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Kang e Stahlhoefer IECLB Globalizacao e Justica Economica 2010 12 05 FINAL titulo novo

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1 
 
 
Igreja, Globalização e Justiça Econômica: uma visão brasileira e 
evangélico-luterana 
Thomas Hyeono Kang1 
 Alexander de Bona Stahlhoefer2 
05/12/2010 
1. INTRODUÇÃO 
A globalização impõe muitos desafios à humanidade. A dependência e a interligação cada vez 
maiores entre pessoas e países, causadas pelo progresso tecnológico e pela redução de custos 
de transporte, trazem benefícios, mas também problemas que antes não eram tão 
significativos. As igrejas não estão alheias a esses fenômenos, uma vez que a globalização 
também afeta seus membros no dia-a-dia das comunidades. Além disso, quando esses 
fenômenos atingem negativamente a vida de pessoas, sejam elas cristãs ou não, as igrejas são 
desafiadas a agir, amparadas pela fé em Cristo Jesus e pelas implicações éticas que são trazidas 
por essa fé. 
A globalização econômica é resumidamente o processo de expansão mundial dos mercados. 
Esse fenômeno tem consequências boas e ruins. As rápidas mudanças causadas pela expansão 
dos mercados trazem dificuldades, requerendo respostas também rápidas daquelas pessoas 
que se preocupam com a dignidade humana. Mas também trazem benefícios, que precisam, 
no entanto, atingir a todas as pessoas. No debate sobre a globalização, diversas posições 
entram em conflito. Pessoas que, de forma intransigente, defendem posições pró-mercado 
dirão que a expansão da globalização é sempre benéfica em todos os aspectos. O mercado é 
então tratado quase como uma entidade divina que traz apenas benefícios. Por outro lado, 
os/as anti-globalizantes costumam condenar a expansão global dos mercados, não enxergando 
as potenciais vantagens que essa expansão pode porventura trazer. As duas posições são os 
extremos do espectro político. Que papel a Igreja de Jesus Cristo pode ter nesse debate? 
Nossa proposta é refletir acerca desse tema, chamando atenção para a necessidade do 
desenvolvimento econômico ser centrado nas pessoas. A globalização pode vir a ser benéfica 
para a vida das pessoas, desde que as pessoas tenham poder político ou voz para lutar contra 
as injustiças que podem surgir. Mais do que expansão do PIB per capita, uma concepção de 
desenvolvimento com justiça deve levar em conta as capacitações das pessoas, a qualidade 
dos serviços de saúde e educação fornecidos pelos governos, as liberdades políticas, o 
tratamento dado às pessoas com deficiência, pobres, mulheres, negros, indígenas e outros/as. 
A Igreja deve apontar para Cristo e para o próximo ou a próxima, que são alvos do amor de 
Deus. Assim, a Igreja cumpre seu papel profético na sociedade. 
1.1. O papel da ética 
 
1 Professor substituto do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande 
do Sul (UFRGS) e Mestre em Economia pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da Univesidade de São 
Paulo (IPE-USP). Representante da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) na Comissão 
das Igrejas em Assuntos Internacionais (CCIA) do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). 
2 Bacharel em Teologia pela Faculdade Luterana de Teologia (FLT) da Igreja Evangélica de Confissão 
Luterana no Brasil (IECLB) e Missionário da Missão Evangélica União Cristã (MEUC) em Timbó/SC. Ex-
presidente do Conselho Nacional da Juventude Evangélica (CONAJE) da IECLB. 
2 
 
 
A Igreja, que é o Corpo de Cristo, deve se solidarizar com seus membros, mas também com 
toda a Criação de Deus. Embora haja polêmicas em relação ao papel da Igreja em assuntos 
políticos e econômicos, não podemos deixar de considerar o papel que a ética cristã teve, tem 
e pode ter na nossa sociedade – inclusive em assuntos políticos e econômicos. 
Por outro lado, muitos economistas não veem necessidade de considerações éticas no que se 
refere ao mercado, uma vez que, de acordo com eles, o mercado soluciona quase todos os 
problemas existentes. Entretanto, sabemos que sem qualquer tipo de ética, o próprio sistema 
de mercado não teria florescido. Muitas das instituições nasceram da necessidade de garantir 
que as trocas pudessem ser realizadas no mercado: a formação cultural específica que uma 
economia forja supõe necessariamente uma ética, a qual surge porque os próprios agentes 
têm incentivos individuais para desenvolver um sistema de normas que gere confiabilidade 
mútua. Embora possamos dizer que a confiança não é um valor em si, mas um pressuposto da 
mecânica econômica, é um exagero afirmar que apenas dos vícios privados advêm os 
benefícios públicos em um sistema de mercado, como sugeriu a famosa fábula de Mandeville e 
alguns trechos da obra de Adam Smith.3 
A confiança entre as partes de um contrato, por exemplo, foi um aspecto ético muito 
importante para que os mercados pudessem florescer em um ambiente seguro. Embora a 
confiança, como já afirmamos, possa ser entendida como um pressuposto da mecânica 
econômica ao invés de um valor ético dentro de uma economia capitalista, a confiança foi um 
dos fatores que não estava presente durante a última crise econômica. Ou seja, o capitalismo 
necessita de certa ética para que progrida. Mas não precisamos somente de uma ética que 
permita o funcionamento do mercado. Como Igreja, nosso papel é discutirmos uma 
perspectiva ética distinta que leve em consideração as vidas das pessoas no processo e 
acreditamos que a ética cristã tem contribuições a fazer nesse tema. Guiados por nossa fé, 
acreditamos que a ética cristã pode contribuir principalmente no que se refere à participação 
das pessoas mais pobres na economia e às consequências que podem atingi-las no processo de 
geração e distribuição de riqueza. 
O clamor advindo das vítimas do processo de globalização nas últimas décadas, principalmente 
durante a onda daquilo que se chamou de neoliberalismo, não deve ser ignorado. Esse clamor 
pode ser encontrado no documento do AGAPE, que expressa com indignação as injustiças e as 
dores que atingiram a população mais pobre em muitos países durante as últimas décadas. Em 
certas partes do texto, nota-se o emocionado grito pedindo pela mudança de todo o sistema. 
Tais considerações devem ser respeitadas, principalmente por nós, membros de uma igreja 
latino-americana e de compromisso ecumênico, firmemente alicerçada em sua 
confessionalidade. A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil esteve presente nos 
momentos de opressão política e econômica no seu próprio país e também não pode deixar de 
se solidarizar com seus vizinhos latino-americanos, também vítimas de pobreza e opressão. 
Todavia, uma nova terra ainda é um ideal a ser imaginado. Embora o capitalismo tenha 
causado enormes mazelas, o socialismo também não foi bem sucedido, como mostra a história 
do século XX. Esse é um debate polêmico, mas um sistema melhor que o socialismo e o 
 
3 MANDEVILLE, B. (1924) The Fable of the Bees; or private vices, publick benefits (1732), Oxford: Oxford 
University Press; SMITH, A. (1976). An Inquiry Into the Nature and the Causes of the Wealth of Nations 
(1776), Oxford: Oxford University Press. Ver também uma compilação sobre o tema em GIANNETTI, E. 
(2007), Vícios Privados, Benefícios Públicos? A Ética na Riqueza das Nações, São Paulo: Companhia das 
Letras. Smith, embora chamasse atenção para o potencial benéfico do sistema impessoal de mercado, 
não acreditava, como popularmente se diz, que uma economia ou sociedade prescinde de ética. Ver 
SMITH, A. (2010), The Theory of Moral Sentiments (1759). London: Penguin. Agradecemos também às 
contribuições de Valério Schaper neste tema da confiança como pressuposto da mecânica do sistema. 
3 
 
