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Qualidade superficial na furação de aço endurecido com diferentes condições de aplicação de fluido lubrirrefrigerante Rodrigo Panosso Zeilmann Gerson Luiz Nicola Tiago Vacaro Rafael de Matos Soares Mariana C. Zanotto Universidade de Caxias do Sul (UCS) Resumo Historicamente, a qualidade superficial de peças usinadas tem sido determinada através de medições de rugosidade. Embora este seja um importante parâmetro, uma avaliação mais completa é obtida a partir da integridade da subsuperfície do componente usinado, através da análise de alterações metalúrgicas, como deformações plásticas e variação da dureza do material. Esta análise assume grande importância, uma vez que essas alterações metalúrgicas podem afetar as condições de funcionamento e a confiabilidade de componentes mecânicos. Dentre os fatores que influenciam a qualidade superficial na usinagem de materiais endurecidos, pode-se destacar as elevadas temperaturas geradas pelo processo. Por isso, a condição de aplicação de fluido lubrirrefrigerante tem grande influência na qualidade da superfície obtida. Este trabalho apresenta uma avaliação da qualidade superficial de furos obtidos com brocas de metal-duro (HM) no processo de furação do aço AISI P20 endurecido (38 HRC), sob diferentes condições de aplicação de fluido lubrirrefrigerante. As condições utilizadas foram a aplicação externa de fluido em abundância (emulsão), uso externo de mínimas quantidades de lubrificante (MQL) e ausência total de fluido lubrirrefrigerante (usinagem a seco). Os resultados encontrados demonstraram a significativa influência da condição de aplicação de fluido na qualidade superficial obtida nos furos. A condição a seco apresentou a tendência de maiores valores de rugosidade e deformações plásticas, enquanto que a utilização de MQL resultou nos menores valores medidos nos testes. 1 – Introdução A furação é em geral considerada uma operação de desbaste, tendo como requisitos principais a elevada durabilidade das ferramentas e a alta produtividade do processo, sendo a qualidade superficial do furo determinada por processos secundários como alargamento, brochamento, mandrilamento, torneamento interno e retificação interna (Oliveira et al., 2007; Sharman et al., 2008). Atualmente, a utilização de máquinas-ferramenta mais modernas e com maior rigidez estrutural, potência disponível e velocidade de operação, permitem a utilização de condições de usinagem mais robustas, aumentando significativamente a produtividade dos processos de usinagem nelas desenvolvidos. Paralelamente, houve nos últimos anos uma enorme evolução na qualidade das ferramentas de corte. Esta não é somente impulsionada pela necessidade de incremento das velocidades de corte, mas também pela aplicação da usinagem de materiais endurecidos e de novas ligas de materiais, permitindo melhoria no processo de corte e extensão da vida das ferramentas (Marmentini e Beltrão, 2007). Com estes avanços tecnológicos, a qualidade superficial requerida em diversas aplicações pode ser obtida através do processo de furação, sem a necessidade de processos secundários. A qualidade superficial é um dos fatores mais importantes para a avaliação da qualidade de componentes usinados porque influencia as características funcionais da peça de trabalho, tais como compatibilidade, resistência à fadiga e atrito superficial. É também um dos critérios na avaliação da usinabilidade dos materiais. Assim, a qualidade da superfície pode tornar-se uma medida de desempenho significativa (Reddy et al., 2008). A caracterização da textura superficial (rugosidade, ondulações e ranhuras de avanço da ferramenta de corte) pode ser feita pela medição da rugosidade ou por fatores mais complexos como pelo perfil de rugosidade (Bezzerra e Machado, 2007). Outro elemento determinante da qualidade de superfícies é a integridade superficial, que pode ser descrita como a relação entre os valores geométricos da superfície e suas propriedades físicas, como tensão residual, dureza e microestrutura das camadas superficiais. Portanto, a integridade superficial influencia a qualidade da superfície e subsuperfície usinadas, as quais têm importância muito significativa quando da fabricação de componentes estruturais que são submetidos a altas tensões estáticas e dinâmicas (Javidi et al., 2008). A análise da qualidade superficial assume particular importância