Buscar

Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

E NS AI OS BIBLI OG RÁFI C OS 
Acesso à Justiça: 
um olhar retrospectivo 
Eliane Botelho lunqueira 
Apesar da investigação sobre processos decisórios fonnais e infonnais 
coordenada por Felippe Augusto de Miranda Rosa na década de 70, não se 
pode falar de uma produção sistemática na área direito e sociedade, ou seja, de 
urna linha de investigação sobre temas e instituições jurídicas, antes dos anos 
801 Localizada não na área das ciências sociais, mas sim entre bacharéis de 
direito sociologicamente orientados,2 a sociologia do direito no Brasil surge, 
coincidentemente ou não, com as primeiras pesquisas sobre acesso à Justiça. 
Resenhar as investigações que têm sido produzidas sobre acesso à Justiça3 -
tema cuja amplitude pennite incluir toda e qualquer investigação sobre o Poder 
judiciário e sobre fOllnas alternativas de resolução de conflitos - é, portanto, 
(re)escrever, a partir de um novo recorte, a trajetória da sociologia do direito 
brasileira e a sua vinculação a discussões político-jurídicas presentes na história 
recente do Brasil.4 
A princípio, poder-se-ia imaginar que o interesse dos pesquisadores 
brasileiros sobre este terna nos anos 80 estivesse diretamente relacionado com 
o movimento que havia começado na década anterior em diversos países do 
mundo, o "access-to-justice movement', o qual, no plano acadêmico, havia 
justificado o Florence Project, coordenado por Mauro Capelletti e Bryant Garth 
389 
390 
estudos históricos e 1996 - 18 
com financiamento da Ford Foundation (978)5 No entanto, a análise das 
primeiras produções brasileiras revela que a principal questão naquele momento, 
diferentemente do que ocorria nos demais países, sobretudo nos países centrais, 
não era a expansão do weifare state e a necessidade de se tornarem efetivos os 
novos direitos conquistados principalmente a partir dos anos 60 pelas "minorias" 
étnicas e sexuais, mas sim a própria necessidade de se expandirem para o conjunto 
da população direitos básicos aos quais a maioria não tinha acesso tanto em função 
da tradição liberal-individualista do ordenamento jurídico brasileiro, como em razão 
da histórica marginalização sócio-econômica dos setores subalternizados e da 
exclusão político-jurídica provocada pelo regime pós-646 
Assim como não existem referências ao Florence Project nas primeiras 
produçôes brasileiras sobre o tema - uma versão resumida do texto de 
Cappelletti e Garth só é publicada em português em 1988 -, é significativo que 
não conste deste projeto internacional um relatório sobre o Brasil. A não 
participação do Brasil no Florence Projee! teria sido resultado de dificuldades 
de contactar pesquisadores brasileiros interessados em analisar esta questão' 
Ou seria decorrente da falta de interesse dos nossos pesquisadores em relação 
ao tema na segunda metade dos anos 70, já que o assunto só é introduzido no 
cenário acadêmico e político brasileiro a partir do final daquela década, quando 
(e aqui não coincidentemente) se inicia o processo de abertura política? 
Infelizmente, não é possível responder a essas indagaçôes. No entanto, chama 
a atenção a ausência do Brasil no Florence Projec!, enquanto outros países da 
América Latina (como Chile, Colômbia, México e Umguaj) se fizeram repre­
sentar, relatando as suas experiências no campo do acesso à Justiça. 
Os motivos para o despertar do interesse brasileiro no início dos anos 
80 para esta temática, portanto, devem ser procura<)os não neste movimento 
internacional de ampliação do acesso à Justiça, mas sim internamente, no 
processo político e social da abertura política e, em particular, na emergência do 
movi(l1ento social que então se inicia. Invenendo o caminho clássico de conquista 
de direitos descrito por Marshall (1967),7 o caso brasileiro não acompanha o 
processo analisado por Cappelletti e Garth8 a partir da metáfora das três "ondas" 
do "access-!ojustice movemenf'. Ainda que durante os anos 80 o Brasil, tanto 
em termos da produção acadêmica como em termos das mudanças jurídicas, 
também participe da discussão sobre direitos coletivos e sobre a informalização 
das agências de resolução de conflitos, aqui estas discussões são provocadas 
não pela crise do Estado de bem-estar social, como acontecia então nos países 
centrais, mas sim pela exclusão da grande maioria da população de direitos 
sociais básicos, entre os quais o direito à mO(aclia e à saúde. 
Apesar de ser possível detectar uma linha de continuidade entre os 
subtemas de pesquisa desenvolvidos a partir dos anos 80 dentro dessa temática, 
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
O desenvolvimento da cidadania PLENA está relacionado com o desenvolvimento DOS DIREITOS CIVIS, POLÍTICOS E SOCIAIS.
(pasta transferencias)�
Acesso à Justiça: um Olhar Retrospectivo 
o movimento acadêmico (e jurídico-político) em torno do acesso à Justiça 
compreende dois eixos principais. De um lado, situam-se as pesquisas sobre o 
acesso coletivo à Justiça que marcam principalmente a primeira metade dos anos 
80. De outro, encontram-se as investigações sobre formas estatais e não-estatais de 
resolução de conflitos individuais, nas quais ganham espaço os novos mecanismos 
. informais -tais como os então denominados Juizados Esp<..>ciais de Pequenas Ca usas 
- introduzidos pelo Estado a partir de meados da dêcada de 80. Em qualquer um 
dos dois eixos, no entanto, sobressai a profunda influência de Boaventura de Sousa 
Santos, que se tornou conhecido da comunidade acadêmica a partir da pesquisa 
realizada nos anos 70 na favela do Jacarezinho. 