 
capitalismo talvez ainda esteja por vir. Não obstante o que cada um pense acerca de sistemas 
econômicos, a urgência no combate à pobreza e à destituição que afligem milhões de pessoas 
no planeta não pode esperar pelodesenho de um sistema ideal. A pobreza e a fome, ao 
colocarem os seres humanos nus diante da natureza, passam a desencadear práticas 
predadoras – o desmatamento entre povos indígenas desassistidos, a prática dos carvoeiros no 
nordeste, a exploração dos manguezais e a pesca indiscriminada são apenas alguns exemplos 
do que ocorre no Brasil devido à necessidade gerada pela pobreza. A pobreza, portanto, é 
também uma questão ambiental e urgente.4 É preciso que medidas sejam tomadas 
imediatamente em relação a esse tema. Logo são necessárias, assim como defende o 
documento da Igreja da Noruega, mudanças de curto prazo dentro do atual sistema.5 
Este documento advoga mudanças de curto prazo nas instituições que governam o sistema 
econômico no mundo. Defende também que o Estado tenha participação em questões 
relacionadas à pobreza e distribuição que o mercado não resolve por si só, mas também indica 
que o mecanismo de mercado pode ser usado de forma benéfica. O documento também 
ressalta a necessidade de maior participação dos menos favorecidos, com a expansão dos 
processos de escolha democráticos, buscando a maior igualdade na distribuição de poder 
político. Além disso, o presente documento estimula o debate sobre o papel da ética na 
economia e na globalização, ressaltando as contribuições que a ética cristã pode trazer à forma 
que vemos e avaliamos a economia e a sociedade. 
Os posicionamentos desse documento não têm a pretensão de ser o único posicionamento 
cristão de forma arrogante, como se existisse apenas uma ideologia possível para a ética cristã. 
Esse documento tem como objetivo incentivar o debate acerca do papel da fé e da ética cristã 
na globalização de um ponto de vista luterano, brasileiro e dentro do contexto ecumênico. 
Sobre fé e política, o teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer, que corajosamente se posicionou 
contra o nazismo, escreve exatamente o que pensamos acerca de nossas opiniões nesse 
documento. Nossas opiniões são baseadas na ética cristã dentro de nosso contexto: 
"É de se perguntar, por exemplo, se o capitalismo, o socialismo ou o coletivismo, são 
estruturas econômicas que atrapalham a fé. Para a Igreja, aqui há uma postura dupla: 
por um lado, numa delimitação negativa, terá que declarar nefastas as mentalidades e 
sistemas econômicos que manifestamente dificultam a fé em Jesus Cristo. Por outro 
lado, só poderá dar colaboração positiva para uma reestruturação baseada na 
autoridade do conselho responsável de especialistas cristãos, não com a autoridade da 
Palavra de Deus. Ambas as tarefas devem ser rigorosamente distinguidas. A primeira é 
do ministério, a segunda a da diaconia, a primeira é divina, a segunda terrena, a 
primeira é a da palavra de Deus, a segunda é a da vida cristã. Aqui vale, no entanto: 
doctrina est coelum, vita est terra (Lutero)".6 
Nesse sentido, podemos declarar como nefastos todos os sistemas econômicos existentes, 
uma vez que, de alguma forma, todos eles podem nos impedir de ver o/a próximo/a ao 
incentivar o pecado humano. Mas todas as nossas proposições e sugestões aqui expostas são 
apresentadas a fim de fomentar o debate dentro do movimento ecumênico, com o qual a 
IECLB se sente chamada a colaborar. Esse posicionamento quer motivar a discussão, não a 
divisão. 
 
4 Agradecemos a Valério Schaper por esta reflexão acerca de pobreza e questão ambiental. 
5 CHURCH OF NORWAY – Council on Ecumenical and International Relations - The Commission on 
International Affairs (2008), The Church and Economic Globalisation, Oslo. 
6
 BONHOEFFER, D. (2005), Ética. 7ª ed. São Leopoldo: Ed. Sinodal, p. 201 
4 
 
 
1.2. Objetivo e estrutura do documento 
Esse documento é uma resposta ao documento AGAPE (Alternative Globalization Addresssing 
Peoples and Earth), lançado pouco tempo antes da realização da 9ª Assembleia do Conselho 
Mundial de Igrejas em Porto Alegre, 2006.7 O debate sobre o papel da igreja na globalização já 
tinha sido iniciado na 8ª Assembleia em Harare, 1998. O documento AGAPE é fruto desse 
processo. A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil sentiu-se também desafiada a 
contribuir para esse processo com esse documento, assim como também fizeram outras 
igrejas como a Igreja da Noruega, a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos e a Conferência 
das Igrejas Europeias.8 
A redação do documento ficou sob a responsabilidade de dois membros jovens e ativos da 
IECLB: Thomas Kang, economista e representante da IECLB na Comissão das Igrejas em 
Assuntos Internacionais do Conselho Mundial de Igrejas, e Alexander Stahlhoefer, teólogo e 
missionário da IECLB. Uma comissão para avaliar o documento, assim como para propor 
alterações, foi formada com a participação do Prof. Dr. Valério Schaper e da P. Ms. Marcia 
Blasi. 
O capítulo 2 trata da definição e histórico do que chamamos hoje de globalização. O capítulo 
seguinte fala dos fundamentos teológicos para avaliarmos a globalização à luz da ética cristã. 
Examinamos também, no capítulo 4, a relação entre globalização, desenvolvimento e justiça. 
Posteriormente, tratamos especificamente do papel do comércio no capítulo 5. Os mercados 
financeiros e os fluxos migratórios e de capitais são assuntos do capítulo 6, assim como 
também o papel das instituições financeiras internacionais. Discutimos a questão da dívida 
externa que aflige diversos países pobres no mesmo capítulo. O capítulo 7 trata de uma 
agenda para as igrejas frente à globalização. 
 
 
7WORLD COUNCIL OF CHURCHES (2006), Alternative Globalization Addressing Peoples and Earth (AGAPE): A 
Background Document. Geneva: WCC Publications. 
8 CHURCH OF NORWAY, op. cit.; PRESBYTERIAN CHURCH (USA) (2006), Globalization: a Call to Listen, a Challenge 
to Respond, March/April.; CONFERENCE OF EUROPEAN CHURCHES – Church and Society Commission (2006), 
European Churches Living their Faith in the Context of Globalization, Brussels. 
5 
 
 
2. GLOBALIZAÇÃO 
O termo globalização pode ser entendido de uma forma bastante ampla. Dependendo da 
definição empregada, ela não envolve apenas aspectos econômicos, como também sociais, 
políticos e culturais. Nesse documento trataremos principalmente dos aspectos econômicos da 
globalização, embora saibamos da importância de outros aspectos desse fenômeno. 
A globalização econômica pode ser definida como “a integração de economias nacionais à 
economia internacional através de comércio, investimento direto externo (por corporações e 
multinacionais), fluxos de capital de curto prazo, fluxos internacionais de trabalhadores e 
pessoas em geral, e fluxos de tecnologia”.9 
Nesse sentido amplo, a globalização econômica não foi sempre geradora de desigualdades e 
pioras da situação de países pobres. Como afirma Stiglitz, um dos críticos mais contundentes e 
respeitados dos caminhos tomados pela globalização nos últimos anos, o problema não é a 
globalização em si, mas a forma como a globalização tem sido conduzida.10 Mais do que 
aspectos econômicos, aspectos políticos têm sido determinantes na distribuição dos ganhos 
advindos desse processo, uma vez que as regras do jogo da globalização têm sido decididas 
pelos países avançados. O problema é que a riqueza gerada pela globalização não está 
alcançando a todos, uma vez que os mais pobres sempre têm menos voz política. A Igreja de 
Jesus Cristo deve ser solidária com as pessoas empobrecidas assim como Jesus foi e, portanto, 
tem papel nesse debate e deve clamar por mudanças. 
A globalização pode vir a ser benéfica, como já foi algumas vezes em certos momentos da 
história, o que mostraremos a seguir na próxima seção. Após isso, discorreremos sobre os 
papeis de Estado e mercado no processo e as polêmicas teóricas existentes. Por fim, 
discutiremos a possibilidade de uma outra globalizaçãoatravés de mudanças e reformas no 
sistema atual, o que introduzirá assuntos de capítulos posteriores. 
2.1. Histórico da Globalização 
Afirmam os historiadores econômicos ter havido três grandes ondas de globalização nos 
últimos séculos. A primeira onda iniciou por volta de 1870, em que houve grande aumento do 
fluxo de comércio, capital e pessoas. De 1914 a 1950, o processo de globalização se retraiu, 
com o aumento das barreiras comerciais em meio a guerras e crises econômicas que atingiram 
diversos países, principalmente após a Crise de 1929. A segunda onda começou após o pós-
guerra e pode-se dizer que durou até meados da década de 1970, período que registrou 
grande crescimento econômico mundial. Por fim, a terceira onda ocorreu nos anos 1980 e 
1990. É particularmente nessa última onda de globalização que surgem os maiores 
questionamentos a esse fenômeno, principalmente feitos por movimentos sociais. 
A globalização em fins do século XIX e início do século XX teve um caráter diverso das ondas 
posteriores. A integração dos mercados com o aumento do fluxo comercial e migratório teve 
efeitos diversificados nos países envolvidos. De acordo com a evidência apresentada pelo 
resumo da literatura escrito por Lindert e Williamson, em países onde a terra era um fator 
abundante (como Brasil e Estados Unidos), as estimativas indicam que a globalização 
aumentou a desigualdade, uma vez que a maior parte dos ganhos ficou com os donos de terras 
 
