma volta aos antigos é sem sentido e não pode ser imputada, acredito, 
aos nossos autores. De qualquer forma, a premissa por trás da nossa breve história 
não é nem a superioridade do passado nem o presente inevitavelmente progressista, 
mas a promessa do futuro. O jovem Marx escreveu que a tarefa da filosofia era al­
cançar “uma natureza humanizada e uma humanidade naturalizada”. Este é tam­
bém o potencial não realizado do Direito Natural e dos direitos humanos que, 
para usar a expressão evocativa de Em st Bloch, expressa “a natureza progressista 
do ser humano ainda não determinada”.31 A nova narrativa da história do Direito 
Natural tenta seguir o impulso de Bloch e revelar a preocupação muitas vezes 
oculta da tradição com a pessoa incompleta do futuro para quem a justiça é im­
portante. O direito natural foi redigido a partir da legislação moderna em virtude 
de seu potencial crítico. Sua tradição une críticos e dissidentes mais do que qual­
quer outra filosofia ou programa político. O Direito Natural é importante demais 
para ser deixado aos teólogos e historiadores das ideias, e a narrativa na primeira 
parte visa resgatar da tradição aqueles elementos, frequentemente omitidos nas 
histórias “oficiais”, que unem Direito Natural e lutas contemporâneas por direitos 
humanos. Os riscos substantivos e metodológicos são altos: haverá um lugar para 
a transcendência em um mundo desiludido? Que tipo de direitos e, por extensão, 
de vínculo social pode uma atitude crítica adotar após o esgotamento das grandes 
narrativas modernas de libertação?
O triunfo dos direitos humanos foi declarado após o colapso do comu­
nismo. Paradoxalmente, no entanto, isto coincidiu com a “morte do homem”, 
como o centro soberano do mundo anunciou nos anos 1970 e no início dos anos 
1980, por meio da teoria e da filosofia sociais. Naquele período, o pensamento al­
tamente influente de Marx, Nietzsche e Freud e seus seguidores, os grandes filó­
sofos da “suspeita” de acordo com Paul Ricoeur, contestaram com sucesso os 
pressupostos do humanismo liberal, “a filosofia da realização progressiva do ‘ho­
mem total’ por toda a história”.32 O humanismo explora o que é direito de acordo 
com a natureza humana, em sua dignidade natural ou objetividade científica, e
30 Ferrye Renault,op. cit,supran. 17, Capitulo 1.
31 Em st Bloch, Natural Law and Human Dignity (trad, de Dennis J . Schmidt), Cambridge: Massachusetts, MIT 
Press, 1988, xviii.
32 Lucien Seve, Mem in M arxist Theory, Susses: Harvester Press, 1978, 65.
34
C o s t a s D o u z in a s
transforma o “homem” no fim da evolução histórica, no padrão de reta razão e no 
princípio das instituições políticas e sociais. De acordo com o humanismo, a hu­
manidade tem duas características únicas: ela pode determinar seu próprio destino 
e, em segundo lugar, é totalmente consciente de si mesma, transparente a si mes­
ma por meio da auto-observação e da reflexão. Ambas as premissas foram dura­
mente questionadas por grandes críticos da modernidade. Marx desmascarou a 
crença, sempre um pouco suspeita aos ouvidos europeus, de que, independente­
mente do pano de fondo social e econômico, as’ pessoas podem conquistar riquezas 
e o controle sobre o seu destino por meio das operações do mercado. Nietzsche e 
seus discípulos, Heidegger e Foucault, destruíram a afirmação de que os valores 
do iluminismo de método rigoroso, autossuficiência burguesa e piedade cristã 
poderiam levar a um progresso incessante, harmonizar a humanidade e seu meio 
ambiente e tornar o conhecimento um bem humano universal. Finalmente, a 
psicanálise de Freud e de seus epígonos fatalmente minou a crença de que temos 
o domínio e o controle sobre nós mesmos. No mínimo, o “Eu é dividido” e defi­
ciente, a criação de forças e influências está além do nossò controle e até mesmo 
da nossa compreensão. Do ambiente social e econômico, passando pelas estrutu­
ras da linguagem e da comunicação até o inconsciente, nosso século redescobriu o 
destino sob a forma da finitude e da opacidade: o destino foi reinterpretado como 
determinação social ou necessidade individual, e a liberdade individual foi coloca­
da em um estado de sítio permanente, ameaçada não tanto pelos ditadores de 
Esquerda ou Direita, mas por elementos e forças que ou desempenham um papel 
constitutivo na criação dos indivíduos ou espreitam nos recessos do Eu, fazen­
do-se conhecer na dormência da razão, em sonhos, chistes e lapsos de linguagem. 