Acesso coletivo à Justiça 
Ao contrário do que vinha acontecendo nos países centrais, no caso 
brasileiro não se tratava, pelo menos no início dos anos 80, de buscar 
proceclimentos jurídicos mais simplificados e alternativas aos tribunais como 
meio de garantir o acesso à Justiça e de diminuir as pressões resultantes de uma 
explosão de direitos que ainda não havia acontecido. Ao contrário, tratava-se 
fundamentalmente de analisar como os novos movimentos sociais e suas 
demandas por direitos coletivos e difusos, que ganham impulso com as primeiras 
greves do final dos anos 70 e com O início da reorganização da sociedade civil 
que acompanha o processo de abertura política, lidam com um Poder Judiciário 
tradicionalmente estnlturado para o processamento de direitos individuais. 
Se a questão prática do welfare stattf! não estava presente naquele 
momento - tornando absolutamente fora de lugar preocupações com experiên­
cias de conciliação e informalização da Justiça tais como ocorriam nos países 
centrais e que, na esteira desse movimento, vão gerar, logo em seguida, o 
allernative dispute resolution movement nos Estados Unidos -, as reflexões 
brasileiras possuíam outra matriz organizadora. A forte presença do pensamento 
marxista nas ciências sociais de então e a influência dos trabalhos desenvolvidos 
por Boaventura de Sousa Santos - facilitada tanto por sua estada no Brasil no 
início dos anos 70, como pela acessibilidade de seus artigos, escritos em nosso 
quase morto idioma - fizeram com que o tema do pluralismo jurídico fosse 
transplantado para as investigações que, indiretamente, se voltavam para o tema 
do acesso à Justiça. Tanto os trabalhos de Boaventura de Sousa Santos, como 
as pesquisas empíricas desenvolvidas no campo, provavelmente porque 
tomavam como um dado a própria inacessibilidade da.Justiça para os setores 
populares, não abordavam explicitamente o tema do acesso à Justiça, mas sim 
procedimentos estatais e não estatais de resolução de conflitos. Mesmo assim, 
o tema do acesso à Justiça emerge em toda esta produção. 
391 
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
392 
estudos históricose 1996 - 18 
Ainda que Discurso e poder, uma versão resumida da tese de doutora­
mento de Boaventura de Sousa Santos, só tenha sido publicado no Brasil em 
1988, Pasárgada já era conhecida pelos pesquisadores brasileiros que 
começaram a desenvolver pesquisas sociologicamente orientadas sobre o direito 
- principalmente por Joaquim Falcão - desde, com certeza, finais dos anos 70.10 
A noção de pluralismo jurídico, que se contrapõe à imagem de uma sociedade 
homogeneizada pressuposta nas análises sobre direito estatal e ressalta f ... ,tturas 
entre os seus segmentos, mostrava-se então de fácil recepção em função da 
semelhança com as imagens de Brasil correntes em diversos setores da 
intelligentsia. Apesar de a pesquisa não estar preocupada diretamente com os 
canais de acesso à Justiça estatal, o direito de Pasárgada atesta não apenas a 
produção de uma nova ordem jurídica paralela ao direito oficial (direito do 
asfalto), mas a impossibilidade de os habitantes daquela comunidade, percebida 
como ilegal pelo direito oficial, buscarem soluções para seus conflitos no 
ordenamento jurídico e nas instâncias judiciais. Em outros tennos, a comunidade 
de Pasárgada remetia à associação de moradores a resolução de conflitos 
individuais por estar, de fato, impossibilitada de ter acesso à Justiça estatal. 
A definição que Boaventura de Sousa Santos apresenta naquele mo­
mento de pluralismo jurídicol1 - como contradições interclassistas e intraclassistas 
que, relevadoras dos diferentes modos como se reproduz a dominação político­
jurídica, se condensam na "criação de espaços sociais, mais ou menos segregados, 
no seio dos quais se geram litígios ou disputas processados com base em recursos 
nonnativos e institucionais internos" (1988: 76) - serve não apenas para considerar 
o direito de pasãrgada como uma expressão de pluralismo jurídico, como também 
para que, mais tarde, Joaquim Falcão (a quem cabe introduzir as contribuições de 
Boaventura de Sousa Santos na entào em fonnação sociologia do direito brasileira 
e criar com Mario Brockmann Machado o Grupo de Trabalho Direito e Sociedade 
da Anpocs em 1979) analise O papel desempenhado pelo Poder judiciário na 
resolllção de conflitos coletivos no Hecife. 
Se, teoricamente, se chega ao tema do acesso à justiça nas investigações 
brasileiras a partir do tema do pluralismo jurídico, não se teria constituído um 
campo de investigação se naquele momento não tivessem ocorrido, na arena 
jurídico-política, as invasões urbanas. Olhando os conflitos urbanos no Grande 
Hecife, joaquim Falcão inaugu ... ,t no início dos anos 80 a preocupação com os 
direitos coletivos, a partir dos quais passa a ser centrada a discussão sobre o 
acesso à justiça. Nesta pesquisa, onde são analisados diversos casos de invasão 
urbana12 - tendo-se, nesta análise, a participação de vários consultores, entre 
os quais o próprio Boaventura de Sousa Santos -, joaquim Falcão conjuga a 
noção de pluralismo jurídico com a noção de acesso à justiça para defender 
que, diante da necessidade de se responder às demandas sociais emergentes, 
Acesso à Justiça: um Olhar Retrospectivo 
coexistem diferentes lógicas jurídicas dentro do próprio Poder Judiciário, lento 
e tecnicamente incapaz de resolver as demandas emergentes na sociedade 
bras�leira. Apesar de também utilizar a noção de pluralismo jurídico, Joaquim 
Falcao se afasta das preocupações de Boaventura de Sousa Santos, voltado, 
naquele momento, principalmente para o potencial libertário presente nas 
fOI mas de organização local, e não para a necessidade de se processarem 
judicialmente os interesses difusos e coletivos que vinham na nova onda de 
mobilização. Fica claro que o ponto de Joaquim Faldo é o necessário 
aggiornamento do Poder Judiciário, apontando para a institucionalização e 
juridicização da conflitualidade emergente como etapas decisivas da então 
denominada t,.."nsição democrática. 
