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População infantil atendida em triagem

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Estudos de Psicologia I Campinas I 23(3) I 239-249 I julho - setembro 2006
11111 Doutora, Centro de Psicologia Aplicada, Universidade Federal de Uberlândia. Av. João XXIII, 698, Santa Maria, 38408-056, Uberlândia, MG, Brasil.
Correspondência para/Correspondence to: S.A. MELO. E-mail: <sandra_augusta@terra.com.br>.
22222 Mestranda em Psicologia Clínica e Psicóloga; Centro de Psicologia Aplicada, Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG, Brasil.
▼ ▼ ▼ ▼ ▼
Características da população infantil atendida em triagem
no período de 2000 a 2002 numa clínica-escola
Characteristics of children seen at a University
Psychology clinic from 2000 to 2002
Sandra Augusta de MELO1
Hélvia Cristine Castro Silva PERFEITO2
Resumo
Este artigo relata a experiência de um trabalho realizado no Centro de Psicologia Aplicada da Faculdade de Psicologia da
Universidade Federal de Uberlândia que buscou levantar, a partir dos dados de atendimentos infantis realizados entre 2000 e
2002, características epidemiológicas e clínicas da demanda infantil atendida em triagem. Diversos aspectos dos 139 casos foram
analisados em termos de incidência (porcentagens) e discutidos com embasamento clínico das supervisões de caso. Obteve-se
que a demanda clínica deste serviço constitui, em sua maioria, de crianças que apresentam sintomas responsivos ao grupo
familiar. Os dados permitiram, ainda, levantar hipóteses e sugerir novas pesquisas acerca das mudanças na família e nas funções
parentais presentes na gênese dos problemas infantis que geram demanda clínica em psicologia.
Palavras-chave: triagem psicológica; clínica-escola de psicologia; queixas psicológicas; psicodiagnóstico infantil; dinâmica
familiar.
Abstract
This paper describes the Psychology Applied Center experience from Faculdade de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. It has
aimed to identify, from 2000 to 2002 clinical infant data, children’s epidemiological and clinical characteristics, considering reception process.
Important aspects from the 139 cases had been analyzed in terms of incidence (percentages) and revised trough case supervision sessions.
These analysis have shown the clinical demand is composed, in its majority, by children who present responsive symptoms to the familiar
group. Data had also pointed out new hypotheses and new researches concerning family changes and parental functions relation to the
infantile problems origin, two relevant topics of the psychological clinic demand.
Key words: psychological screening; University psychology clinic; psychological complaints; child psychodiagnosis; family
psychodinamic.
Na cidade de Uberlândia, MG, há uma carência
evidente por sistematização no registro de dados tanto
estatísticos como descritivos das populações clínicas
que buscam atendimento em saúde mental. Isso
significa dizer que não se conhece o perfil da população
que busca atendimento na rede pública.
Este trabalho surgiu da iniciativa de psicólogos
que atuam no Centro de Psicologia Aplicada da Facul-
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dade de Psicologia da Universidade Federal de
Uberlândia (CENPS - UFU), mediante a constatação da
falta de dados sobre os atendimentos realizados no
CENPS, a percepção da riqueza de informações geradas
nos prontuários, e o desejo de avaliar o trabalho de
triagem que vinha sendo desenvolvido, por meio de
uma análise quantitativa e qualitativa sobre a origem
dos pacientes, suas características, os encaminha-
mentos dados aos casos e seus índices de resolutividade.
Isso motivou a criação de procedimentos de levanta-
mento de dados que pudessem fornecer informações
sobre a população atendida.
A escolha pela clientela infantil para a presente
análise deve-se à alta demanda dessa faixa etária e dos
pouquíssimos dispositivos públicos disponíveis para
esse tipo de atendimento na cidade de Uberlândia,
figurando, assim, como uma possível colaboração para
ações preventivas em diversos níveis.
Esta é a segunda iniciativa de levantamento da
clientela da clínica psicológica da UFU. Um levanta-
mento epidemiológico geral foi realizado na década de
80 por Sanchez (1985). Entretanto, o levantamento de
características da população afluente à clínica não foi
uma prática constante nesses 20 anos, pois não foram
criados procedimentos de levantamento estatístico-
epidemiológicos que mantivessem e alimentassem a
construção de dados dessa natureza.
Em outras clínicas-escola essa preocupação
também aparece, como pode ser visto em Graminha e
Martins (1993) e Borges (1996) em relação à
caracterização da clientela na área de atendimento
infantil. Também um levantamento geral da população
clínica em Psicologia na cidade de São Paulo foi
publicado por Ancona-Lopez em 1984. Esses trabalhos
também se caracterizam como levantamentos pontuais
e não mostram uma prática sistemática de registro de
dados epidemiológicos e clínicos da população
atendida.
Além da questão relacionada à necessidade de
dados sobre as populações clínicas, suas demandas, os
tipos de tratamento e sua resolutividade, a crescente
busca por atendimento psicológico às crianças
constitui em si um assunto importante a ser investigado
e discutido. Esse aumento pode estar associado a
diversos fatores cuja discussão é complexa e abrange
fatores culturais, históricos, de avanços da ciência, e
outros, mas essa complexidade não encontra lugar de
discussão neste artigo.
