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Universidade Federal de Uberlândia INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS. Curso de Ciências Sociais Antropologia I Víctor Rodrigues Nascimento Vieira – 11411CCS002 UBERLÂNDIA – MG 2014 Segunda avaliação – Antropologia I Com base nos enunciados abaixo, construa um texto dissertativo de até três páginas, utilizando-se das ideias dos autores trabalhados em sala de aula. 1 - Mostre como a obra de Franz Boas se constituiu a partir da crítica aos postulados do evolucionismo cultural, culminando em uma concepção própria sobre a história e a cultura humanas. 2 - Marcel Mauss estabelece a noção de fato social total a partir da análise dos sistemas de prestação total e critica a concepção evolucionista de magia a partir da noção de mana. Mostre como a noção de sociedade, presente nestes trabalhos, implica em uma crítica à ideia de evolução cultural. 3 - O trabalho de campo antropológico passou a ser praticado de modo sistemático desde a obra de Franz Boas. Todavia, foi Bronislaw Malinowski quem sistematizou os fundamentos teóricos desta prática. Descreva os aspectos principais presentes na observação participante A teoria do Evolucionismo Cultural, predominante até a primeira metade do século XX, afirmava que existiam fases da evolução social da espécie humana, ou seja, a humanidade passaria por três estágios, a selvageria, a barbárie e chegaria, por meio de um processo unilinear, à civilização, esses preceitos eram defendidos por Lewis Henry Morgan, James George Frazer entre outros. Com o passar do tempo e diante dos resultados não satisfatórios obtidos pelos evolucionistas, começaram a surgir teorias com concepções mais científicas, como o funcionalismo e o estruturalismo, que visavam refutar o evolucionismo. Para a defesa dessas novas teorias alguns antropólogos, como Franz Boas, Bronislaw Malinowski e Marcel Mauss, trilharam caminhos diferentes dos que já haviam sido explorados, pois até o fim do século XIX, a quase totalidade dos antropólogos jamais havia sequer visto um representante dos chamados povos primitivos, sobre os quais escreviam. Grande parte dos estudiosos daquele tempo se valia de material histórico e arqueológico sobre as civilizações clássicas e também tinham como base relatos de viajantes, colonos, missionários e funcionários dos governos coloniais, mas não travaram contato direto com seus objetos de estudo. Boas foi o pioneiro quando se trata de trabalhos de campo, e com ele essa tradição estabeleceu-se definitivamente nos Estados Unidos, assim, em 1883 -1884 realizara uma pesquisa de campo entre os esquimós e depois disso promoveu um trabalho de investigação entre os índios da costa noroeste. Com o objetivo de validar uma concepção própria sobre a história e a cultura Franz Boas procurava entender as “culturas primitivas” por meio de pesquisas meticulosas, intensivas e de longa duração. São bem recentes os esforços para entender a cultura primitiva como um fenômeno que requer uma análise meticulosa antes de aceitar uma teoria que tenha validade geral. (BOAS, 2010, p.10) A partir da rejeição, por parte de Franz Boas, de teorias como a de Morgan, passou a admitir-se uma visão multilinear dos caminhos percorridos por cada sociedade, levando-se em conta os traços culturais de cada uma delas e refutando as análises por meio de fatores biológicos. Além disso ele propunha explicar semelhanças entre culturas de tribos indígenas distintas e distantes por meio do funcionamento da mente humana. A semelhança de elementos culturais em regiões tão distantes como a África e a Austrália, ou o oeste da Ásia e a América do Sul, só parece ser explicável com base no pressuposto de que a mente humana em condições semelhantes deve desenvolver ideias semelhantes.” (BOAS, 2004, p. 178) Para Boas, mesmo que o desenvolvimento de ideias semelhantes se dê por empréstimo de outras culturas, a aceitação ou desenvolvimento dessas ideias só ocorre porque elas se ajustam à organização da mente. Apesar de os estudos de Boas não buscarem uma determinação ou uma teoria fixa, seus escritos sobre cultura influenciam outros pensadores como Bronislaw Malinowski. Esse antropólogo também buscou se valer de trabalho de campo para um melhor entendimento da cultura indígena e inaugurou o uso da observação direta e subjetiva na metodologia antropológica. O começo da carreira de Malinowski coincide com um período de grande efervescência na antropologia, caracterizado pelo desenvolvimento de novas técnicas de pesquisa e pela crítica aos métodos de observação vigentes. Sua teoria