A paltir dessa pesquisa, Joaquim Falcão constrói um texto que se 
transforma em referência obrigatória do campo: a panir da preocupação com a 
democratização do Poder Judiciário, é analisado o "acesso à Justiça como um 
mecanismo que pode ou não estar a favor da implementação da representação 
coletiva dos cidadãos, como aperfeiçoamento do ideal democrático" (1981: 4), 
tendo-se, como ponto de partida, a cultu,." jurklica que permeia os institutos 
jurídicos processuais. Como a cultura jurídica dominante, de caráter liberal e 
individualista, não consegue lidar com o novo padrão de conflitualidade emergente 
no Brasil do início dos anos 80, os novos conflitos coletivos, não podendo ser 
encaminhados ao Poder Judiciário, cujo acesso lhes é negado, são remetidos a 
outras arenas, informais, paralelas e mesmo ilegais: "[01 acesso das classes sociais 
majoritárias à Justiça é um dos aspectos necessários, a paltir do qual se pode pensar 
numa base social e política que dê ao Judiciário a independência que procura. (. .. ) 
Neste sentido, a contribuição do Judiciário à redemocratização implica não negar-se 
a lidar com os conflitos do padrão emergente. Ao comrário, implica reconhecê-los 
e tentar equacioná-los. Um passo, entre os muitos nece&Sários, é admitir a 
possibilidade de representação coletiva" (1981: 20). 
No mesmo sentido é ainda a pesquisa desenvolvida por Alexandrina 
Moura (1990) sobre invasões urbanas em Recife, chamando a atenção para a 
utilização do sistema judicial pelos invasores, através de ações de interdito 
proibitório. Nesse processo, a pressão por meio de passeatas e da imprensa cria 
um novo entendimento por parte dos juízes, que justificam um "tratamento 
diferenciado para classes de baixa renda e prevalência do direito de moradia 
sobre o direito de propriedade" (1990: 37). 
Dentro da "Escola do Recife", e sob direta influência de Joaquim Falcão, 
Luciano Oliveira e Affonso Pereira dão continuidade à análise do encaminha­
mento dos conflitos coletivos à]ustiça, ainda que preocupados especificamente 
com os processos administrativos (1988). Se o Judiciário, não contemporãneo 
daquela época, é incapaz de absorver detenninados conflitos coletivos referen-
393 
394 
estudos históricos e 1996 - 18 
tes a direitos sociais emergentes a partir dos anos 70, é necessário analisar o 
papel desempenhado por outras agências estatais na resolução desses conflitos. 
A ampliação do acesso à justiça implicaria, portanto, não apenas a atualização 
do Poder judiciário, como também o aperfeiçoamento democrático dos proc­
essos decisórios do Poder Executivo (1988: 26): "[al democratização do aparato 
legal-estatal no Brasil de hoje está condicionada ao fortalecimento dos meios 
de acesso à justiça das demandas coletivas, demandas essas que dizem respeito 
a direitos de amplos segmentos da sociedade brasileira atual" (1988: 32). 
O principal centro acadêmico de produção de pesquisas empíricas sobre 
o acesso coletivo à justiça no Rio de janeiro foi, sem dúvida, o Departamento de 
Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio dejaneiro (PUe-Rio), influenciado 
também pelas pesquisas desenvolvidas por Joaquim Falcão e por Boaventura de 
Sousa Santos. Mais especificamente, a preocupação do grupo da PUe-Rio com a 
temática inicia-se em 1984, com uma pesquisa sobre o relacionamento entre 
associações de moradores - movimento que se encontrava então em processo de 
fortalecimento - e o Poder judiciário. A preocupação fundamental nessa investi­
gação, no entanto, não eram os direitos coletivos básicos, como acontecia no Recife, 
mas sim os direitos difusos. Através da análise das fonnas de encaminhamento e 
resolução de conflitos coletivos em três associações de moradores de cJa,o;se média 
do Rio de janeiro -jardim Botânico, Gávea e Laranjeiras -, pôde-se perceber que 
o Poder Judiciário era então utilizado apenas como último recurso de resolução de 
conflitos, quando já estavam esgotadas as possibilidadesde negociação através dos 
Poderes Executivo e Legislativo. 