9
 BHAGWATI, J. (2004), In Defense of Globalization. Oxford: Oxford University Press, p. 3 
10 STIGLITZ, J. (2006), Making Globalization Work. London: Penguin, p. 4; STIGLITZ, J. (2002), Globalization 
and Its Discontents. London: Penguin. 
6 
 
 
ao invés dos trabalhadores.11 Nos países em que a terra era escassa (Europa) e que adotaram 
políticas comerciais liberais, ocorreu o contrário: a globalização parece ter diminuído a 
desigualdade. Uma grande diferença nesse período é que a migração era mais fácil: não havia 
tantas barreiras erigidas como ocorre hoje na maioria dos países desenvolvidos. Motivados por 
rendas maiores no assim chamado Novo Mundo, muitos emigraram da Europa em direção às 
Américas. Esse fenômeno aumentou os rendimentos dos trabalhadores que ficaram nos países 
europeus, mas reduziu os salários nas Américas em relação ao período anterior sem migrações 
(embora ainda fosse vantajoso migrar, já que a terra era abundante nesses novos locais).12 
Com as grandes guerras e a crise de 1929, o protecionismo voltou à agenda com força. 
Durante esse período de redução dos fluxos de comércio e de pessoas, houve aumento da 
desigualdade entre os países. As barreiras migratórias foram as principais responsáveis por 
esse aumento. Todavia, a desigualdade dentro dos países diminuiu em geral, embora tenha 
havido exceções. 
A partir de 1950, os fluxos voltaram a crescer, levando à chamada segunda onda da 
globalização. Essa nova fase teve características distintas da onda anterior. A migração de 
fatores diminuiu consideravelmente, embora tenha havido abertura comercial. O caso da 
nação mais rica do planeta, os Estados Unidos, é um exemplo claro da mudança ocorrida entre 
as duas ondas globalizantes: de um país protecionista que recebia imigrantes, os EUA abriram 
o comércio, mas restringiram a entrada de pessoas no seu país (situação que persiste até 
hoje). No início dessa nova fase da globalização, o mundo estava muito mais desigual do que 
outrora, mas o principal fator para o aumento da desigualdade não foi a diferença de renda 
dentro dos países, mas sim a desigualdade entre países.13 O caso do Brasil é distinto, uma vez 
que a desigualdade aumentou dentro do país ao longo do século XX.14 
Com as crises do petróleo ocorridas durante a década de 1970 e o fenômeno da estagflação 
em diversos países (quando houve diminuição do ritmo do crescimento econômico 
acompanhado de diminuição do poder de compra das pessoas devido à inflação), ocorreu uma 
mudança de modelo econômico na década de 1980. Países desenvolvidos passaram então a 
reduzir a intervenção do Estado na economia em todas as áreas. Não apenas houve redução 
da participação estatal em assuntos relacionados a comércio e protecionismo, como também 
em diversas áreas sociais. Muitos chamam essa nova onda de redução generalizada da 
atividade estatal na economia e na sociedade de neoliberalismo ou globalização neoliberal. Ou 
seja, havia antes globalização (aumento do fluxo de mercadorias e fatores de produção), mas a 
partir dessa época, ela passou a apresentar novas características, como a menor participação 
estatal. 
 
11
 LINDERT, P. & WILLIAMSON, J. (2003), “Does Globalization Make the World More Unequal?”, In 
WILLIAMSON, J. & BORDO, M. (ed.), Globalization in Historical Perspective, Cambridge, MA: NBER, p. 241-6 
12 A imigração alemã para o Brasil, da qual se origina a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, 
está profundamente relacionada com o processo de globalização do período. A IECLB é, portanto, fruto 
da primeira onda de globalização – que foi um processo em certos pontos distinto da atual globalização. 
13 LINDERT & WILLIAMSON, op. cit., p. 248 
14 Segundo o trabalho de Fishlow, com base na amostra do Censo de 1960, o índice de Gini para 
desigualdade de renda foi de 0,52. Com base no Censo de 1970, houve aumento na desigualdade com o 
índice subindo para 0,63. Os dados de Ramos e Mendonça (2005) mostram o índice de Gini subindo de 
0,50 para 0,57 entre 1960 e 1970. O índice manteve-se relativamente estável de acordo com dados do 
IPEA (http://www.ipeadata.gov.br) na década de 1980. Em 2009, o índice registrado foi de 0,543, 
continuando uma tendência de queda da desigualdade nos últimos anos. Ver FISHLOW, A. (1972), 
“Brazilian Size Distribution of Income”. American Economic Review, v.62, n.1, p. 391-402; RAMOS, L. e 
MENDONÇA, R. (2005). “Pobreza e Desigualdade de Renda no Brasil”. In: GIAMBIAGI, F. et al. Economia 
Brasileira Contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro: Elsevier. 
7 
 
 
Os estudos comparativos entre países mostram que a liberalização pode ter efeitos diferentes 
na economia dependendo do contexto institucional e econômico em que o país está inserido. 
As diferenças salariais parecem ter caído a partir do momento em que os assim chamados 
Tigres Asiáticos liberalizaram sua economia entre os anos 1960 e 1970. Isso não significa que o 
Estado tenha deixado de ter participação no Leste Asiático, muito pelo contrário, o Estado 
continuou tendo papel relevante na economia desses países. No entanto, a liberalização 
comercial beneficiou esses países, reduzindo a desigualdade existente. Por outro lado, esse 
não foi o caso da América Latina, que começou a liberalizar suas economias a partir do final da 
década de 1970. Nos países latino-americanos em geral, a desigualdade salarial aumentou, 
intensificando os problemas sociais pré-existentes devido à disparidade prévia que já era 
significativa. Em parte, a situação política dos países latino-americanos foi responsável pelo 
aumento da disparidade: a liberalização comercial foi acompanhada por combate a sindicatos 
e flexibilização do salário mínimo promovidos pelas ditaduras militares. O arrocho salarial 
patrocinado por governos autoritários impediu, portanto, que a maioria da população nesses 
países participasse dos benefícios de globalização.15 
Esse breve histórico mostra que a globalização pode provocar diversos efeitos, dependendo do 
contexto histórico e da situação do país. Portanto, o atual processo de globalização pode ser 
corrigido para beneficiar os mais pobres. Acreditamos que a questão política é fundamental 
para entendermos os atuais problemas da globalização. A liberalização comercial pode ter 
diversos efeitos, inclusive benéficos,mas não quando a maior parte da sociedade é excluída do 
processo. Essa é uma razão importante para o caráter concentrador da globalização dentro dos 
países. Por outro lado, a condução do processo por parte dos organismos internacionais tem 
muitas vezes beneficiado os países ricos, causando aumento da desigualdade entre países. 
Certamente, muitos dos protestos anti-globalizantes têm intensa relação com a forma com 
que a globalização foi conduzida nessa última onda, com redução da proteção social e 
consequente aumento da vulnerabilidade da população mais pobre. 
2.2. Globalização, Mercado e Estado 
A globalização por si só não pode ser considerada positiva ou negativa por definição. É preciso 
analisá-la levando em conta todas as suas consequências, a fim de avaliá-la a luz de Cristo, o 
fundamento de nossa fé. 
Em termos teóricos, a defesa da expansão da globalização pode ser diretamente traçada da 
noção de eficiência de mercado. De acordo com a teoria econômica, os resultados alcançados 
pelo mercado são eficientes sob certas condições. Adam Smith já dizia que uma das causas da 
riqueza das nações é a expansão dos mercados. Por consequência lógica, a globalização, que é 
a expansão dos mercados em escala mundial, seria benéfica para as nações. De fato, o 
aumento do comércio pode ser benéfico: países integrados ao mercado mundial muitas vezes 
conseguiram ganhos de comércio consideráveis.16 A integração ao comércio internacional foi 
um dos fatores cruciais para explicar o acelerado crescimento econômico dos Tigres Asiáticos 
nas últimas décadas. Entretanto, há inúmeras controvérsias e respostas simples devem ser 
evitadas. 
 
