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Direito Grego Antigo II

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DIREITO GREGO
Nossa proposta a partir deste ponto é retratar um pouco a cultura jurídica grega. Demonstraremos que a sociedade grega era essencialmente democrata e extremamente cumpridora das leis. A referida Democracia permitia aos cidadãos gregos a participação de forma ativa nas deliberações legislativas, através da Ekklesia assembleia popular). Os membros da Ekklesia podiam e deviam se inserir na criação das leis que regiam a vida, nos costumes, nos destinos da cidade e nas obrigações cívicas. Ao mesmo tempo que a democracia rendia ao cidadão a permissão e o dever de elaborar leis, também lhe cobrava o cumprimento e a observância da legislação. Neste ínterim, havia o famoso “compromisso Heliástico”, que era feito através de juramento, onde todos juravam acatar as leis e só julgar os concidadãos baseados nas mesmas. A lei tinha papel importante, tal qual possui hoje, face ao princípio da legalidade. Por isso, o Direito Grego ao contrário do que pensamos na hodiernidade, se desenvolveu e foi exemplo modelar em sua época.
1. FORMAÇÃO DO DIREITO GREGO
Antes de mais nada, cumpre-nos ressaltar a importância do capítulo 1 (Universo Grego) como meio para adentrar no estudo profundo do direito grego e seus aspectos. Assim, comungamos com o célebre comentário de Ortolan: “Para se conhecer bem uma legislação insta que se conheça bem a sua história”.
Michael Gagarin1 comenta que há três estágios de desenvolvimento do Direito em uma sociedade:
Sociedade pré-legal: Onde não há critérios estabelecidos sobre os litígios;
Sociedade proto-legal: O avanço chega com procedimentos para dirimir as disputas, porém não existem regras definidas ainda;
Sociedade legal: Estágio mais avançado de uma sociedade em crescimento. O Estado intervém nas querelas, através de normas e sanções. Há também a construção embrionária de um Direito positivado em códices.
O Direito grego percorreu estas três etapas preconizadas por Gagarin, tanto é que, no início o direito era apenas falado, e só depois houve o advento das escritas legais.
O Direito grego praticamente nasce das aspirações de Homero, pois suas obras e epopeias trazem regras de conduta, bem como as possíveis penas para a violação dessas regras, daí porque podemos afirmar que em Homero assiste-se a gestação do Direito Grego.
Existem teorias que exclamam pela falta desses tão falados códices, se existiram por quê não chegaram até nós?
Não aconteceu com a Grécia o que ocorreu com Roma.
Não encontramos os diplomas gregos reunidos como temos acesso à legislação romana.
Justitiano cuidou muito bem para que as leis romanas chegassem a hodiernidade.
Rodolphe Dareste2, profundo estudioso da legislação grega, comenta que só conseguiu reunir para seu estudo, pequenos fragmentos esparsos que dão imagem incorreta do direito que existiu à época de Sócrates e anterior a ele.
Por sua vez, Ugo Paoli3 assevera que deve se dar ao Direito ático tratamento de extensão, não deixando-se limitar apenas ao estudo formal das leis que nos sobrevieram, mas também se ater aos costumes e as reações da sociedade diante dos corpos jurídicos instalados.
Ocorreu com o direito na Grécia o que nós chamamos de tradição atávica oral. Na gênese do corpo jurídico, o grego preferia falar do que escrever, portanto, pouco se escreveu. A escrita se desenvolveu juntamente com o direito, porém quando ambos alcançaram o zênite da maturidade, a Grécia já não era o poderio de antes e encontrava-se em decadência.
Se a escrita, as formas de escritas e a produção de livros estivessem em acelerado estágio quando a civilização grega alcançou o ápice, como ocorreu em Roma, com certeza a história do direito grego seria bem diferente.
O direito grego só conseguiu ser soberano quando o povo atentou para a necessidade de escrever as normas que estavam respeitando. Destarte, era mais fácil aplicá-las e assegurar a justiça de quem as respeita. Neste ínterim, Teseu proclamou “Quando as leis são escritas, o pobre e o rico tem justiça igual”. Tais palavras viraram o lema da luta para escriturar o direito vigente da época.
Outro fator que atrapalhou muito a chegada do direito grego até nós, foi o fato de o especialista que estuda a Grécia dar mais atenção a História do que ao Direito, também porque os estudos eram feitos a maioria por filósofos e, estes não primam pela verdade jurídica, até mesmo porque não é o objeto de estudo e de trabalho deles.
Curiosidade: As grandes obras literárias de Atenas no século de Péricles (sec. V) foram redigidas em dialeto ático, porém a Odisseia, escrita em meados do século VIII a.C. teve o vernáculo do dialeto jônico.
Falando em Atenas, sabemos que foi lá onde a Democracia melhor se desenvolveu e o direito atingiu a melhor faceta em relação a processo e legislação.
Há também outras cidades-estados importantes para o direito grego, tais como: Esparta, Gortina, Tasos etc. Porém, foi em Atenas e Esparta as maiores manifestações do direito em plagas gregas.
Ilias Arnaoutoglou confirma este dado em seu livro “Leis da Antiga Grécia”: “O conhecimento da legislação dominante ficou restrito às cidades-estados, principalmente Atenas e Esparta.”.4
Curiosidade: O Alfabeto fonético grego foi criado em 776 a.C., no mesmo ano da primeira Olimpíada.
As leis eram escritas em pedra, madeiras e no bronze, assim como faziam com os escritos de Filosofia, Literatura e História, mas esses últimos mereceram grande destaque por muito tempo entre os estudiosos da Grécia, esquecendo-se por sua vez do direito grego.
Somente em meados da década de 90 lembraram-se da existência de leis e buscaram estudá-las.
O primeiro país a se dedicar neste estudo foi a Grã-Bretanha e, é de lá que surge o estudo mais recente das leis gregas Recueil des Incriptions Juridiques Grecques, de Todd Reinach.
Não se deve desprezar o estudo aprofundado de nenhum sistema jurídico, pois de lá tiram-se a lições para não errarmos hoje e também é lá que se encontra o berço da maioria de nossos institutos jurídicos.
Assim concorda Carlos Maximiliano: “O que hoje vigora, abrolhou dos germes existentes no passado: O Direito não se inventa; é um produto lento da evolução”.5
Com o direito grego não é diferente. O leitor poderá vislumbrar páginas adiante a explicação do surgimento de muitos temas jurídicos da contemporaneidade. Ademais, informação que poucos sabem: o Direito Grego serviu de base para o Direito Romano. Demonstro a seguir.
Como tão bem assevera Fábio Cerqueira: “Habitualmente, considera-se a civilização romana como a matriz do direito moderno. Todavia, é na Grécia que ocorreu a revolução intelectual que gerou o conceito de um direito que valha de forma igual para todos os cidadãos.6
Não esqueçamos também que foi na longínqua Mesopotâmia que nascera os dois primeiros grandes códigos de leis do mundo: Código de Hammurábi e Leis de Eshnunna. No entanto, há sempre a propagação de Roma ter sido a mentora de todo o Direito. Realmente a sociedade romana foi de vanguarda e celebrou o direito para o mundo, mas devemos também dar crédito as outras civilizações.
A grande virtude da Grécia é a liberdade. O Direito Grego era objeto de alcance de todos, sem a menor interferência dos aristocratas ou sacerdotes.
José Cretella complementa dizendo: “Na Grécia antiga, pela primeira vez, o direito é objeto de profundos e específicas indagações filosóficas, deixando de ser privativo dos sacerdotes, dos monarcas e dos moralistas, para ser cultivado por filósofos e juristas.”7
Colaciono duas citações para sedimentar ainda mais a argamassa que edifica as bases de sustentação da importância do Direito Grego para a humanidade.
Paulo Dourado de Gusmão leciona:
“As leis gregas, a partir do século VI a.C., diferenciavam-se das demais leis da Antiguidade por serem democraticamente estabelecidas. Não eram decretadas pelos governantes, mas estabelecidas livremente pelo povo na Assembleia. Resultavam, pois, da vontade popular. […] Lançaram as bases da Democracia. Devemos a eles o princípio do primado da lei, incorporado à Cultura Ocidental.A justiça, pode-se dizer, era a meta do direito grego, confundida sempre com o bem da pólis”8. (grifo nosso).
Em seu expediente, Clayton Reis, exclama:
“A Civilização Grega foi, sem contestação, a mais marcante e expressiva de que se tem conhecimento na história do homem na face da terra. O sistema jurídico atingiu pontos culminantes com seus vigorosos pensadores. Pela primeira vez, na história da civilização, fala-se em democracia.”9
O Direito Grego influenciou em demasia a construção do tão celebrado Direito Romano.
Vários autores, alguns inclusive consagrados mundialmente, atestam que a Lei das Doze Tábuas foi inspirada em modelo jurídico grego.
José Rogério Cruz e Tucci escreve a esse respeito: “Teria, destarte, sido enviada a Atenas uma comissão constituída, ao que parece, por três membros (Spurius Postumius, Servius Sulpicius e Aulus Manlius), com o objetivo precípuo de estudar as leis de Sólon”.10
José Arias11 confirma a tese de Cruz e Tucci sobre esses três enviados para estudar as leis gregas.
Os professores Ralph Pinheiro e Helena Bekhor doutrinam que existiu um cidadão chamado Hermodoro e que este “era um grego, residente, na época, em Roma e sobre isto não se não há dúvidas; ele contribuiu, traduzindo a legislação de Sólon, que há de algum modo ter influído na elaboração da lex-decenviralis.”12
Arnaldo Sampaio Godoy13, René Foignet14, Ugo Brasiello15, Michel Villey16, só para citar alguns, defendem peremptoriamente a ida de emissários romanos à Grécia com o fito de estudar seu sistema jurídico.
Para encerrar essa questão, cito dois grandes nomes que defenderam a ida de romanos a Grécia, para aprender lições, visando alicerçar seu ordenamento jurídico.
O inolvidável jurisconsulto cearense Clóvis Bevilácqua17, pai do Direito Civil Brasileiro, atestava sem receio que no ato de compilação das Doze Tábuas, o Direito Romano, com certeza usou como inspiração a legislação grega.
