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1 CURSO DE DIREITO DIREITO AGRÁRIO – 3º PERÍODO PROF. RÔMULO MENEZES 2016 2 1. Breve Histórico do Direito Agrário no Brasil: - As origens do Direito Agrário remontam aos primórdios da civilização (Cód. de Hamurabi e Lei das XII Tábuas). - Tratado de Tordesilhas (07/06/1494): Portugal adquiriu o domínio sobre as terras encontradas à direita da linha imaginária do pólo ártico ao pólo antártico, distante 370 léguas das Ilhas de Cabo Verde (direito de propriedade decorreu do Tratado). 1.1 Regime Sesmarial (1531 a 17/07/1822): - Em Portugal o regime sesmarial era utilizado para corrigir distorções detectadas no uso de terras rurais (ociosidade, êxodo rural e falta de alimentos): confisco e redistribuição, PRODUÇÃO DE ALIMENTOS, COMBATER A CRISE AGRÍCOLA QUE ATINGIA PORTUGAL E TODA A EUROPA, ALIADA A PESTE NEGRA, E EM PORTUGAL A ORIGEM DATA EM 1375. No Brasil apenas o domínio útil era transmitido (similitude com a enfiteuse). - 1531: Martim Afonso de Souza – missão: distribuir as terras descobertas para fins de colonização (defesa do território contra invasões estrangeiras). Grandes quantidades de terras entregues a um pequeno número de pessoas. - Obrigações impostas ao sesmeiro (cláusulas resolutivas): colonizar a terra, ter nela sua morada habitual e cultura permanente, demarcar os limites, pagar os tributos, A) EXPLORAR E AUFERIR LUCRO DESSA EXPLORAÇÃO B) PROTEGER AS TERRAS CONTRA POSSÍVEIS INVASÕES. Instituto do comisso: se não cumprisse as obrigações, caía em comisso e as terras voltavam ao patrimônio da Coroa. Era transmissível por herança (causa mortis). MAS TAMBÉM HAVIAM DIREITOS: LEGAR AS TERRAS AOS SEUS HERDEIROS; B) REDISTRIBUIR PARCELAS DE TERRAS DE SUA CAPITANIA. - Influenciou o processo de formação de latifúndios e minifúndios (trabalhadores que ocupavam as sobras de sesmarias não aproveitadas ou áreas não concedidas – abastecimento interno - posseiros). 1.2 Período “Extra legal” ou “das posses” (de 17/07/1822 a 18/09/1850): - Período sem qualquer lei disciplinando a aquisição de terras (nem a Constituição de 1824 trouxe regulamentação a respeito – Resolução do Príncipe Regente de 07/07/1822: “conceda-se as terras requeridas e suspenda-se a concessão de novas sesmarias até a assembléia constituinte”). 3 - Situações verificadas: a) proprietários legítimos, por títulos de sesmarias concedidas e confirmadas, com todas as obrigações adimplidas pelos sesmeiros; b) possuidores de terras originárias de sesmarias, mas sem conformação por inadimplência das obrigações assumidas pelos sesmeiros; c) possuidores sem nenhum título hábil subjacente; e d) terras devolutas: aquelas dadas em sesmarias que foram devolvidas porque os sesmeiros caíram em comisso. - Ocupação desordenada do território (pequenas e grandes áreas). Império da força. 1.3 Período de institucionalização do direito agrário (de 18/09/1850 em diante): a) Lei de Terras de 1850 (Lei nº 601 de 18/09/1850) (tentativa de converter as situações fáticas em jurídicas): - objetivos: a) proibir a investidura de qualquer súdito, ou estrangeiro, no domínio de terras devolutas, excetuando-se os casos de compra e venda; b) outorgar títulos de domínio aos detentores de sesmarias confirmadas; c) outorgar títulos de domínio a portadores de quaisquer outros tipos de concessões de terras feitas na forma da lei então em vigor uma vez comprovado o cumprimento das obrigações assumidas nos respectivos instrumentos; e d) assegurar a aquisição do domínio de terras devolutas através da legitimação de posse, desde que fosse mansa e pacífica, anterior e até a vigência da lei. Foi regulamentada pelo Decreto nº 1.318 em 30/01/1854. - Registro Paroquial ou do Vigário (art. 97 do Decreto nº 1.318/1854): Art. 97. Os Vigários de cada uma das Freguesias do Império são os encarregados de receber as declarações para o registro das terras, e os incumbidos de proceder a esse registro dentro de suas Freguesias, fazendo-o por si, ou por escreventes, que poderão nomear, o Ter sob sua responsabilidade - problemas: insuficiência de pessoal habilitado para o desempenho dos ofícios de juiz comissário e inspetor de medição de terras vagas; barreiras institucionais e geográficas. - destaques: legitimação de posse; proteção aos silvícolas; limitações ao acesso de estrangeiros; proteção às terras situadas na faixa de fronteira. 4 - impediu o acesso à terra aos negros e aos pobres, pois obrigou que a terras públicas, após a data da edição da Lei, somente poderiam ser vendidas. b) Constituição Republicana de 1891: transferiu (art. 64) aos Estados as terras devolutas, ficando reservadas à União apenas as áreas destinadas à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro, e terrenos de marinha. Art. 64. Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. Parágrafo único. Os próprios nacionais, que não forem necessários para o serviço da União, passarão ao domínio dos Estados, em cujo território estiverem situados. Art. 72. § 17. O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. As minas pertencem aos proprietários do solo, salvas as limitações que forem estabelecidas por lei a bem da exploração deste ramo de indústria. c) Código Civil de 1916: disciplinou vários institutos (como a posse, por exemplo), mas com uma visão muito individualista. Posse agrária X posse civil. DIFERENÇAS ENTRE POSSE AGRÁRIA E POSSE CIVIL POSSE AGRÁRIA POSSE CIVIL Verifica-se somente em imóveis públicos rurais Verifica-se somente em terras particulares (rurais e urbanas) É imprescindível que seja legítima Pode ser legítima ou ilegítima Deve ser exercida diretamente pelo posseiro e seus familiares Pode ser exercida por interposta pessoa Sua transformação em domínio visa o atendimento de um interesse social Sua transformação em domínio visa o atendimento de um interesse individual Transforma-se em domínio através da legitimação de posse Transforma-se em domínio através do usucapião Art. 593 – CC/16: disciplinava sobre a ocupação de enxames de abelhas, temos a regra: “são coisas sem dono e sujeitas à apropriação: (...) III – Os enxames de abelhas, anteriormente apropriadas, se o dono da colmeia, a que pertenciam, os não reclamar imediatamente”. 5 Arts. 683, 685, 681 e 692 – CC/16: (Fontes legais do Direito Agrário Brasileiro) Enfiteuse: recaía sobre terras não cultivadas e que se destinam ao cultivo agrícola, podendo ser objeto de contratos agrários. O enfiteuta não podia vender o domínio útil sem prévio aviso ao senhorio; caso o fizesse, poderia este usar de seu direito de preferência (CC, art.683). Já se dispunha que “o enfiteuta que sem acordo do senhorio vende uma parte do prazo incorre em comisso”. (OPITZ apud LAFAYETTE) Os bens enfitêuticos transmitiam-se por herança, mas podiam ser divididos em glebas sem consentimento do senhorio (CC, art. 681). “Por morte do enfiteuta passa o prazo aos seus herdeiros, os quais ficam possuindo indiviso até que se faça a partilha”. (OPITZ apud LAFAYETTE) A CF/88 extinguiu a enfiteuse rural. d) Constituição Federal de 1934: Art. 113. 17) É garantido odireito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior. Art. 1251. Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por dez anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, um trecho de terra até dez hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele a sua morada, adquirirá o domínio do solo, mediante sentença declaratória devidamente transcrita. Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las. Art. 130. Nenhuma concessão de terras de superfície, superior a dez mil hectares, poderá ser feita sem que, para cada caso, preceda autorização do Senado Federal. Art. 166. Dentro de uma faixa de cem quilômetros ao longo das fronteiras, nenhuma concessão de terras ou de vias de comunicação e a abertura destas se efetuarão sem audiência do Conselho Superior da Segurança Nacional, estabelecendo 1 Usucapião pro labore 6 este o predomínio de capitais e trabalhadores nacionais e determinando as ligações interiores necessárias à defesa das zonas servidas pelas estradas de penetração. § 3º O Poder Executivo, tendo em vista as necessidades de ordem sanitária, aduaneira e da defesa nacional, regulamentará a utilização das terras públicas, em região de fronteira, pela União e pelos Estados, ficando subordinada à aprovação do Poder Legislativo a sua alienação. e) Constituição de 1937: Art. 122. 14) O direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício. Art. 148. Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por dez anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, um trecho de terra até dez hectares, tornando-o produtivo com o seu trabalho e tendo nele a sua morada, adquirirá o domínio, mediante sentença declaratória devidamente transcrita. Art. 155. Nenhuma concessão de terras, de área superior a dez mil hectares, poderá ser feita sem que, em cada caso, preceda autorização do Conselho Federal. Art. 165. Dentro de uma faixa de cento e cinqüenta quilômetros ao longo das fronteiras, nenhuma concessão de terras ou de vias de comunicação poderá efetivar-se sem audiência do Conselho Superior de Segurança Nacional, e a lei providenciará para que nas indústrias situadas no interior da referida faixa predominem os capitais e trabalhadores de origem nacional. f) Constituição de 1946: Art. 141 § 16. É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social2, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito à indenização ulterior. Art. 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 2 Criação da desapropriação por interesse social 7 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos. Art. 156. A lei facilitará a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras públicas. Para esse fim, serão preferidos os nacionais e, dentre eles, os habitantes das zonas empobrecidas e os desempregados. § 1º Os Estados assegurarão aos posseiros de terras devolutas, que nelas tenham morada habitual, preferência para aquisição até vinte e cinco hectares. § 2º Sem prévia autorização do Senado Federal, não se fará qualquer alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dez mil hectares. § 3º Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar, por dez anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, trecho de terra não superior a vinte e cinco hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele sua morada, adquirir-lhe-á a propriedade, mediante sentença declaratória devidamente transcrita. Art. 180. Nas zonas indispensáveis à defesa do País, não se permitirá, sem prévio assentimento do Conselho de Segurança Nacional: I – qualquer ato referente à concessão de terras, a abertura de vias de comunicação e a instalação de meios de transmissão; § 1º A lei especificará as zonas indispensáveis à defesa nacional, regulará a sua utilização e assegurará, nas indústrias nelas situadas, predominância de capitais e trabalhadores brasileiros. g) Emenda Constitucional nº 10 de 10/11/1964: Art. 1º A letra a do nº XV do art. 5º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 5º Compete à União: XV – Legislar sobre: a) Direito Civil, Comercial, Penal, Processual, Eleitoral, Aeronáutico, do Trabalho e Agrário”; Devido a pressão política, social e econômica, dominante naquela época, forçaram a edição de seu aparecimento, até como forma de justificação ao movimento armado que eclodira poucos meses antes e que teve como estopim o impedimento a um outro movimento que pretendia, especificamente no universo fundiário, eliminar a propriedade como direito individual. 8 h) Estatuto da Terra (Lei nº 4.504 de 30/11/1964) - necessidade do Estado apresentar proposta para a resolução da questão agrária (agravada nos anos 60 e 70 – condução da questão agrícola, processo de industrialização) - marco no regime jurídico brasileiro; consagrou o princípio da função social da propriedade rural (primeiro atender às necessidades coletivas e só depois satisfazer as do indivíduo proprietário); traçou a disciplina das relações jurídicas agrárias. No campo específico do direito agrário, tem-se a função social da propriedade quando ela produz, respeita a ecologia e as regras inerentes às relações de trabalho. - Carlos Marés: "No Brasil, o Estatuto da Terra de 1964 seguiu a tradição dos sistemas anteriores de permitir um discurso reformista ao Governo mas impedir, de fato, uma quebra da tradição latifundiária da ocupação territorial. É verdade que modernizou os termos, humanizou os contratos, impediu velhas práticas semifeudais e pós-escravistas, mas na essência manteve intacta a ideologia da supremacia da propriedade privada sobre qualquer benefício social". O E.T. foi o segundo passo para a proteção do agricultor e do trabalhador rural, porque este já recebera o amparo devido com a Lei nº 4.214/63, que estabelecera o Estatuto do Trabalhador Rural (posteriormente regulado pela Lei 5.889/73). Nosso E.T., combinado com o Trabalhador Rural, pode ser equiparado nas suas linhas gerais ao “Trade Board Act” (Ato da Junta Comercial), de 1909, do Reino Unido. 1.4 Marcos do Direito Agrário Brasileiro: Lei de Terras (Lei nº 601/1850); EC 10/64 e Estatuto da Terra. E.T. – Procura desmembrar a grande propriedade do solo, na época, monopolizada por uma minoria, adotando a divisão prevista no art. 4º, mas sem esquecer a proteção social e econômica devida aos arrendatários cultivadoresdiretos e pessoais da terra. -Fixação do preço do arrendamento/parceria -Segurança posse do imóvel +Prazos das notificações 9 Cópia da Lei Inglesa +Direito de preferência +Indenização das benfeitorias 2. Autonomia do Direito Agrário: 2.1 Autonomia legislativa: Emenda Constitucional nº 10 de 10/11/1964 (art. 5º, XV, “a”: compete à União legislar sobre direito agrário); Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30/11/1964). 2.2 Autonomia científica: existência de princípios e normas próprias; objeto particularizado (atividade agrária). 2.3 Autonomia didática: disciplina em cursos de graduação e pós- graduação. 2.4 Autonomia jurisdicional: agraristas defendem a implantação da Justiça Agrária; a CF/88 refere-se ao tema no art. 126: Art. 126. Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) Parágrafo único. Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente no local do litígio. 3. Conceito de Direito Agrário: 3.1 Denominação: A denominação mais utilizada é direito agrário (direito rural, direito da reforma agrária, direito da agricultura, direito agrícola). A EC nº 10 de 10/11/1964 adotou a terminologia “direito agrário”, o que foi mantido na CF/88 (art. 22, I). 3.2 Conceitos da doutrina: Todos os conceitos convergem para um denominador comum: ou falam dos princípios ou da atividade agrária (objeto); a função social da propriedade também é a grande fundamentação dos principais conceitos de direito agrário. (Homem, terra, produção, sociedade, dignidade da pessoa humana, solidariedade). - Fernando Pereira Sodero: “é o conjunto de princípios e normas, de direito público e de direito privado, que visa disciplinar as relações emergentes da atividade rural, com base na função social da terra”. - Paulo Torminn Borges: “é o conjunto sistemático de normas jurídicas que visam disciplinar as relações do homem com a terra, tendo em vista o 10 progresso social e econômico do rurícola e o enriquecimento da comunidade”. - Octávio Mello Alvarenga: “é o ramo da ciência jurídica, composto de normas imperativas e supletivas, que rege as relações emergentes da atividade do homem sobre a terra, observados os princípios de produtividade e justiça social”. - Raymundo Laranjeira: “é o conjunto de princípios e normas que, visando a imprimir função social à terra, regulam relações afeitas à sua pertença e uso e disciplinam a prática das explorações agrárias e da conservação dos recursos naturais”. Logo, o Direito Agrário é o conjunto sistemático de normas jurídicas que visam disciplinar as relações do homem com a terra, tendo em vista o progresso econômico e social do rurícola e o enriquecimento da comunidade. 3.3 Atividades Agrárias (objeto): ação humana orientada no sentido da produção agrícola (processo produtivo). Classificação: a) explorações rurais típicas (lavoura, pecuária, extrativismo vegetal e animal, hotigranjearia); b) exploração rural atípica (agroindústria); c) atividade complementar da exploração rural (transporte e comercialização dos produtos). 4. Princípios de Direito Agrário: 4.1: Princípios conforme Benedito Ferreira Marques: a) monopólio legislativo da União (art. 22, I, CF); b) a utilização da terra se sobrepõe à titulação dominial; c) a propriedade da terra é garantida, mas condicionada ao cumprimento da função social; d) o direito agrário é dicotômico: compreende política de reforma (reforma agrária) e política de desenvolvimento (política agrícola); e) as normas jurídicas primam pela prevalência do interesse público sobre o individual; f) a reformulação da estrutura fundiária é uma necessidade constante; g) o fortalecimento do espírito comunitário, através de cooperativas e associações; h) o combate ao latifúndio, ao minifúndio, ao êxodo rural, à exploração predatória e aos mercenários da terra (especulação); i) a privatização dos imóveis rurais públicos; 11 j) a proteção à propriedade familiar, à pequena e à média propriedade; k) o fortalecimento da empresa agrária; l) a proteção da propriedade consorcial indígena; m) o dimensionamento eficaz das áreas exploráveis; n) a proteção do trabalhador rural; e o) a conservação e preservação dos recursos naturais e a proteção do meio-ambiente. BARROS, cita 5 princípios fundamentais do Direito Agrário: 1. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, 2. JUSTIÇA SOCIAL, com a criação do direito agrário buscou a justiça social no campo criando leis inovadoras que permitissem mudar a estrutura injusta existente em que o homem do campo era apenas um trabalhador, uma engrenagem. 3. PREVALÊNCIA DO INTERESSE COLETIVO SOBRE O INDIVIDUAL, é a forma intermediária para que se pudesse chegar à justiça social. 4. REFORMULAÇÃO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA 5. PROGRESSO ECONÔMICO E SOCIAL, as mudanças propostas também visavam a maior produtividade, não só no contexto individual, mas também no aumento da produção primária do País. 4.2 A Função Social da Propriedade: - primeiro momento da história: desenvolvimento da agricultura e domesticação dos animais: propriedade coletiva; - conceito absolutista de propriedade: aquele pelo qual deve ser assegurado em toda a sua plenitude, podendo o proprietário usar, gozar e dispor da coisa como bem entenda; - socialismo: propunha a abolição da propriedade; - função social da propriedade: mitigação do conceito absolutista, não para extinguir o direito, mas para tornar possível a sua sustentação; - as duas primeiras Constituições brasileiras não fizeram menção à função social da propriedade: caráter absolutista; - Constituição de 1934: subordinação do exercício do direito de propriedade ao interesse social ou coletivo; - Constituição de 1937: apesar de não vincular diretamente o exercício do direito de propriedade ao interesse social ou coletivo, dispôs que "o seu conteúdo e seus limites serão definidos nas leis que regulam o seu exercício"; - Constituição de 1946: criação do instituto da desapropriação por interesse social; - Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra): instituiu o princípio da função social na legislação brasileira: 12 "Art.2º. É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei. §1º A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais; d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivam." - Constituição de 1967: a função social da propriedade alcançou status constitucional: "Art.157. A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: (...) III - função social da propriedade." - Constituição de 1988: Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservaçãodo meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. A função social da propriedade sustenta que o direito de propriedade está condicionado ao bem-estar social. 5. Terras Devolutas e Ação Discriminatória: 5.1 Terras devolutas: - instituto genuinamente brasileiro; origens: terras dadas em sesmarias que foram devolvidas porque os sesmeiros caíram em comisso (não cumpriram as obrigações); - Lei nº 601/1850, art. 3º: São terras devolutas: as que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial ou municipal; as que não se acharem no domínio particular, por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta de cumprimento das condições 13 de medição, confirmação e cultura; as que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do governo, que, apesar de incursas em comisso, forem revalidadas por esta lei; as que não se acharem ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em título geral, forem legitimadas por esta lei (definição por exclusão); - Constituição de 1891 transferiu aos Estados as terras devolutas, ficando reservadas à União apenas as áreas destinadas à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro, e terrenos de marinha; - o Decreto-lei nº 2.375/87 trouxe o conceito de não serem devolutas as terras que eventualmente tenham sido arrecadadas ou discriminadas e matriculadas em nome da União por força do DL nº 1.164 /71 (faixa de 100 km às margens das rodovias citadas): o STF acolheu esse conceito (ACO nº 481-TO e ACO nº477-TO): “Não são passíveis de enquadramento como terras devolutas, para o efeito previsto no caput do artigo 2º do Decreto-Lei nº 2.375/87, as glebas que tiveram situação jurídica devidamente constituída ou em processo de formação. Tal é o caso de imóvel matriculado no registro de imóveis em nome da União, ao tempo em que ocorre a tramitação de processos objetivando a titulação por posseiros via o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)”. - Constituição Federal de 1988: Art. 20. São bens da União: II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; Art. 188. A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária. § 1º - A alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional. § 2º - Excetuam-se do disposto no parágrafo anterior as alienações ou as concessões de terras públicas para fins de reforma agrária Art. 225 § 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. 14 5.2 Processo Discriminatório: - conceito da Lei nº 601/1850: estremar o domínio público do particular; - o INCRA é o representante da União (art. 11 do Estatuto da Terra); - Lei nº 6.383/76: procedimento administrativo e procedimento judicial (ação); sentença homologatória serve de título de proprietário para o registro imobiliário competente; tem caráter preferencial e prejudicial em relação às ações em andamento, que se refiram ao domínio ou à posse de imóveis situados no todo ou em parte, na área discriminada. PROCESSO ADMINISTRATIVO: a Presidência do INCRA cria uma Comissão Especial de 3 membros com a finalidade específica de discriminar terras devolutas da União. Formada esta, inicia-se o processo administrativo propriamente dito, com a apresentação de memorial descritivo da área apontada como devoluta, intimando-se os interessados por edital para que em 60 dias se manifestem a respeito, abrindo-se lhes prazo de defesa e produção de prova. Ausentes de dúvidas, que as terras são efetivamente devolutas, o Presidente da Comissão Especial determinará seu registro no Registro de Imóveis competente. PROCESSO JUDICIAL: de discriminação de terras devolutas tem o rito sumário do Código de Processo Civil e será proposto na Justiça Federal, diante do interesse da União. A petição inicial será instruída com memorial descritivo do imóvel; os interessados serão citados e poderão responder e produzir provas. A apelação da sentença que discrimina a terra devoluta tem apenas efeito devolutivo, o que faculta sua imediata execução, que corresponde à demarcação da área. O Ministério Público da União é presença obrigatória no processo. 6. Imóvel Rural: 6.1 Definição: - art. 4º, I do Estatuto da Terra: o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada. - art. 4º, I da Lei nº 8.629/93: o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial. Estatuto da Terra (Lei n. 4054/64), art. 4°, inciso I: “I - "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou 15 agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;” Logo, o Estatuto da Terra adotou o critério da DESTINAÇÀO como elemento diferenciador entre imóvel rústico e urbano. O Código Tributário Nacional (Lei n. 5172/66) adotou o critério da LOCALIZAÇÃO, no art. 29: “Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município.” Posteriormente, quanto a matéria legal em plena vigência, a Lei n. 8.629/93, que veio regulamentar os arts. 184 e 186 da CF/88, trouxe em seu art. 4°, inciso I, novamente o critério DESTINAÇÃO DO IMÓVEL: “I - Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;” Não obstante, a Lei. 9.393/96, que atualmente dispõem sobre o ITR também utilizou-se do critério LOCALIZAÇÃO DO IMÓVEL, em seu art. 1°: Art. 1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano. § 1º O ITR incide inclusive sobre o imóvel declarado de interesse social para fins de reforma agrária, enquanto não transferida a propriedade, exceto se houver imissão prévia na posse. § 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se imóvel rural a área contínua, formada de uma ou mais parcelas de terras, localizada na zona rural do município. § 3º O imóvel que pertencer a mais de um município deverá ser enquadrado no município onde fique a sede do imóvel e, se esta não existir, será enquadrado no município onde se localize a maior parte do imóvel. Elementos constitutivos do Imóvel Rural: prédio rústico, área contínua e destinação voltada para as atividades agrárias. Prédio rústico:O prédio rústico é aquela construção que atende às necessidades de moradia e exploração econômica do meio rural, repleto de benfeitorias para o recolhimento de gado, para estocagem de frutos, cereais, etc. 16 Área contínua: é a extensão de terra continuamente, ou seja ininterruptamente que se dedica à atividade agrária. (Existe a possibilidade de intervalos de produção para descanso do solo etc., não desnaturando a finalidade da área para a exploração de atividades rurais). 