Entretanto, para este estudo que deriva da prática
profissional em uma clínica-escola de Psicologia, seria
praticamente impossível discutir atendimentos infantis
em seus aspectos epidemiológicos e principalmente
clínicos sem abordar a questão do papel parental e da
família na construção das dificuldades ou da saúde
emocional da criança.
Para Lipovetsky (2004) o grande problema da
hipermodernidade (como é chamada a época atual) é a
fragilização dos indivíduos inseridos numa sociedade
complexa e paradoxal, carente de antigas formas de
coesão social. Esse autor aponta o paradoxo de nossa
sociedade hiperfuncional do ponto de vista científico-
tecnológico e, ao mesmo tempo, disfuncional na
construção de formas de convivência com o
crescimento de patologias (depressão, ansiedade,
suicídio, pânico, anorexia), criminalidade e violência.
O conceito de hipermodernidade e a discussão
do autor (Lipovetsky, 2004) ilustram como as vicissitudes
histórico-culturais relacionadas às mudanças dos
modos de produção e de organização dos grupamentos
humanos atingem a família e as funções parentais,
relacionando-as com a sintomatologia infantil - o que é
de nosso especial interesse no tema aqui tratado.
Na perspectiva psicanalítica, Jacques Lacan
inaugurou a perspectiva que estabelece uma relação
entre o inconsciente da criança e o desejo parental,
gerando um requestionamento da clínica e deter-
minando novos modos de abordagem da determinação
psíquica, revertendo, assim, a perspectiva endogenista
e colocando os sintomas da criança diante de outros
impasses, ou seja, concebendo a criança como sintoma
da mãe, do casal ou da família (Bleichmar, 1994).
Os sintomas podem ser classificados em duas
categorias: estruturais e reativos. Os estruturais dizem
respeito ao próprio sujeito e é constitutivo dele, cuja
verdade se faz representar por esse sintoma. Os reativos,
ou também chamados de manifestações sintomáticas,
são aqueles identificados como produto da organização
parental inconsciente e constituem-se como respostas
da criança às neuroses de seus pais (Kupfer, 1994).
A criança, para se fazer ouvir, poderá produzir
sintomas naqueles lugares insuportáveis para os pais241241241241241
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quando aparecem no lugar do desejo reprimido, no
lugar de algo que ficou bloqueado no desenvolvimento
de suas relações inconscientes com seus pais,
reatualizando, dessa maneira, conflitos enterrados, não
resolvidos.
O sintoma, diz Rosenberg (1994), é o que leva à
consulta como máscara, cujo papel oculta o aconte-
cimento perturbador ou o texto original. Um sintoma é
algo a partir do qual é possível encontrar a palavra
perdida, o não dito do discurso parental. Os filhos
expressam em seus sintomas os pontos cegos e os
impasses de seus pais e sofrem com as falhas na
sustentação de suas funções parentais.
Com o psiquismo ainda em formação, com
determinantes de ordem interna e externa (o que é
próprio da constituição da criança e o peso do mundo
desejante do outro - pais), o eu ainda incipiente tenta
satisfazer o desejo dos pais e há uma superposição na
formação da subjetividade entre a dinâmica psíquica
da criança e de seus progenitores. O desejo da criança
se confunde com o dos pais, o supereu de um com o
outro, a função egóica da mãe com as possibilidades
da criança, não se estabelecendo uma clara definição
dentro-fora (Rosenberg, 1994).
A perspectiva interpsíquica (categoria de
sintomas infantis reativos), em que o fundamental está
na relação com o outro, assim como a intrapsíquica
(categoria dos sintomas descritos como estruturais), em
que o fundamental é o indivíduo, mostram que, quando
se trata de estudar uma população infantil, é necessário
considerar holisticamente as questões abordadas, muito
embora nem todas elas possam ser assumidas numa
discussão como esta sob pena de o foco se perder.
Método
Contextualização
Como o município está dividido em distritos
sanitários de acordo com as normas do Sistema Único
de Saúde (SUS) e cada distrito possui seus dispositivos
de atendimento à saúde mental que se responsabiliza
pela população de sua área de abrangência, o CENPS
destina-se a atender o setor leste da cidade de Uberlândia,
no qual está situado. Esses dispositivos têm autonomia
quanto à forma de atendimento da população a eles
atribuída.
No CENPS, entre 2000 e 2002, o atendimento era
feito mediante procura espontânea dos pacientes que
eram triados por psicólogos e estagiários do plantão
psicológico. O plantão era realizado em dias fixos da
semana para atendimento das diferentes faixas etárias:
infantil, adolescente e adulto. A partir da recepção sem
marcação prévia, os pacientes passavam por um
processo de triagem, bastando para isso serem
residentes do setor leste da cidade.
A triagem psicológica, tal qual realizada durante
este estudo, tinha um caráter ao mesmo tempo
psicodiagnóstico e interventivo que durava aproxi-
madamente cinco sessões, ocorrendo, posteriormente,
um encaminhamento do caso ou o atendimento pelo
próprio triador.
Os triadores eram sempre estagiários dos últimos
três períodos do curso de Psicologia, supervisionados
por psicólogos do CENPS. Os dados da triagem eram
registrados em um roteiro de anamnese e em folhas de
relato de sessão. Ao término do processo de avaliação,
os dados eram resumidos em súmulas de prontuários
destinados à pesquisa.