Por seu expediente, Theodor Mommsen, Prêmio Nobel de Literatura, declarava: “Em todos os ramos da civilização romana […] na legislação e no sistema monetário, na religião, na formação da lendas nacionais, encontramos traços das ideias gregas, e, particularmente, a partir do começo do século V.”.18
Aliás, obra esta supracitada, traduzida pelo imortal da Academia Brasileira de Letras, Antônio Olinto, cidadão esse, que este humilde escriba teve o prazer de conhecer pessoalmente por ocasião de um encontro nacional do mesmo sodalício19 em que fomos consortes.
Criou-se por um certo período a noção de que o Direito Grego não teve importância alguma para a História, nem serviu de modelo para nenhuma sociedade. Talvez essa noção tenha vigido por certo tempo por conta de alguns fatores, tais como: Não havia, pelo menos no início, a escrita do direito, apenas o direito falado, transmitido de pai para filho; os gregos não celebravam a matéria jurídica como fenômeno cultural da sociedade, tanto é que a figura do advocatio, por lá não se perpetuou, entre outros fatos que depuseram contra a imagem jurídica da Grécia.
Fustel de Coulanges confirma a historicidade do direito falado: “Parece mesmo que as palavras da Lei costumavam ser ritmadas. Aristóteles afirma que, antes que as leis fossem escritas, eram cantadas. Restam vestígios dessa prática na língua; os romanos chamavam às leis carmina, versos; os gregosnómoi, cantos.”20
Esse nómos grego inclusive é considerado fonte do direito grego, conforme veremos a frente.
2. DIREITO GREGO E SUAS CARACTERÍSTICAS
Os estudiosos chegaram ao consenso que o primeiro direito palpável na Grécia foi o chamado Direito Homérico.
O direito desta época era autoritário, não zelava pela isonomia e era existente apenas para promover e defender as realezas, seus parentes e indicados.
Foi neste período que se formou o direito na cidade de Gortina, talvez a primeira cidade a instalar um direito propriamente dito para equilibrar e disciplinar a vida entre cidadãos.
Gortina era uma cidade-estado situada na ilha de Creta.
Aristóteles e Licurgo foram exímios estudiosos dessa cultura jurídica. O primeiro usou as lições que aprendeu, em sua obra “A Ética e o Nicômaco”, e o segundo observou o modelo para escrever a sua Constituição da Esparta.
Depois a concepção jurídica foi se espalhando por toda a Grécia, chegando ao zênite em Atenas e Esparta.
O Direito crescia com algumas características marcantes: laico; sem grandes juristas para interpretá-lo; sua aplicação só ocorria quando comprovadas cabalmente a lesão; direito sem profissionalização, sem advogado, órgão de acusação, oficiais de cumprimentos etc.
O nascimento da ordem jurídica e, por conseguinte do direito, é reputado aos deuses.
Segundo Fustel de Coulanges, “os antigos afirmavam que suas leis tinham-lhes vindo dos deuses. Os cretenses atribuíam as suas, não a Minos, mas a Júpiter; os lacedemônios acreditavam que seu legislador não fosse Licurgo, mas Apolo”.21
De acordo com as gerações passadas, os deuses intervieram na Terra, trazendo entre suas aplicações, o conteúdo das leis. A crença atribuía a tudo que fosse Lei e costume, aos ensinamentos dos deuses, e por isso era bom.
Vale ressaltar que essa verdade também reinava entre os romanos, a ponto de ser um dos conceitos básicos da formação do direito local. Ressaltei isto em minha obra anterior:
O Fas provém do Direito falado dos deuses. Seriam normas legais faladas pelos deuses e transmitidas aos sacerdotes e pitonisas. O Fas é o direito falado, dito, revelado pela divindade que influenciava o Direito público e privado.22
Isidor Stone também demonstra conhecer sobre a tese do direito divino entre os gregos: “Para reforçar sua lição, Zeus diz também a seu mensageiro: “E torne lei, por mim ordenada, que todo aquele que não possuir respeito (aidos) e direito (diké) deverá morrer a morte de um malfeitor público”.23
Narra a lenda, segundo Protágoras que:
“quando foi criado, o homem vivia uma existência solitária e não era capaz de proteger a si próprio e sua família dos animais selvagens mais fortes que ele. Consequentemente, os homens se reuniram para proteger suas vidas fundando cidades. Mas as cidades foram conturbadas por lutas, porque seus habitantes faziam mal uns aos outros por ainda não conhecerem a arte da política que lhes permitiria viver em paz juntos. Assim, os homens começaram a se dispersar novamente e a perecer. Zeus temia que nossa espécie estivesse ameaçada de ruína total. Assim, enviou seu mensageiro, Hermes, à terra, com duas dádivas que permitiriam aos homens enfim praticar com êxito a arte da política e fundar cidades onde pudessem viver juntos em segurança e harmonia. As duas dádivas de Zeus eram a aidos e a diké. Aidos é um sentimento de vergonha, uma preocupação com a opinião alheia. Diké significa respeito pelos direitos dos outros. Implica senso de justiça e torna possível a paz civil resolvendo as disputas através de julgamentos. Ao adquirir aidos e diké, os homens finalmente se tornariam capazes de garantir sua sobrevivência.”
O próprio Sócrates personagem principal deste livro, defendeu a suposta intervenção divina em duas citações:
“O homem é um ser inteligente e só quem poderia criar coisas são seres inteligentes, portanto tinha de haver alguém mais inteligente que o homem para tê-los criado. Com isso também a sua sobrevivência pacífica. Seria isso os deuses”.
“Mas sim para que obedeçam às leis; que enquanto se lhes mantiverem fiéis as cidades serão poderosíssimas e felicíssimas. Acho que foram os deuses que as inspiraram aos homens. Porque entre todos os povos a primeira Lei é respeitar os deuses”.24
Portanto, houve uma teocracia ou uma teonomia25.
Outro exemplo de tradição que implantou o direito também dessa forma ocorreu entre os judeus. Comentei isto em minha obra passada:
O povo ia se acostumando com a vigilância das leis e começava a se formar a ideia de um Estado judicial. É válido lembrar que a teocracia judaica era permeada por uma realidade jurídica, da qual Deus governava e ditava as leis, e era o principal juiz do povo.26Atribui-se a Zeleuco de Locros o título de primeiro legislador da Grécia. Por volta de 650 a.C., este homem reuniu em um código todas as leis que vigiam àquela época, além de ter fixado penas para cada espécie de delito cometido. Antes qualquer delito, fosse leve ou sério, apenava-se com a mesma sanção.
Entretanto, a primeira legislação codificada que se tem notícia, foi encontrada em Dreros, ilha de Creta, por volta de 662 a.C.
3. FONTES DO DIREITO GREGO
A classificação se divide em duas raízes: a primeira são as chamadas fontes epigráficas, e a segunda são conhecidas como fontes literárias.
Entre as citadas fontes epigráficas estão todos os documentos (leis) tornados públicos pela sociedade elaboradora da norma, são escritos em pedra, bronze, madeira etc. Muitos desses escritos sobrevieram até nós.
Quanto as fontes literárias, essas nos chegaram quase que na suas integralidades e são conhecidas como:
* Discursos de oradores áticos, tais como: Antífonas, Lísias, Isareus, Isócrates, Demóstenes, Esquino, Licurgo, Hipérides e Dinarco;
* Monografias embrionárias de Constituições;
* Escritos de grandes filósofos, como por exemplo: Aristóteles e suas obras: “A Política” e a “Ética e o Nicômaco”; Platão e suas “As Leis”;
* Epopeias de Homero;
* Lei de Gortina e Lei de Dura;
E por fim, os escritos de Hesíodo, considerado o pai do termo “Nomos”.
Os mestres Vicente Bagnoli, Susana Mesquita e Cristina Godoy comentam que “O nomos era a fonte do direito. Esta noção foi pela primeira vez usada por Hesíodo, que tratava em seus escritos da justiça do camponês; contrapondo-se, portanto, a Homero, o qual apresentava em suas epopeias a justiça aristocrática”.27
4. CONCEITO DE JUSTIÇA
A definição de Justiça na Grécia variava de cultura para cultura, de cidade-estado para cidade-estado, de cidadão para cidadão etc
Por isso houve necessidade de se propagar pelo menos um consenso sobre o que é a justiça, aliás axioma este, que nem nos dias atuais conseguimos dimensionar.
Vou repassar o que descobri por justiça na Grécia, e para isso usarei novamente o método de citações.
Aristóteles pregava que “o homem, quando não aperfeiçoado, é o melhor dos animais; mas quando isolado da lei e da justiça, é o pior de todos”28
Percebe-se nesta sentença o quanto Aristóteles valorizava a justiça, a ponto de afirmar que o homem distante dela se torna o pior dos animais selvagens.
A educação espartana, conforme demonstrada no capítulo anterior era muito rígida e só visava a preparação do infante para as batalhas. A educação em Atenas e em boa parte da Grécia era totalmente paradoxal com a de Esparta. Era comum se cultivar as lições profícuas dos grandes escritores da época. O pai ensinava o filho os primeiros vocábulos por meio de símbolos, histórias, parábolas etc.
Todos nós em pelo menos um episódio na vida, fomos colocados para dormir com histórias da carochinha ou canções de ninar. Tenho certeza que muitos de nós ainda lembra aquela história que a mamãe contava, aquela canção que papai cantava, e por ai vai.
Assim, começávamos a aprender novas palavras, novas ações, sentimentos etc.
No célebre Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, existe a figura da hipnopédia, sistema computadorizado que enquanto os bebês dormem, ficam escutando lições de aprendizado social da máquina. Coisas do tipo: “O Nilo é o mais extenso dos rios da África e o segundo em comprimento de todos os rios do globo”29
Pois bem, era prática comum entre os gregos ensinar aos filhos, lições sobre palavras ou costumes, por meio das histórias de seus heróis. Por exemplo, para ensinar o conceito de justiça, quase todo educador grego usava a estória de Odisseu, personagem mítica do grande Homero.
Isidor Stone assim explica:
“Odisseu tenta encontrar uma criatura dotada de grande força, um homem selvagem que nada conheça de justiça ou de lei, os elementos básicos que caracterizam o homem civilizado.”.