no processo de furação, devido às características que o tornam um dos mais complexos processos de usinagem. O processo de furação é caracterizado por condições que tendem a aumentar a severidade do processo, dentre as quais temos: velocidade de corte variando de zero, na região do gume transversal, até o máximo, na periferia da ferramenta; o fluido de corte, que deve atuar como refrigerante, lubrificante e meio de transporte de cavacos, chega com dificuldade ao gume da ferramenta, onde é mais necessário; e distribuição inadequada do calor na região de corte, sendo mais pronunciado o desgaste nas quinas da ferramenta (Castillo, 2005; König e Klocke, 2002). Essas particularidades fazem da furação um dos mais exigentes processos de usinagem, pois a geometria e a superfície são geradas em uma única operação, e as demandas em relação à precisão dimensional e qualidade superficial são muito elevadas (Barshilia et al., 2009). Um dos meios comumente utilizados para atender as elevadas exigências do processo de furação é a utilização de fluidos lubrirrefrigerantes. Os meios lubrirrefrigerantes têm como função melhorar o processo de usinagem dos metais, e as melhorias podem ser subdividas em melhorias de caráter funcional e de caráter econômico. As de caráter funcional são as melhorias que facilitam o processo de usinagem focando no desempenho do processo, como refrigeração da máquina-ferramenta, da ferramenta e da peça durante a usinagem, redução do coeficiente de atrito entre a ferramenta e o cavaco, retirada do cavaco da região de corte e melhor acabamento da peça em usinagem, entre outras. Já as melhorias de caráter econômico têm por objetivo uma usinagem mais econômica como, por exemplo, menor consumo de energia de corte, menor custo da ferramenta na operação e diminuição da corrosão da peça em usinagem (Bossardi et al., 2009). Frente a este contexto, este trabalho apresenta uma avaliação da qualidade superficial de furos obtidos com brocas de metal-duro (HM) no processo de furação do aço AISI P20 endurecido (38 HRC), sob diferentes condições de aplicação de fluido lubrirrefrigerante. 2 – Procedimento experimental As ferramentas utilizadas nos experimentos foram brocas de metal-duro, DIN 6537K, com dois gumes, fornecidas pela Walter AG Company. As ferramentas têm diâmetro de 8,5 mm e são revestidas com nitreto de titânio alumínio (TiAlN). As brocas utilizadas nos testes sem utilização de fluido lubrirrefrigerante tiveram os canais polidos manualmente, através de um material esponjoso abrasivo, com o objetivo de facilitar o escoamento do cavaco através dos canais da broca. A figura 1 mostra a ferramenta utilizada nos experimentos. Figura 1 – Broca utilizada nos experimentos. Os corpos de prova foram confeccionados em aço AISI P20 e submetidos a tratamento térmico, de forma a obter uma dureza final de 38 HRc. A composição química do material é apresentada na tabela 1. Tabela 1– Composição química do aço AISI P20 (wt%, ASTM). C Si Mn Cr Mo Ni 0,35-0,45 0,20-0,40 1,30-1,60 1,80-2,10 0,15-0,25 0,90-1,20 Os ensaios foram realizados em um Centro de Usinagem VerticalOkuma Ace Center MB - 46 VAE, com rotação máxima de 15.000 rpm e potência de 18,5 kW. Para a análise da qualidade das superfícies usinadas, realizou-se a avaliação da rugosidade da peça, das deformações plásticas e da textura (acabamento). Para realizar as medidas de rugosidade foi utilizado um rugosímetro Taylor Hobbson Surtronic 3+, e os perfis de rugosidade foram obtidos a partir de um rugosímetro Mitutoyo SJ-301. A caracterização da textura superficial foi realizada com um estereoscópio trinocular de medição universal da marca Entex, modelo TNE-10B. E as deformações plásticas foram avaliadas através de um microscópio óptico Nikon Epiphot 200. As diferentes análises foram realizadas em regiões próximas do início e do final dos furos, nas profundidades de aproximadamente 2 e 22 mm. As medições de rugosidade foram realizadas em três pontos equidistantes para cada profundidade analisada. Os parâmetros de corte utilizados nos ensaios foram a velocidade de corte (vc) de 50 m/min e o avanço (f) de 0,1 mm. A profundidade dos furos foi de três vezes o diâmetro da ferramenta (25,5 mm) e a distância entre furos de 1,5 vezes o diâmetro. Os testes foram realizados com aplicação externa de fluido em abundância (emulsão), aplicação externa de MQL e ausência completa de fluido lubrirrefrigerante (usinagem a