6.2 Dimensionamento do imóvel rural: - Módulo rural: segundo o Estatuto da Terra (art. 4º, II e III) era a medida de área fixada para a propriedade familiar; obs.: art. 65: o imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural; O inciso II, do art. 4º, do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), define como "Propriedade Familiar" o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantido-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente, trabalhado com a ajuda de terceiros. O conceito de módulo rural é derivado do conceito de propriedade familiar, e, em sendo assim, é uma unidade de medida, expressa em hectares, que busca exprimir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico. Definir o que seja Propriedade Familiar é fundamental para entender o significado de Módulo Rural. Logo: MÓDULO RURAL = PROPRIEDADE FAMILIAR!!! Órgão competente para afixar a medida de área: INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A INDIVISIBILIDADE DO MÓDULO RURAL Um dos fundamentos básicos para a criação do módulo rural foi a necessidade de se estabelecer uma área mínima de terra, onde o homem do campo e sua família pudessem trabalhar com perspectiva de progresso econômico e social. Ao estabelecer essa quantidade mínima de terra dentro de sua pretensão reformista de desapropriação de áreas, cobranças de tributos, também o legislador proibir que, fora de seu campo de atuação, pudessem os imóveis sofrer divisões em áreas inferiores a esse mínimo, ou nos também chamados minifúndios. 17 Art. 65. O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural. § 1º Em caso de sucessão causa mortis e nas partilhas judiciais ou amigáveis, não se poderão dividir imóveis em áreas inferiores às da dimensão do módulo de propriedade rural. § 2º Os herdeiros ou os legatários, que adquirirem por sucessão o domínio de imóveis rurais, não poderão dividi-los em outros de dimensão inferior ao módulo de propriedade rural. Módulo Fiscal (art. 50, §2°, Estatuto da Terra, com redação dada pela Lei n. 6746/79) Conceito: Unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada município, considerando os seguintes fatores: • Tipo de exploração predominante no município; • Renda obtida com a exploração predominante; • Outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam significativas em função da renda ou da área utilizada; e • Conceito de propriedade familiar. - Finalidades do Módulo Fiscal: • Inicialmente servia como elemento constitutivo para a fixação do ITR; • Segundo o art. 22, incisos I, II e III, do Decreto n. 84.685/80: minifúndio, propriedade familiar, empresa rural, latifúndio por exploração e latifúndio por dimensão13; • serve de parâmetro para classificação do imóvel rural quanto a sua dimensão, definindo os limites para a pequena e média propriedade nos termos do art. 4º, incisos II e III da Lei nº 8.629 de 25 de fevereiro de 1993; • delimitação dos beneficiários do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF; • estabelece os critérios de resgate da dívida agrária pagos como indenização das desapropriações por interesse social, de acordo com o art. 5º, parágrafo 3º, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 e suas alterações; • base de cálculo para a contribuição do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR. O Módulo Fiscal, vigente de cada município, foi fixado pelos seguintes atos normativos: Instruções Especiais/INCRA Nº 19/80, 20/80, 23/82, 27/83, 29/84, 32/85, 33/86 e 37/87; Portaria/MIRAD nº 665/88 e 33/89; Portaria MA nº 167/89; Instrução Especial/INCRA nº 39/90, Portaria Interministerial MEFP/MARA nº 308/91 e nº 404/93; Instrução Especial 18 INCRA nº 51/97, Instrução Especial INCRA Nº 1/2001e Instrução Especial INCRA Nº 03/2005. Diferença entre Módulo Rural e Módulo Fiscal: Módulo Rural é calculado para cada imóvel rural em separado, e sua área reflete o tipo de exploração predominante no imóvel rural, segundo sua região de localização. Módulo Fiscal por sua vez é estabelecido para cada município, e procura refletir a área mediana dos Módulos Rurais dos imóveis rurais do município. Fração Mínima de Parcelamento – FMP: Conceito de Fração Mínima de Parcelamento: Área mínima fixada para cada município, que a lei permite desmembrar, para constituição de um novo imóvel rural, desde que o imóvel original permaneça com área igual ou superior à área mínima fixada (artigo 8º, da Lei nº 5.868/72). A Fração Mínima de Parcelamento do imóvel rural corresponderá sempre à menor área entre o módulo rural e a fração mínima do município. Quando o módulo rural do imóvel for menor do que a fração mínima do município, este imóvel não poderá ser desmembrado. A Instrução Especial INCRA nº 50/97 que estabelece as novas ZTM – Zona Típica de Módulo, estende a FMP – Fração Mínima de Parcelamento, prevista para as capitais dos estados aos demais municípios e revoga as Portarias MIRAD nº 32/89 e MA nº 168/89. Com a aprovação desta Instrução Especial, a FMP do município passou a corresponder ao módulo de exploração hortigranjeira da ZTM a que pertence. 6.3 Classificação do imóvel rural: - minifúndio: imóvel rural de área e possibilidades inferiores às da propriedade familiar; - propriedade familiar: art. 4º, II do Estatuto da Terra: o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros; conceito era antes vinculado ao módulo rural, mas após a criação da fração mínima de parcelamento passou a ser atrelado a ela; 19 - pequena propriedade: art. 4º, II, a, da Lei nº 8.629/93: área compreendida entre 1 e 4 módulos fiscais; - média propriedade: art. 4º, III, a, da Lei nº 8.629/93: área compreendida entre 4 e 15 módulos fiscais; - grande propriedade: área compreendida entre 15 e 600 módulos fiscais; - latifúndio: a) por extensão: mais de 600 módulos fiscais (Decreto nº 84.658/80 que regulamentou a Lei nº 6.746/79); b) por exploração: art. 22, II, b, do Decreto nº 84.658/80: não excedendo o limite referido no inciso anterior e tendo dimensão igual ou superior a um módulo fiscal, seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja, deficiente ou inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito de empresa rural. REFORMA AGRÁRIA A história da propriedade rural no Brasil pode ter como marco o Tratado de Tordesilhas, de 07/06/1494, firmado entre D. João e D.Fernando e Isabel, homologado por bula papal, pacificando as rivalidades entre os reinos de Portugal e Espanha. Com a descoberta do Brasil, Portugal sentiu necessidade de colonizar as novas terras, com o claro intuito de fortalecer a segurança do reino, incentivar o seu povoamento e aumentar a sua riqueza. Assim foi enviado ao nosso País Martin Afonso de Souza, na condição de Governador-Geral, com poderes para doar a posse de terras aos que nelas produzissem, sob pena de retomada; surgindo dessa forma o donatarialismo. Como a mencionada forma de exploração não surtiu efeitos foi implantada as capitanias hereditárias, dizendo que estas tentativas pela Coroa Portuguesa serem as primeiras formas de reforma agrária. Terras Devolutas e Ação Discriminatória: Terras devolutas: Conceito art. 3º da Lei nº 601/1850. Processo Discriminatório: 20 - conceito da Lei nº 601/1850: estremar o domínio público do particular; Como já se viu, terras devolutas são terras públicas, em decorrência da própria origem da propriedade no País. Mas, como se adota o princípio de consolidação do direito de propriedade somente através do registro público, evidentemente que surgiu a necessidade de se discriminar tais áreas, tornando-as passíveis de inserção no registro de imóveis. Surgindo a Lei nº 6.383/76 que estabeleceu regras para discriminar as terras devolutas da União. Segundo a respectiva lei o processo discriminatório pode ter origem administrativa ou ser instaurado judicialmente. Em qualquer das formas por ser o INCRA o representante da União (art. 11 do Estatuto da Terra) este é o titular da proposição. PROCESSO ADMINISTRATIVO: a Presidência do INCRA cria uma Comissão Especial de 3 membros com a finalidade específica de discriminar terras devolutas da União. Formada esta, inicia-se o processo administrativo propriamente dito, com a apresentação de memorial descritivo da área apontada como devoluta, intimando-se os interessados por edital para que em 60 dias se manifestem a respeito, abrindo-se lhes prazo