“Opaco para si mesmo, e encontrando-se arremessado em um mundo baseado 
em outros princípios, o sujeito - pensado pela filosofia moderna antiga como sen­
do o fundamento tanto de si mesmo quanto da realidade — foi estilhaçado. Com 
ele foram destruídos os valores do humanismo: autofúndação, consciência, maes­
tria, livre-arbítrio, autonomia.”33
Mas o anúncio da “morte do homem” se fez acompanhar da mais arrasta­
da campanha para clamar novamente o indivíduo como o centro triunfante de 
nosso mundo pós-moderno e para proclamar a liberdadé, sob a forma de autono­
mia e autodeterminação, como o ideal organizador dos nossos sistemas jurídico e 
político. Já vimos isto no retomo interminavelmente proclamado do (ao) sujeito, 
na importância da identidade e da política relacionada com a identidade, no retor­
no da moralidade à política e do humanismo ao Direito. Na jurisprudência liberal,
33 Alain Renault, The Era o f the Individual: A Contribution to aHistory of Subjectivity (träd. deM. B. DeBeviose e F. 
Philip) Princeton, Nova jersey: Princeton University Press, 1997, xxvii.
35______________
O TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS
o retorno ao sujeito é evidente, na Direita, no recente domínio das teorias dos di­
reitos e, na Esquerda, no moraiismo do politicamente correto. Embora a filosofia 
e a teoria social insistam na construção social do Eu e no papel da estrutura, do 
sistema e da linguagem na organização do mundo, o desejo de voltar a uma condi­
ção pristina de personalidade e de restabelecer sua liberdade e propriedade, des- 
construída e desmistificada pelas filosofias da suspeita, retornou radicalmente ao 
Direito. Mas pode o sujeito soberano dos direitos conciliar-se com a desconstru- 
ção da subjetividade?
Esta não é uma pergunta vã. Os direitos foram o primeiro reconhecimento 
público da soberania do sujeito e influenciaram fortemente a modema “metafísica 
da subjetividade”.34 Os filósofos “anti-humanistas” não discutiram os direitos hu­
manos a fundo, com algumas poucas exceções.35 Por outro lado, de Adomo a 
Arendt, e de Lyotard a Levinas, todos teceram comentários sobre o modo como o 
humanismo pode ser transformado no inumano, seu' sonho de uma sociedadera­
cionalmente emancipada transformado no pesadelo da administração totalitária 
ou da tecnocracia burocrática. Foucault, Lyotard e Derrida envolveram-se repe­
tidamente em campanhas de direitos humanos e políticos. E como se o anti-hu- 
manísmo filosófico e a defesa do que é humano fossem aliados naturais. Mas 
esta ligação da crítica mais severa do humanismo com as lutas intelectuais e políti­
cas por dignidade e igualdade-enfurecia os liberais. Alain Renaut, um filósofo polí­
tico liberal francês que, com Luc Ferry, encabeçou vários ataques políticos 
mal-educados a filósofos pós-estruturalistas, admitiu despreocupadamente, a res­
peito das acusações que fez, que “embora tenhamos frequentemente insistido no 
exame rigoroso do problema da subjetividade com referência aos direitos huma­
nos, não tencionávamos julgar todas as filosofias possíveis por meio.de um ‘teste 
de tornassor que medisse sua compatibilidade com a Declaração dos Direitos do 
Homem de 1789 — fazendo-nos passar, por assim dizer, por magistrados intelec­
tuais concedendo certificados de responsabilidade cívica”.30
34 Veja os Capítulos 7 e 8 mais adiante.
35 Michel Foucault é o mais óbvio. Ele criticava igualmente a filosoSa da subjetividade e a apresentação jurídi­
ca e contratual do poder. Foucault argumentava que a teoria do direito mascarava as práticas disciplinado- 
ras e a dominação, e esperava mostrar "com o o direito é, de um modo geral, o instrumento desta domina­
ção - o que nem precisa ser dito —, mas também mostrar até que ponto e de que formas odireito... transmi­
te e coloca em jogo não relações de soberania mas de dominação. Meu projeto geral tem sido, em essência, 
inverter o modo de análise seguido por todo o discurso do direito:., para invertê-lo, para mostrar... como as 
relações de força foram naturalizadas em nome do direito”. Michei Foucault, “Two Lectures: Lecture Two: 
MJanuary 1976”, em C. Gordon (ed.) Power/Knmledge (trad. de K. Soper), Nova York: Pantheon, 1980, 
95-6. Por outro lado, Foucault, m as do que muitos outros filósofos, esteve envolvido de perto e continua­
mente com diversas lutas por direitos.
36 Renaut, op. cit.J supra n. 33, xxvüL
C o s t a s D o u z in a s
E, no entanto, essas ligações paradoxais e alianças superficialmente anüna- 
turais talvez pudessem ser explicadas. Esta é uma das principais tarefas deste livro. 