O trabalho de Eduardo Guimarães (1991) mantém-se dentro desta 
temática - analisando o acesso à justiça a partir de invasões urbanas resolvidas 
através não do judiciário, mas sim de negociações realizadas fora do sistema 
legal. A noção de pluralismo jurídico é retomada para entender as diversidades 
de entendimentos e de encaminhamentos legais produzidos a partir da invasão 
de terras do lAPAS. Ao pedido de reintegração de posse do Instituto, opunham­
se dois discursos: o dos advogados, que procuravam defender o direito de 
moradia, e o dos próprios invasores, que reconheciam nào se tratar de um 
direito, mas reivindicavam a permanência no local invadido por se tratar de uma 
necessidade e, portanto, de uma obrigação do governo. Assim como já haviam 
apontado as pesquisas realizadas pelos grupos do Recife e da PUe-Rio, Eduardo 
Guimarães percebe que a ação judicial de reintegração de posse funcionava 
apenas como uma ameaça, permanecendo estacionária já que não era impul­
sionada nem pelos atores, nem pelo juiz e, muito menos, pelos réus. Mais uma 
vez, portanto, a discussão sobre as formas não legais de encaminhamento das 
soluções no caso de invasões urbanas remetia à questão da inacessibilidade do 
sistema legal. 
Acesso à Justiça: um Ollrar Retrospectivo 
Em suma, todas as pesquisas nesse campo aponlam para o fato de que 
o Poder judiciário não constituía a principal agência de resolução dos conflitos 
coletivos e difusos, ainda que a possibilidade de seu acionamento pudesse 
represenlar, em todos os casos, uma "ameaça de violência possível, manipulável 
pelas partes" (por ambas as partes) (Falcão, 1984: 87). 
Acesso à Justiça: direitos individuais 
De acordo com os pesquisadores voltados para a análise do acesso 
coletivo à justiça, reivindicar uma ampliação do acesso à justiça em nível 
individual, como, por exemplo, através da criação de juizados de Pequenas 
Causas, representava uma estratégia instrumental, autonomizante e normativisla 
incapaz de "questionar os aspectos subslantivos que estão por detrás da questão 
do acesso à justiça em uma sociedade como a brasileira" (Oliveira & Pereira, 
1988: 15). Por este motivo, o tema não é trazido para o mundo acadêmico até 
a segunda metade dos anos 80, quando começam a ser produzidas pesquisas 
sobre o acesso individual à justiça. 
A primeira investigação nesse campo provavelmente é a dissertação de 
mestrado (cuja versão resumida é publicada em 1985) de Luciano Oliveira, em 
que este analisa o papel desempenhado pelos comissários de polícia do Recife 
na resolução dos conflitos das populações de baixa renda. Luciano Oliveira 
volla-se para as práticas "judiciais" da polícia como estratégias que minimizam 
a violência legalmente prevista, geradas em função do hábito das classes 
populares de "dar queixa no distrito", buscando a resolução de seus problemas 
interindividuais de natureza pessoal. Se as decisões dos comissários de polícia 
fundamentam-se mais no uso da retórica do que na burocracia e na violência, 
o uso da retórica não deriva apenas do fato de os conflitos levados para a polícia 
serem de natureza não-classista, mas sim da expeclativa da clientela: "a polícia, 
ao tralar esses casos do modo como foi descrito, subtraindo-os à apreciação do 
judiciário, está cumprindo o papel que dela esperam os que a procuram. O que 
as pessoas querem é simplesmente uma ação rápida e info l mal contra O ofensor, 
e nada mais" 0985: 93). Fundamentalmente, a procura dessa agência de 
resolução de conflitos representa "um dos capítulos da velha história da 
inacessibilidade do judiciário a determinados tipos de casos e, conseqüente­
mente, da busca, pelos interessados, de locais alternativos para onde possam 
se dirigir" (1985; 93). Traia-se de uma prática histórica das camadas populares, 
legalizada inclusive durante um período pelo Código Criminal do Império, que 
atribuía à polícia a competência para apreciar pequenos delitos de natureza 
pessoal. O encaminhamento desses casos para a polícia, portanto, indica não a 
busca de uma alternativa para a inacessibilidade do judiciário, mas sim O fato 
395 
396 
estudos históricos e 1996 - 18 
de que "para as classes populares e seus pequenos casos, o Poder Judiciário 
real sempre foi outro" (1985: 94). 
, Quase que simultaneamente, Rio de Janeiro e São Paulo voltam-se para o 
tema das agências judiciais informais de resolução de conflitos. Em São Paulo, Maria 
Cecuia Mac Dowell dos Santos publica (1989) algumas considerações para O 
desenvolvimento de uma pesquisa empírica sobre os juizados Infonnais de 
Conciliação (JIC). Duas idéias principais de Boaventura são retomadas então. Em 
primeiro lugar, Maria Cecília Mac Dowell utiliza a noção de "conciliação repressiva" 
para compreender o padrão de resolução dos conflitos por esta agênCia infonnal. 
Em seguida, considerando que estes Juizados não possuíam então competência 
para implementar as decisões judiciais, cuja execução caberia às instâncias 
tradicionais, Maria Cedia Mac Dowell argumenta que os Juizados Especiais não 
resolvem o problema do acesso àJustiça, uma vez que tomam a parte com pc'queno 
poder aquisitivo dependente dos serviços de assistência judiciária, além de 
remeterem os conflitos para o Poder judiciário tradicional: "[olra, se o acesso à 
Justiça nas áreas tradicionais e fonnais do campo juridico, onde se concentram a 
burocracia e a violência, não é ampliado, então a ampliação de acesso através do 
J1C não pode ser considerada, globalmente, uma ampliação do acesso à justiça, e, 
nesse caso, a 'garantia' estatal, na realidade, não passa de ilusão, de um súnbolo 
que não guarda qualquer conespondência com o real" 0989: 122). 