de defesa e produção de prova. Ausentes de dúvidas, que as terras são efetivamente devolutas, o Presidente da Comissão Especial determinará seu registro no Registro de Imóveis competente. PROCESSO JUDICIAL: de discriminação de terras devolutas tem o rito sumário do Código de Processo Civil e será proposto na Justiça Federal, diante do interesse da União. A petição inicial será instruída com memorial descritivo do imóvel; os interessados serão citados e poderão responder e produzir provas. A apelação da sentença que discrimina a terra devoluta tem apenas efeito devolutivo, o que faculta sua imediata execução, que corresponde à demarcação da área. O Ministério Público da União é presença obrigatória no processo. Conceito de Reforma Agrária: O Estatuto da Terra em seu art. 1º, § 1º, conceitua o que se deve entender por reforma agrária, quando menciona Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade 21 Do conceito estabelecido pelo legislador, logo se extrai a conclusão de que reforma agrária é, acima de tudo, distribuição de terras, mas não apenas isso. As terras serão distribuídas, porém com duas finalidades básicas: a busca de justiça social e o aumento de produtividade. Terras passíveis de Reforma Agrária: A desapropriação de terras pela União, para fins de reforma agrária, tornou-se possível no direito positivo brasileiro através do art. 147, § 1º, CF/1946, pela redação que lhe deu a EC 10/64, que foi o marco de surgimento do direito agrário no País. E a implementação ordinária desse dispositivo veio com o Estatuto da Terra. Uma vez que as terras passíveis de reforma agrária, na visão estatutária, eram as seguintes: Art. 20. As desapropriações a serem realizadas pelo Poder Público, nas áreas prioritárias, recairão sobre: I - os minifúndios e latifúndios; II - as áreas já beneficiadas ou a serem por obras públicas de vulto; III - as áreas cujos proprietários desenvolverem atividades predatórias, recusando-se a pôr em prática normas de conservação dos recursos naturais; IV - as áreas destinadas a empreendimentos de colonização, quando estes não tiverem logrado atingir seus objetivos; V - as áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários, parceiros e posseiros; VI - as terras cujo uso atual, estudos levados a efeito pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária comprovem não ser o adequado à sua vocação de uso econômico. A especificação de terras passíveis de reforma agrária, estabelecida pelo Estatuto da Terra, tinha um leque muito grande de possibilidades. No entanto, a maior ênfase foi dada às áreas de minifúndios e de latifúndios. Estas, correspondendo àquelas terras de tamanhos inferiores a um módulo rural, que podem se enquadrar entre 2 e 120 hectares, dependendo de sua localização geográfica e tipo de exploração nela verificada. Já os latifúndios seriam aquelas superiores a 600 módulos rurais. Mas devido o insucesso da reforma agrária após a edição do Estatuto da Terra, em 1987 foi promulgado o Decreto-Lei nº 2362, restringindo às propriedades acima de 1.500 hectares, na zona da SUDAM – Superintendência para Desenvolvimento da Amazônia - , de 1.000 hectares, para aquelas da região da SUDECO - Superintendência para Desenvolvimento do Centro-Oeste -, de 500 hectares, para a região da 22 SUDENE - Superintendência para Desenvolvimento do Nordeste – e de 250 hectares para o restante do País, acentuando ainda, como segundo pressuposto, a condição de improdutivas. A Constituição Federal de 1988 modificou os critérios de desapropriação, tendo como regra geral que toda a área que não cumpra a sua função social será desapropriada, conforme o art. 184. Entretanto, veio o art. 185, que tornou insuscetíveis de desapropriação a pequena e a média propriedade, desde que o proprietário não possua outra, e a propriedade produtiva. Logo, restam áreas passives de reforma agrária apenas as grandes propriedades improdutivas. A Lei nº 8.629/03, no seu art. 4º, definiu pequena propriedade como aquela de área inferior a 4 módulos fiscais; média propriedade, aquela de área superior a 4 até 15 módulos fiscais. Evidentemente que a lei não conceituou a que seria uma grande propriedade, sendo facilmente inserível de ser aquela área superior a 15 módulos ficais. O conceito de módulo fiscal, instituto originalmente criado para calcular o ITR, está na atualidade abandonado em seu mister pela Lei nº 8.847/94, que estabeleceu novas regras para o ITR e retornou para o hectare, é encontrável na análise dos arts. 49 e 50 da Lei 4504/64, e que pode ser definido como o resultado encontrado pela divisão da área aproveitável de uma propriedade com o módulo fiscal padrão existente em todo município. Exemplo: propriedade de 100 ha, com área aproveitável de 80 ha, situada no município cujo padrão de módulo fiscal prévio estabelecido pelo INCRA seja de 10 ha por módulo, ter-se-á, portanto, uma área de 8 módulos fiscais; logo, na definição legal, uma média propriedade e por isso insuscetível de desapropriação para a reforma agrária. Como segundo temos uma propriedade rural de 100 ha, com um excelente aproveitamento de 90 ha, situada em município que prefixou o módulo fiscal em 5 ha. O resultado é uma propriedade com 45 módulos fiscais e, dessa forma, uma grande propriedade rural para efeitos de desapropriaçãopara fins de reforma agrária. O conceito de propriedade produtiva, como elemento econômico para se reconhecer como insuscetível de desapropriação uma propriedade rural, é encontrável no art. 6° da Lei 8.629/93, Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente. 23 E no § 1° do mesmo artigo, diz que o grau de utilização da terra não pode ser inferior a 80% entre a área passível de aproveitamento e a efetivamente utilizada. Quanto ao conceito de eficiência na exploração, estabelece a lei grau 100% para todos os tipos de atividades agropastoris, não podendo ser inferior àqueles índices regionais. Em suma, uma propriedade será considerada produtiva se explorar 80% de sua área aproveitável com eficiência de 100% da média do que se produz regionalmente. O procedimento de desapropriação para Reforma Agrária A desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, prevista no art. 184 da CF, assim o princípio do devido processo legal desapropriatório, garantia constitucional ao indivíduo proprietário mesmo de uma grande propriedade improdutiva, de só se ver privado de seu imóvel rural mediante regramento específico, tem nestas leis suas regras procedimentais. Competência: diz a lei e a CF que a competência para desapropriar, por interesse social, para fins de reforma agrária, é da União, através de seu órgão executor da reforma agrária, o INCRA. Logo, os Estados e Municípios não podem desapropriar imóveis rurais para fazer reforma agrária, mas eles podem adquirir por compra, imóveis rurais e os distribuir conforme entenderem. O processo judicial tramitará na vara da Justiça Federal. A CF não recepcionou o Estatuto da Terra no tocante ao processo de desapropriação, já que criou estrutura própria no Título VII, Capítulo III – Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, estabelecendo princípios inequívocos quanto à competência federal. Prévio procedimento administrativo: não basta o INCRA pretender desapropriar esta ou aquela grande propriedade improdutiva, para que possa imediatamente ajuizar a ação desapropriatória. Há necessidade de um prévio procedimento administrativo, instaurado no próprio órgão, para que ele possa aferir se efetivamente o imóvel é grande e improdutivo, nos termos da Lei n° 8.629/93, procedimento este que culminará com decreto do Presidente da República, declarando o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária. Decreto desapropriatório: a cópia desse decreto, publicado no Diário Oficial da União, se constituirá em prova do bom direito do poder 24 expropriante, para o ajuizamento de medida cautelar de vistoria e avaliação, preparatória da ação de desapropriação propriamente dita. Diante da importância do direito em discussão e em respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa, e ainda que o laudo daí resultante servirá de prova para a propositura da ação de desapropriação, que esta comunicação deve se operar na pessoa do proprietário como regra. Prazo para ajuizamento da ação de desapropriação: a Lei Complementar n° 76, o seu art. 3°, estabelece que a ação de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, será ajuizada no prazo de 2 anos, contados da publicação do decreto declaratório no Diário Oficial da União. Conteúdo da petição inicial desapropriatória: a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, é uma ação especial