15 LINDERT & WILLIAMSON, op. cit., p. 254. Indícios do fenômeno no Brasil podem ser encontrados em 
COLISTETE, R.P. “Salários, Lucros e Produtividade na Indústria Brasileira, 1945-1978”. Revista de Economia 
Política, v. 29, n. 4, p. 386-405, out./dez. 2009, que mostra o aumento continuo da desigualdade 
funcional da renda tanto no período anterior quanto durante o regime autoritário a partir de 1964. 
16
 LINDERT & WILLIAMSON, op. cit. 
8 
 
 
Uma das objeções levantadas por críticos da globalização irrestrita advém do fato de que, 
muito embora possamos aceitar a noção de que o mercado é mais eficiente, a eficiência não 
precisa ser o único objetivo a ser almejado. Eficiência é definida como o estado em que 
qualquer melhoria de uma das partes na troca leva necessariamente à diminuição do bem-
estar da outra parte da troca – ou seja, não há mais incentivos para a troca. Esse é o resultado 
natural quando o mercado é deixado a sós: as pessoas trocam mercadorias até o ponto em 
que não há mais interesse de uma das partes. Interferências no processo de troca poderiam 
trazer ineficiências e prejudicar o crescimento econômico de acordo com a teoria. Entretanto, 
os resultados atingidos por um mercado sem intervenção não são necessariamente 
equitativos. O mercado deixado a sós pode levar tanto a um resultado em que os dois 
participantes da troca tem metade dos recursos, quanto a um resultado em que um dos 
participantes tem tudo e o outro, nada.17 Se o indivíduo que possui grande parte dos recursos 
não vê benefícios na troca, a tendência é de que a distribuição continue desigual. 
A segunda objeção refere-se à diferença entre países ricos e pobres. No processo de troca, os 
países pobres poderiam ser prejudicados porque o comércio com os países ricos incentivaria 
os países pobres a permanecerem subdesenvolvidos e agrícolas. Embora hoje saibamos que a 
industrialização não é sinônimo de desenvolvimento equitativo e sustentável, como mostra 
claramente o caso do Brasil, dificilmente um país agrícola avança economicamente.18 
A primeira objeção não é alvo de polêmica. A teoria econômica não prevê que os mercados 
promovam igualdade. Se, no entanto, é importante para as pessoas que a desigualdade seja 
combatida (pelo menos até certo ponto), o mercado não é a melhor ferramenta para isso. O 
uso do mercado pode continuar, mas é necessária a ação complementar de outra força. 
Geralmente essa força é o Estado. 
Contudo, não necessariamente a ação do Estado significa maior igualdade e combate à 
pobreza. O Estado pode interferir no mercado de forma a aumentar a desigualdade e a 
pobreza, como ocorreu no Brasil durante a maior parte de sua história. Para que a ação do 
Estado seja benéfica, é necessário que o poder político não esteja concentrado em uma 
pequena elite que direciona a ação do Estado em seu próprio favor. O fortalecimento das 
instituições democráticas que garantam a voz política da população é fundamental para que a 
ação do Estado não seja equivocada. 
Em termos de globalização, vale a mesma lógica. Deixar os mercados a sós geralmente não é a 
melhor solução em termos equitativos. A necessidade de prevenir o aumento da desigualdade 
exige a participação benéfica de organizações de governança internacionais. No entanto, se 
nessas organizações os mais ricos estão melhor representados, a tendência é que essas 
organizações favoreçam os mais ricos. Diante desse fato, tornam-se necessárias instituições 
mais democráticas e com maior participação dos países pobres nos processos decisórios. Essas 
razões fundamentam o clamor por reformas no Fundo Monetário Internacional, no Banco 
Mundial e na Organização Mundial do Comércio. 
 
17Esse resultado é possível de acordo com a teoria econômica. O mercado é eficiente, mas não 
equitativo necessariamente, mesmo em condições restritas de acordo com os teoremas do bem-estar e 
a assim chamada Caixa de Edgeworth. Economistas podem conferir esses teoremas em MAS-COLLEL, 
WINSTON & GREEN (1995). Microeconomic Theory. Oxford: Oxford University Press. 
18Essa ideia foi bastante debatida pela escola da CEPAL, que ganhou destaque nas décadas de 50 e 60 
com os trabalhos do argentino Raúl Prebisch e outros, como o brasileiro Celso Furtado. Para os 
defensores cepalinos da industrialização, a proteção era necessária para redução da curva de custos no 
longo prazo. Mesmo fora do arcabouço teórico cepalino, todavia, a industrialização é considerada um 
fator importante de crescimento. Ver LINDERT & WILLIAMSON, op. cit. 
9 
 
 
2.3. A Possibilidade de uma Globalização Mais Justa 
Nas seções anteriores, mostramos que é possível que a globalização possa trazer benefícios, 
desde que o Estado tenha um papel benéfico no processo. Se o Estado deixar o mercado a sós, 
a falta de proteção social e a desigualdade podem se tornar problemas graves. Se o Estado 
interfere no processo de forma negativa, como exemplificado pelos casos de inúmeros países 
latino-americanos, a globalização adquire características ainda mais excludentes. 
Também no contexto internacional, se os mercados forem deixados a sós, sem instituições que 
possam regulá-los e garantir a equidade nos processos de troca e nos fluxos de fatores entre 
paises, uma situação mais justa dificilmente é alcançada. Por esse motivo, são necessárias 
instituições internacionais como a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário 
Internacional e o Banco Mundial, pelo menos no curto prazo. Essas instituições, no entanto, 
têm muitas vezes prejudicado a situação de diversos países em desenvolvimento. Muitos 
protestos anti-globalizantes pedem pela extinção desses organismos. Todavia, sem eles a 
situação poderia ser ainda pior, como argumentaremos em capítulo posterior. Certamente, a 
manutenção dessas instituições requer reformas profundas, para que elas possam de fato 
servir para um desenvolvimento mais justo para os países pobres. 
Uma série de desafios é trazida pela globalização, como já afirmamos. Por exemplo, empresas 
têm hoje a opção de instalarem plantas em qualquer lugar do mundo. Muitas vezes as 
melhorias na condiçãode vida dos trabalhadores e das trabalhadoras em certos países não se 
sustentam, uma vez que a empresa simplesmente transfere a planta para outro país em que os 
salários são mais baixos. Essas realidades devem ser consideradas na hora de se pensar na 
criação de mecanismos que diminuam os efeitos perversos que a globalização pode trazer. 
Em capítulos posteriores, trataremos do papel do Estado, da relação entre globalização e 
desenvolvimento com justiça, do papel do comércio, das finanças e dos organismos 
internacionais. A globalização pode ser mais justa, desde que a ética tenha seu papel, 
colocando as pessoas no centro do processo de desenvolvimento. A busca pela dignidade 
humana deve ser nosso objetivo central. É nessa questão ética que o papel da Igreja é 
preponderante e profético. 
10 
 
 
3. A GLOBALIZAÇÃO E A NOSSA FÉ 
A teologia é um falar de Deus. Falamos de Deus porque cremos nele. E nossa fé é fruto da sua 
autorevelação em Jesus Cristo, e não dos nossos esforços intelectuais. Por isto nós somos 
objetos da teologia, pois primeiramente é Deus quem fala a nós e nos imputa a fé, a qual 
respondemos em gratidão com nosso louvor e com frutos da graça. Esta gratidão, louvor e 
frutos, em nós produzidos pelo agir de Deus, serão articulados em nossa realidade eclesial e 
social, sem com isso estar desconectada do corpo de Cristo que é universal, e justamente nisto 
reside o caráter global da fé cristã. Somos uma só Igreja Cristã, temos uma só fé em um só 
Cristo, fomos batizados num só Corpo, e um só Espírito de Deus dirige a Igreja (Ef 4.4-6). 
Por outro lado, a teologia precisa responder as questões colocadas pelo contexto em que está 
localmente inserida, percebendo as dores dos mais fracos de forma a conclamar o corpo para 
sofrer junto com aquele membro que está sofrendo (1Co 12). Por isto, a globalização traz um 
desafio ecumênico para a Igreja. Nossa proposta é refletir teologicamente, a partir da nossa 
realidade eclesial e social brasileira, tendo em vista a realidade global e ecumênica, a realidade 
da criação e a realidade do corpo universal de Cristo. 
3.1 Fé que conduz à ação – Implicações da Doutrina da Justificação para nossa ação 
social 
As duas grandes tentações para as Igrejas cristãs em assuntos como política, economia e 
direito são o quietismo e o ativismo. O quietismo nega que a pessoa cristã tenha alguma 
responsabilidade em se envolver no debate que é chamado por alguns de “secular”. Esta 
tendência a separar a moral religiosa da moral pública, como se uma não tivesse algo a 
contribuir para a outra é uma herança do Iluminismo.19 Já o ativismo representa uma solução 
de compromisso extremo que tem a tendência de equiparar as conquistas sociais à salvação 
eterna. O quietismo percebe a fé como algo que só tem a contribuir no âmbito da vida interna 
(espiritual). O ativismo percebe o comprometimento social como a razão última da sua fé. 
Em Jesus Cristo, Deus nos justifica sem mérito ou obras nossas somente pela sua graça 
mediante a fé. A pessoa, tendo sido resgatada da sua justiça própria pela graça mediante a fé, 
é transportada para uma relação completamente nova com Deus, consigo mesma, e com o seu 
próximo. Por isto a justificação leva a pessoa cristã à obediência e consequentemente à ação 
concreta no mundo, pois a pessoa cristã não vive para mais si mesma (2Co 5.17, cf. tb. 
Confissão de Augsburgo, art. 4). 
A fé em Jesus Cristo se expressa como discipulado, o seguimento ao Senhor que chama para 
um compromisso com seu amor. O discipulado exige a fé e a obediência, ao mesmo tempo em 
que a fé e a obediência são graça que levam ao discipulado.20 
Nossas obras, como pessoas cristãs, não são tentativas de agradar a Deus para que com isto 
Ele se agrade de nós e por consequência nos conceda salvação (Confissão de Augsburgo, art. 
6). Nossas obras são resultado da nova vida concedida por Cristo a nós gratuitamente (Ef 2.10). 
Temos plena liberdade para agir em favor do próximo, pois somos servos obedientes e em 
tudo sujeitos a Cristo.21 
 