seco). A furação com emulsão foi realizada de forma direta, sem recuo da ferramenta. Nessa condição foi utilizado o fluido Vasco 1000, fornecido pela empresa Blaser Swisslube do Brasil Ltda., com concentração de 10% e vazão de 1800 l/h, sob aplicação externa. Para a condição de MQL os furos foram realizados de forma intermitente, com recuo da ferramenta para fora do furo e incremento de corte de 1,5 mm. O lubrificante utilizado foi o fluido sintético Vascomill MMS SE, também fornecido pela Blaser, aplicado com pressão de 3 bar e vazão aproximada de 10 ml/h, através de um bico externo. Na usinagem a seco, além da estratégia de furo intermitente com recuo total da ferramenta e incremento de corte de 1,5 mm, foi aplicada a estratégia de alternância na sequência de furação, com distância entre furos de 3 vezes o diâmetro da broca, realizando assim dois ciclos para o preenchimento do corpo de prova. Flanco Guia Face 0,8 mm 0,8 mm 1 mm Para cada condição de aplicação de fluido foram realizados três testes, de modo a obter maior confiabilidade dos resultados. Como critérios de fim de vida foram adotados o desgaste de flanco máximo de 0,2 mm ou a ocorrência de lascamentos afetando significativamente a cunha de corte. Devido a limitações de custo e tempo, foi adotada como critério de fim de teste a realização de 1200 furos por ferramenta, mesmo que a ferramenta não tivesse atingido nenhum dos critérios de fim de vida. 3 – Resultados A qualidade da superfície gerada durante a usinagem é influenciada por diversos parâmetros relativos ao processo, à ferramenta, à máquina e ao material da peça. Entre estes parâmetros, pode-se citar a velocidade de corte, o avanço, a profundidade de corte, a geometria da ferramenta, a rigidez da máquina e a fixação da ferramenta (Dabade et al., 2007; Lu, 2008). Com o objetivo de facilitar as comparações, para as análises de qualidade superficial realizadas neste experimento foi selecionada uma ferramenta representativa de cada condição de aplicação de fluido que tenha feito 1200 furos sem atingir os critérios de fim de vida. A figura 2 mostra os valores de rugosidade Ra medidos nas regiões próximas do início e do fim dos furos, para cada condição testada. Figura 2 – Gráficos dos valores de rugosidade Ra medidos nas regiões inicial e final dos furos. Na análise realizada na região próxima do início dos furos, a condição a seco apresentou os maiores valores de rugosidade, enquanto que os menores valores foram medidos nos furos usinados com MQL. A condição de emulsão resultou em valores de rugosidade intermediários entre as demais condições. A eliminação do fluido de corte tende a piorar a qualidade da superfície, devido às maiores forças de atrito e ao aumento do arrancamento de adesões de partículas de material da peça que se soltam da ferramenta (Teixeira, 2001). Na condição de emulsão, o fluido atinge a região inicial do furo com facilidade, proporcionando boa lubrirrefrigeração, e na aplicação de MQL, devido ao emprego do ciclo pica-pau, o gume recebe uma microlubrificação após cada recuo da ferramenta, o que proporciona redução do atrito e, consequentemente, menores valores de rugosidade. Pode-se observar, entretanto, uma tendência de convergência nos valores de rugosidade obtidos nas três condições a partir de aproximadamente 1000 furos realizados. A condição de MQL também apresentou os menores resultados de rugosidade na análise feita na região próxima do final dos furos. No entanto, para esta condição de análise, os testes realizados com emulsão apresentaram uma tendência de maiores valores de rugosidade, enquanto que os testes a seco resultaram em valores intermediários. Observa-se que os resultados dos testes realizados com MQL são semelhantes nas duas regiões analisadas do furo. Na condição de emulsão, verifica-se uma pequena tendência de aumento dos valores medidos, que pode ser relacionada com a maior dificuldade de o fluido atingir a região final do furo. Mas é nos testes realizados a seco que se observa a maior variação dos resultados entre as diferentes regiões do furo. A redução observada pode ser explicada pela maior dificuldade de escoamento do 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 R ug o sid a de R a (µ m ) 200 400 600 800 1000 1200 Número de furos 200 400 600 800 1000 1200 Número de furos 1 1 Emulsão MQL Seco Emulsão MQL Seco 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 Região inicial