e por isso tem requisitos próprios. A sua petição inicial, conforme o art. 5° da Lei Complementar n° 76, além do conteúdo exigível para qualquer ação previsto no Código de Processo Civil, exige que contenha ela a oferta do preço e seja instruída com os documentos constantes nos incisos do respectivo dispositivo. A LC 88/93 acrescentou dois outros documentos como indispensáveis: a) o comprovante de lançamento dos Títulos da Dívida Agrária correspondente ao valor ofertado para pagamento da terra nua e b) o comprovante de depósito em banco ou outro estabelecimento no caso da inexistência de agência na localidade, à disposição do juízo, correspondente ao valor ofertado para pagamento das benfeitorias úteis e necessárias. Oferta do preço, como requisito para propositura da ação desapropriatória, é explicável como obediência ao princípio constitucional de que, embora sendo possível a retirada da propriedade privada pelo poder público, isso somente se realizará, mediante justa e prévia indenização, em títulos da dívida agrária, para a terra nua, e em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias, nos termos do art. 5°, XXIV e 184 CF. Deve ser observado que ainda não é o depósito do preço. É apenas uma oferta, pois ele pode não ser aceito judicialmente. Essa oferta de preço deve corresponder ao que for apurado na prévia vistoria e avaliação, realizada administrativamente pelo INCRA. Texto do decreto declaratório de interesse social para desapropriação: deve acompanhar a inicial, pois é através dele que fica demonstrada a declaração de vontade pública de retirar a propriedade privada. E esta vontade tem de respeitar o princípio da publicidade, art. 37 25 CF. Logo, é documento essencial para a propositura da ação de desapropriação em análise. Certidão atualizada de domínio e de ônus real do imóvel e a certidão cadastral do imóvel servem para indicar quem é o proprietário do imóvel, se sobre ele existe algum ônus real e qual sua condição cadastral no INCRA. Laudo de vistoria e avaliação serve para demonstrar judicialmente que a propriedade imóvel nele apontada é grande e improdutiva e, ainda, para fixar a existência de todas as circunstâncias nele encontradas, como minudentemente descreve a própria lei, ou seja, a desapropriação está sendo realizada tomando por base dados técnicos, e não empíricos, do imóvel. Petição inicial desapropriatória em juízo: estando a petição inicial em ordem, será distribuída a um juiz federal da situação do imóvel que, de plano, ou em 48 horas: a) mandará intimar o autor na posse do imóvel; b) determinará a citação do expropriado para contestar o pedido e indicar assistente técnico, se quiser e c) expedirá mandado ordenando a averbação de ajuizamento da ação no registro de imóvel expropriando, para conhecimento de terceiro. A determinação de imissão imediata na posse do imóvel é alteração criada pela LC 88, eis que o dispositivo anterior submetia a oferta do preço ao prévio crivo judicial. A justificativa propalada pelo Governo Federal para a criação deste dispositivo é de que, pela sistemática anterior, a imissão de posse pelo INCRA se tornava muito demorada, o que impedia o desenvolvimento da reforma agrária. Sabemos que o Poder Judiciário é independente nos precisos termos constitucionais, e não pode sofrer ingerência na sua função de dizer o direito. Evidentemente que, se houver correspondência entre o preço ofertado e depositado e aquilo que a CF chama de indenização prévia e justa do imóvel desapropriado, em respeito ao princípio da presunção de verdade onde se embasam as declarações de vontade da administração pública, é de ser deferida a liminar imissiva de posse. Embora se a determinação legal não prevalecerá se o processo desapropriatório estiver eivado de vícios formais, como depósito insuficiente da oferta de preço, inicial desacompanhada de documentos exigidos por lei e houver dúvida quanto à natureza do imóvel passível de desapropriação. Formação do contraditório:a LC 76/93 estabelece que a citação do expropriando será feita na pessoa do proprietário do bem ou de seu representante legal, ressalta que, sendo ele espólio e inexistindo 26 inventariante, ela será feita na pessoa do cônjuge sobrevivente ou na de qualquer herdeiro ou legatário que esteja na posse do imóvel (art. 7º, § 2º). Como fica a situação da figura do companheiro? Ainda, só serão citados os confrontantes que, fundamentalmente, tenham contestado as divisas do imóvel no processo administrativo de desapropriação. A lei possibilita citação via postal, através de carta com aviso de recebimento. A LC 88/96 instituiu a possibilidade de o juiz designar audiência de conciliação, com o intuito de abreviar o processo desapropriatório, para isso intimado as partes e o Ministério Público para data previamente estabelecida. Uma vez havendo acordo será homologado e terá força de sentença para posterior registro imobiliário. A defesa dos interessados: sendo a desapropriação para reforma agrária de interesse social, a LC 76/93 estabeleceu a possibilidade de ampla defesa, mas com a expressa ressalva de exclusão quanto ao interesse social declarado. (art. 9º) Logo, a defesa deverá ser apenas oposta quanto ao valor da indenização, eis que vedada qualquer discussão sobre o interesse social. Mas se o ato administrativo declaratório de interesse social for irregularmente expedido, como por exemplo, declarando a propriedade rural como grande e improdutiva, na definição dos arts. 4º e 6º da Lei 8629/93, evidente que a declaração está viciada. Podemos evocar a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal. Qual o valor considerado justo para que se possa indenizar a terra nua expropriada? Considera-se justa a indenização que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis, observados os aspectos do art. 12 da Lei 8.629/93. A fase instrutória da desapropriação: na regra geral apenas se discute o quantum a indenizar na fase instrutória, e excepcionalmente, a existência de algum vício no ato administrativo que declarou o interesse social do imóvel, estabelecendo o legislador que no tocante ao quantum cingiria apenas aos pontos impugnados no laudo de vistoria e avaliação que acompanhou a inicial. 27 Sentença desapropriatória: como não se pode discutir no processo de desapropriação, o interesse social declarado por decreto do Presidente da República, a sentença, por óbvio, transmitirá, no primeiro momento, a propriedade do particular para a União e, no segundo momento, fixará o valor da indenização correspondente aos TDAs, quanto à terra nua, e em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias, valendo-se o juiz de qualquer meio de convencimento, inclusive pesquisa de mercado. O valor da indenização deverá corresponder ao valor apurado na data da perícia, corrigido monetariamente até a data do efetivo pagamento, se evidentemente se louvá-lo nesta prova. Embora a lei não determine, a jurisprudência é pacífica em fazer integrar ao valor da indenização também o pagamento dos juros compensatórios e dos juros moratórios. Aqueles, de 12% ao ano, a partir da imissão da posse, como uma forma de compensar o proprietário pelo não- uso da terra. Estes, de 6% ao ano, agora a partir do trânsito em julgado da sentença ou do acórdão, compreendendo eles uma forma de compensação pela demora no pagamento. Os juros compensatórios e os juros moratórios são plenamente cumuláveis, consoante decisões pacíficas da jurisprudência, pois incidem sobre fatos diferenciados. Efeitos da apelação na ação desapropriatória: a regra geral disposta pelo CPC é que toda a apelação tenha duplo efeito, suspensivo – que tudo aquilo que foi decidido na sentença está suspenso até nova decisão pelo órgão recursal – e devolutivo que o processo será devolvido por inteiro ao segundo grau de jurisdição. Entretanto a sentença de desapropriação para fins de reforma agrária sofre algumas modificações. 1. Quanto ao ato de desapropriação em si mesmo, ou seja, a passagem da propriedade do domínio privado para o domínio público. Como não é possível a discussão sobre o mérito do interesse social declarado nesse ato, conforme vedação imposta pelo art. 9º da LC 76, o conteúdo sentencial que transmite a propriedade não estará sujeito à apelação. 2. Se haver vícios no ato desapropriatório e devidamente alegado na contestação, por via de consequência a sentença deverá enfrentá-lo, e se não admitir a alegação de defesa, ensejará apelação que necessariamente deverá ser aceita em efeito suspensivo, pois, se paira dúvida sobre a propriedade a desapropriar, o princípio constitucional que lhe protege surge como uma muralha na pretensão pública. 