19 SCHNEEWIND, J.B. (2001). A invenção da Autonomia. São Leopoldo, Unisinos. 
20 BONHOEFFER, D. (1984). Discipulado. 2ª Ed. São Leopoldo, Sinodal. 
21 LUTERO, M. (1998). Da Liberdade Cristã. 5ª Ed. São Leopoldo, Sinodal. 
11 
 
 
Assim como a fé é despertada pela promissio do Evangelho, da mesma forma a Igreja é 
criatura do evangelho.22 Fé em Cristo cria comunidade, cria a comunhão daqueles que 
professam a fé no mesmo Deus Triuno, pois a essência do Deus Trindade é a comunhão das 
três pessoas. Na comunhão, o discipulado (seguimento) é alimentado, e evoca o testemunho 
concreto do amor ao próximo, não como lei (obrigação), mas como nova obediência motivada 
somente por gratidão a Deus pela graça nos concedida em Cristo (Confissão de Augsburgo, art. 
5). 
Um exemplo concreto encontra-se em Atos dos Apóstolos. A comunidade de Jerusalém reunia-
se para celebrar sua fé em Cristo, para alimentar os laços de irmandade, com o objetivo de ser 
uma comunhão que vive na perspectiva da iminente volta de Cristo. Nesta esperança esta 
comunhão (comunidade) modifica as realidades onde se encontra e por este motivo também 
acaba por contar com apoio popular (At 2). A comunhão local em torno das dádivas de Deus 
(Pão e Vinho, Palavra, Oração) é fermento para ação coletiva e individual, porém também é 
chamada a lembrar-se que é juntamente com outras comunhões locais ao redor do globo o 
corpo universal de Cristo, e com isto chamada a um comprometimento maior com uma causa 
que é global, pois Jesus Cristo é Senhor sobre todo o cosmos. As Igrejas não devem estar 
sozinhas, mas lançar mão do diálogo para buscar consensos éticos amparados nas Escrituras 
que motivem a uma ação coletiva cristã no mundo. 
Da mesma forma como a teologia latino-americana sempre buscou o diálogo com as ciências 
sociais, neste documento continuamos nesta tradição dialogal, pois não há uma contradição 
inerente entre fé e a ciência. Lutero compreendia a razão como tendo “algo de divino em si”. É 
uma capacidade para gerenciar conhecimento humano. A razão produz ciência, e isto é fruto 
da graça criadora de Deus, que fez também a razão como imagem e semelhança do Criador.23 
Desta forma, o diálogo com as ciências sociais, em especial com a economia, poderá trazer 
bons frutos para nossa reflexão como Igreja. Não cabe a teologia se colocar arrogantemente 
acima das ciências como a verdade última. As propostas das ciências econômicas, do direito 
(especialmente na área de direitos humanos) e da filosofia serão refletidas em debate com os 
pressupostos teológicos aqui expostos. Nossa teologia quer em humildade, conhecendo suas 
limitações impostas pela razão, dialogar criticamente com as ciências, questionando seus 
compromissos com a vida e com o direito. Por sua vez as ciências nos questionarão até que 
ponto nosso compromisso com o discipulado de Cristo está sendo levado a sério na prática.24 
Nenhum saber, nem mesmo o teológico, poderá arrogantemente colocar-se como juíza 
absoluta de normas e valores, uma vez que sistemas políticos e econômicos são frutos de uma 
construção social permeada pelo pecado, ainda que na tentativa de sermos justos com todas 
as pessoas. 
3.2 A Igreja e sua relação com a política e a economia 
Infelizmente não é possível afirmar que há consenso sobre os temas da política e da economia 
dentro da Igreja de Jesus Cristo, são antes questões de disputas internas. Sejam disputas 
motivadas por convicções político-partidárias de grupos cristãos, sejam motivadas por 
convicções teológicas.25 
 
22 Cf. BAYER, O. (2007). A Teologia de Martim Lutero. São Leopoldo: Sinodal, p. 31-32; 187. 
23 LUTERO, apud BAYER, op cit., p.115. 
24 WESTPHAL, E. R. (2010). “Teologia como fé inteligente:Aspectos Teológico-filosóficos” in Vox Scripturae 
18:1. São Bento do Sul, FLT, p. 101-108; cf. também TÖDT, H. E. (1988).“Versuch einer ‚Theorie der 
Urteilsfindung‘“, In: _____. Perspektiventheologischer Ethik. München, Chr. Kaiser, p. 21-48. 
25 Ver seção posterior sobre as visões de justiça distributiva existentes dentro do Cristianismo 
12 
 
 
Entretanto a confissão de que Jesus Cristo é Senhor soberano sobre toda a criação, como fez a 
Igreja Confessante durante a Segunda Guerra, é completamente suficiente para manter a 
unidade da Igreja na sua diversidade de pensamentos.26 Portanto, nesta seção queremos 
apresentar alguns tópicos para auxiliar a reflexão teológica de um ponto de vista luterano e 
latino-americano que nos abra para o diálogo acerca das políticas sociais e econômicas. 
3.2.1 A Igreja e a(s) Política(s).27 Deus age no mundo para a salvação eterna e para a 
manutenção da paz. O Evangelho, através do Espírito Santo, ensina cada pessoa cristã a não 
fazer o mal e a sofrer a injustiça quando causada pelo testemunho da verdade. O Reino de 
Deus é governado pelo Evangelho de Jesus Cristo e é por meio dele que Deus concede 
salvação. O Evangelho não é uma nova lei através da qual Deus quer que o mundo seja 
governado. Diante de uma realidade democrática, a distinção precisa sublinhar a ação da 
pessoa cristã na busca por justiça e no fazer o bem ao próximo. A palavra de Lutero 
incentivando as pessoas cristãs a assumirem funções nos governos pode ser aqui sublinhada.28 
Como nenhum ser humano é justo por natureza, Deus instituiu a Lei para que a maldade não 
seja praticada conforme a natureza pecaminosa do ser humano. A autoridade civil, com a força 
da lei, foi constituída por Deus para coibir o mal, a injustiça e manter a paz externa. Sendo a 
autoridade civil constituída por causa dos desejos maus e a inclinação a devorar uns aos 
outros, as pessoas cristãs estão submissas à autoridade civil por amor ao próximo, pois desta 
forma ele fará o que é bom e proveitoso para o próximo. Como a autoridade é criação de Deus 
(Rm 12.1,4), a pessoa cristã pode fazer uso dela (1Tm 4.4) e, como serviço especial a Deus, ela 
deve também ocupar a função de autoridade, mas nunca para benefício próprio. O limite da 
autoridade civil é nas questões civis: ela pode cobrar impostos, estabelecer leis e julgar 
infratores, porém não pode exigir fé em algo ou estabelecer leis sobre assuntos de fé pessoal 
(At 5.29). 
Os dois regimentos devem, neste mundo, permanecer um ao lado do outro, pois o regimento 
do Evangelho cria pessoas cristãs, enquanto que o regimento da lei, por meio da autoridade 
civil, coíbe o mal e mantém a paz, criando cidadãos e cidadãs. O desejo de Deus é tanto a 
salvação em Cristo quanto a paz, e por isto é necessário que tanto um quanto outro regimento 
permaneçam. Os dois regimentos não são duas esferas independentes, mas são duas formas 
do mesmo Deus e Senhor governar este mesmo mundo, onde pessoas justas e injustas 
convivem lado-a-lado. 
A Igreja deve ser crítica em relação aos governos e políticas que não promovem a justiça e os 
direitos humanos, deve defender a causa das pessoas pobres e marginalizadas e com isto 
demonstrar que ama e que busca justiça em favor da outra pessoa. Na compreensão do uso 
civil ou político da Lei, fundamentamos que a pessoa cristã deve se envolver nas causas sociais 
e políticas através de movimentos da sociedade civil organizada que buscam justiça. A pessoa 
cristã também deve se candidatar a cargos públicos para que possa servir a Deus através da 
sua função, desempenhando-a com abnegação e amor. Também deve viver responsavelmente 
diante da sociedade cumprindo as leis estabelecidas, exercendo seu direito ao voto e 
 