No Rio de janeiro, o grupo da PUC-Rio dá continuidade aos seus 
trabalhos de investigação voltando-se para a análise de novas agências de 
resolução de conflitos, tais como os juizados de Pequenas Causas, de Nova 
Iguaçu e do Centro, a Promotoria de Bairro e a Comissão de Consumidores da 
Câmara dos Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro. Em relação aos Juizados 
Especiais de Pequenas Causas, a análise dos procedimentos instaurados durante 
o período de fevereiro a agosto de 1987 em Nova Iguaçu - um total de 132 
pedidos, ou seja, menos de um pedido por dia - apontava para uma subutili­
zaçãq dessa agência por parte da população, indicando que a simples criação 
de instâncias infonnais não seria suficiente para garantir uma maior aproximação 
da população em relação ao Poder Judiciário. 
A influência de Boaventura de Sousa Santos faz-se ainda presente em 
uma linha completamente distint..� de investigação, desenvolvida pelo Depar­
tamento de Pesquisa e Documentação da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção 
Rio de Janeiro. Em função da experiência de implantação de um escritório 
modelo de advocacia na favela do Morro da Coroa, nasce a oportunidade de, 
15 anos depois, "revisitar" Pasárgada. Duas conclusões chamam a atenção. De 
um lado, a pesquisa constata que a grande distância entre a população mais 
subalternizada e o Poder Judiciário, considerado um dispositivo privado das 
elites, explica a existência de uma indisponibilidade da população em relação 
Acesso à Justiça: um Olhar Retrospectivo 
ao mundo dos n'cos, que funciona como bloqueio simbólico do seu acesso a 
dispositivos estatais de intermediação de conflitos (1988: 126). De outro, pôde-se 
perceber, já em meados dos anos 80, que a boca-de-fumo surgia como grupo com 
pretensões de tutelar direitos e mediar conflitos, ou seja, como um importante 
operador nonnativo ao lado ela juridicidade da associação de moradores. 
No final dos anos 80, as investigações nesse campo foram marcadas 
pelo artigo escrito por Boaventura de Sousa Santos e publicado, em 1989, no 
livro Direito ejustiça: afunção social dojudiciário, organizado por José EduardoFaria. Traçando urna trajetória da sociologia da administração da justiça , Boaventura 
de Sousa Santos aponta os vários obstáculos - sociais, econômicos e culturais -
para o acesso à justiça e chama a atenção para o fato de ser O tema "aquele que 
mais diretamente equaciona as relações entre o processo civil e a justiça social, 
entre igualdade juridico-formal e desigualdade sócio-econômica. No âmbito da 
Justiça civil, muito mais propriamente do que no da Justiça penal, pode falar-se de 
procura, real ou potencial, da Justiça. (. .. ) a consagração constitucional dos novos 
direitos econômicos e sociais e a sua expansão paralela à do Estado de bem-estar 
transformou o direito ao acesso efetivo à justiça num direito charneiro, um direito 
cuja denegação acarretaria a de todos os demais" (1989: 45). 
Dentro dessa linha, deve ser destacada também a pesquisa desenvolvida 
pelo Centro de Estudos Direito e SOCiedade (Cediso) da Universidade de São 
Paulo sobre acesso à justiça e serviços legais tradicionais e inovadores (1991). 
Celso Campilongo utiliza uma tipologia de serviços legais para comparar os 
serviços jurídicos do Sindicato dos Metalúrgicos e da Ordem dos Advogados do 
Brasil (OAB), a partir da seguinte pergunta: "que tipo de contribuição [essas 
duas entidadesl ofereceram na busca de fórmulas alternativas de acesso à justiça 
e resolução de conflitos?" E, em urna perspectiva distinta das pesquisas até então 
desenvolvidas, Campilongo chama a atenção para o fato de que são igualmente 
importantes a perspectiva individualista da OAB e a perspectiva coletivista do 
Sindicato: "[nlão se pode dizer o que é mais relevante. Tanto a consciência dos 
direitos individuais presente nas d�mandas da OAB quanto a consciência dos 
direitos coletivos [de ordem trabalhistaJ notada no Sindicato reforçam o mesmo 
fenômeno, ou seja: setores da base da pirâmide social - que compõem parte 
significativa da clientela - ganham, 'talvez pela primeira vez, consciência de seus 
direitos, de serem cidadãos'. (. .. ) O 'novo' não significa tanto a utilização de 
canais inéditos de solução de conflitos jurídicos ou o recurso a um vago 'direito 
alternativo', informal e extra-judicial. O ineditismo está assentado no dado 
fundamental de que setores populares, antes praticamente alijados e ignorados 
na arena judicial, vão crescentemente marcando sua presença e ocupando 
espaços político-jurídicos antes vazios" (1991: 14). 
397 
398 
estudos históricos • 1996 - 18 
Nesta segunda vertente, a preocupação fundamental já não é a luta por 
direitos coletivos, mas sim a possibilidade - ou mesmo, a urgência - de se alargar 
a cultura cívica no Brasil, entendida esta em função das expectativas construídas 
pelos indivíduos em relação ao governo e às suas instituições (Santos, 1993: 
195) de maneira a se reverterem os dados apresentados na Pesquisa Nacional 
de Amostra Domiciliar, segundo os quais é significativamente baixa a procura 
do Poder Judiciário por parte da população brasileira. 
Conclusão 
A partir desta resenha das investigações empíricas sobre acesso à 
justiça, t3 pode-se perceber que os temas de pesquisa emergem das discussões 
da sociedade civil. Na discussão sobre o acesso coletivo à justiça, por exemplo, 
o tema dos conflitos coletivos impõc-se em um primeiro momento em razão 
do crescente fenômeno das invasões urbanas e da incapacidade do Poder 
Judiciário de resolver os novos conflitos emergentes na sociedade brasileira. 