3. A segunda consequência da sentença é a indenização. E mesmo para essa, a apelação terá efeito meramente devolutivo, se interposta pelo 28 expropriado, e suspensivo, se interposta pelo expropriante. Trata-se de um privilégio do Estado, justificável, nesse caso, pela necessidade social de conseguir terras para implementar a reforma agrária. 4. Reexame necessário ou recurso de ofício: a LC 76 excepcionou a regra ao estabelecer no seu art. 13, § 1º, que somente haverá sujeição obrigatória ao duplo grau de jurisdição se a diferença entre o preço oferecido na inicial e a condenação fixada na sentença for superior a 50%, significando que, se a diferença for inferior, o privilégio da Fazenda Pública deixará de existir. Ministério Público Federal: será indispensável a presença e intervenção do MPF, art. 18, § 2º da LC 76/93. Distribuição das terras desapropriadas para a Reforma Agrária. O ato administrativo desapropriatório por interesse social, para fins de reforma agrária, portanto é complexo e não se exaure na tão-só transmissão de domínio. Há de haver, obrigatoriamente, a distribuição das terras desapropriadas. O prazo e os beneficiários da distribuição de terras na reforma agrária – a Lei n° 8.629/93 fixou no art. 16 o prazo de 3 anos, contados da data do registro do título translativo do domínio, para que o INCRA, que é o órgão federal encarregado da reforma agrária, destine as terras aos beneficiários, estabelecendo, agora no art. 19, ordem de preferência. Se no referido prazo o órgão governamental responsável pela reforma agrária não distribuir as terras, teria o proprietário expropriado direito de nulificar o ato administrativo. Títulos da dívida agrária: A CF, no seu art. 184, estabeleceu que a desapropriação para fins da reforma agrária teria como correspondente indenização o pagamento em títulos da dívida agrária. Como o próprio nome diz, trata-se de título público com finalidade específica para fins de custear a reforma agrária e que deve conter 1. A denominação Título da Dívida Agrária. 2. A quantidade de títulos; 3. A data do lançamento, 4. O valor nominal em real. Esses títulos podem ser transferidos mediante ordem do alienante e do alienatário à instituição financeira que o represente no sistema de liquidação 29 e custódia, vedado seu fracionamento. Vencem juros de 6% ao ano ou fração pro rata e correção monetária mensal. CONTRATOS AGRÁRIOS Legislação: Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) – artigos 92 a 96 Lei nº 4.947/66 – artigos 13 a 15 Decreto nº 59.566/66 – regulamenta a legislação. Código Civil – Orientação geral e aplicação subsidiária. 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS 1.1. Referências históricas: Nosso ordenamento jurídico, até o advento do código Civil de 1.916, era completamenteomisso no tocante à regulamentação das relações jurídicas contratuais relacionadas com as atividades agrárias. A Lei de Terras ( de 1850) silenciou a respeito do tema. Nem mesmo a proclamação da república mudou este quadro. Assim, as primeiras regras reguladoras dos contratos agrários estão inseridas no Código Civil de 1.916, que estabelecia disposições especiais aplicáveis aos prédios rústicos (artigos 1.211 a 1215), e regras referentes à parceria agrícola (artigos 1.410 a 1.423). O Código Civil de 1.916, apesar da economia da época ser essencialmente agrícola, é eminentemente urbano. Por isso estabeleceu poucas regras especificamente aplicáveis ao meio rural de forma a considerar proprietários e parceiros ou arrendatários como se fossem efetivamente iguais. É possível identificar considerável aperfeiçoamento na regulamentação dos contratos agrários a partir das normas editadas através do Estatuto da Terra, a partir do qual os contratos agrários passaram a ter regulamentação própria. Ainda assim, mesmo levando-se em conta maior limitação da liberdade contratual das partes envolvidas, dadas as imposições legais, não é possível dizer que houve real evolução dos contratos agrários a partir da Lei no 4.504/64, uma vez que esta não efetuou modificação substancial nos contratos de arrendamento e de parceria. O atual Código Civil (Lei nº 10.406/02), que entrou em vigor em janeiro/2003, não repetiu os dispositivos anteriores referentes à locação de prédio rústico e em relação à parceria rural, em função da legislação específica ( Estatuto da Terra). Quanto ao Comodato, também aplicável ao meio rural, o novo código repetiu a redação anterior e, no que diz respeito à empreitada, trouxe algumas alterações, como se pode ver no capítulo específico (art. 610 a 626). 30 Mas a grande inovação refere-se aos contratos em geral e, neste caso, serve como orientação também para os contratos agrários, sejam nominados ou inominados. Trata-se da inserção do princípio geral da função social do contrato. O art. 421 do novo Código assim dispõe: “ A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Em relação aos contratos agrários, cujas regras específicas estão no Estatuto da Terra e seus regulamentos, parte da doutrina agrarista, mais crítica, entende que não contribuem para o alcance da justiça social no campo. Como bem ressalta José dos Santos Pereira Braga ( in Dir. Agrário Brasileiro - org. Raimundo Laranjeira - Ed. Ltr), “os contratos de arrendamento e parceria, como estão disciplinados no Estatuto da Terra, constituem verdadeiros óbices à realização da justiça social no campo e o cumprimento da função social na medida em que, garantindo o desempenho econômico do imóvel e sua exclusão da reforma agrária, preterem o acesso do trabalhador à propriedade, com a negação do fundamental direito à terra.” Neste sentido, o Estatuto da Terra traz contradições em seu texto. Se por um lado (art. 2º) assegura a todos a oportunidade de acesso à terra, visando alcançar a justiça social (art. 16), por outro lado, na parte dedicada ao desenvolvimento rural, mais especificamente nos contratos agrários, acaba por estabelecer restrições ao acesso à terra por parte de quem efetivamente trabalha a terra. É necessário entender, contudo, que tanto a propriedade quanto a posse (agrária) estão condicionados ao princípio da função social e ao preceito básico de justiça social. Mas, a posse agrária, de quem efetivamente trabalha a terra, tende a tornar-se mais importante do que a propriedade estática. Não resta dúvida, portanto, que os contratos agrários baseiam- se em princípios e regras especiais, diferentes daquelas que regem os contratos em geral. Porém, com nova orientação inserida no novo Código civil (art. 421), o principio da autonomia da vontade e o princípio de que o contrato faz lei entre as partes, que já não tinham o mesmo significado no âmbito dos contratos agrários, agora, com maior ênfase, devem se subordinar à orientação geral da função social. Quanto ao cumprimento das regras obrigatórias estabelecidas em relação aos contratos agrários, o judiciário tem uma importante tarefa, evidentemente levando em conta os fins sociais da lei (art. 5º da L.I.C.C.), a efetiva garantia da função social do contrato e, em especial, levando em conta os objetivos estabelecidos no artigo 103 do Estatuto da Terra. 31 1.2. Suporte legal atual dos contratos agrários: Atualmente, a Lei nº 4.504/64 regula os contratos agrários nos artigos 92 a 96, além das regras estabelecidas pela Lei nº 4.947/66 (artigos 13 a 15), sendo que o regulamento da matéria está no Decreto nº 59.566/66. As disposições do Código Civil, conforme disposto no art. 92, § 9º da lei nº 4504/64, continuam sendo de aplicação subsidiária. 1.3. Características dos contratos agrários: - São consensuais: os direitos e obrigações das partes surgem com o simples consentimento das partes, aperfeiçoando-se com a integração das declarações de vontade dos declarantes. Porém, para o registro do contrato e nos casos de financiamento, é evidente e necessário que sejam feitos por escrito. - Bilaterais: as partes se obrigam reciprocamente, com interdependência entre as obrigações. - Onerosos: ambas as partes visam obter benefícios numa relação de equivalência, com obrigações de ambas as partes, o que apenas não ocorre no comodato, não regulado pela legislação específica. - Comutativos: há benefícios recíprocos certos, numa relação de equivalência das prestações. - De trato sucessivo: as obrigações são continuadas e não se esgotam numa simples operação de crédito. - Formais: ao menos em sua maioria, uma vez que devem ser escritos e registrados. Contudo, não há unanimidade neste aspecto, até porque a lei não exige forma especial para a sua formação e validade. - Maior limitação da liberdade de contratar, porque a lei estabelece cláusulas obrigatórias e, por outro lado, direitos e garantias irrenunciáveis, visando a proteção à parte mais fraca. 