E prossegue:
“As palavras traduzidas como “justiça” e “lei” são dikas e themistas. Essas palavras são as formas plurais de diké e themis. No singular são termos abstratos: o primeiro designa costume, a lei ou a justiça, enquanto o segundo refere-se aos que é decente ou correto conforme o estabelecido pelo costume, a tradição ou o precedente. O que Odisseu encontra na terra dos ciclopes confirma suas apreensões. Ela não é organizada como uma comunidade. Cada um vivia solitário em sua caverna individual, úmida e fedorenta, com suas mulheres, seus filhos e seus rebanhos.”30
Destarte, os pais contavam aos filhos, para que os mesmos começassem a se interessar por justiça e lei, a fim de não passarem pelas mesmas privações dos ciclopes.
Na República, de Platão, duas personagens conversam acerca do direito e da justiça, e por fim concluem que a justiça é o interesse do mais forte, e que o direito, é quem empresta essa força.
De fato, podemos entender a justiça e o direito através do conceito de Trasímaco, personagem platônico citado na República. O Direito é uma força motriz que assegura a sociedade e ao cidadão como ente individual um leque de garantias e ressalvas. Uma vez conquistado esse “direito” há a perfeição de um ato concreto ou abstrato que tem um efeito ao qual denominamos de “justiça”, pois atendeu a todos os requisitos que a sociedade e o cidadão quiseram e precisam. Portanto, a justiça é o interesse do mais forte, porque o mais forte o é por conta de um atributo chamado “direito”.
Em Roma a justiça era lecionada como sendo um dos grandes conceitos básicos do Direito Romano, figurando ao lado do Jus, da Aequitas, da jurisprudentia, dos juris praeceptas e do fas.
A Justitia era a vontade firme e perdurável de dar a cada um o seu direito. No campo do Direito, praticar a justiça é encontrar-se perfeito.31
Cícero entendia que a “justiça, virtude por excelência, é senhora e rainha de todas as virtudes.”.32
Zeferino Rocha demonstra que Hesíodo, o poeta do campo e dos camponeses, foi um dos primeiros a hastear a bandeira da justiça:
“Hesíodo se transformou num apaixonado poeta do direito. Deixando de lado a tradicional objetividade das epopeias, ele começa a falar, na primeira pessoa, e se torna o porta-voz de uma doutrina que maldiz a injustiça e enaltece o direito. […] somente quando é baseada no direito, a sociedade pode ser melhor. A deusa Diké, deusa da justiça, é, por, enaltecida e colocada ao lado de Zeus, o mais importante dos deuses.”33
E prossegue:
“Foi a paixão pelo direito que levou Hesíodo a descrever, na Cosmogonia e naTeogonia, a origem dos deuses e do mundo dentro das coordenadas de uma ordem, que é, ao mesmo tempo, uma ordem cósmica e uma ordem ético-social. Há uma ordem na vida dos deuses, e é, por isso, que, apesar de serem imortais e onipotentes, eles também estão sujeitos à lei do destino.”34
Essa passagem me faz lembrar uma sentença de São Tomás de Aquino:
“O Direito é um aspecto da ordem segundo a qual a sabedoria divina põe em movimento as forças da criação”.
E a persona principal deste trabalho, o que achava da justiça?
Escolhi uma passagem da vida de Sócrates para expor seu pensamento acerca da justiça.
A citação é retirada de sua biografia: “Aquele que conhece o bem faz o bem. Logo o entendimento justo leva à ação justa. E só o justo pode ser um homem virtuoso”.
Sócrates achava que quando o homem agia errado era porque não sabia o mal que estava fazendo, por ser néscio de sabedoria.
Por isso, era bom que existissem leis, ajudando assim, o homem a conviver em harmonia e justiça na sociedade.
5. IMPORTÂNCIA DA LEI
A Lei tratada por Rui Barbosa como tendo a marca maior: a proteção indelével do oprimido: “A característica da Lei está no amparar a fraqueza contra a força, a minoria contra a maioria, o direito contra o interesse, o princípio contra a ocasião.
Esta mesma “lei”, como instituto jurídico de prevenção e manutenção do Estado de Direito, também teve muitas homenagens na Grécia.
No ínicio era chamada de diké ou themis.
A diké ficou caracterizada na época Homérica e definia os direitos e deveresde cada um sob a tutela autoritária do chefe do genos (família ou sociedade).
Era proveniente desses chefes o surgimento das themistes, decisões emanadas da autoridade, com princípios e fórmulas mágico-religiosas que derivavam de Zeus.
A diké em seu expediente empresta a noção de ordem e equilíbrio entre o cidadão e a coletividade.
Era tão importante, que teve épocas onde os gregos tudo queriam regulamentar. Se não fosse por meio de lei, era ilegitima qualquer prática cidadã.
Arnaldo Godoy comenta que “Na Ilha de Creta, por exemplo, regulamentava-se responsabilidades de animais, propriedade dos mesmos, multas para aqueles que recebiam animais sob guarda e não os devolviam.”35
Entretanto, é mister que se comente que a aristocracia algumas vezes editou ou modificou leis apenas para o seu bem-estar.
Tal prática é peremptoriamente criticada por Zeferino Rocha:
“As leis continuamente modificadas e revogadas de modo arbitrário justificavam a impressão daqueles que professavam um relativismo ético inteiramente subjetivo, o qual fazia as leis depender dos caprichos daqueles que eventualmente detinham o poder”.36
Por conta de tais expedientes, a sociedade se reuniu e instaurou duas armas potentes contra isso: o cargo de guardião das leis e a lei que disciplinava a criação de leis.
O Nomophýlakes, literalmente “guardião da lei”, tinha como tarefa supervisionar o respeito às leis. Em nosso ordenamento pátrio temos função semelhante com o Supremo Tribunal Federal que é o legítimo Guardião da Constituição Federal Brasileira.
Em Atenas, Andócides I, escreveu uma lei que validava as novas leis e decretos propostos:
“As autoridades não tem permissão para usar uma lei não escrita, em caso algum. Nenhum decreto do Conselho ou da Assembleia deve prevalecer sobre uma lei. Não é permitido fazer uma lei para um indíviduo se ela não se estender a todos os cidadãos atenienses e se não for votada por seis mil pessoas, por voto secreto.”37
Essa lei também fazia a diferença entre lei (nomos) e decreto (pséphisma).
Demóstenes escreve acerca de uma lei que previa o reexame das leis, dando aos avaliadores (Assembleia) a faculdade de ratificar ou não a lei examinada.
“No décimo primeiro dia da primeira tribo a presidir a Assembleia; tendo o arauto orado, a ratificação das leis procederá conforme segue: primeiramente as leis relativas ao Conselho, depois as leis gerais, em seguida aquelas relativas aos nove arcontes e finalmente aquelas relativas às autoridades”.38
A lei se tornou muito importante para a convivência social das cidades-estados, a ponto de fazer todo cidadão ser conhecedor das diversas leis, a fim de não macular o direito alheio.
Isidor Stone disserta que “A Lei impõe ao cidadão o dever elementar de conhecer a lei. Ele não pode esquirvar-se argumentando ignorá-la. Um das primeiras vitórias da gente comum em sua luta pela justiça foi obrigar a classe dominante a escrever a lei, para que todos tivessem acesso a ela e pudessem saber que lei estavam sendo acusados de violar.”.39
Interessante, na Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, encontramos dispositivo que dispõe o mesmo raciocínio: Todos devem saber das leis, e ninguém pode alegar desconhecimento.
Vejamos:
“Art. 3º - Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”
Teria o Direito Brasileiro importado a inteligência da legislação grega?
Na República, de Platão, a personagem Trasímaco lembra que “As formas de governo fazem leis visando seus interesses, determinam assim o que é justo, punindo como injusto aquele transgredir suas regras”.
Antes, ele havia dito que “a força é um direito, da qual a justiça é o interesse do mais forte”.
Assim como na Grécia, onde o cidadão propõe a lei e o Conselho e a Assembleia votam pelo seu provimento ou não, depois do exame. No Brasil ocorre a mesma equação, agora com fatores diferentes. Explico.
Aqui (no Brasil) somos nós que propomos as leis, mas com execeção da Iniciativa Popular, a maioria das leis é levada adiante pelos parlamentares que compõem o Poder Legislativo e, em algumas vezes, com funções atípicas, exercem este comando o Poder Judiciário e o Poder Executivo. No entanto, é o povo que faz as leis.
Assim preconiza a Constituição Federal, quando proclama:
“Art. 1º - Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”. (grifo nosso)
Então quando um Deputado estiver na tribuna propondo um projeto, uma lei, uma alteração legislativa, somos nós que estamos exercendo esse poder, pois subentende-se que o elegemos para o ato.
Na Grécia também funcionou assim, logo, quando o governo cria a lei e determina o que é justo, é o povo que está dizendo isso através da Assembleia (Ekklesia) e do Conselho.
Mesmo assim, os sofistas eram contrários a qualquer espécie de legislação.
Segundo Arnaldo Godoy, os sofistas não entendiam o sistema explicado acima e por isso “criticavam as leis, que imputavam como a vontade dos mais fortes”.
Já para Demóstenes, quando a “lei é clara, recusa toda ação, já ocorridas a quitação e a desobrigação do compromisso anteriormente assumido”
Acompanhando o relator, Santo Tomás de Aquino, profundo estudioso da cultura helênica através de Aristóteles, disse que a “lei é eterna ou divina, natural e humana, é um princípio ético que não distingue moral direito e religião”.
Sócrates afirmava que “as leis são sagradas, e sagradas permanecem mesmo se os juízes chamados a interpretá-las erram”.40
O escopo principal desse pensamento Socrático é dizer que a lei nasce com fundamentação e espírito bom, e que independente de sua aplicação, ela jamais perderá a sua essência a sua imaculabilidade.
Curiosidade: As leis eram escritas em axones, tabuinhas de madeiras sustentadas por eixos giratórios.
Para Xenofonte, o filósofo explicou a justiça das leis.