Discutiam-se então os vários entraves processuais, tais como o artigo 245 do 
Código de Processo Civil, que subtraía da apreciação do Poder judiciário 
qualquer pedido impossível segundo o ordenamento jurídico brasileiro, o que, 
de fato, significava a impossibilidade de se lutar, na instãncia judicial, por novos 
direitos. Em um segundo momento, inicia-se a discussão sobre a garantia dos 
direitos difusos, que, então, ainda não contavam com a possibilidade criada em 
1985 pela Lei nO 7.347, que disciplinou a ação civil pública de responsabilidade 
por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de 
valor artistico, estético, turístico e paisagístico. 
A aprovação dos juizados Especiais de Pequenas Causas e a criação de 
agências estatais informais de resolução de conflitos deslocam os temas de 
pesquisa sobre acesso à justiça dos conflitos coletivos para os conflitos 
indiviçluais, linha que se mantém ainda hoje, como comprovam as recentes 
pesquisas iniciadas pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História 
Contemporânea do Brasil (CPDOC) sobre os novos Juizados Especiais e sobre 
vitimização. O tema do acesso à justiça e vitimização, aliás, já havia sido 
preocupação da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar em 1988, cujos 
resultados têm inspirado análises importantes sobre o tema (como a produzida 
por Wanderley Guilherme dos Santos, 1993). 
A produção acadêmica, de uma certa maneira, contribuiu para as 
transformações jurídicas dos anos 80. O caso mais explícito refere-se ao trabalho 
de Luciano de Oliveira sobre os comissários de polícia do Recife, textualmente 
citado nos debates da Assembléia Nacional Constituinte sobre os Juizados 
Especiais. E, ainda que nào se possa determinar o grau de influência das 
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
Acesso à Justiça: um Olhar Retrospectivo 
pesquisas sobre conflitos coletivos, é verdade que os anos 80 terminam, após 
a aprovação da Constituição Federal, com novos institutos de garantia do acesso 
coletivo ao Poder Judiciário, tais como o mandado de segurança coletivo. 
A literatura produzida a partir do início dos anos 80 estava preocupada, 
fundamentalmente, com o processo de construção de direitos dos setores 
subalternizados da sociedade, a partir de uma leitura feita pelo ângulo da 
estrutura de classes que não dialogava com a noção clássica de cidadania, de 
corte liberal. De Fato, o pressuposto raramente explicitado dessa literatura era 
o da singularidade da seqüência de construção de direitos no Brasil. Ao contrário 
do percebido por Marshall 0%7), trabalhava-se com a hipótese de que uma 
construção dos direitos civis no Brasil pressupunha a conquista de direitos 
sociais. A este respeito, Celso Campilongo observa: "fhJá no Brasil um sentimento 
difuso, pendente de melhor comprovação empírica, de que a população pobre 
percebe os direitos sociais e coletivos com maior facilidade do que os direitos 
individuais. Confirmados esses dados, ter-se-á a situação paradoxal de conscien­
tização popular sobre os direitos típicos do século XX, sem uma prévia 
consolidação do respeito aos direitos individuais" 0991: 16). 
A partir desse ponto de partida, duas posições se apresentavam. De um 
lado, essas pesquisas, principalmente as relativas ao acesso coletivo à Justiça, 
conduziram, implicitamente, a uma teoria do Estado, dentro da vertente 
teórico-política latino-americana que considerava que a reprodução da ordem 
burguesa nesses países pressupunha, como sua condição de possibilidade, a 
forma autocrática do político e das instituições estatais. Portanto, toda e qualquer 
possibilidade de acesso à Justiça estaria vinculada a fonnas de auto-organização 
popular autônoma, que teriam n duplo significado de mecanismos alternativos 
de resolução de conflitos e protolegalidades insurgentes. De outro, defendia-se 
a necessidade de transformaçào do Poder Judiciário como instància apropriada 
para o tratamento dos conflitos coletivos e individuais. Nessa segunda posição 
situa-se, por exemplo, Joaquim Falcão, que chama a atenção pard três pontos: 
a) a questão do acesso à Justiça na América Latina é uma questão da maioria, 
da imensa maioria, e não apenas de determinados grupos étnicos ou sexuais; 
b) não se trata de implementar a lei, de deslegali7.ar ou de desestatizar, como 
nos países centrais, mas sim de legalizar diferentemente; c) é Fundamental 
transformar O PoderJudiciário 0981: 151). 
Dois deslocamentos observam-se, portanto, nos anos 90. De um lado, 
em razão das transformaçôes políticas e da flexibilizaçào dos ângulos de análise, 
a preocupação com os movimentos sociais que, enquanto criadores de direitos, 
rompiam os limites da igualdade legal formal é substituída pela crescente 
preocupação com a ordem jurídica e seu papel na invenção da sociedade 
democrática. Categorias absolutamente centrais de matriz mais estrutural- como 
399 
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
A pesquisa oferece duas posições 1) conforme a teoria da questão autocrática toda e qlq resolução de conflitos precisa ser dirimida pelo estado em razão da autoorganizacao 
A população não tem por-si-so como resolver seus problemas e leva ao P.Judiciario resolver.