Participantes
Dos cento e trinta e nove pacientes infantis
atendidos em triagem psicológica em 2000, 2001, 2002
no CENPS, 88% deles eram originários do setor leste e
12% de outros setores do distrito sanitário da cidade de
Uberlândia, MG, eram de diferentes classes sociais,
caracterizando demanda espontânea de serviço de
saúde pública.
Procedimentos
Este trabalho tem como fontes de dados os
prontuários da população infantil triada entre 2000 e
2002 e as supervisões clínicas desses casos realizadas
pelos psicólogos para com alunos estagiários do curso
de Psicologia no estágio Plantão Psicológico. A partir
de súmulas dos prontuários, os dados foram adaptados
em registros numéricos e tabulados. Nesse sentido, vale
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salientar que este trabalho não foi inicialmente
programado para ser uma pesquisa, nem os dados foram
colhidos para fins de investigação, mas um trabalho
em que dados institucionais foram tratados visando
oferecer respostas a uma questão concreta que é a
caracterização da população atendida. Portanto,
situa-se entre um relato de experiência e uma pesquisa.
Nesse processo de transformar os resultados da
ação desempenhada em dados de pesquisa, uma das
dificuldades foi a quantificação das queixas, pois
procurou-se valorizar os relatos originais (falas dos
pacientes registradas nos prontuários), embora, neles,
as queixam apareçam com diferentes tipos de registro,
ora em linguagem leiga, outras vezes com termino-
logias técnicas, equivocadas ou não. Para transformar
aquilo que era descritivo em dados quantificáveis, foi
necessário agrupar as queixas em categorias. A opção
foi por identificar a perspectiva da queixa do ponto de
vista do acompanhante, ou seja, qual aspecto da criança
ou em relação à criança era motivo de queixa. Devido
ao sentido da palavra “queixa”, elas foram classificadas
quanto ao aspecto que incomodava os pais ou que
motivou que trouxessem a criança para o atendimento.
Para isso, quatro psicólogos experientes que
compõem a equipe do CENPS chegaram ao consenso
de que as queixas, tal qual aparecem nos prontuários
das crianças (totalizando 106 tipos), poderiam se
encaixar em uma das seguintes categorias: queixas
comportamentais; queixas afetivo-emocionais; queixas
escolares; queixas relacionais; queixas cognitivas;
queixas fisiológico-funcional-somáticas. Após isso, cada
um dos profissionais atuou como juiz, avaliando cada
uma das 106 diferentes queixas e classificando-as dentro
das categorias. Onde houve divergência nas respostas,
discussões foram realizadas até que se chegasse ao
consenso quanto à classificação da queixa.
Assim, todas as queixas foram classificadas den-
tro de uma das seis categorias, tendo como referência
ao que motivou a mãe ou responsável a buscar ajuda
para a criança ou que despertou o adulto para essa
necessidade. A Tabela 1 gerada a partir do julgamento
dos juízes quanto à classificação das queixas segundo
as categorias.
Dessa forma, uma criança era classificada quanto
à apresentação ou não de cada uma das queixas, já que
os tipos de queixa não se excluem mutuamente. As
porcentagens obtidas dizem respeito, portanto, à
presença ou ausência de cada uma delas.
O diagnóstico, obtido em discussão durante as
supervisões, foi realizado segundo a Classificação
Internacional de Doenças - CID 10, nas categorias F - Trans-
tornos mentais e comportamentais e Z - Fatores
influenciando o estado de saúde e contato com serviços
de saúde. Em alguns casos, foram necessários dois
diagnósticos em F.
A resolução em triagem abrangeu as seguintes
categorias: alta em triagem; abandono sem justificativa;
abandono com justificativa; encaminhamento
estagiário plantão; encaminhamento supervisor plantão;
encaminhamento outros estagiários; encaminhamento
supervisor docente; encaminhamento atendimento
externo.
Análise dos dados
As freqüências sobre os dados epidemiológicos
e clínicos foram obtidas e correlacionadas com as
análises realizadas nas supervisões clínicas dos casos,
possibilitando assim as discussões e o levantamento
de hipóteses que poderão gerar novas pesquisas no
futuro.
Os dados apresentados são: idade, sexo, com
quem reside, escolaridade, encaminhamento de origem,
queixas, classificação diagnóstica, e grau de resoluçãodaqueles pacientes infantis que passaram pelo processo
de triagem no período de 2000 a 2002.
Na discussão, busca-se dialogar com análises
realizadas durante as supervisões dos casos e com
autores que apontam caminhos para a compreensão
dos dados obtidos.
Resultados
A população infantil atendida nos plantões em
triagem no período de 2000 a 2002 na Clínica Escola da
UFU apresenta as características seguintes: quanto à
idade, as maiores freqüências de procura por aten-
dimento seguem a seguinte ordem: 9 anos de idade
(19,4%), 10 (15,1%), 6 (14,4%), 7 (13,7%) e 4 anos (12,2%). É
possível observar que a faixa etária de maior demanda
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está entre os 6 e os 10 anos, concentra-se na idade de 9
anos, e que há um pico, também, por procura de
crianças com idade de 4 anos.
Assim como Ancona-Lopez (1984) e Barbosa e
Silvares (1994), a faixa etária de maior demanda está
entre os 6 e os 10 anos de idade, com um índice
significativo, no caso da presente pesquisa, também
aos 4 anos.