Primeiro pegunta: “Conheces as leis do Estado?” Xenofonte responde: “Conheço-as”. Sócratesredargue: “Que são elas?” Xenofonte explica: “O que de comum acordo decretam os cidadãos estatuindo o que deve e o que não deve fazer-se”. Sócrates encerra: “Portanto, legal é o que se conforma com esses regulamentos políticos, ilegal o que os transgride”.41
Corrobora com tal pensamento o famoso brocardo romano: Jus est ars boni aequi. O Direito é a arte do bom e do justo.
Sócrates defendeu a lei até o momento final de sua vida.
Isidor Stone conta que Críton, um de seus epígonos, propôs a ele a fuga. Então, Sócrates recusou. Assim ele comenta: “Sócrates recusa-se a ser salvo. Diz que não retribuirá o mal com o mal. Recusa-se a violar a lei, mesmo para salvar sua vida ameaçado por um veredicto que considera injusto. Sócrates pede a Críton que imagine o que lhe diriam as Leis de Atenas se elas lhe aparecessem na cela para discutir a questão com ele.”.42
6. LEGISLADORES DA GRÉCIA
Antes já havia mencionado que reputa-se a Zeleuco de Locros, o título de primeiro legislador grego. Esse grande legislador teve seu reconhecimento consagrado quando editou uma lei proibindo a maledicência pública, vindo a ser a primeira norma regulamentando os exageros de expressão.
Porém dois nomes marcaram de sobremaneira a história jurídica grega; falamos de Drácon e Sólon.
6.1 Dracon.
Drácon ou Draconte, com equivalência em grego Drákõn, tornou-se um célebre legislador grego no século VII a.C.
No inicio, sua função era de ser um dos arcontes do Estado de Atenas. Por ser de família aristocrática, em 621 a.C. recebeu poderes extraordinários para desenvolver leis que amortecessem os conflitos sociais existentes desde o golpe de estado provocado por Cilón e o exílio de Megacles.
Confiado a ele a missão de codificar todas as leis orais, Drácon as escreveu uma a uma, findando assim com um grande código de leis rígidas e baseadas nas regras tradicionais arbitradas pelos juízes da época.
Ficou patente em seu código as mudanças que se originavam a partir do édito da nova legislação. Uma das mudanças radicais foi a transferência do direito de vingança para o Estado.Destarte, tornou-se proibido a conduta de fazer justiça com as próprias mãos.
Curiosidade: Em nosso ordenamento jurídico pátrio tal conduta também é proibida. Vide art. 345 do Código Penal.
A legislação desenvolvida por Drácon também ficou conhecida por ser a primeira a ter previsão de sanções a infrações contidas no bojo da lei. Sem dúvidas o modo de reunião das leis e por fim a codificação tornou-se marco de introdução ao direito penal contemporâneo.
O Código de Drácon ficou muito conhecido devido a sua rigidez quase sobre-humana, além de apenar todos os crimes sérios com a morte. Não havia meio termo na legislação draconiana, se o crime era sério ou não, só havia a punição da morte para o infrator. Nada de detenção ou sanção pecuniária.
Por isso até hoje o termo “draconiano” ostenta um peso imenso. Fala-se de draconiano quando a situação é muito dura, rígida, áspera, cruel etc.
O vocábulo “draconiano”, proveniente de Drácon, me faz lembrar o velho Drácula, personagem famosa criada por Bram Stoker.
O Escritor inspirou-se no príncipe romeno Vlad Tepes, nascido em 1431 e governante da Romênia, para criar a persona do tão famigerado e temido Conde Drácula.
Vlad Tepes ou Vlad III era conhecido por tratar seus inimigos com perversão. Mesmo não sendo um vampiro, como muitos aldeões romenos pensavam, sua crueldade alimentava o imaginário a ponto de se espalhar pela Europa sua fama de homem-morcego.
Por que o nome de Drácula foi associado ao príncipe Vlad?
Seu genitor o rei Vlad II, era consorte de uma fraternidade cristã romena, conhecida como Ordem do Dragão. Esta sociedade foi criada por ricos da região com o fito de juntarem forças para proteger o território romeno da invasão dos turcos otomanos.
Na fraternidade o rei Vlad II recebeu o epíteto de Dracul (dragão), e, por consequência, o filho Vlad III, passou a ser conhecido como Draculea (filho do dragão).
A partir de então, Draculea, como passou a ser chamado, tornou-se conhecido por sua perversidade e crueldade. Em uma ocasião, dois súditos emocionados com a presença do príncipe esqueceram-se de tirar o chapéu em reverência a sua chegada. Por conta disso, seus chapéus foram fixados com pregos em suas cabeças.
Outra lenda conta que Vlad avistou um aldeão com a roupa completamente suja. Se aproximou do homem e perguntou se o mesmo tinha esposa, o homem espantado disse que sim. Em seguida ele perguntou se a sua esposa era sadia, o homem novamente confirmou que sim. O príncipe então ordenou que localizassem a mulher do aldeão e mandou que decepassem ambas as mãos dela.
Era comum as inúmeras vezes que o conde Vlad ordenava aos seus soldados que trouxessem vítimas para serem empaladas em sua frente, enquanto ele devorava seu banquete. Alimentava-se risonho em meios a gritos de agonia.
Outro monarca que também tinha esse costume era Herodes.
O histórico de torturas na história do povo hebreu é enorme. O famigerado Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia à época de Cristo, era especialista em torturar seus custodiados. Gordon Thomas comenta: “O tetrarca gastava horas assistindo homens e mulheres sendo não só marcados, mas também surrados com chibatas ou pendurados por ganchos com pesos fixados a seus pés, as solas só ligeiramente afastadas do solo”.43
Não pude evitar de comentar essa coincidência de nomes: Drácon e Drácula. Ambos rígidos e cruéis, um dispôs legislação nefasta e o outro executava vorazmente suas vítimas.
Curiosidade: Dracon também era o nome da grande serpente que atacou a deusa Atena e foi morta por ela. Atena matou e a jogou no céu onde a mesma transformou-se na constelação de Draco, ou Dragão.
Na legislação de Drácon tanto o furto como o assassinato recebiam a mesma pena: a morte.
Dêmades, político ateniense do século IV, certa vez asseverou: “as leis de Drácon foram escritas com sangue e não com tinta”.
Mas havia também dispositivos pitorescos, para não chamar de engraçados ou inócuos.
Pausânias relata que Teágenes tornou-se o grande vencedor dos III Jogos Olimpicos. Dois anos depois faleceu, mas em homenagem ao grande atleta, construiu-se uma estátua em sua reverência. Um inimigo de Teágenes, ia toda noite até a estátua e lhe chicoteava, na intenção de estar castigando o próprio atleta. Um dia a estátua caiu em cima do homem e o matou. A família processou a estátua, conseguiu a condenação e, por conseguinte, seu lançamento em alto mar, por conta de um artigo da lei draconiana que previa o banimento de objetos inanimados que caíssem e matassem pessoas.
Das duas, uma: ou era praxe chicotear estátuas de inimigos, fazendo com que as mesmas cedessem em suas bases e por fim caíssem lesando pessoas, ou então, Drácon quis inserir dispositivo hilário para aquebrantar um pouco a rigidez do código.
Sabe-se que o código draconiano ficou vigente por sete anos.
Curiosidade: Sabemos da existência do Código Draconiano graças a uma inscrição em pedra que sobreviveu até nossos dias. O primeiro artigo de sua legislação era: “Dever-se-á honrar os deuses e os heróis do país e oferecer-lhes sacrifícios anuais sem afastar-se dos ritos seguidos pelos ancestrais”.
Curiosidade 2: As leis draconianas possuem um papel importante na História do Direito, entretanto, não são as primeiras codificações de leis escritas como já se pensou. A primeira legislação escrita da humanidade é o código de Ur-Nammu, datado de 2040 a.C.
Curiosidade 3: Foi Drácon quem primeiro diferenciou o homicídio involuntário do homicídio voluntário e a legítima defesa.
Curiosidade 4: A legítima defesa que era chamada por Cícero de “lei sagrada, lei não escrita, mas que nasceu com o homem, lei anterior aos legistas, à tradição, aos livros, e que a natureza nos oferece gravada em seu código imortal [...] lei pensada num perigo iminente, preparado pela astúcia ou pela violência, sob o punhal da cupidez ou do ódio, diante disso todo meio de salvação é legítima”.
6.2 Sólon
Trinta anos após a regência da legislação draconiana, surge Sólon, um homem do povo e para o povo.
Sob seu regime, Sólon cria um novo código de leis, além de promover reformas institucionais, econômica e social.
No campo da Economia, reorganizou a agricultura, fomentando a plantação de oliveiras e vinhas, visando a exportação de azeites e vinho. Criou também uma operação financeira ainda muito usada nos dias de hoje. Quem nos fala é Franco Massara:
“Sólon inventou então aquela operação econômica que hoje nós diríamos “desvalorização da moeda”. Mandou recolher todas as moedas existentes, fundiu-as e cunhou outras mais leves no peso mas naturalmente maiores em quantidade; depois restituiu aos cidadãos conservando para cada moeda o valor nominal que possuía antes da fusão e... do aligeiramento. Os devedores viram as dívidas aligeiradas em 27 por cento e os credores consolaram-se com o aumento do número de moedas em cuja possessão reentravam. Em termos simples: tornaram-se todos mais ricos, ou menos pobre, do que antes.”44
No social, recomendou aos pais que ensinassem um ofício profissional aos filhos, e caso não fizessem, podiam ser abandonados pelos filhos na velhice. Eliminou as hipotecas e libertou todo escravo que estivesse nessa condição por dívidas. Atraiu muitos estrangeiros prometendo-lhes a cidadania.
Foi um avanço na cultura jurídica da Grécia a libertação do cárcere por motivos de dívidas.
Passou a ser lei “Nenhum homem livre, cidadão da mesma Atenas, poderá sofrer a humilhação da escravidão por dívidas.”45
Redação esta escrita na Athens Politican no capítulo 6, quadrante 1,9.
Curiosidade: A pessoa que era presa por dívidas era chamada de Katakeímenos.
Sólon ainda fez mais: alterou a estrutura funcional dos arcontes, do Areópago e da Assembleia, por fim criou também o Conselho da Bulé, ou dos quinhentos.
Mas seu maior engenho na seara jurídica foi ter criado a cultura e a permissão para o povo ter uma segunda Corte, onde podiam apelar as causas perdidas injustamente nos tribunais.