seguiu a linha funcionalista e partia do princípio de que qualquer sociedade possui sua lógica de integração e é composta por partes interdependentes, este sistema social se define pela função de satisfazer suas necessidades de alimentação, defesa e habitação. Dessa forma, pode-se compreender uma sociedade não como primitiva por não comungar do casamento monogâmico, mas saber que a poligamia se executa por ser importante na manutenção desta mesma sociedade. Para poder conhecer realmente estes povos é necessário ter um método de pesquisa que possa ser capaz de dar conta de todos os detalhes, por mais insignificantes que possam parecer. Este método é conhecido como observação participante. Consiste na inclusão do pesquisador na realidade social em estudo, para poder captar as informações do objeto de investigação sem correr riscos de se deixar influenciar pelo etnocentrismo ou qualquer tipo de preconceito. Malinowski tinha várias preocupações para o desenvolvimento de seu método entre elas estavam o treino que englobava as faculdades cognitivas e práticas com vistas à construção de um saber científico, que seria a verdade propriamente dita. Além disso, era preciso um estranhamento do outro que possibilitasse um mergulho nos padrões culturais em que não está inserido. Poderíamos citar muitas obras de grande reputação e cunho aparentemente científico, nas quais se fazem as mais amplas generalizações, sem que os autores nos revelem algo sobre as experiências concretas que os levaram às suas conclusões. (...) A meu ver, um trabalho etnográfico só terá valor científico irrefutável se nos permitir distinguir claramente, de um lado os resultados da observação direta e das declarações e interpretações nativas e, de outro, as inferências do autor, baseadas em seu próprio bom-senso e intuição psicológica. (MALINOWSKI, 1978 , p. 22) A pesquisa etnográfica deveria se basear em algumas condições, ou seja, princípios metodológicos que segundo Malinowski poderiam ser agrupados em unidades. Portanto, um dos primeiros aspectos importantes para o investigador seria o contato íntimo com o seu objeto de estudo, assim o pesquisador precisaria morar na aldeia, condição que possibilitava o registro dos mínimos detalhes do cotidiano dos indígenas que estariam sendo investigados. Outro ponto importante abordado por Malinowski era o estabelecimento de objetivos científicos e o conhecimento dos valores e critérios da etnografia moderna, assegurados por boas condições de trabalho e aplicação de métodos especiais de coleta, manipulação e registro de evidência. Por fim, o terceiro ponto seria o afastamento da companhia dos “homens brancos”, pois qualquer tipo de contato com eles seria prejudicial, visto que a maioria tem preconceitos e opiniões já sedimentadas, e estas são repulsivas àqueles que buscam uma visão objetiva e científica da realidade. Dessa forma, o traço marcante da pesquisa de Malinowski é o contato mais íntimo possível com o objeto de estudo, assim era precisoacampar dentro das aldeias e manter uma relação próxima com os nativos. Por meio deste relacionamento natural aprende-se a conhecê-los, e é possível familiarizar-se com seus costumes e crenças de modo mais proveitoso do que quando dependemos de informantes pagos, inexperientes e como frequentemente acontece, entediados. Outro antropólogo que estudou grupos que eram considerados “selvagens” para os evolucionistas foi Marcel Mauss, que aproveitou estudos e registros de Malinowski que retratavam o intercâmbio do kula registrado entre habitantes das ilhas Tobriand. Um dos estudos de Mauss é sobre os fatos sociais totais, que para ele podiam ser evidenciados, por exemplo, nos “sistemas de prestações totais”, que são definidos a seguir: Nas economias e nos direitos que precederam os nossos, não constatamos nunca, por assim dizer, trocas de bens, de produtos ou de riquezas no decurso de um mercado entre indivíduos, e sim coletividades que se obrigam mutuamente, trocam e contratam; as pessoas presentes ao contrato são pessoas morais. – clãs, tribos, famílias – que se enfrentam e se opõem, seja em grupos face a face, seja por intermédio dos seus chefes, ou seja ainda das duas formas ao mesmo tempo. Ademais o que trocam não são exclusivamente bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas economicamente úteis. Trata-se antes de tudo de gentilezas, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras em que o mercado é apenas um dos momentos e onde a circulação de riquezas constitui apenas um termo de um contrato mais geral e muito mais permanente. Enfim, essas prestações e