2. CONCEITOS Para Vivanco (apud José Braga - In D. Agrário Brasileiro), “contrato agrário é a relação jurídica agrária convencional que consiste no acordo de vontade comum destinado a reger os direitos e obrigações dos sujeitos intervenientes na atividade agrária, com relação a coisas e serviços agrários.” 32 Para Otávio M. Alvarenga ( apud Benedito F.Marques - In Dir. Agrário Brasileiro, AB Editora), “por contrato agrário devem ser entendidas todas as formas de acordo de vontade que se celebrem, segundo a lei, para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos vinculados à produtividade da terra.” Este conceito, como se pode verificar, abrange os contratos típicos ( parceria e arrendamento) e os atípicos. 3. MODALIDADES Os contratos agrários, à luz da legislação em vigor, podem ser divididos em contratos nominados ou contratos típicos, que englobam os contratos de arrendamento e parceria, e os contratos inominados ou atípicos, do que são exemplos o comodato, a empreitada, entre outros. Estes últimos, mesmo não havendo regra especial definida na lei, devem, como condição de validade e no que lhes for aplicável, cumprir as regras obrigatórias estabelecidas para os contratos de parceria e arrendamento. É o que vem disciplinado no art. 39 do Decreto nº 59.566/66. 4. ELEMENTOS OBRIGATÓRIOS: Qualquer que seja a forma do contrato e a modalidade adotada, ficam estabelecidas às partes as seguintes obrigações legais, independente de estarem inseridos na redação do contrato: - conservar os recursos naturais,- dever de proteção ao mais fraco na relação contratual ( via de regra o arrendatário e o parceiro outorgado); - Observância dos prazos mínimos estabelecidos por lei; - fixação do preço do aluguel dentro dos limites legais; - indenização, com direito de retenção das benfeitorias úteis e necessárias; - proibição de prestação de serviços gratuitos pelo arrendatário e parceiro outorgado; - proibição de obrigação do arrendatário beneficiar seus produtos na usina do arrendador e de vender a este os seus produtos. (art. 93 da Lei nº 4.504/64); - obrigatoriedade de cláusulas que assegurem a conservação dos recursos naturais (art. 13,111 da Lei nº 4.947/66 e art. 13,11 do Decreto 59.566/66); - proibição de usos e costumes predatórios da economia agrícola ( art. 92 do ET; art. 13,I da Lei nº 4.947/66 e art. 13,VII,b do Dec. Nº 59.566/66); - irrenunciabilidade de direitos e vantagens legalmente definidos em prol do arrendatário e parceiro-outorgado (art. 13,IV da Lei nº 4.947/66 e 33 art. 13, I do Dec. 59.566/66). Além de buscar a preservação dos recursos naturais renováveis e do meio ambiente em geral, as cláusulas obrigatórias nos contratos têm também, como finalidade garantir a proteção ao débil econômico, com fundamento claro de ordem pública, como vem estabelecido no artigo 13 da Lei nº 4.947/66. 5. PARTES: Os contratos agrários têm como partes contratantes, de um lado o proprietário ou quem detenha a posse, ou ainda, quem tenha a livre administração do imóvel rural. Tratando-se de arrendamento, quem cede a terra é denominado de arrendante e se for parceria rural, será denominado de parceiro outorgante (também chamado de parceiro proprietário). Do outro lado da relação contratual situa-se quem vai exercer a atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista (art. 1º do Dec. Nº 59.566/66). Além da terra, o gado, isoladamente, também pode ser objeto de parceria rural, especificamente a parceria pecuária. O contratante trabalhador, no arrendamento rural é denominado de arrendatário e na parceria rural sua denominação é parceiro-outorgado. Tanto o arrendatário como o parceiro outorgado, podem ser uma pessoa ou o conjunto familiar. 6. DIFERENÇAS ENTRE ARRENDAMENTO E PARCERIA: A diferença básica está relacionada às vantagens auferidas pela parte que se dedica à exploração do imóvel. No contrato de arrendamento rural são cedidos uso e o gozo do imóvel rural. Assim o arrendatário aufere todas as vantagens do imóvel, de acordo com o que ficou avençado. Na parceria é cedido apenas o uso específico do imóvel rural. O pagamento do arrendamento é ajustado em quantia certa (em dinheiro), como valor certo (art. 18 do Decreto), enquanto que na parceria, parceiro outorgante e parceiro outorgado partilham o resultado obtido. No arrendamento, os riscos correm por conta do arrendatário; na parceria rural, espécie de sociedade, os riscos correm por conta das duas partes, podendo ocorrer a partilha de prejuízos. 34 7. FORMA DOS CONTRATOS: Pode ser tanto escrita como verbal, de forma expressa ou tácita ( art. 92). Contudo, para maior garantia, convém que os contratos sejam escritos. Nos contratos verbais subentende-se estarem presentes todas as cláusulas e condições obrigatórias estabelecidas em lei. O contrato agrário pode, portanto, ser provado exclusivamente por testemunhas, independentemente do seu valor. 8. PRAZOS MÍNIMOS LEGAIS: ( regra geral é o prazo mínimo de 3 anos) Os contratos de arrendamento e de parceria podem ser celebrados por prazo determinado ou indeterminado. De qualquer forma é obrigatória a observância dos prazos mínimos estabelecidos na lei. Sendo de prazo indeterminado, não pode ser extinto antes deste prazo mínimo estabelecido na lei, presumindo-se feito pelo prazo mínimo de 3 anos. Quanto ao arrendamento (locação) por prazo indeterminado, o Estatuto da Terra estabeleceu uma inovação em relação ao Código Civil de 1.916. Este, na falta de estipulação de prazo certo, previa a duração necessária a uma colheita. O artigo 95, I e II e o art. 96,I do ET fixam o prazo mínimo de 3 anos para os contratos de arrendamento e de parceria, com a garantia de prorrogação até a ultimação da colheita. A mesma regra vem estabelecida nos artigos 21 e 37 do Regulamento. No caso da parceria, há o entendimento de que o prazo é mínimo e único, de 3 anos. Porém, se a lavoura for permanente, ainda assim o prazo mínimo deve ser de 5 anos. O art. 13, II do Regulamento (Decreto nº 59.566/66) se encarregou de detalhar os prazos mínimos para as diversas modalidades de arrendamento, assim estabelecendo: - Prazo mínimo de 3 anos de arrendamento para lavoura temporária e/ou pecuária de pequeno e médio porte (art. 13,II,a); - prazo mínimo de 5 anos, nos casos de arrendamento em que ocorram atividades de exploração de lavoura permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias primas de origem animal ; - prazo mínimo de 7 anos, nos contratos em que ocorra atividade de exploração florestal. Os prazos mínimos têm, entre outras, as finalidades de proteger o débil econômico, ou seja, o arrendatário ou o parceiro-outorgado e de evitar o mau uso da terra. Neste sentido, quanto maior a duração do 35 contrato, maior será a possibilidade de obtenção de renda pelo contratado e, ao mesmo tempo, este se preocupará mais com a preservação ambiental no imóvel objeto do contrato. 9. ARRENDAMENTO RURAL: 9.1. Conceito: Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo do imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da lei (art. 3º do Decreto nº 59.566/66). Como se verifica no conceito, o arrendatário, em decorrência do contrato, passa a ter o uso e gozo do imóvel, não estando definido o tipo de atividade a ser exercida. O uso e gozo supõe o livre exercício de qualquer atividade agrária licita, observadas as regras legais de uso do solo. 9.2. Valor máximo do arrendamento (preço): Pelas regras específicas em vigor, o valor do arrendamento não pode ser ajustado livremente, uma vez que há limites legais. (Estatuto da Terra, art. 95,XII e art. 17, § 1º do Decreto ), não podendo ser superior a 15% (no caso de arrendamento total) do valor cadastral do imóvel (valor da terra nua), acrescido do valor das benfeitorias que entrarem na composição do negócio. Valor da terra nua é o valor total do imóvel, menos o valor das benfeitorias, culturas, pastagens cultivadas e florestas plantadas. Tratando-se de arrendamento parcial, com exploração intensiva e alta rentabilidade, o preço pode ir ao limite de 30% sobre o valor cadastral da parte que for arrendada. Ajuste e pagamento: O preço do arrendamento sempre deve ser ajustado em dinheiro, em valor certo, mas o pagamento pode ser efetuado tanto em dinheiro, como em produtos ou frutos, conforme preço de mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial. (art. 18 do Decreto 59.566/66). 9.3 – Obrigações das partes: art. 40 e 41 do Decreto 59.566/66 10. PARCERIA RURAL: 10.1. Conceito: Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, 36
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