Aristóteles ressalta o regime de Sólon:
“Ao que parece estas três constituem as medidas mais popularesdo regime de Sólon: primeiro, e a mais importante, a proibição de se dar empréstimos incidindo sobre as pessoas; em seguida, a possibilidade, a quem se dispusesse, de reclamar reparação pelos injustiçados; e terceiro, o direito de apelo aos tribunais, disposição essa referida como a que mais fortaleceu a multidão, pois quando o povo se assenhoreia dos votos, assenhoreia-se do governo.”.46
Para isto, criou o Tribunal dos Heliastas, Corte esta que podia ser acessada por qualquer pessoa que quisesse apelar das decisões tribunícias.
Curiosidade: Para Aristóteles, Sólon foi o fundador da Democracia.
Liderou também um censo, de onde retirou dados para dividir a sociedade de acordo com a renda de cada individuo, possibilitando assim, a ascensão social dos demiurgos.
Costumava pregar aos quatros ventos que o mal social era como uma doença contagiosa.
Certa vez, fez um discurso sobre os desatinos da sociedade:
“Mas enriquecem persuadidos por ações injustas. Não poupando os bens sagrados nem os públicos eles roubam por rapinagem. E não preservam os veneráveis alicerces da justiça que, em silêncio, conhece o presente e o passado e com o tempo sempre vem para punir. Essa ferida inevitável já alcança a cidade inteira que depressa chegou à dolorosa servidão: São esses os males que grassam entre o povo: dos pobres muitos chegam à terra estranha, vendidos e agrilhoados com inadequados grilhões”.
Por tais façanhas, Sólon é considerado um dos sete sábios da Grécia Antiga.
Montesquieu era um admirador incontido da postura de Sólon como líder:
“Sólon, que permitia em Atenas que cada qual deixasse seu próprio bem a quem quisesse, mediante testamentos, contanto que não existissem filhos, contradizia as leis antigas, as quais ordenavam que os bens ficassem na família do testador. Contradizia também as suas próprias leis, porque, suprimindo as dívidas, havia procurado estabelecer a igualdade.”47
Sólon não era apenas um grande homem de Estado e economista hábil, era também um poeta de traços profícuos.
Certa vez escreveu os seguintes versos sobre idade:
“Sete anos depois do primeiro sopro, o menino muda todos os dentes;
Fortificado por igual período, mostra os primeiros sinais viris.
Em um terceiro, seus membros crescem, a barba surge em seu rosto incerto.
Depois de um quarto período igual, sua força e seu vigor alcançam o apogeu.
Quando se passam cinco vezes sete anos, o homem deve pensar em se casar.
Aos quarenta e dois, é bastante sábio para fugir de atos vis, estultice e medo.
Quando tem sete vezes sete anos, ao juízo, somam-se perspicácia e eloquência.
E mais sete anos de habilidade, elevam-nos à perfeição.
Quando esses períodos somam nove, embora enfraquecidas as faculdades resistem.
Quando Deus lhe concede dez vezes sete, o homem idoso se prepara para o céu.
A idade de setenta anos, que em nosso ordenamento jurídico prevê a aposentadoria compulsória, era citada na antiguidade como o marco final da vida de um homem. Aos setenta o homem tá apenas recomeçando a caminhar novamente por seus devaneios. É com setenta anos que o homem começa a entender que a flor apodrece mas o perfume fica.
A legislação de Sólon trouxe várias inovações.
Fustel de Coulanges dizia que “O código de Sólon é inteiramente diferente; vê-se que corresponde a uma grande revolução social. A primeira coisa que nele se nota é que as leis são as mesmas para todos. Não estabeleceu distinção entre o eupátrida, o simples homem livre e o teta. Sólon orgulhava-se, em seus versos, de ter escrito as mesmas leis para os grandes e para os pequenos.48
O Direito antigo preconizava que o filho primogênito sempre era o único herdeiro. A lei de Sólon revogou isso e afirmou em termos legais: “Os irmãos repartirão o patrimônio”.
Sólon cria a figura do testamento, algo que não existia na legislação grega e talvez em nenhuma do mundo àquela época.
Sólon modificou a lei que permitia vender a filha. Mudou, mas ressalvou que se a mesma tivesse cometido um delito grave, assim poderia ser vendida.
A lei de Sólon prescrevia que só podia acompanhar o cortejo fúnebre quem era da família.
Só era permitido enterrar o morto com até três vestidos, acima desse número era crime.
Suas leis chegaram a posteridade através das lajes de pedras talhadas que permanecem expostas na Acrópole, muito embora, algumas estejam mutiladas e deformadas.
Originariamente Sólon escreveu suas leis em tabuinhas de madeira. Com a invasão persa, todas as peças de madeira foram aniquiladas.
Sólon antes de morrer obteve o juramento do povo que durante o prazo de dez anos, suas leis não seriam revogadas nem modificadas.
O grande estadista morreu em 559 a.C., em Atenas, depois de ter viajado a Ásia quase toda e de ter morado no Egito.
Curiosidade: Segundo Diógenes Laércio49, Sólon nasceu em Salamina em 639 a.C. e durante a vida trocou várias correspondências com Tales de Mileto.
7. DIVISÃO DO DIREITO GREGO
Na visão de Michael Gagarin, o Direito Grego era dividido da seguinte maneira:
Direito Criminal ou Penal;
Direito de Família;
Direito Público;
Direito Processual.
O direito criminal cuidava dos homicídios, sanções penais, roubos, furtos, enfim, tudo que fosse enquadrado como infração penal àquela época.
O direito de família era constituído de lições sobre adoção, casamento, filiação, sucessão e tudo aquilo que envolvesse pátrio poder e família.
O direito público tratava as questões políticas, econômicas e religiosas.
E o direito processual disciplinava as espécies de procedimentos para salvaguardar os direitos, além de fornecer as regras dos tribunais.
7.1 DIREITO PENAL GREGO
No campo das ciências criminais, o mundo grego foi o primeiro a separar a sanção do sentido meramente religioso. Portanto, o entendimento foi mudado: o criminoso era apenado porque cometeu um crime contra a sociedade ou contra outro cidadão, e não mais porque afrontou a Deus. Cabe-nos ressaltar que a filosofia pré-socrática foi muito importante nos estudos da ética e do direito, auxiliando a mudança desse pensamento.
Platão lecionava que a pena era o principal ato de justiça, por onde se recuperava as vezes o delinquente, fazendo com que ele conhecesse a verdade e a justiça. Assim, ele chamou as sanções de “uma medicina da alma humana”.
Sabemos que no início, os assassinatos eram resolvidos por meio da vingança privada, ou seja a famosa vindita, a fórmula da troca de crimes entre famílias. Com o advento do Direito Penal Grego vieram também as conceituações, as classificações de crime e as penas previstas para cada infração cometida.
Homero defendia a pena como “fatalidade decorrente de um crime”.
Entre os crimes mais cometidos estavam o roubo, o sequestro, homicídios, crimes econômicos, lesão corporal, suborno e crimes contra a honra.
O roubo era considerado um dos piores crimes, pois o infrator cometia dois erros, o primeiro era cobiçar o alheio e o segundo ela lesar o direito de propriedade de outrem.
Em Atenas, o roubo era preconizado pela legislação vigente:
“Se o bem roubado for recuperado, o valor da penalidade deverá ser o dobro do valor do bem; não sendo recuperado, será dez vezes maior, além da punição legal. O ladrão deve ser mantido no pelourinho por cinco dias e cinco noites, se o tribunal impor uma pena adicional. Aquele que desejar poderá propor a pena adicional, quando a questão for colocada.”50
 
O crime de roubo só era autuado pela autoridade mediante uma acusação pública denominada degraphé klopês.
Da aquisição do produto roubado surgia outro crime: a recepção.
No Direito Grego quem comprava produto roubado não era punido caso não fosse descoberto. A lei diz assim: “Se alguém comprar na Praça do Mercado produto roubado e mantiver consigo, não será punido e deverá mantê-lo. Se a vítima do ladrão encontrar o bem roubado na casa de outra pessoa, ela deverá pagar os danos.”51
O sequestro era visto pela sociedade grega como um excesso do normal. Em alguns casos havia o perdão judicial. Era muito comum jovens inebriados pelas lanças deEros, deus do amor no panteão grego, sequestrarem belas jovens para desposá-las.
No entanto, havia o sequestro hediondo, voltado apenas em punir o sequestrado com o direito de locomoção.
A lei que falava do sequestro preconizava:
“descoberto o cativeiro, se o cativo for homem livre, o juiz multará em dez estáteres, se a parte contrária for escrava, cinco estáteres, e ordenará libertar o cativo em um prazo de três dias. Se o autor da captura ilegal morrer durante o julgamento, seus herdeiros pagarão multa simples.
Como podemos ver, a única sanção para o sequestrador era a multa.
A lesão corporal era uma prática comum no antigo mundo grego. Esposos em mulheres, pais em filhos, patrões em escravos, juízes em condenados...
Mesmo assim havia previsão de crime para esta prática, bem como a sanção por seu exercício.
“Se causar ferimento com a mão, terá de pagar cinco dracmas; se escorrer sangue do nariz […]52 e se alguém der começo a uma briga, terá de pagar dez dracmas embora tenha começado […] dias em que tem de pronunciar-se, mas não depois. […] se alguém desfere um golpe em defesa própria, não será levado a juízo […] para cobrar multas do que infligem danos.”53
A ação contra lesão corporal chamava-se díke aikeías.
A prática do suborno era rarissíma, porém acontecia em algumas situações. A corrupção não é um privilégio das autoridades tupiniquins.
A lei ateniense era clara:
“Se um ateniense aceita suborno, ou se ele mesmo a oferece a um outro (ateniense), ou corrompe alguém com promessas em detrimento das pessoas ou de qualquer dos cidadãos individualmente, por quaisquer meios ou dispositivos, será destituído de seus direitos, ele e seus filhos, e sua propriedade será confiscada.”54
E havia a disposição direta para cada espécie de autoridade: juízes que aceitam subornos eram processados com fulcro na lei Athens Politican 54.2; membros da Assembleia eram autuados com base na leiDeinity II, 17; Jurados, Advogados e Oradores na mesma lei no capítulo XLVI, 26.