Quanto ao sexo, observa-se que os meninos
constituem 62,6% da população atendida no plantão
psicológico enquanto as meninas são 37,4%. O sexo
masculino aparece como predominante na população
clínica infantil em uma proporção de mais de três
meninos para cada duas meninas para os quais se busca
atendimento psicológico. Confirmam esse fato as
pesquisas de Ancona-Lopez (1984), Borges (1996) e
Graminha e Martins (1993). Isso mostra que, em 20 anos,
a demanda infantil para o sexo masculino continua com
maior incidência.
Outra questão estudada foi com quem a criança
reside. Pode-se observar a predominância de crianças
que residem com seus pais (58,3%), seguidas por aquelas
Tabela 1. Classificação das queixas segundo categorias criadas pelos quatro juízes.
Aftas
Alergia
Alteração de peso
Constipação
Crises convulsivas
Diarréia
Doença física
Dores
Encoprese
Enurese
Estresse
Falta de apetite
Febres
Fraqueza
Insônia
Obesidade
Pesadelos
Queda de cabelo
Suor
Tontura
Confuso
Desatenção ou
Falta de atenção
Desinteresse
Lentidão para
aprender
Problema de
aprendizagem
Agarrada à mãe
Agressividade na
família
Andar em má
companhia
Brigas em geral
Brigas em casa
Dificuldade de
fazer ou manter
amigos (de
socialização)
Dificuldade de
relacionamento
(geral)
Dificuldade de
relacionamento
com os filhos
Isolamento
Mãe quer
acompanhamento
para o filho
Não gosta de ser
abraçado e
beijado
Problemas
conjugais
Relacionamento
difícil
Retraimento
Separação na
família
Timidez
Agressividade na
escola
Dificuldade
escolar
Expulso da escola
Falta de interesse
na escola
Matar aulas
Necessidade de
orientação
vocacional
Queda no
rendimento
escolar
Queixas advindas
da escola
Tensão
pré-vestibular
Agitação
Agressividade
Arrancar cabelos
Assanhamento
Birra
Brigar em casa
Comer demais
Comportamentos
regredidos (chupar
dedo/ chupeta e
mamadeira)
Desobediência
Desorganização
Distúrbio de
comportamento
Falta de iniciativa
Fugir de casa
Fumar
Gagueira
Hiperatividade
Inquietude
Irresponsabilidade
Mentiras
Morder
Mudança de
comportamento
Pirraça
Problema de fala
Rebeldia
Revolta
Roer unhas
Roubo
Silêncio
prolongado
Teimosia
Uso de drogas ou
suspeita
Queixas
Fisiológico/
Funcional-somática
CognitivaRelacionalEscolarComportamentalClassficação
Angústia
Ansiedade
Baixa auto-estima
Ciúme
Dependência
Depressão
Dificuldade de
ficar só
Fobia
Impulsividade
Inibição
Insegurança
Intolerância
Introspecção
Irritação
Mau humor
Medo
Nervosismo
Pânico
Sentimento de
vazio
Solidão
Tristeza
Emocional-afetiva
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que moram com sua mãe (20,9%), familiares (9,4%) e a
seguir com pai ou mãe em novo casamento (5,8%).
Sanchez, tratando da população geral, encontrou,
em 1985, que 72,5% dos pacientes atendidos no CENPS
residiam com familiares, isto é, pais ou sogros. No
presente estudo, tratando-se de crianças, os dados
mostram que quase 85,0% delas moram com os pais,
só com a mãe ou com o pai ou ainda com um deles em
seu segundo casamento.
A escolaridade dos pacientes também foi
levantada e pôde-se observar que a maior concentração
se dá na pré-escola (28,0%), lembrando que dentro do
item pré-escola constam crianças que freqüentam
desde a escola maternal até o terceiro período ou alfabe-
tização, ou seja, abaixo ou igual a seis anos de idade. Em
seguida, vem a primeira série, que apresentou 18,0% e,
logo após, a quarta (14,0%) e terceira série (12,0%).
Com relação aos encaminhamentos da criança
ao atendimento, deve-se considerar o enviezamento
relacionado ao acordo com um centro de saúde que,
não podendo conter a demanda, encaminhava, já no
acolhimento psicossocial, os pacientes infantis à clínica.
Entretanto, ainda vale observar que o maior índice é
relativo à procura espontânea dos pais (33,0%), seguido
por encaminhamentos médicos (22,0%). Esse fato pode
estar associado à inserção do CENPS numa universidade
que conta com hospital de clínicas.
Apesar desse fato, que tende a aumentar os
encaminhamentos médicos, observa-se que, em relação
à pesquisa de Ancona-Lopez (1984), houve uma inversão
bastante reveladora que mostra um aumento
significativo de procura por parte dos pais, enquanto
na pesquisa daquela autora a porcentagem maior é de
encaminhamento por terceiros. Isso também é válido
em relação ao trabalho de Sanchez (1985).
Esse aumento significativo é uma questão
importante, pois aponta para o que inicialmente foi
discutido neste trabalho acerca da fragilização do
indivíduo hipermoderno, demonstrando a carência de
referenciais internos e sujeitos ao tecnicismo e
especialidades do saber, buscando e depositando nos
profissionais especializados a resposta para suas
angústias vivenciais.