contra prestações são feitas de uma forma sobretudo voluntária por presentes, regalos, embora sejam no fundo, rigorosamente obrigatórias sob pena de guerra privada ou pública. (MAUSS, 1974 , p. 45) Observa-se, pois, que as trocas de presentes não eram simplesmente um intercâmbio, mas que eram consideradas para Mauss, como uma forma de “fato social total”, ou seja um fenômeno que exprimia todos as espécies de instituições a saber, as religiosas, políticas, judiciais, morais, econômicas estéticas, morfológicas, entre outras. Dessa forma, a partir de um fato social total, como o “sistema de prestações totais”, é possível evidenciar todos os aspectos institucionais e inferir o funcionamento de certa sociedade. O potlatch 1 é um exemplo de sistema de prestações totais do tipo agonística, onde a troca de regalos possibilita aos grupos humanos se relacionarem e manterem as relações sociais, mesmo que por meio da rivalidade, pois a coesão nas sociedades elementares era feita a partir do conflito. Esse tipo de troca é visto por Mauss como o mais antigo sistema de economia e direito (assim engendra o fato social, que era herança de seu tio, Durkheim), é mediado pelos objetos, interpretado como uma despesa nobre e forma de “prestígio social” por aqueles que o realizam. Outro tema que Mauss aborda é no campo religioso, criticando a concepção evolucionista de que a religião teria se desenvolvido pelo fracasso da magia (concepção que se parece com a do progresso unilinear de que se passa da selvageria à barbárie, culminando na civilização), nesse sentido, magia é distinguida da religião e considerada a primeira forma de pensamento na etapa do desenvolvimento humano. Segundo as críticas de Mauss, Frazer limitou a magia à “mágica simpática”. Em Frazer, magia era entendida como práticas destinadas a produzir efeitos especiais pela aplicação de duas leis simpáticas (lei da similaridade e contiguidade). Desse modo, a definição elaborada pela escola antropológica tende a absorver a magia na magia simpática. As fórmulas de Frazer são muito categóricas a esse respeito; elas não permitem nem hesitações, nem exceções: a simpatia é a característica necessária e suficiente da magia (...) Mas esses fatos, dizem-nos, testemunham desdobramentos recentes, não havendo motivos para leva- los em conta na definição; esta deve considerar apenas a magia pura. Dessa forma, a partir do mana, entendido como “o que produz o valor das coisas e das pessoas, valor mágico, valor religioso, e mesmo o valor social”, Mauss procura compreender a noção de magia em diversas culturas. Assim a noção de “mana”, por exemplo, torna clara a forma como é constituída a noção de magia em entre alguns povos. Construindo-se noções de “coisas sagradas” de “poder”, constrói-se também posições sociais dentro de determinadas sociedades, daqueles que detém a magia. A posição social dos indivíduos está em razão direta da importância de seu mana, muito particularmente a posição na sociedade secreta; a importância e a inviolabilidade dos tabus de propriedade depende do mana dos indivíduos que o impõe. (MAUSS, 1902-03, p. 143) A crença na magia e nos agentes que a produzem, derivam, portanto de uma forma excepcional: o mana. Dessa forma, pode inferir-se que a noção de mana vem antes da noção durkheimiana de sagrado, por exemplo, já que o sagrado depende da qualificação que lhe atribui. Um objeto qualquer só tido como “sagrado” (ou mesmo profano) em decorrência do mana que lhe atribuem. 1 O potlatch é uma cerimônia com caráter de festa, no decurso da qual um chefe oferece ostensivamente uma quantidade enorme de riquezas a um rival, para humilhá-lo ou desafiá-lo. Este último, para apagar a humilhação e contrariar o desafio, tem de dar satisfação à obrigação moral que reconheceu ao aceitar o dom. Assim, deve mais tarde ser organizado um novo potlatch, mais importante que o primeiro, no qual se mostrará mais generoso que o anterior doador. BOAS “Assim, vemos que os elementos de um mito complexo aparecem em combinações intermináveis, em parte nos contos da tribo que originou o mito, em parte nos contos das tribos vizinhas. No nosso caso, só tomamos exemplos de tribos que moram tão perto e cuja cultura é tão semelhante que não podem haver dúvida de uma conexão histórica entre outros contos semelhantes. No entanto, o mesmo método de comparação poderia ser aplicado em todo o mundo, descobrindo-se analogias nas religiões mais distantes.” (Franz Boas – As mitologias dos índios – A mitologia dos índios Bella Colla – A formação da antropologia americana. P. 176 e 177) Refutações de que uma