do furo Região final do furo cavaco na região final do furo, provocando maior atrito do cavaco com a parede do furo e maior geração de calor, estabelecendo condições favoráveis à formação de caldeamentos. Condições de usinagem que provoquem uma maior manutenção das elevadas temperaturas geradas durante o corte, como a ausência de fluido lubrirrefrigerante, ou uma maior geração de calor, como o corte realizado pelo gume da ferramenta desgastado, estabelecem condições propícias à formação de caldeamentos. Nessas condições, devido às elevadas temperaturas do processo, partículas de material removido são plasticamente deformadas entre as guias da ferramenta e a parede do furo e, devido à elevada pressão e plasticidade, são microssoldadas sobre a superfície, gerando um aspecto alisado, que elimina as marcas de passagem da ferramenta e tende a reduzir os valores de rugosidade (Sharman et al., 2008; Zeilmann et al., 2008). Para complementar a análise de qualidade superficial do experimento, foi avaliada a textura superficial do primeiro e último furos realizados em cada uma das condições analisadas. Além disso, foi gerado o perfil de rugosidade da região central dos furos analisados. As figuras 3 a 5 apresentam a textura ao longo da profundidade e o perfil de rugosidade da região central dos furos analisados em cada condição de aplicação de fluido. Figura 3 – Imagens da textura e perfis de rugosidade da região central do primeiro e do último furos realizados na condição de emulsão. Nos furos realizados com emulsão é possível visualizar as marcas de passagem da ferramenta, com sulcos mais profundos no primeiro furo, resultando nos maiores valores de rugosidade medidos em relação ao último furo. Através da análise da figura observa-se que o perfil de rugosidade do primeiro furo apresenta um comportamento irregular, com vales profundos, que comprovam a elevada diferença entre os parâmetrosRa e Ry. A textura observada no último furo apresenta um aspecto alisado, possivelmente causado pelo amassamento dos sulcos de passagem da ferramenta, devido ao desgaste dos gumes. A região destacada no perfil de rugosidade (elipse na figura 3) ilustra este comportamento. Observa-se também que os valores de rugosidade reduziram à aproximadamente metade dos valores encontrados no primeiro furo. Furo 1 3 mm Ra = 1,07 µm Ra = 1,49 µm 3 mm Ra = 0,60 µm Furo 1200 Ra = 0,43 µm Emulsão Figura 4 – Imagens da textura e perfis de rugosidade da região central do primeiro e do último furos realizados na condição de MQL. Os furos realizados com aplicação de MQL apresentaram uma textura mais homogênea ao longo dos furos, especialmente no último furo. Para a condição de MQL, a microlubrificação, associada à menor resistência ao cisalhamento do material devido à manutenção de maiores temperaturas na zona de corte, reduz as forças de corte e permite a formação de uma topografia com menores irregularidades superficiais. A condição de MQL propiciou os menores valores de rugosidade, tanto para os primeiros como para os últimos furos. O perfil do primeiro furo apresenta alguns vales profundos, mas a textura apresenta um aspecto regular ao longo do furo. O último furo na condição MQL apresentou o melhor aspecto visual dentre os furos analisados, com uma textura de aspecto alisado e homogêneo ao longo da profundidade do furo. O perfil de rugosidade apresenta um comportamento regular, sem ocorrência de picos e vales profundos. Figura 5 – Imagens da textura e perfis de rugosidade da região central do primeiro e do último furos realizados na condição a seco. A condição a seco apresentou os piores resultados de qualidade superficial, gerando os maiores valores de rugosidade, e elevada diferença entre os parâmetros Ra e Ry. A textura gerada mostra um aspecto mais grosseiro nas imagens microscópicas, indicando a ocorrência de adesão de material removido sobre a superfície. No último furo realizado a seco, observa-se uma redução dos valores de rugosidade, provocada pelo amassamento dos sulcos de passagem da ferramenta, devido ao desgaste dos gumes de corte. A imagem da textura também sugere a ocorrência de adesão de material removido sobre a superfície. 3 mm Ra = 0,89 µm Ra = 1,03 µm 3 mm Ra = 0,56 µm Ra = 0,69 µm Furo 1 Furo 1200 MQL 3 mm Ra = 0,78 µm Ra = 1,22 µm 3 mm Ra = 0,65 µm Ra = 0,57 µm ERROR: stackunderflow OFFENDING COMMAND: ~ STACK:
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