Nesse ponto, foram avaliadas as presenças ou
ausências de queixas nas seis categorias definidas
(comportamental; afetivo-emocional; escolar; relacional;
cognitiva; fisiológico-funcional-somática) e computado
o número de crianças em que estas estavam presentes.
A maior parte das crianças trazidas ao plantão
psicológico da CENPS, 60,4%, chegou para o atendi-
mento com queixa comportamental e 51,0% tinham
queixas que puderam ser classificadas como emocionais
ou afetivas.
As queixas escolares estão presentes em 24,0%
dos casos; as que se referem a dificuldades de relaciona-
mento ou relacionais constam em 14,0% dos casos
atendidos; problemas classificados como cognitivos
apareceram em 14,0% dos casos atendidos e queixas
que se apresentam como fisiológico-funcional-
somáticas estão em 23,0% dos casos.
O diagnóstico segundo a CID 10 gerou duas
classificações em duas classes da categoria F, sendo o
mais evidente chamado de diagnóstico principal e o
outro de secundário.
Tabela 2. População infantil atendida nos plantões em triagem
no período de 2000 a 2002 na Clínica-Escola da UFU,
distribuída quanto à classificação diagnóstica principal
em transtornos mentais e comportamentais, utilizando
a CID 10.
F40
 F41
 F43
 F45
 F51
 F54
 F64
 F80
 F81
 F84
 F90
 F91
 F92
 F93
 F94
 F95
 F98
Total de sujeitos que
apresentam diagnóstico
nessa classe
Não apresenta diagnóstico
nessa classe
 Total
3
1
3
6
1
1
1
5
4
1
4
6
3
12
2
1
10
64
75
139
004,7
001,6
004,7
009,4
001,6
001,6
001,6
007,8
006,3
001,6
006,3
009,4
004,7
018,8
003,1
001,6
015,6
046,0
0
054,0
100,0
Fonte: prontuários de pacientes triados na CENPS entre 2000 e 2002.
Diagnóstico de transtorno
mental e comportamental
Freqüência(n)
Porcentagem válida dos
casos que apresentam
diagnóstico nesta classe
245245245245245
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A distribuição dentro das classes é exposta na
Tabela 2 e as classes podem ser identificadas com o
auxílio do CID 10, não constando no texto para não
estendê-lo demais.
Importante notar que 54,0% da demanda infantil
não apresentam diagnóstico na classe relacionada a
transtornos mentais e comportamentais, enquanto
46,0% recebem essa classificação. Esse item é um dado
que traz uma indicação epidemiológica importante, que
será discutida posteriormente.
Os dados da Tabela 3 indicam que 9,4% dos casos
atendidos (13 casos) foram classificados em dois
diagnósticos em transtornos mentais e comporta-
mentais.
As classes “Z” do CID 10 são nomeadas como
“fatores influenciando o estado de saúde e contato com
serviços de saúde”, e oferecem possibilidade de identificar
alguns aspectos importantes associados aos quadros
clínicos dos pacientes, pois revelam associações com o
ambiente, a família e eventos da infância. Esses fatores
uma vez identificados nos atendimentos e discutidos
nas supervisões foram classificados na Tabela 4.
Dos 139 casos atendidos, 109 apresentam
diagnósticos relacionados a questões familiares e/ou
de suporte ambiental (Tabela 4).
A resolução ou os encaminhamentos aos
atendimentos foram quantificados após a etapa de
triagem. Do total, 48,2% dos casos continuaram sob a
responsabilidade dos estagiários triadores e foram por
eles atendidos; 18,0% da demanda tiveram suas questões
resolvidas durante o processo de triagem e receberam
alta; 10,0% dos casos foram atendidos pelo supervisor
da triagem infantil, ou seja, num total de 76,2% resolvidos
dentro do serviço de plantão. O abandono soma 9,3% e
os encaminhamentos para outros serviços internos ou
externos 13,6%.
Discussão
Vale advertir que poucos trabalhos publicados
permitiram comparações ou forneceram parâmetros
para a discussão dos dados encontrados relativos
especificamente a populações clínicas infantis. Mesmo
Sanchez (1985), que realizou pesquisa na mesma
instituição, por ter investigado a população como um
todo e ter dado um outro delineamento ao levantamento
de dados, não pôde ser usado para comparações com
este trabalho, que é mais específico e direcionado à
população infantil. Assim, muitas vezes, foi necessário
ancorar a discussão em trabalhos que abrangem uma
população ampla e, por isso, mais gerais e nem sempre
apropriados.
Foi em Ancona-Lopez (1984) que se pôde
encontrar algumas possibilidades de interlocução
(embora não seja possível uma correlação) a respeito
Tabela 4. População infantil atendida nos plantões em triagem
no período de 2000 a 2002 na Clínica-Escola da UFU,
distribuída quanto a fatores influenciando o estado de
saúde e contato com serviços de saúde segundo a
CID 10.
4
11
30
63
1
109
30
139
002,9
007,9
021,6
045,3
000,7
078,4
0
021,6
100,0
Z 60
Z 61
Z 62
Z 63
Z 87
Total de sujeitos que apresentam
diagnóstico nessa classe
Não apresentam diagnóstico nessa
classe
Total
Diagnóstico em Fatores
influenciando o estado de saúde
Freqüência (n) (%)
Fonte: prontuários de pacientes triados na CENPS entre 2000 e 2002.