2) o poder judiciário e a estancia que deve resolver essas questões. Representando o estado
autocrático e autonomono resolver o problema de qlq um
quem oferece as condições para o melhorar o estado e o burguês
o estado e influenciado pelo interesse do burguês enquanto o pobre busca direito básicos o rico oferece meios de ajudar o estado a garantir isso ao pobre mas com seus interesses no meio
�
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
GENUNES
400 
estudos históricos • 1996 - 18 
Estado e papel do judiciário como aparelho de Estado - deram a vez a wna 
curiosidade e perplexidade quase antropológicas na compreensão da culrura cívica, 
que acompanha o deslocamento da agenda de pesquisa das ciências sociais do 
tema da esu·urura para o tema da agência. Começa a chamar a atenção dos 
pesquisadores a "enonne massa urbanizada, envolvida pela clinâmica da acumu­
lação econômica, sujeita a carênda de todo tipo, atomizada, usando com par­
cimônia o recurso do voto, indiferente aos políticos e governantes e fugindo às 
ntalhas organizacionais de partidos, associaçôes comunitárias, sindicatos e asso­
daçôes profISsionais, c. . . ) essa mesma massa, atomizada e vítima de múltiplos 
exemplos de violência pública e privada, que justamente nega a existência de 
elevada taxa de conflito, ou que nele esteja envolvida" (Santos, 1993: 98). 
De outro lado, as recentes pesquisas sobre os operadores do direito,l1 
que também podem ser incluídas dentro dessa linha de investigação, a partir 
da convicção de que o conhecimento e a discussão sobre as lógicas-em-uso 
pelos atores jurídicos relacionam-se diretamente com a democratização do 
acesso à Justiça, vêm sendo desenvolvidas não mais apenas por juristas 
sociologicamente orientados, mas principalmente por cientistas políticos, so­
ciólogos e historiadores. A publicação deste artigo no número especial sobre 
cidadania da revista Estudos Históricos comprova este duplo e simultâneo 
deslocamento. 
Notas 
1. Esta resenha sobre a produção 
acadêmica em torno do tema do acesso 
à Justiça concentra-se nas pesquisas 
empíricas desenvolvidas a partir dos 
anos 80, deixando de lado, em 
•• A . . , consequencI3, as !numeras 
contribuiçõcs teóricas produzidas quer 
no mundo acadêmico, quer pelas 
entidades de classe (principalmente pela 
Ordem dos Advogados do Brasil), quer 
ainda pelos serviços de assessoria 
jurídica popular. 
2. Mesmo em Recife, onde essas 
pesquisas se localizaram no 
Departamento de Ciência Política da 
Fundação Joaquim Nabuco, os 
pesquisadores, na sua maioria, tinham 
uma formação em direito. 
3. O próprio termo acesso à Jusliça 
pode ser objeto de discussão. Trata+se 
de acesso ao Poder Judiciário, às 
inslâncias legais e estatais de resolução 
de conflitos, ou de garantir que tooos 
possam ter seus conflitos jurídicos 
resolvidos justamente (e, nesse caso, 
justiça é tomada como um valor, e nâo 
como um órgão eSlalal)? Na verdade, a 
referência sempre foi ao acesso às 
instâncias oficiais (estatais ou não, já 
que se incluem as experiências socierais 
de resolução de conflitos), e não ao 
valor justiça. No F/orence Project, 
Cappelletti define, logo no início de seu 
GENUNES
GENUNES
GENUNES
Acesso à Justiça: um Olhar Retrospectivo 
prefácio, que o projeto procurou 
analisar tanto os obstáculos jurídicos, 
econômicos, sociais e psicológicos 
que dificultam ou impedem o uso 
do sistema jurídico, como os 
esrorços desenvolvidos por diferentes 
países (democracias modernas) no 
sentido de superar estes obstáculos 
(J 978: I, vii). 
4. Para uma história mais abrangente 
da sociologia do direito no Brasil, 
cf. Junqueira, 1994. 
5. Neste sentido, a academia 
internacional estava sendo estimulad1 
• pelo interesse da Ford Foundalion na 
implantação de novos mecanismos de 
acesso ao Poocr Judiciário. 
6. No prefácio do volume III da 
publicação fmal do Flor<!I"lce Projecl, 
Cappelletti e Garth referem que " ;1 is nol 
easy lo vir/dicale lhe rights of lhe weaker 
segmenlS of lhe pub/ic, eilher collecliue/y 
or ;,uiiuidual/y. Every slralegy has 
/imilaliom or pitfalls, a,ui lO dale lhe 
praclical accomplishmenlS of Ihese 
refonns lrends are nol as greal as one 
could desire. A Wide variety of reforms 
are nece<sary in lhe legal profess/on, 
courtsl and in a//errzaliues /0 lhe cowts. 
A large - Indeed, a worldluide -
movernent bas begun, bw fi is, as we 
said, sliII in its eVJerimenlal phase - an 
experimenl In lueifare slale righlS and, 
more getzeral/y, in welfare stare políticS'. 
0978: xvii) 
7. Segundo Marshall 0%7), são 
conquistados primeirameme os direitos 
civis, depois os direitos econômicos e, 
finalmente, os direitos sociais. 
8. Cappelletti e Ganh identificam três 
.. UJaves Df reform" no U access-Io-juslice 
movemenf': a garantia de assistência 
jurídica para os pobres, a representação 
dos direitos difusos e informalização do 
procedimento de resolução de conflitos. 
Para uma análise mais detalhada, 
cf. Cappelletti e Garth (J 9BB1. 
9. A tese de que aos carecimentos 
devem corresponder direitos constirui, 
segundo Ewald (986), a própria matriz 
filosófica do Estado providência. 
10. Uma versào resumida da tese já 
havia sido publicada na Law arzd Society 
Review, em 1977. 