26
 A DECLARAÇÃO TEOLÓGICA DE BARMEN (1984), in Estudos Teológicos, no. 2, ano 24. São Leopoldo: 
Faculdade de Teologia da IECLB, p. 95-97 
27 Esta seção é um resumo de STAHLHOEFER, A. B. (2009). “A Distinção dos Dois Regimentos em Lutero: 
Recepção na Teologia Luterana e implicações para a Ética Política”, In: Vox Scripturae 17:1. São Bento do 
Sul, p. 93-131. O último parágrafo sobre a recepção do tema nos documentos emitidos pela Presidência 
da IECLB não consta no artigo acima referido. 
28 LUTERO, M (1996). “Da autoridade Secular até que ponto se lhe deve obediência”, in OSel 6, p. 90-96 
13 
 
 
expressando suas convicções moldadas pela fé em Cristo. A Igreja prega a respeito das 
Escrituras e da vontade de Deus e cada pessoa cristã deve discernir quais projetos são 
coerentes com a justiça e o bem. Neste sentido, a fé cristã é crítica com as ideologias e deve 
cuidar para não abraçar acriticamente ideologias como se fossem cristãs. A diaconia é o meio 
pelo qual a Igreja age responsavelmente diante da sociedade, envolvendo-se nas áreas da 
educação, saúde, cidadania, segurança, ecologia e meio ambiente, cultura e esporte.29 
A IECLB já em 1970, durante o regime militar no Brasil, expressou com clareza seu chamado a 
ser crítica ao governo (Manifesto de Curitiba).30 Apresentou seu questionamento sobre a 
prática de violações aos direitos humanos e suas dúvidas quanto à substituição do ensino 
cristão pela educação moral e cívica nas escolas. No Natal de 1978, a IECLB se colocou ao lado 
das pessoas que sofreram violência sob as leis de exceção. Em 1988, o então P. Presidente 
Brakemeier escreveu sobre a relação Estado e Igreja, conclamando as comunidades a serem 
críticas diante das propostas dos candidatos/as a vereador/as e prefeito/a. Recentemente o P. 
Presidente Walter Altmann exortou a que cada um vote de acordo com sua consciência, não se 
deixando levar pelas manipulações de cunho religioso veiculadas na Internet. Todos estes 
posicionamentos tiveram como base teológica a distinção dos dois Regimentos e são exemplos 
práticos de como a Igreja deve continuar sendo crítica, isto é, dialogando a partir da sua ética 
com as propostas e ideologias políticas. Cada pessoa cristã deverá exercitar seu arbítrio 
político, mantendo firme sua ética cristã e optando pelas propostas políticas que julgar 
adequadas. Não cabe a Igreja, nem na sua acepção comunitária, muito menos como corpo 
nacional ou comunhão global, abraçar ideologias, partidos ou sistemas como se fosse seu 
próprio modelo de atuação política. Mas no seu papel crítico-profético deve promover a 
discussão pública e comunitária das ideologias políticas, sociais e econômicas de forma que 
facilite o conhecimento, o debate e a criação de um senso crítico no seio da comunidade 
cristã.31 
3.2.2 Justiça, misericórdia e fidelidade. A profecia no Antigo Testamento era caracterizada 
em primeiro lugar por uma firme consciência do profeta como pessoa chamada por Deus para 
uma tarefa específica. O profeta e a profetiza tinha consciência do seu dever diante de Deus. 
Muitas vezes, o profeta e a profetiza deixava suas garantias sociais para viver na dependência 
de Deus no afã de cumprir a missão a que lhe fora conferida. O foco da mensagem profética 
não estava no chamado a uma piedade ensimesmada, bem pelo contrário, profetas e 
profetizas tinham liberdade de criticar a crença nacional que afirmava estarem 
automaticamente sob a bênção de Deus todas aquelas pessoas que fossem descendentes de 
Abraão. A profecia ressalta que Deus deseja justiça, misericórdia e fidelidade (Os 6.6, Mq 6.8). 
O apostolo Paulo compreende o espírito da profecia quando afirma que o culto que Deus 
deseja é aquele no qual oferecemos nossa vida toda, sem ressalvas para a obra que Deus quer 
fazer neste mundo (Rm 12.1). Também com nossas ações em favor das pessoas necessitadas e 
excluídas cultuamos a Deus (Cl 3.17, 23).32 
No pensamento ocidental, consideramos que uma pessoa justa é aquela que age de acordo 
com os princípios da legalidade e da justiça, ou seja, se alguém cumpre as normas29 O tema da Diaconia será tratado adiante no documento. 
30http://www.luteranos.com.br/articles/8191/1/Manifesto-de-Curitiba---1970/1.html 
31 A respeito da história do surgimento da consciência sócio-política na IECLB veja SCHÜNEMANN, R. 
(1992). Do gueto à participação. São Leopoldo: Sinodal, EST/IEPG. A respeito do uso do conceito de Dois 
Reinos ou Regimentos na história da Igreja Luterana veja DUCHROW, U. (1977). Zwei Reiche und 
Regimente. Ideologie ou evangelische Orientierung? Gütersloh: Gütersloher Verlagshaus. 
32 VON RAD, G. (2006). Teologia do Antigo Testamento. 2ª Ed. São Paulo: ASTE, Targumim, p. 489ss. 
14 
 
 
determinadas pela sociedade, ela é justa. O pensamento hebraico ressalta a relacionalidade de 
Deus e do ser humano. Justiça não é definida em termos de conceitos puros, como um critério 
de imparcialidade medido por uma norma moral absoluta, mas em termos de fidelidade a uma 
pessoa. Deus é justo, pois se mantém fiel ao seu povo, com quem celebrou uma aliança. Uma 
pessoa é justa na medida em que se mantém fiel ao seu semelhante. É uma justiça salvífica, 
que se importa antes com a pessoa. Justiça é salvação, por isto Deus imputou justiça a Abraão 
(Gn 15.6) e imputa justiça a qualquer pessoa através da fé em Jesus Cristo (Rm 1.16-17). A 
justiça concedida por Deus a nós é o que nos mantém numa relação de fidelidade com Deus. 
Tal justiça nos leva a enxergar na pessoa desamparada alguém amada de Deus, alguém que 
também é imagem e semelhança do criador. A justiça de Deus também quer alcançar a pessoa 
desamparada nas suas necessidades básicas uma vez que Deus é fiel a sua comunidade.33 
A fidelidade se mostra no conceito de solidariedade. Este conceito tem seu lugar vivencial na 
família, onde cada um é visto como irmão e irmã e onde, por exemplo, a cobrança de juros é 
proibida (Ex 22.25). Não se pode querer tirar lucro do seu irmão ou da sua irmã, pois as 
pessoas da família querem ajudar umas às outras sem receber algo em troca, por simples 
amor, por solidariedade. No nível estatal, o reino de Israel é reino de “irmãos e irmãs”, neste o 
rei é chamado a agir com imparcialidade. Este é o mesmo argumento de Lutero em seus 
escritos a respeito da economia. O Reformador utiliza o argumento filosófico da equidade.34 
Entre dois extremos, deve-se escolher o mediano. Em assuntos econômicos, o rei de Israel 
deveria garantir a cada pessoa o que é justo, o que lhe cabe por direito por direito. Porém o rei 
deveria se colocar ao lado das pessoas pobres, das crianças órfãs e da viúva não por causa da 
solidariedade, mas por direito e justiça. É dever do rei dar a estas pessoas o que lhes cabe. O 
Rei deveria ser fiel às pessoas excluídas, pois são seus “irmãos e irmãs” na comunidade 
israelita.35 
 A justificação, portanto, nos compromete com o próximo. Como uma família, nos 
comprometemos com a solidariedade, com a ação de amor em favor da pessoa necessitada, 
da pobre, da excluída e da que está sem condições para ter vida digna numa sociedade que 
objetiva a competitividade, o desempenho e o lucro. Diante de governos e autoridades, 
devemos clamar por equidade, direito e justiça, dando a cada pessoa o que é devido para que 
tenha acesso e possibilidade de uma vida digna. 
Compreendemos que ser justo é ser fiel a Deus e à nossa comunidade em amor ao próximo, 
entendida não só num sentido de grupo eclesiástico, mas num sentido amplo, que engloba 
toda a pessoa humana, sem quaisquer distinções. 
3.3 Graça, amor e economia 
O que tem graça e amor em comum com a economia? Economia tem sua raiz no grego oikos, a 
casa, mesma raiz das palavras ecumenismo e ecologia. Ambas as palavras tem o seu foco na 
relação existente dentro da casa, o habitar juntos. Habitamos este planeta chamado Terra e 
cremos que ele é boa criação de Deus (assim como todo o cosmos). A criação não é fruto da 
nossa capacidade inventiva e transformadora, é dádiva de Deus, especificamente da graça de 
Deus. A história da criação nos ensina que nossa tarefa neste mundo é cultivar e cuidar. Somos 
responsáveis conjuntamente pela administração desta casa chamada Terra. 
 