Tabela 3. População infantil atendida nos plantões em triagem
no período de 2000 a 2002 na Clínica-Escola da UFU,
distribuída quanto a uma segunda classificação
diagnóstica em transtornos mentais e comportamen-
tais, utilizando a CID 10.
002,2
000,7
000,7
000,7
000,7
001,4
002,9
009,4
090,6
100,0
3
1
1
1
1
2
4
13
126
139
F45
 F63
 F80
 F81
 F83
 F93
 F98
Total de sujeitos que apresentam uma
segunda classificação diagnóstica
nessa classe
Não apresentam diagnóstico nessa
classe
 Total
(%)
Segundo diagnóstico de transtorno
mental e comportamental
Freqüência (n)
Fonte: prontuários de pacientes triados na CENPS entre 2000 e 2002.
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dos dados epidemiológicos encontrados e analisados
acima. Alguns como sexo e idade confirmam os achados
daquela autora de praticamente vinte anos atrás. A única
diferença aparece numa concentração de procura por
atendimento aos quatro anos de idade, mas que não é
possível afirmar ser uma mudança significativa em
relação àquele estudo.
Entretanto, no que diz respeito àqueles que
podem levar a hipóteses sobre a dinâmica familiar
imbricada na causalidade dos problemas com a criança,
alguns pontos chamam a atenção por não serem
concordantes com aquela autora.
Pôde-se verificar que a incidência das queixas
concentra-se nos comportamentos e condutas (60%) e
sintomas emocionais (51%) das crianças. As queixas
ligadas à escola perfazem 24% dos casos e em geral não
aparecem isoladas. Assim, o que parece angustiar e
incomodar os pais são questões relacionadas à
normalidade ou não, à presença de doença mental ou
não: “será que meu filho é normal?”, enquanto a
discussão realizada na pesquisa de Ancona-Lopes
(1984) na década de 80, enfatiza as angústias vivenciadas
pelos pais em relação ao fracasso dos filhos e especifica-
mente ao universo escolar e de aprendizagem, como
motivadores para a busca por atendimento psicológico.
Em uma pesquisa mais recente, Affonso e Mota
(2002) analisaram 108 prontuários de crianças de 2 a 12
anos atendidas em psicodiagnóstico em uma clínica
psicológica (curso de Psicologia da UniFMU) com o
objetivo de associar as queixas das crianças com o
relacionamento familiar. Verificaram que dependendo
do problema da criança há um tipo específico de vínculo
pais-filhos: nos distúrbios de conduta o tipo de vínculo
predominante é abandono e negligência educacional
e dificuldades em lidar com os limites educacionais;
nos distúrbios de socialização, além do abandono e
negligência, encontraram também exigência e
divergência educacional.
Embora não haja possibilidades de ser realizado
um estudo comparativo com a presente pesquisa, é
interessante verificar a associação apontada pelos
autores entre o suporte familiar e os sintomas.
A partir dos dados quantitativos e das
supervisões clínicas dos casos, observaram-se indica-
tivos de uma mudança na expectativa e preocupação
dos pais em relação aos filhos: hoje em dia, além da
preocupação com o sucesso e a crença de que o
rendimento escolar o determina, os pais reconhecem
outras dimensões na constituição da criança
(comportamental, emocional, de normalidade versus
anormalidade, etc.). Essa observação necessita de novas
e mais profundas investigações, mas merece ser
pontuada.
Outro ponto relevante notado é que os pais das
crianças trazidas aos atendimentos parecem ainda não
perceber a criança como um processo em construção
em que a dinâmica familiar, suas personalidades, suas
funções parentais estão implicadas. Os pais se alienam
daquilo que percebem de “errado” com os filhos.
Essas observações, embora não conclusivas,
parecem encontrar lugar em importantes e atuais
estudos sobre os processos de mudança e transfor-
mações ocorridas nas famílias e questionamentos de
seus efeitos sobre a infância (Biasoli-Alves & Simionato-
-Tozo, 1998; Ferez-Carneiro, 1998; Souza, 1997).
Observando os dados de classificação diagnós-
tica, evidencia-se que aqueles relacionados às
dificuldades ligadas ao ambiente familiar e suporte
parental são atribuídos a um número muito maior de
casos do que aqueles em que transtornos mentais e
comportamentais propriamente ditos possam ser
apontados, numa proporção de 109 casos para 64.
Em 139 casos, somente 30 delesestão classifi-
cados com um transtorno mental ou comportamental
instaurado, 34 outros casos receberam, além do
diagnóstico em transtorno mental ou comportamental,
um outro que se refere a problemas no ambiente familiar
e em 75 casos é possível identificar somente problemas
familiares e/ou de suporte ambiental dos quais a criança
é o porta-voz. Isso pode ser identificado comparando-
-se as Tabelas 2, 3 e 4.
Pode-se compreender esses resultados dentro
da perspectiva intersubjetiva em que o sintoma infantil
expresso (na grande maioria dos casos analisados) é
um sintoma reativo e se dá na ordem da relação pais-
-criança, denunciando algo adoecido nessa relação e
que advém dos pais.