“Direitos humanos” é um termo composto. Eles se referem ao que é humano, à hu­
manidade ou à natureza humana e estão indissoluvelmente ligados ao movimento 
do humanismo e sua forma jurídica. Mas a referência a “direitos” indica sua cone­
xão com a disciplina do Direito, com suas tradições arcaicas e procedimentos 
antiquados. As instituições jurídicas ocasionalmente andam lado a lado com as 
aspirações da filosofia política ou os planos da ciência política, mas na maioria 
das vezes divergem. Os “direitos do homem” adentraram o cenário do mundo 
quando as duas tradições se uniram por um breve instante simbólico no início da 
modernidade, representado pelos textos de Hobbes, Locke e Rousseau, pela De­
claração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa e pelas Declaração da 
Independência e Declaração de Direitos norte-americanas. A convergência da fi­
losofia política e da feitura da constituição estabeleceu a modernidade política e 
jurídica, mas teve vida curta. A Filosofia, o Direito e a Ciência logo divergiram e se 
moveram em diferentes direções para se recombinarem novamente, depois da 
Segunda Grande Guerra, na nova configuração dos direitos humanos.
Os sistemas jurídicos são obcecados pela história de suas origens, o mo­
mento fundador que concede a eles validade e consistência. Peter Goodrich dis­
tinguiu entre origens “ideacionais” e institucionais do Direito. Origens ideacionais 
referem-se às reivindicações que um sistema jurídico faz para “uma justificação 
externa e absoluta em prol da regulamentação jurídica”.37 Origens institucionais, 
por outro lado, são instituições empiricamente verificáveis, tais como as conven­
ções, o estatuto, a constituição e o precedente. A introdução da natureza humana 
e de seus direitos no discurso jurídico do século XVIII assinalou uma nova origem 
ideacional. A instituição jurídica com sua história, tradição e lógica teve que aco­
modar as reivindicações extravagantes dessa ideia revolucionária. Uma importan­
te consequência desta nova combinação de filosofia, história e prática jurídica foi 
que o conceito de natureza humana é puxado para duas posições contraditórias. 
Pede-se que forme o princípio do Direito e da política; em outras palavras, que se 
torne a nova origem ideacional do Direito, que venha antes e constitua o Direito.- 
Mas os direitos das pessoas empíricas continua sendo concessão, e a sua natureza 
concreta a criação do sistema jurídico. Hobbes observou em Leviatã que “tal 
como em latimpersona significa o disfarce ou a aparência exterior de um homem, 
imitada no palco. Por vezes, mais particularmente aquela parte dela que disfarça o 
rosto, como máscara ou viseira. Do palco a palavra foi transferida para qualquer 
representante da palavra ou da ação, tanto nos tribunais como no teatro (...) send-
3 / Peter Goodrich, Reading the Law, Oxford: Blackwell, 1988, Capítulo 1.
3 7
O TRIUNFO DOS DIREITOS HUMANOS
do usado por Cícero quando diz: Unus susüneo ires 'Personas; Mei, Adversarii et Juâi- 
í?y’.38 As pessoas devem ser trazidas diante da lei a fim de adquirirem direitos, de-, 
veres, poderes e competências que conferem ao sujeito personalidade jurídica. A 
pessoa jurídica é a criação do artifício jurídico ou teatral, o produto de uma perfor­
mance institucional. No discurso dos direitos humanos, essapersona ou máscara, a 
criação da lei, deve ser transformada no progenitor ou princípio da lei, o sujeito 
que ganha vida no palco da lei deve também se submeter à lei e apoiar seu criador. 
As três pessoas de Cícero, o “eu” ou ego, o sujeito jurídico e o juiz são as três face­
tas que, fundidas em uma só, irão formar a santíssima trindade do humano, a lei e 
seus sujeitos, e criar o princípio básico moderno de homem, pai e filho, devant la 
loi, perante e de acordo com a lei.35
Nesse sentido, os direitos humanos são tento criações quanto criadores 
da modernidade, a maior invenção política e jurídica da filosofia política e da juris­
prudência modernas. Seu caráter moderno pode ser encontrado em todas as suas 
características essenciais. Primeiramente, eles marcam uma profunda mudança no 
pensamento político de dever para direito, de ávitas e communitas para civilização e 
humanidade. Em segundo lugar, invertem a prioridade tradicional entre indivíduo 
e sociedade. O Direito Natural clássico e medieval expressava uma ordem correta 
do cosmos e das comunidades humanas dentro dele, uma ordem que dava ao cida­
dão seu lugar, sua hora e sua dignidade, ao passo quê a modernidade emancipa a 
pessoa humana, transforma o cidadão em indivíduo e o situa no centro da organi­
zação e da atividade social e política. O cidadão atinge a maioridade quando é libe­
rado das obrigações e compromissos tradicionais para agir como um indivíduo, 
que segue seus desejos e emprega sua vontade no mundo natural e social. Esta li­
bertação da vontade humana e sua entronização como princípio organizador do 
mundo teve inúmeras aplicações políticas importantes. A liberdade ilimitada pode 
destruir a si mesma. A vontade liberta deve ser restringida por leis e sanções, os 
únicos limites que ela entende. Estes não são intrínsecos a ela nem fazem parte 
dela, mas são empíricos e externos. Liberdade e coerção, lei e violência, nascem 
no mesmo ato. O grande feito de Hobbes, o primeiro e provavelmente o melhor 
teórico do liberalismo e dos direitos naturais modernos, foi entender que, quando a 
natureza humana passa a ser soberana e liberta, ela precisa como seu contraponto 
de um poder público que tenha em todos

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