11. Para uma definição de pluralismo 
jurídico mais recente, cf. Santos, 1990. 
12. Analisando nove casos de invasões 
urbanas no Recife, Joaquim Falcão 
percebe que a atuação do Judiciário 
caracteriza-se por uma crescente 
incerteza sobre, primeiro, se haverá 
uma dedsão e, segundo, sobre o 
conteúdo desta decisão. Em outras 
palavras, "o grau de incerteza há muito 
ultrapassou a ambigüidade tolerável da 
lei que baliza a interpretação judicial. A 
possibilidade de não-decisão e de 
decisões contra legem ou para legem 
destrói a ambigüidade tolerável" 0984: 
931. 
13. Esta resenha, no entanto, não esgota 
a produção da sociologia do direito 
brasileira sobre acesso à Justiça, 
inclusive pelas inúmeras possibilidades 
de abordagem que o tema perrnüe. 
Neste sentido, por exemplo, não 
estariam as investigações sobre justiça 
pela própria mão - como a pesqu isa de 
Maria Vicloria Benevides (982) -
também relacionadas com o tema do 
acesso à Justiça, na medida em que 
fenômenos como o linchamento 
traduzem uma profuncb crise nas 
instâncias oficiais de Justiça? 
14. pesqu isas sobre os operadores 
do direito - juízes, promotores públicos 
e defensores públicos - têm sido 
desenvolvidas pelo Instituto 
Universitário de Pesquisas do Rio 
de Janeiro, pelo Instituto de Estudos 
da Religião, pelo Insótuto Direito 
e Sociedade e pelo Instituto de 
Estudos Econômicos e Políticos de São 
Paulo. 
401 
402 
estudos históricos • 1 996 - 1 8 
Refe r ê n c i a s bibliogr áfi c a s 
BENEVIDES, Maria Vicloria. 1 982. 
"Linhamenlos: violência e 'justiça' 
popular". In: PAOU, Maria Célia el 
alii. A violência brasileira. SãoPaulo, 
Brasiliense. 
CAMPIlONGO, Celso Fernandes. 1991. 
"Acesso à Justiça e formas 
alternativas de resolução de conflitos: 
serviços legais em São Bernardo do 
Campo". Revista Forense, Rio de 
janeiro, 315: 3-17, jul./sel. 
CAPPEllE"!"ll, Mauro & BRYANf, Garth 
(eds.). Access to juslice. 
Milan/Alphenaandenrijn, Dolt 
Giuffre/Sijthoff and Noordhoff, 1978. 
_-;- . Acesso àjustiça. 1988. Pono 
Alegre, Sergio Fabris. 
CARVALHO, Eduardo Guimarães de. 
1991. O negócio da tena. Rio de 
janeiro, UFRJ. 
EWALD, François. 1986. L 'Etat 
providerlCe. Paris, Bemard Grasset. 
FALCÃO, Joaquim. 1981. "Cullura jurídica e 
democracia: a favor da democratização 
dojudiciãrio". In: lAMOUNlER, Bolívar 
el aliL Direito, cidadania e 
participaÇão. São Paulo, Tao. 
. 1984. Conflito de direito de --
P'l vptiedade: invasões urbanas. Rio 
de janC!iro, Forense. 
jUNQUElRA, Eliane. 1994. A sociologia 
do direito no Brasil. Rio de janeiro, 
Lumen Juris. 
_
.,,- & RODRIGUES, José Auguslo de 
Souza. 1988. "A volta do parafuso: 
cidadania e violência", In: SANTOS 
]UN10R, Belisãrio el alii. Direitos 
humanos: um debate neces5ário. São 
Paulo, Brasiliense/lIDH. 
MARSHALL, T.H. 1967. Cidadania e 
classes SOCJ·ais. Rio de Janeiro, Zahar. 
MOURA, Alexandrina Sobreira de. 1990. 
Ten-a do mangue: invasões urbanas 
/lO Recife. Recife, Fundação Joaquim 
Nabuco/Massangana. 
OLIVEIRA, Luciano. 1985. "Polícia e 
classes populares". Cadernos de Est. 
Sociais. Recife, 1 (1): 85-94, jan.ljun. 
_-,- & PEREIRA, Affonso. 1988. 
Conflitos coletivos e acesso à justiça. 
Recife, Fundação Joaquim 
Nabuco/Massangana. 
SANfOS, Boaventura de Sousa. 1977. 
"The law of lhe oppressed: lhe 
conslruction and reproduction of 
legality in Pasargada". Law & Society 
Review. Denver, 12(]): 5-126. 
_
--,- . 1988. Discurso e poder. Porto 
Alegre, Sergio Fabris. 
_� . 1989. "Introdução à sociologia da 
administração da justiça". In FARIA, 
José Eduardo (org.). Direito ejustiça: 
a j''''ção social do judiciário. São 
Paulo, Ática. 
__ o 1990. "O Estado e o direilo na 
lransição pós-moderna: para um 
novo senso comum sobre o poder e 
O direiton• Revista Critica de Ciências 
Sociais. Coimbra, 30: 13-43, jun. 
SANTOS, Maria Cecília Mac Dowell dos. 
1988/89. "juizados informais de 
conciliação em São Paulo: sugeslõeS 
para a pesquisa s6cio-jurídican. 
Revista da Ordem dos AdlXJgados do 
Brasil. São Paulo, (50): 104-126. 
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. 
1993. Razões da desordem. Rio de 
Janeiro, Rocco. 
(Recebido para publicação em 
outubro de 1996) 
GENUNES

Outros materiais