Vale notar que mais de 18% dos casos atendidos
em triagem psicológica puderam ser solucionados
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durante o processo de triagem. Isso significa que tiveram
alta em até quatro sessões de atendimento familiar. Esse
dado aponta que, em 18% dos problemas identificados
em crianças por seus responsáveis, a possibilidade de
um lugar onde a família pudesse pensar e refletir sobre
si mesma esgotou a necessidade de encaminhamento
para a psicoterapia.
Há uma discussão bastante importante e atual
que é trazida à tona quando se observam os dados aqui
apresentados: as mudanças familiares e as novas confi-
gurações dos lugares ocupados pelos membros da
família, mais especificamente, quanto à função materna
e paterna, na gênese dos problemas psicológicos das
crianças.
Roudinesco (2003), em seu livro “A família em
desordem”, discute a família mutilada de hoje, feita de
feridas íntimas e violências silenciosas em relação com
a família autoritária de outrora, na qual o domínio era
paterno. Hoje o pai fornece uma imagem invertida de si
mesmo, deixando transparecer um eu descentrado,
autobiográfico e individualizado.
O declínio da função paterna se encaminha
desde o século XVIII e as mudanças do papel da mulher
na sociedade geram mudanças no casal e na consti-
tuição dos núcleos familiares, tornando-se primordial a
relação entre mãe e filho, à medida que o número de
divórcios e recomposições parentais aumenta
(Roudinesco, 2003).
Com isso, a família torna-se um lugar de poder
descentralizado e de múltiplas aparências. Surgem
denominações como: famílias co-parentais, recom-
postas, biparentais, multiparentais, pluriparentais ou
monoparentais. Diante dessa multiplicidade, complexi-
dade e indefinição de papéis, a família também se vê
atingida, e os pais, fragilizados em suas funções. O
comprometimento do grupo familiar traz como conse-
qüência a exacerbação das dificuldades infantis
(Roudinesco, 2003).
Confirmando isso, no presente estudo aparecem
75 casos identificados com problemas ligados ao
suporte familiar e ambiental, apontando para a precária
situação psicológica familiar. E reafirmando esse fato,
vale a pena assinalar que o referido tema é sempre o
principal abordado durante as supervisões dos casos
clínicos.
Outra questão que merece ser discutida - ainda
que a título de hipótese a ser examinada em novas
pesquisas - refere-se ao esvaziamento da maternagem,
que se observa em grande parte dos casos atendidos,
especialmente esses 75 comentados acima.
Ribeiro (2004), apoiada em Winnicott, alerta para
as dificuldades que podem advir para a criança em
decorrência de variações no manejo quando mais de
uma pessoa assume os cuidados iniciais de um bebê e
destaca duas razões ao considerar a mãe a pessoa mais
indicada para cuidar de sua criança: o seu amor por ela,
que permite uma adaptação às suas necessidades sem
ressentimento e o fato de estar mais bem preparada
para oferecer um ambiente rotineiro, com uma técnica
de cuidados pessoais, proporcionando assim um
ambiente emocional adequado.
Esse é um aspecto a ser considerado quando se
pensa na delegação cada vez mais precoce das funções
parentais a instituições educacionais, babás, avós, etc,
que não assumem de fato a maternagem.
Observa-se que, se a educação e o cuidado dos
filhos ficam a cargo de instituições educacionais, a
observação e a resolução de dificuldades e problemas
com os filhos também têm sido delegadas. Assim que
identificam um problema com a criança, seja ele
comportamental, afetivo, somático sem causa orgânica,
de desempenho escolar ou de relacionamento, os pais,
esvaziados de suas funções, deslocam-nas para
profissionais especializados, fazendo deles os
depositários daquilo que, a priori, lhes caberia pensar e
resolver na relação com o filho. Os indicativos máximos
disso encontrado neste estudo são os 18% de casos
resolvidos durante a triagem e os 75 (54%) casos em
que não se pôde encontrar algo para se considerar um
diagnóstico de transtorno mental ou comportamental,
mas somente dificuldades no suporte ambiental-
familiar.
Observou-se que o lugar pensante da mãe que
recorre ao serviço de Psicologia em relação a sua criança
é quase inexistente, e que ela ocupa uma posição
distante e assujeitada, ou seja, não se coloca como
pertencente ou implicada na situação em questão. Em
grande parte dos casos atendidos, quando havia um
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problema que apontasse para o universo psicológico,
imediatamente ocorria a busca de um psicoterapeuta,
sem nenhuma tentativa prévia de compreensão da
situação.
Essa mãe que assim se apresenta é o personagem
contemporâneo que vive em condições de grande
mutabilidade e turbulência, esvaziada de sentido - o
que opera contra a construção de uma vida interior
(que requer tempo e espaço) e que promove a destruição
do domínio psíquico, ou seja, essa mãe é o representante
do homem moderno (ou hipermoderno) que prescinde
da representação das próprias experiências a que
chamamos vida psíquica (Kristeva, 2002).
Nesse contexto, a mãe desautoriza-se de seu
saber, e a ciência insuflada pela hipermodernidade,
dentro de sua dinâmica técnico-científica, em suas
múltiplas especialidades, toma a criança contempo-
rânea e apropria-se de seu desenvolvimento psicológico,
cognitivo, afetivo, segmentando-a. Novos pares formam-
-se: a mãe e o pediatra, a mãe e a psicopedagoga, a mãe
e a psicóloga, a mãe e a nutricionista (Santos, 2005).