transmissão histórica não parece plausível “Investigações recentes também mostraram que grande número de contos é comum ao leste da Ásia e ao noroeste da América, estendendo-se para sudeste até as grandes planícies, de modo que devemos supor um grande grau de intercâmbio entre o Velho Mundo e o Novo Mundo.” (Franz Boas – As mitologias dos índios – A mitologia dos índios Bella Colla – A formação da antropologia americana. P. 181) “Nada se desloca tão facilmente, nem parece ser absorvido com tanta facilidade como uma narrativa.” (Franz Boas – As mitologias dos índios – A mitologia dos índios Bella Colla – A formação da antropologia americana. P.181) Segundo Boas, apesar das grandes distinções entre as condições culturais da mitologia de algumas tribos americanas e seus diferentes ambientes geográficos, não é possível supor que essas disparidades se devem à influência de condições análogas. Ele ainda considera que seja pouco provável que características mentais peculiares da raça americana tenham sempre levado as mesmas formas de pensamento. “Essa teoria baseia-se no pressuposto de que existem características raciais que não podem ser demonstradas” (refutação das condições biológicas) Para Boas, mesmo que se reconheça que grupos diferentes possuem traços mentais diferentes é difícil explicar porque membros de um mesmo grupo, mas historicamente independentes, formulariam ideias que são parecidas inclusive nos detalhes. “ Se é verdade que houve empréstimos extensos, até nos mitos mais sagrados, eles não podem resultar de uma simples tentativa racionalista de explicara natureza. Assim, se quisermos chegar a compreender claramente a história da mitologia, nossos primeiros esforços de explicação devem ser dirigidos a interpretar as razões que levam ao empréstimo e a modificação de material mitológico por assimilação.” No sentido de tentar elucidar a origem da mitologia dos Bella Coola, Franz Boas faz uma exposição detalhada da organização social das tribos vizinhas (athapascan, tlingit, haida, tsimshian, kwakiut do norte, kwakiut do sul, salish da costa sul, salish da ilha de Vancouver, salish da costa no Golfo da Geórgia, chilcontin, carrier) levando em consideração aspectos como divisão dos clãs e famílias, tipo de descendência, influências do totemismo, linguística, leis do casamento, leis da herança, estilo de casa, lenda do clã, função das divindades, concepções de mundo entre outras. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- MAUSS Teoria A sociologia seria uma ciência distinta, por exemplo, da psicologia, cujos objetos são, segundo Mauss, as representações individuais, enquanto que na ciência social os objetos são as representações coletivas de caráter autônomo e inconsciente para o próprio indivíduo que as possui. Para o autor, o elementar das sociedades, em todos os tempos históricos, é o intercâmbio e a dádiva. Um de seus focos principais são as prestações totais, através das quais "tribos" e "metades" intercambiam tudo que lhes é importante: festas, comidas, riquezas, mulheres, crianças etc. As prestações totais agonísticas acontecem quando um chefe ou grupo compete com outro sobre quem pode dar mais. Dar, receber e retribuir são, para Mauss, três momentos distintos cuja diferença é fundamental para a constituição e manutenção das relações sociais. A dádiva opera uma mistura entre amizade e conflito, interesse e desinteresse, obrigação e liberdade. Também mistura as pessoas que se presenteiam, as coisas e as pessoas, as coisas e os espíritos. A crítica de Mauss, é certamente aplicada a uma teologia “fundamentalista”, “dogmática” e “intra-muros de uma religião ou confissão”, e não necessariamente à teologia histórico-crítica ou cultural, dos estudiosos mencionados acima. É uma pena, que estes estudiosos (da antropologia, história e teologia, etc) não tenham buscado aproximações no diálogo. Mauss, por outro lado, delimita a natureza de sua pesquisa ao distinguir os trabalhos “práticos” e “especulativos” relegados, segundo ele aos teólogos, filósofos e alquimistas, dos trabalhos “científicos” que seriam produzidos pelos antropólogos, cujos primeiros são creditados aos irmãos Grimm. Embora a antropologia tenha dado ousados passos na investigação cientifica, Mauss aponta para a necessidade de aprofundar esta investigação, principalmente sobre a magia, procurando ir além dos trabalhos que o antecederam, como as teorias, correntes em seu tempo, formuladas por Morgan, Tylor, e, especialmente o mais influente antropólogo, Frazer, em seu trabalho “O Ramo de Ouro”.
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