33 VON RAD, op. cit., p. 359-372. 
34 RIETH, R. (1995). Economia: Introdução ao Assunto In: OSel 5, p.367-373. 
35 Cf. KLEINE, M. (2009). “Solidariedade no Antigo Testamento. Três modelos e sua relevância para a Ética 
Cristã” In: Vox Scripturae 17:1, São Bento do Sul: FLT, p.27-40. 
15 
 
 
Por um lado, o testemunho bíblico compreende este mundo como criação de Deus e, 
portanto, as terras como um bem universal. Por outro lado, o povo de Israel recebeu ordem de 
repartir a terra prometida e conquistada entre as tribos (Nm 34.18). Cria-se assim um sistema 
onde há propriedade privada, porém num molde coletivo: a cada 50 anos as terras vendidas 
deveriam voltar ao proprietário original (Lv 25.10). A terra também não pode ser explorada 
como uma escrava, ela merece descanso a cada sete anos (Lv 25.4). A terra de Canaã é 
teologicamente para Israel uma dádiva imerecida, pois sua conquista é fruto da mão do 
Senhor. 
Por vezes em Israel esta compreensão da terra como dádiva não foi levada a sério. Na época 
do reino dividido, os profetas e as profetizas foram por Deus chamadas a levantaram a voz 
contra a injustiça social. Miquéias acusa os latifundiários que roubam as propriedades do povo 
pobre. Como consequência, o profeta afirma que tais pessoas não participarão da promessa 
graciosa de uma futura divisão de terras promovida por Deus (Mq 2.1-5). Isaías igualmente 
proclama juízo de Deus contra os latifundiários que tomam as terras das pessoas pobres (Is 
5.8s). A acusação não é contra a quantidade de terras, mas pelo meio fraudulento e injusto 
através da qual elas foram obtidas. A falta de amor e da compreensão de que a terra é dádiva 
da graça de Deus fazem com que o ser humano se entregue à ganância, e por fim à injustiça. 
Lutero compreendia que a ganância, a injustiça e o desamor como frutos da radicalidade do 
pecado humano. Sua relação de inimizade e afastamento de Deus confluem em ações de 
injustiça ou na passividade que não produz mudanças reais.36 Somente pela fé na graça 
oferecida a nós por causa da obra de Cristo na cruz é que a humanidade encontra possibilidade 
para perceber este mundo sob a perspectiva do amor. Quando Deus nos torna justos diante 
dele, por intermédio da fé somente, somos reconciliados com Deus, com nosso próximo e 
conosco mesmos. E pela obra reconciliadora de Cristo, no poder do Espírito Santo, podemos 
agir em conformidade com o amor de Deus.37 
Por isto Paulo pode afirmar que a fé atua no amor (Gl 5.6). O amor de Deus é este, que seu 
Filho Jesus veio ao mundo para dar a sua vida em resgate de muitas pessoas, e agora nós 
somos chamados/as a dar a nossa vida pelo próximo (1 Jo 3.16). O princípio do Evangelho é o 
amor de Deus. A graça é a manifestação concreta do amor, pois dá sem esperar algo em troca. 
A graça é incompreensível para a mentalidade do mercado. Por isto Lutero chama de comércio 
maravilhoso onde Jesus “comprou” nosso pecado ao preço da sua própria vida e nos 
presenteou com reconciliação. Se já recebemos tudo de graça, porque não repartirmos tudo 
por graça? Não se trata aqui de uma obra meritória, pois não há nada que façamos que possa 
pagar de volta aquilo que Deus fez por nós em Cristo. Nossa resposta é apenas gratidão! 
Por um lado precisamos encontrar iniciativas dentro de nossas comunidades para que 
pratiquem o amor ao próximo, gratidão, partilha e auxílio mútuo. A comunidade cristã pode 
fazer diferença na comunidade civil ao seu redor. Isto é diaconia, é serviço em amor ao 
próximo. 
Por outro lado, o mundo na sua lógica antidivina não pode compreender a graça e o amor de 
Deus. O Evangelho não é plano de política econômica que deva ser imposto à sociedade. 
Entretanto as pessoas cristãsdevem levantar dentro da sociedade o questionamento sobre as 
estruturas econômicas que não estejam favorecendo o amor ao próximo. Na Bíblia 
encontramos diversas denúncias a sistemas econômicos corruptos. Em Apocalipse 6.5-6, o 
 
36 LUTERO, M. (1993). “Da Vontade Cativa”, in OSel 4,11-216; cf. também SKINNER, Q. (1978). The 
Foundations of Modern Political Thought. Vol. 2. Cambridge: Cambridge University Press, p. 4-6. 
37 Cf. Confissão de Augsburgo, art.4 (Da Justificação); cf. também WESTPHAL, E. R. (2003). “O significado 
da fórmula ‘Por causa de Cristo’”, in Estudos Teológicos, 43:1. 
16 
 
 
cavalo negro é a fome, que traz consigo a inflação que consome o valor do dinheiro da pessoa 
pobre, que precisa comer sempre algo mais barato. O mesmo sistema econômico, por outro 
lado, continua fartando a mesa das pessoas ricas com o melhor dos frutos da terra. Lutero 
conclamou pregadores e pastores para que alertassem as pessoas cristãs a respeito das 
estruturas econômicas injustas de sua época. Para o Reformador, há urgência escatológica em 
denunciar a injustiça: “Nós pregadores temos que pregar para que estejamos desculpados em 
seu dia derradeiro”.38 Porém não podemos ficar num denuncismo inerte, temos o direito de 
exigir que todas as pessoas tenham acesso igual à alimentação, habitação, saúde, educação, 
cultura, esporte, e com qualidade, porém devemos nos empenhar para concretizar projetos 
que efetivamente colaborem na mudança do cenário social. 
3.4 “Cuidar e guardar” – o imperativo ecológico 
No primeiro relato da criação conforme o livro de Gênesis (Gn 1.1-2.4a) lemos no v.28 a 
seguinte ordem de Deus: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai 
sobre (...)”. Este versículo favoreceu a interpretação de que a terra era objeto de domínio do 
ser humano, e que este teria o direito divino de explorá-la em busca, não só do próprio 
sustento, mas em busca de autorrealização econômica. Segundo Eugen Drewermann este seria 
o versículo bíblico que foi seguido mais ao pé da letra nos últimos tempos.39 E de fato, ao 
olharmos para a degradação do meio ambiente, para o buraco na camada de ozônio, para o 
aquecimento global e para as catástrofes naturais ocorridas no Brasil nos últimos dois anos 
(sequencias de enchentes, secas, desbarrancamentos, ciclones e vendavais, até pequenos 
tremores de terra), fica a pergunta: qual é a responsabilidade do ser humano diante de tudo 
isto? Como pessoas cristãs, ao lermos o versículo citado, acabamos legitimando a destruição 
da natureza como se ela fosse simplesmente nossa serva. 
Entretanto, no segundo relato da criação (Gn 2.4b-25) no versículo 15, lemos: “Tomou, pois, o 
SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar.” Cultivar 
e guardar, numa primeira leitura, estão em flagrante oposição a sujeitar e dominar. O cultivo é 
a atividade preponderante do agricultor e da agricultora, daquela pessoa que prepara a terra. 
O jardim foi dado ao primeiro casal não como posse, mas como dádiva que exigia trabalho e 
cuidado. A tarefa do casal era cultivar e tomar conta da terra. É dada uma responsabilidade 
conjuntamente com a dádiva. Na narrativa javista de Gn2 os animais são chamados à presença 
do homem que lhes dá nomes, e assim participa no processo criacional. Os animais serão 
parceiros da humanidade na tarefa agrícola e de proteção da terra, ao servirem o homem e a 
mulher com seu trabalho.40 
Por sua vez, o verbo sujeitar em hebraico tem a conotação de reduzir a escravidão, pisotear, 
amassar. Quem sofre a sujeição é a terra. Já o verbo dominar também pode ser traduzido por 
governar, exercer poder sobre. Quem sofre a ação são os animais.41 
A leitura separada dos textos e individualizada, sem dúvida nos levará a uma interpretação 
errônea de que o governo que Deus concede a humanidade sobre a terra é arbitrário e 
coercitivo somente. Ao colocarmos as duas narrativas lado-a-lado queremos demonstrar que, 
se por um lado o meio ambiente é o local de domínio da raça humana, por outro ângulo ele 
também é, ao mesmo tempo, parceiro do ser humano, criatura de Deus, objeto da nossa 
responsabilidade. Ou seja, governar a terra (Gn 1.26) é uma tarefa que exige força, mas 
 