A análise dos atendimentos infantis e familiares
realizados no CENPS leva à hipótese de que os pais, na
atual configuração familiar e social, sofrem de um
sentimento de impotência e incapacidade de pensar
sua própria criança. A busca por psicólogos, em grande
parte dos casos, acaba tendo por finalidade encobrir as
faltas paterna e materna.
Debieux (2001) discute as vicissitudes da família
frente à crescente destituição do saber em relação aos
seus filhos que leva à busca por ajuda especializada.
Alerta que na presente cultura não foram criados
dispositivos eficazes para substituir a família em sua
função de assegurar a constituição subjetiva dos filhos
e de garantir a eficácia da transmissão dos significantes
fundamentais da filiação e da sexualidade.
Alguns pontos podem ser levantados para
discutir essa fragilização do grupo familiar. Um deles é
a condição atual da mulher no plano social, econômico
e profissional. Na configuração familiar patriarcal, esse
lugar da mulher era inexistente, mas as mudanças
trouxeram como conseqüência o tempo reduzido de
convívio com os filhos e um distanciamento de acesso
do adulto ao mundo infantil, em que os pais “adultizam”
os filhos. Às crianças é exigido lidar com questões para
as quais elas não estão preparadas, e os pais não
conseguem compreender o pedido, a demanda de seus
filhos, porquenão se identificam com o mundo infantil.
A criança é submetida, nesse processo, à solidão, ao
desamparo, dentro de sua própria casa.
Ou seja, o distanciamento entre os pais e seus
filhos, fruto da vida moderna, provoca um bloqueio na
comunicação e um desconhecimento, tornando os pais
alheios às necessidades emocionais infantis. Assim, há
um sentimento de estranheza quando a criança
apresenta dificuldades e os pais se sentem na incapa-
cidade de propor soluções.
Alguns autores têm discutido o aumento do
narcisismo nas relações humanas, em que o autocentra-
mento narcísico do sujeito constitui terreno fértil para
as diversas formas de desqualificação do objeto e o não
reconhecimento desse em sua diferença, em que o outro
é manipulado como objeto de gozo próprio. Ou seja, as
relações atuais apontam a ocorrência de uma substi-
tuição do investimento libidinal do objeto por
investimentos narcísicos (Bauman,1998).
Santos (2005) propõe um pensamento ousado
acerca da relação pais-criança em que os pais, esti-
mulados a consumir (elemento característico da
hipermodernidade), produzir, e ascender socialmente,
destinam um outro lugar psíquico aos filhos, em seu
desejo e em sua economia libidinal: os filhos tornando-
se parte cada vez maior da realização narcísica dos pais.
Nesse sentido, podemos entender a inadequação
que se revela nessas relações em função da demanda
narcísica aumentada e da impossibilidade de olhar para
uma criança percebendo sua diferença - aquilo que lhe
é próprio - e ser capaz de suportar o sofrimento que
nela se instala. O homem narcísico, - o pai ou a mãe
narcísica - toma o sintoma ou a dificuldade da criança
como uma falha narcísica e isso lhe é insuportável.
Soma-se a essa discussão o fato de que 58,3%
dos casos atendidos corresponderem a crianças que
residem com ambos os pais, e pode-se levantar a
suspeita de que o problema não é a estrutura familiar
em que a criança vive, ou seja, o modelo de família, mas
a falta de condições psicológicas adequadas nos adultos
que têm como função o cuidado da criança.
A criança torna-se, então, “o problema” na
avaliação dos pais, como se estivesse desprendida e
solta dos laços e vínculos afetivos familiares, escolares e
sociais; como se o que a acometesse fosse algo que diz
respeito somente a ela, sem considerar o grupo em que
está inserida, seja ele familiar, escolar ou social.
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Considerações Finais
Diante dos dados expostos e da discussão aqui
desenvolvida, conclui-se que o profissional precisa estar
atento tanto aos fatores intra quanto interpsíquicos no
atendimento infantil. Essa posição do psicólogo leva a
uma compreensão mais ampliada do que subjaz àquilo
que se poderia chamar de patologia, ou seja, uma visão
holística do sofrimento mental, das relações da criança
com o seu ambiente.
As análises quantitativas sobre os atendimentos
somadas às experiências de supervisão dos casos
mostraram-se bastante ricas para a compreensão das
questões mais amplas da população atendida,
permitindo, além de algumas constatações epidemioló-
gicas, discussões clínicas e levantamento de hipóteses
que poderão se abrir em novas investigações, como,
por exemplo: correlacionar as posições parentais e a
sintomatologia infantil; identificar as condições mentais
paternas e maternas durante os atendimentos familiares;
estrutura versus funcionalidade das famílias que
procuram atendimento para seus filhos; a expectativa
dos pais em relação aos filhos e a percepção da
necessidade de ajuda psicológica, dentre muitas outras.
Este trabalho reafirma - mais pela riqueza de
questões levantadas do que por ter trazido conclusões
- a importância da pesquisa, que encontra um lugar
privilegiado nas clínicas-escola como um espaço de
oferta dos serviços e ao mesmo tempo de condições
para a realização de investigações sistematizadas.
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