Os membros do Tribunal Heliasta faziam juramento antes de tomarem posse, e uma das cláusulas desse juramento era expresso no sentido de repudiar o suborno.
O falso testemunho também era combatido na Grécia, muito embora não nos tenha chegado leis que expressem essa vedação.
É possível que fosse reprimida nos moldes do Direito Hebreu: o falso testemunho era castigado veementemente e sua tipificação se dá no capítulo 5, do livro Levítico da Biblia Sagrada: “se alguém for chamado como testemunha, mas não disser aquilo que viu ou que ouviu falar, então será culpado e merecerá castigo”.55
Parece que esse castigo era uma multa. Segundo uma lei da pólis de Estínfalo, situada na região do Peloponeso, que comenta o falso testemunho preconiza: “Se alguém acusar outra pessoa por falso testemunho deverá primeiramente levar ao tribunal a pessoa que deu o falso testemunho, segundo o acordo. Se a pessoa que deu o falso testemunho fracassar no tribunal, deverá pagar a metade da penalidade.”56
Na seara dos crimes econômicos, o leque era pequeno, havia muita sonegação de tributos, além de uma ou outra infração relativas a empréstimos marítimos.
Geralmente o devedor financeiro acabava sendo vítima do fenômeno chamado de aponia.
Aponia era o estágio onde o falido, tornado insolvente chegava. Para nós o fundo do poço, para alguns o inferno de Dante.
Paul Millet explica a aponia:
“o homem atingido pela aponia não sentia vergonha por ficar além das cercas de uma sociedade decente por meio de reiteradas contravenções para com normas socialmente aceitas. Dada a natureza da sociedade ateniense, alguns desafortunados eram presos e terminavam como estalajadeiros, servos, trabalhadores de bordéis; mas apenas uma pessoa com personalidade forte desertaria”.57
Aquele que “desertava” era tido com um verdadeiro estelionatário.
Os homicídios, não precisamos nem tecer maiores comentários, também eram previstos como crimes e punidos de acordo com a legislação.
Chegavam até certo ponto, práticas comuns, uma vez que o grego tinha a liberdade concedida pelo Estado de portar armas no cinto 'para cima e para baixo'.
O homicídio de proteção, como era chamado, não era punido. Exemplo: Se alguém roubar uma casa a noite, sendo morto por uma vigia ou pelo dono, este não será apenado.58
Isidor Stone comenta que “o cidadão armado não apenas defendia a liberdade da cidade como também podia usar armas para defender sua própria liberdade”.59
O Direito Grego prestava de sobremaneira guarida à honra do cidadão. Já havia em seus compêndios legais, normas que tipificavam as condutas danosas a honra do cidadão e da família.
A conduta de causar vergonha e densonra a qualquer cidadão da Grécia era chamado de hýbris.
A lei prescrevia: “Se alguém cometer Hýbris contra alguma pessoa, seja uma criança ou mulher ou um homem, livre ou escravo, ou cometer qualquer ato ílicito contra qualquer dessas pessoas, qualquer ateniense elegível que deseje pode acusá-lo aos thesmothétai e os thesmotthétai devem apresentar o caso dentro de trinta dias a partir do momento em que a acusação for submetida ao tribunal. Qualquer pessoa que for considerada culpada, o tribunal deve decidir imediatamente a pena que ela merece sofrer ou pagar.”60
De acordo com a eminente doutrinadora Viviana Gastaldi a “Hýbris é um atentado à honra e à prosperidade, que tem como sanção somente a reprovação da opinião pública. O termo compeende também a ideia de ato ilícito religioso, como o delito de traição, ou qualquer ação contrária à segurança social.”61
Curiosidade: Nos séculos VII e Vi a.C. Hýbris era toda e qualquer injustiça, e se aplicava bastante nos delitos de sacrilégio, adultério, incesto, violações às hospitalidades, ofensas a mortos e parentes e injúrias verbais. Só depois com o avanço cultural o emprego de “injustiça” passou a ser como adikía.
A hýbris abrangia o que o nosso Código Penal prescreve por Calúnia, Difamação e Injúria, e outras condutas típicas da época.
A calúnia que Cesare Beccaria roga para que seja apenada com o próprio castigo que se aplicaria ao acusado se fosse verdade a notícia do crime. “Contudo, todo governo, seja republicano ou monárquico, deve aplicar ao que calunia a pena que inflingiria ao acusado se fosse culpado”.62
Já a Difamação, esta também podia ser vislumbrada na Grécia. Inclusíve, o grande Demóstenes defendeu cliente acusado de kakegoria, ou seja, falar mal dos outros.
Stone conta:
“Uma causa particular defendida por Demóstenes, cerca de meio século após a morte de Sócrates, revela que fazer comentários depreciativos a respeito da origem humilde ou da profissão de uma pessoa era, na Atenas da época, uma infração à lei contra kakegoria(falar mal), que cobria diversas formas de difamação.”63
O grande causídico Demóstenes patrocinou a causa e obteve vitória, provando ao fim, que o acusado não havia cometido o crime de kakegoria, e que tudo não havia passado de um simples “problema de dicção”. Logo ele que era gago, vencer a causa assim. Gago, porém o maior orador da Grécia e de todos os tempos.
A prostituição era criminalizada na Grécia, não só a feminina como também a masculina.
A mulher que era flagrada se prostituindo, dificlmente era conduzida ao tribunal. Agora os homens eram duramente apenados. Contra a prostituição masculina havia legislação inteira.
Umas das leis preconizava:
“Se qualquer ateniense se prostituir, não terá permissão para se tornar um dos nove arcontes, para exercer qualquer sacerdócio, para atuar com advogado do povo ou exercer qualquer ofício, em Atenas ou outro lugar, por sorteio ou por votação; não terá permissão para ser enviado como arauto, para fazer qualquer proposta na Assembleia do povo e em sacrifícios públicos. Qualquer pessoa que, tendo sido condenada por prostituição, desobedecer a qualquer dessas privações, será condenada à morte.”64
Era praticamente um dejeto na sociedade. Para o homem ficar sem ir na Assembleia ou deixar de laborar em algum ofício, era praticamente a morte anunciada e, para piorar, se descumprissemuma dessas vedações, seria condenado diretamente à morte. Qual seria a melhor forma de morrer, era a grande escolha que o prostituído tinha que fazer: Morrer socialmente ou morrer.
Falando em condenação à morte, essa era uma das penas previstas no ordenamento jurídico grego. Já feitas as consideraçoes pertinentes aos crimes mais cometidos em plagas gregas, devemos passar agora aos comentários sobre as sanções.
Antes, faz-se mister asseverar que no passado as sanções eram determinadas e executadas pelos familiares ou pelo próprio ofendido, numa clara exasperação pessoal tão bem consubstanciada em nosso Código Penal como exercício arbitrário das próprias razões, art. 345.
Platão foi o primeiro a diferenciar vingança de justiça:
“a primeira é individual ou tribal, a segunda é da cidade; a primeira é incivilizada e improdutiva, porque olha para o passado e só pretende causar dano, a segunda é razoável porque olha para o futuro e tenta ensinar a virtude.65
Na sociedade homérica, o desrespeito às regras leva-se a uma sensação de auto-culpa, onde o indivíduo que pratica um delito sente-se oprimido pelo temor e pela angústia. Essa era uma espécie de sanção baseada na vergonha e na inadequação social, ao qual os gregos chamavam de aideomai. Segundo Viviana Gastaldi “é por isto que, no mundo homérico, os heróis transferiam seus atos reprováveis aos deuses”.66
As sanções eram divididas em:
* Prisão;
* Multa;
* Tortura ou castigo corporal;
* Ostracismo;
* Pena de Morte;
* Atímia.
A detenção no direito grego tinha dois formatos; dois viés. O primeiro era a forma disciplinar de punir o infrator, geralmente o devedor, deixando esse por meses ou anos em cadeias fechadas, libertando-o no final da pena prevista na condenação. O segundo era o viés acautelatório, ou prisão em manutenção como era chamado pelos gregos. Era a prisão por qual passou Sócrates, esperando o dia para cumprir a execução de sua pena de morte decretada em julgamento.
Roma também dispunha da prisão com duas aplicações: prisões de acusados sob investigação e prisão depois de pronunciadas as penas de morte, aguardando apenas a execução.67
Curiosidade: Na Grécia antiga quem cometia crimes ficava sob o efeito do miasma, efeito este, que fazia todos rejeitarem sua presença ou companhia. As prisões eram bem afastadas da cidade por esse motivo, pois o condenado deveria passar antes por uma purificação, e só depois poderia voltar a circular em ares citadinos. Hodiernamente, nossas cadeias também são feitas em locais distantes e ermos, sabemos que é mais por segurança, mas será que não tem embutida ai uma tradição que remonta milênios? Deixar o individuo se purificando e evitando a população de sua presença desagradável por perto?
Franco Massara nos oferta uma breve descrição das possíveis prisões daquela época: “As celas, talhadas em grossos blocos de pedra e instaladas no subsolo eram esquálidas e úmidas; o prisioneiro ficava longas horas amarrado por grossas correntes, como um animal; o enxergão, sórdido e incômodo; de inverno o frio era de rachar, de verão o calor sufocante.”68
Viviana Gastaldi comenta que “no que concerne à prisão, convém salientar inicialmente que nunca se tratou de uma penalidade estabelecida pela lei. Os gregos emprobrecidos que não podiam pagar suas multas ficavam na prisão durante determinado período, até que pagassem suas dividas.”69 entre outros motivos que cabia a prisão.
Por nossa experiência em civilizações antigas e seus direitos, podemos dizer que tratava-se de prisão rudimentar, talvez em pequenos edifícios erigidos para este fim, ou quem sabe até em fendas nas grandes rochas da região.
Em nossas pesquisas, nos depararamos com descrições de quase todos os prédios importantes da Grécia, tais como prédio do Fórum, Ágora, prédio do arquivo situado na stoal sul da Ágora, grandes mercados, portos etc, mas nenhuma menção descritiva de como seria a cadeia pública de Atenas ou qualquer outra cidade-Estado.
No diálogo Fédon, encontramos com certa riqueza a descrição da cela de Sócrates, mas poucas informações sobre o local de prisões.
De sorte que, podemos afirmar que havia as duas espécies de detenção supracitadas, porém não há maiores verbetes sobre o restante.
Havia também a previsão sancional de multa.
Muito usada como pena acessória, o arbitramento de multa era efetuado sempre que havia alguma ofensa civil de cunho indenizatório ou quando vinha acompanhada de uma sanção principal, ex: castigo corporal e multa, pena de morte e multa, atímia e multa.
Curiosidade: a poiné era uma composição pecuniária resultante de um pacto entre as partes litigantes num processo. Geralmente, a poiné vinha em substituição a vindita70,servindo ao menos, para honrar o morto. O vocábulo poiné quer dizer: valorização, honra, pagamento.
A multa também era aplicada para aqueles que buscavam a guarida jurisdicional, porém não conseguiam provar suas alegações. Como meio de desestimular a busca desenfreada dos tribunais, criou-se a multa pelo não comprovação das alegações.
Franco Massara comenta: “pagava-se multa frequentemente elevada quando o acusado era reconhecido inocente ou quando o acusador não obtivesse pelo menos um quinto dos votos favoráveis à sua tese.”71
Aristófanes escreveu uma peça teatral com o título de As Vespas, onde retratava a mania compulsiva que o grego tinha de litigiosidade em tribunais.
Na sua peça As Nuvens, ironicamente ele diz “Não acredito, pois não vejo os juízes sentados no tribunal...”
Ele queria dizer que era mais fácil enxergar cidadãos gregos nos tribunais diuturnamente do que os magistrados que deviam comparecer para julgar.
Nos diálogos socráticos encontramos duas menções a multas que chamaram nossa atenção:
Nos Memoráveis III, Xenofonte discorre acerca de Críton, cidadão bastante conhecido em Atenas. Certa passagem, ele comenta que os sicofantas72 estavam perseguindo Críton e que por isso o mesmo denunciou-os ao tribunal pedindo que fossem punidos com castigo corporal e multa.73
A segunda passagem é bastante conhecida e acontece no próprio julgamento de Sócrates, onde o mesmo no final de sua defesa propõe a condenação em uma ínfima multa.
A tortura ou castigo corporal também era uma modalidade de pena.
Conforme demonstrado acima em citação sobre multa, o castigo corporal também era uma espécie de sanção, acessória ou principal.
Rogério Leal comenta que “empregam muitas vezes a tortura como método político de constragimento judicial, enquanto pena.”74
Sobre esse expediente já comentamos antes que: O crime de tortura tão bem rejeitado por nossa Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso III, era costumeiramente praticado na antiguidade.75
Devemos afastar de qualquer forma de pena ou meio para obter informação o uso da tortura. O emprego dessa prática é nefasto, hediondo, cruel e sanguinolento.
A tortura na Grécia era efetuada de várias maneiras, uma delas era com uma vara pequena que possuía cordinhas de couro com pedacinhos de ossos de animais nas pontas. O desejo era rasgar a pele do torturado causando-lhe dor pelos milhares de ferimentos, a maioria nas costas.
A outra maneira era com o afogador. Prendia-se o pescoço dos criminosos com a golilha para impedir que engolissem alimentos ou objetos de valor. Dessa maneira iam definhando até não suportarem e morrerem.
A próxima sanção é a mais famosa do Direito Grego. Estamos falando do Ostracismo.
Clístenes, estadista ateniense, instituiu o ostracismo. Através de uma votação, os cidadãos decidiam se exilava ou não aquele que se revelava uma ameaça às liberdades estatais. A votação era feita mediante a inscrição do nome do suspeito em conchas chamadas ostrakon.
O cidadão suspeito que tivesse a marca de seis mil votos era exilado da cidade por até dez anos. Esse exílio de dez anos afastava totalmente o apenado da cidade e do território comandado pelo governo, porém a pena não dissipava o direito de propriedade do exilado, que quando voltasse, se voltasse, teria direito a recuperar os bens que deixou antes do exílio.
Era comum, suspeitosserem expulsos da cidade com uma enorme margem de votos, isto porque, a maioria não sabia escrever, tampouco ler, e por isso já compravam as ostras (ostrakon) com nomes já escritos. Quem tivesse muitos inimigos vendedores das cédulas de votação, com certeza estava fulminado naquela votação.
O início dessa sanção visava áqueles que queriam tomar o poder democrático a partir de eventos tirânicos, aliando-se a tiranos e déspotas.
Há historiadores que frisam “no ínicio era para conter os abusos de poderosos, só que depois virou instrumento de tirania popular, quem não fosse bem visto era exilado”.
Além de expulsar politicos corruptos ou tiranos, o objetivo do ostracismo também era banir os agitadores ou sediciosos, evitando assim, guerras intestinas, e, por conseguinte, perda do comando da cidade.
Segundo Moses Finley “Em uma sociedae que depende da comunicação verbal, o método mais eficaz para a censura, com exceção da pena de morte, é o da expulsão da comunidade.”76
Curiosidade: No Direito Romano que vigia à época da República, havia uma lei que previa ao cidadão passível de uma condenação capital, a possibilidade de antes do julgamento ou antes do cumprimento da pena, rogar aos juízes que dessem a ele o exsilium, isto é, sair da cidade de forma voluntária e nunca mais voltar a pisar os pés naquele território77.
Curiosidade 2: Abandono noxal, era esse o nome dado aos familiares que viravam o rosto àqueles que cometiam crimes. Antes quando alguém cometia um crime, seus familiares (oikos) se juntavam a ele para defender-lhe, depois os parentes passaram a ignorar, surgindo assim, o abandono noxal, embrião de nossa responsabilidade civil pessoal.
A sanção de ostracismo não permitia a ampla defesa, nem o contraditório, em suma, foi votado por seis mil cidadãos? Exílio imediato!
Rodrigo Gallo informa que: “As ostrakas encontradas pelos arqueólogos mostram que nenhuma pessoa pública de Atenas ficou livre da desconfiança do povo: algumas peças mostram até mesmo Péricles apontado como possível candidato à expulsão, embora nunca efetivamente tenha ocorrido”.78
O célebre historiador M. Rostovtzeff descreve um dos casos mais emblemáticos de ostracismo:“Foi um escândalo quando Alcebíades quebrou o costume e adornou a parede de sua casa com pinturas. Atenas era uma democracia e os ricos temiam tornar-se conspícuos pela exibição ou extravagância […] Tempos depois, o estratego ateniense foi julgado e condenado, mas desertou antes de ser capturado, buscando exílio em Esparta”.79
O primeiro apenado por ostracismo foi Hiparco, conhecido como o “amigo dos tiranos”.
Curiosidade: O primeiro processo de ostracismo condenando o político Hiparco só foi efetuado depois de vinte anos do surgimento da referida sanção.
Curiosidade 2: Entre os que foram apenados estão os conhecidos: Tucídides, famoso estratego que lutou contra os espartanos na Guerra do Peloponeso e o Almirante Temistocles, grande herói nas guerras pérsicas.
Fídias, o ilustre escultor da cidade de Atenas, criador do projeto arquitetônico do Partenon, desenhista e executor da grande estátua de Athenas Partenon, foi ostracizado. Não conseguiu se defender das acusações de desvio de verbas para a construção do Partenon e foi condenado por sete mil e trezentos votos.
O importante General Arístides foi exilado em 483 a.C. Um dos cidadãos votantes se aproximou do general e disse: “estou votando a favor, porque não aguento mais ouvir o nome de Arísitides, o Justo.”
O Filósofo Paulo Levorin80 opinou: “O ostracismo era uma instituição marginal, pois não tinha características essencialmente democráticas. Qualquer democracia poderia viver sem isso.
Curiosidade: Não passou do número de quinze ostracizados na Grécia.
Passamos agora ao comentários sobre a sanção mais nefasta do ordenamento jurídico grego: a pena de morte.
A pena de morte era usada a priori para crimes muito sério, onde a incolumidade citadina não estivesse sob eminente perigo. No entanto, segundo relato de Xenofonte em defesa a Sócrates, encontramos menção deste historiador sobre pena de mortes em crimes menores, vejamos:
“Socrates merecia de nossa cidade não a morte, porém, honras. Julgai o fato à luz das leis e haveis de concordar comigo. Passível de pena de morte, segundo as leis, é quem for surpreendido roubando, furtando roupas, cortando bolsas, arrombando paredes, vendendo seus semelhantes, pilhando templos.” (grifo nosso)
Não nos parece, que a aplicação da pena de morte fosse usada em todos esses casos, alguns até banais, porém conforme sublinhado, Xenofonte se refere a lei como norteadora da conduta de apenar a morte nesses casos.
A pena de morte aos mais abastados era executada por meio de uma bebida a base do suco de planta venenosa (cicuta), citamos como exemplo o caso estudado neste livro: o Julgamento de Sócrates.
Aos mais humildes financeiramente a execução se dava através de aprisionar braços, pernas e pescoço com robustas braçadeiras de ferro em placas de madeira, fazendo com que, os condenados morressem de fome e sede. Essa pena foi aplicada aos revoltosos da Ilha de Samos por Péricles.
Outra forma de morte muito nefasta se dava por meio de amarrar a pessoa em uma roda, enquanto em cada volta no eixo seus membros iam sendo arrancados. Chamava-se pena capital de trochisteisa.
Curiosidade: Mársias, flautista, começou a rogar para si o título de o maior flautista do mundo. Destarte, irritou o deus Apolo, deus da música e das artes, que o julgou e o condenou a morte por Esfolamento.
De acordo com Olney Queiroz Assis:
“Na sociedade de classes, desde os gregos e mesmo antes deles, a forma de reparar a ofensa sempre esteve submetida ao prestígio fundado na riqueza e na honra das pessoas. Em Roma, a Lex Julia […] A pena contra culpados quando de condição nobre é o confisco da metade dos bens; quando de baixa extração, é a pena corporal com o relego”.81
Aplicava-se constantemente a pena de morte nos casos de asebeía82, crime este ao qual foram acusados Sócrates, Protágoras e Aspásia.
A pena de morte, ainda tão polêmica, suja as egrégias páginas da história com sangue de pessoas, em alguns casos, até inocentes.
Hannah Arendt anota que os Hebreus “sempre sustentaram que a própria vida é sagrada, mais sagrada que tudo mais no mundo”. Mas nem isso, conseguiu impedi-los de incentivar a morte do Cristo.
O grande criminologista Cesare Beccaria defendia intrasigentemente a não aplicação de execuções que findavam com a morte. Em sua ínclita obra Dos Delitos e das Penas, o jurista italiano chama à atenção: “Não é absurdo que as leis, que são a expressão da vontade geral, que detestam e punem o homicídio, autorizem um morticínio público, para afastar os cidadãos do assassínio?”.83
Realmente, se formos pensar amiúde, o pensamento de Beccaria, como não poderia deixar de ser, é um peróla para adornar os pescoços daqueles que hasteiam a bandeira a favor da vida acima de qualquer fato.
Aliás, bandeira esta, defendida por Roma, em momentos de lucidez republicana ao qual passou: “nemini mortem irrogare, quanvis pessima merito” - não condenar ninguém à morte, nem mesmo pelo pior delito.
Outro inolvidável jurista, Enrico Ferri, um dos maiores advogados de todos os tempos, pautava o seguinte raciocínio: “só reconhecemos esse direito nos casos de legítima defesa e de necessidade. Só em tais casos o homem tem o direito de matar, para se salvar de uma agressão injusta ou de um perigo indeticamente irreparável”.84 (grifo nosso).
Nenhum juiz deve com a força de sua pena, enviar cidadão a se encontrar com o fenômeno da morte. Detenham-no, e deixem que a natureza faça o seu papel.
Segundo Franco Massara “a cicuta tinha um gosto muito amargo insuportável” e o seus efeitos são descritos no caso de Sócrates assim: “o que tinha lhe dado a poção começou a apalpá-lo e a examinar-lhe os pés e as pernas; num certo momento apertando-lhe fortemente o pé perguntou-lhe se sentia. Sócrates respondeu que não. O homem então afirmou que quando o efeito chegasse ao coração, então não havia mais um corpo animadoalí.”.85
A poção preparada tinha a exata quantidade de veneno para tirar a vida do condenado.
Platão no diálogo Fédon relata que Sócrates pediu para fazer a libação86, então o guarda que trouxe a bebida disse: “Só sei, Sócrates, que trituramos a cicuta em quantidade suficiente para produzir seu efeito, nada mais”.87
Com pena similar e execução idêntica a de Sócrates foi apenado Aristogitão, admirador das conversas filósoficas entre mestres na Ágora.
Retorno a Beccaria expondo duas citações de extrema relevância:
“Como conciliar tal princípio com a máxima que proíbe o suicídio? Ou tem o homem direito de suicidar-se, ou não pode passar tal direito a outrem nem à sociedade toda […] não deve existir qualquer necessidade de tirar a existência de um cidadão, a não ser que a morte seja o único freio que possa obstar novos crimes”.88
Convenhamos, as infrações cometidas por Sócrates, não davam respaldo para ele ser condenado à morte. Nenhuma das imputações restou provada, e se tivessem sido, não são passíveis de morte, pelo menos, na nossa opinião.
Curiosidade: A legislação previa que o cadáver só podia ser enterrado após ser lavado. Caso isto não ocorresse, quem tinha o dever de fazer e não fazia, era punido com a decepação das mãos. No caso de Sócrates, o mesmo efetuou seu banho: “Creio que ainda me resta tempo para um banho. É melhor, segundo me parece, lavar-me antes de tomar o veneno e não deixar para as mulheres o trabalho de lavar meu cadáver.”
Curiosidade 2: Não podia haver execução em dias considerados sagrados. Por exemplo: Sócrates teve que esperar trinta dias antes de ser executado com a cicuta.
“Foi obrigado a viver ainda trinta dias após o julgamento, porque precisamente nesse mês se realizavam as festas de Delos e proíbe a lei executar qualquer condenado antes do regresso da teoria délia89”.90
Havia também a ação de probolaí, que tinha como disposição os seguintes dizeres: “ninguém tem permissão, durante esses dias, para sequestrar os bens ou se apropriar de alguma coisa de outra pessoa, por débitos em atraso.91
E por fim, a sanção denominada atímia.
Essa modalidade de pena previa a perda total ou parcial dos direitos civis. A perda total geralmente era aplicada aos condenados por crimes como: roubo, corrupção, falso testemunho, vadiagem e ociosidade. A parcial deixava o cidadão com capacidade reduzida nos termos da sentença. Por exemplo: Minarete ficará dez anos sem acessar o Templo de Diana ou Isófoles durante cinco anos não poderá votar na Assembleia.
Curiosidade: No início, bem nos primórdios do povo grego, a atímia condenava não somente o infrator como sua família inteira. O infrator apenado com a atímia tinha que fugir rapidamente para evitar a lapidação, escárnios e golpes em seu corpo. Sua casa era tomada e quando o apenado morria seu corpo não podia ser enterrado.
Curiosidade 2: Os nomes dos apenados por atímia eram gravados sobre o mármore ou o bronze para durarem anos e assim fazerem os descedentes se envergoram por décadas e décadas.
A Atímia assemelha-se muito a nossa pena restritiva de direitos, preceituada no art. 43 do Código Penal Brasileiro, in verbis:
Art. 43. As penas restritivas de direitos são:
V - interdição temporária de direitos
Curiosidade: A atímia no período homérico era chamada de demou phêmis.
Na visão de Viviana Gastaldi o apenado por atímia “desaparecia da vista de sua comunidade e a pena demandava que a cidade esquecesse de quem tinha cometido a injúria […] o atimos chegava a ser um homem invisível.”92
Uma outra sanção rarissíma e talvez só utilizada em épocas arcaicas era a lapidação. Este meio de sancionar como pena principal ficou esquecida nos primórdios da Grécia, porém, vez ou outra era resgatada e executada.
Heródoto narra um desses dias:
“Lícides, um membro da boulé, manifestou que, na sua opinião, o melhor era aceitar a oferta que lhes apresentava Muríquidas e submetê-la à consideração do povo. Esta foi, em definitiva, a opinião que expressou Lícides, seja porque na realidade tinha recebido dinheiro de Mardônio ou, simplesmente, porque a solução lhe parecia oportuna. Os atenienses, porém, imediatamente se encolerizaram – tanto os da boulé quanto aqueles que se encontravam fora, quando souberam – e, rodeando Lícides, o atacaram a pedradas.”
Viviana Gastaldi complementa: “certo é que a lapidação era um castigo pouco frequente entre os gregos, somente aplicável em casos extremos, tais como a prodosia (ou seja, delitos que afetavam a vida externa e interna do Estado).”93
Antes de passarmos ao exame do próximo ramo jurídico, transcreverei o modelo ideal para Platão no que concerce as sanções e o direito penal.
“No caso do ladrão, inclusive, tenha ele furtado uma grande coisa ou pequena, promulgaremos uma única lei e uma única punição legal para todos indiscriminadamente. Em primeiro lugar terá que pagar o dobro do valor do artigo furtado se perder seu caso e possuir bens suficientes acima do lote para pagá-lo; se não tiver condições para tanto, será aprisionado até conseguir pagar a
soma.”
O exemplo de apenar o criminoso era o buscado na Grécia, tanto é que, todas as condenações eram inscritas em grandes pedras ou em placas de bronze e expostas em praça pública, buscando assim, que todos vejam como o Estado trata o infrator. Na Ágora, reservava-se um local apropriado para publicar os nomes de todos os condenados, tornando assim, uma verdadeira proscrição para os deliquentes.
7.2 DIREITO DE FAMÍLIA NA GRÉCIA
Era o direito que regulava e disciplinava a vida da família grega e a sociedade como um todo.
Nos primórdios a célula maior da sociedade era a família, portanto, o direito que regulava a família, acabava regulando a sociedade no que tange à costumes, festas, cerimônias religiosas, cultos etc.
Tanto é que demonstraremos ao longo desse subcapítulo, leis que versam propriedade, status quo,entre outras idiossincrasias pertecentes a família, mas que se desdobra no contexto fático social.
O instituto “família” inicia-se com o casamento. Depois a sequência natural é: filiação, adoção; propriedade, doação; sucessão, herança, isto quando antes não é interrompida por um divórcio.
O casamento grego era monogâmico, sendo vedado inicialmente a bigamia. Digo inicialmente, porque em certas ocasiões, devido à muitas guerras, poucos homens sobreviviam, sendo assim, permitido por lei e por costume que os homens sobreviventes adotassem mais uma ou duas mulheres.
Curiosidade: Este fato ocorreu com Sócrates que precisou acolher Mirto, neta de Arístides, o Justo, como esposa, juntamente com Xantipa.
O casamento só era permitido entre cidadãos das famílias eupátridas de Atenas. Os primos e meio-irmãos podiam casar-se. Era proibido por lei o casamento entre gregos e estrangeiros:
“Se um homem estrangeiro vive maritalmente com uma mulher ateniense, de qualquer modo ou maneira, ele poderá ser processado e levado perante aos Thesmothétai por qualquer ateniense que o queira e a isso esteja apto. Se for considerado culpado, ele e seu patrimônio serão vendidos e um terço do dinheiro será dado ao denunciador. A mesma regra se aplica a uma mulher estrangeira que viva com um ateniense como se fosse sua esposa. E se for provado que um ateniense vive maritalmente com uma mulher estrangeira ele terá de pagar multa de mil dracmas”. 94
Curiosidade: O casamento só era válido se fosse baseado no kata nomon, ou seja, de acordo com os costumes e as leis.
Havia também previsão para os casos de casamento mediante fraude95
“E se alguém der uma mulher estrangeira em casamento a um ateniense dizendo ser parente dela, perderá seus direitos civis, e seu patrimônio será confiscado, e um terço deste passará ao denunciador. E aqueles que estão aptos poderão mover o processo perante os Thesmothétai como no caso da usurpação da cidadania.96
Essas leis proibitivas de casamentos entre cidadãos locais e estrangeiros eram vigentes em tais cidade: Atenas, Bizâncio, Argos, Tessália, Etólia, Messênia, Hierapitna, Teos, Gónos, Olinto, Éfeso, Tasos, Rodes, Mileto

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