38 LUTERO, M. (1995). “Aos pastores para que preguem contra a usura”, In: OSel 5, p. 491. 
39 DREWERMANN, E. (2004). Religião pra quê? Buscando sentido numa época de ganância e sede de poder. 
São Leopoldo: Sinodal, p.7. 
40 SCHMIDT, W. H. (2004). A Fé do Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, p.258, 263 
41 Cf. DREWERMAN, E. op cit., p. 7ss. 
17 
 
 
igualmente sabedoria, responsabilidade, e sobretudo, amor cristão.42 A criação aguarda a 
revelação dos filhos e das filhas de Deus (Rm 8.22-23) e, por enquanto, suporta angústias e 
geme de dores por tudo que é feito contra ela. A expectativa da nova criação é grande (Is 11.6, 
65.25; Ap 21.5) porém ainda não vivemos na nova criação, por outro lado já agora 
experimentamos a graça de Deus. Não faremos deste mundo a nova criação, mas não 
podemos cruzar nossos braços e apaticamente aguardar o irromper escatológico de Deus. A 
esperança escatológica quer nos fazer agir já agora, pois temos no dia de hoje uma tarefa de 
cuidar, zelar e a amar o que Deus criou. Para Lutero, Deus na criação instituiu o estamento da 
casa “oikos” como espaço de vivência e obtenção do pão diário. A vivência humana exige 
responsabilidade, pois está diretamente ligada ao estamento “espiritual”, a relação com Deus, 
o criador. A partir da relação entre palavra e fé, vivemos nossa relação “ser humano um com o 
outro” e “ser humano com a criação”. A palavra que nos convida à fé é a mesma palavra que 
nos responsabiliza um com o outro e com a criação em amor.43 
3.5 “A imagem de Deus os criou” – o valor da pessoa humana 
Vida na perspectiva biológica é simplesmente uma função bioquímica. Ao cessarem as funções 
bioquímicas do cérebro, o indivíduo entra em morte cerebral (ainda que as células do corpo 
ainda estejam vivas – o que possibilita um transplante, por exemplo). O ser humano enquanto 
usina bioquímica não é diferente do animal, o que o diferencia é sua consciência. Neste 
sentido, a partir do racionalismo o ser humano é definido enquanto ser que pensa [res 
cogitans] e ser material (corpo) [res extensa], levando assim à máxima de Descartes “cogito 
ergo sum” [penso, logo sou]. O ser humano na filosofia racionalista-cartesiana é definido pela 
capacidade de consciência. Teologicamente consideramos vida uma dádiva de Deus. O corpo 
humano é também uma usina bioquímica. Ainda que a concepção oriental (hebraica) seja pré-
científica ao compreender o ser humano como moldado do barro, o compreende como feito 
da mesma matéria que a natureza criada. O ser humano também é transitório e “bioquímico”. 
O ser humano não é algo mágico. Nisto a teologia hebraico-cristã é bem realista. Porém, vida é 
dádiva, pois o ser humano moldado do barro, ainda sem vida, recebe-a de fora como sopro 
que Deus insufla nas narinas do ser humano. Este sopro de Deus promove vida no ser humano. 
E este passa a ser definido como “alma vivente” [ser com vida]. O relato de Genesis 1, por sua 
vez, atesta que o ser humano foi criado a imagem e semelhança do criador. Estes termos 
cognatos designam a intenção do criador em que sua criatura fosse seu representante fiel na 
Terra, responsável pela administração do maravilhoso empreendimento de Deus. Enquanto o 
pensamento racionalista considera o ser humano um ser enquanto pensa, e de acordo com o 
pensamento pós-moderno, enquanto é útil, a partir dos dois relatos da criação percebe-se que 
o ser humano é definido enquanto ser na relação com seu criador (imagem e semelhança do 
criador; e ser que recebe vida a partir de fora). A dignidade do ser humano nãose encontra no 
que faz, ou no que é em si mesmo, mas no fato de ser criado por Deus. Por isto a vida humana 
é algo sagrado e todo ser humano é digno por ter sido criado por Deus, e igualmente por ter 
sido amado por Deus, em Cristo Jesus. 
A vida humana não está à disposição do mercado ou do governo. Não se pode dispor da vida 
humana para fins de pesquisas sem um consentimento realmente livre e esclarecido.44 
 
42 SILVA, M. (2004). “Fé Cristã e Meio Ambiente”, In: CBE. Missão Integral. Viçosa: Ultimato, Belo 
Horizonte: Visão Mundial, p. 91-100. 
43 Cf. BAYER, O., op. cit., p.87ss. 
44 Há relatos de que populações em países pobres são submetidas a experimentos científicos sem um 
consentimento livre, pois foram induzidos por motivos econômicos e políticos, ou mesmo coagidos a 
participarem das pesquisas. Nestes casos o consentimento também não é esclarecido, pois os objetivos 
das pesquisas não são deixados claros para quem dela participa, e não é oferecido suporte médico e 
18 
 
 
Igualmente a força de trabalho não está à disposição do mercado sem justa recompensa. 
Condena-se assim toda forma de escravagismo, inclusive aquela que é velada através do 
pagamento de somas irrisórias e completamente injustas, beneficiando grandes empresas em 
detrimento da saúde e da dignidade de vida das populações empobrecidas. Cabe aos 
governos, e na omissão deles ao terceiro setor, a defesa da vida humana, da sua dignidade, do 
direito ao trabalho com justa remuneração, da educação de qualidade, do acesso à saúde, 
esporte, lazer e cultura, da garantia das liberdades individuais e do respeito às suas crenças e 
valores individuais. 
Importante observar que o primeiro relato atesta que o ser humano foi criado “homem e 
mulher” (literalmente “macho” e “fêmea”), não diferenciando os dois gêneros como sendo um 
mais importante que o outro diante de Deus. O relato, pelo contrário, atesta a igualdade de 
ambos diante do criador. Já o segundo relato, mais polêmico, afirma que a mulher foi criada da 
“costela”, mais precisamente “do lado”. O vocábulo hebraico utilizado significa também 
coluna, viga de sustentação, o que pode indicar uma relação estrutural entre homem e 
mulher. Em Genesis 2.23, o homem exclama que a mulher foi feita ossos dos seus ossos e 
carne da sua carne. Há uma identificação profunda, relacional, e intensa entre homem e 
mulher. O texto não pode ser usado no sentido de menosprezar o papel da mulher, mas para 
demonstrar a mutualidade que pode existir entre homens e mulheres, desfazendo assim uma 
tradição que colocou a mulher numa posição de completa submissão à vontade masculina. 
Não é possível concordar com posições que inferiorizam a mulher no mercado de trabalho, no 
acesso à educação, à saúde, muito menos legitimar qualquer forma de violência física ou 
verbal. A igualdade de homem e mulher está dada na criação e igualmente em Cristo (Gl 3.28), 
e por isto precisamos defender o direito da mulher. 
A imagem de Deus não se refere somente às pessoas adultas. Já mencionamos que o 
paradigma racionalista considerava o ser humano apenas quanto à sua racionalidade. Esta 
lógica é quebrada ao considerarmos o ser humano enquanto criado à imagem e semelhança 
de Deus. Igualmente são imagem e semelhança de Deus crianças, idosos, povos indígenas, 
populações marginalizadas, encarcerados, moradores de rua, entre outros contingentes 
populacionais em situação de risco social, exclusão, pobreza e marginalização. Jesus Cristo 
disse: “deixai vir a mim as criancinhas, não as impeçam, pois delas é o Reino dos céus” (Mc 
10.14). O profeta Zacarías anuncia tempos em que novamente idosos e idosas estarão nas 
praças. Toda a pessoa humana é amada por Deus e, portanto, precisa ter seu direito 
assegurando, priorizando-se aquelas que têm sofrido injustiça, pobreza, a falta de 
oportunidades, a exclusão. 
3.6 O papel da diaconia na mudança do cenário social e economico 
Segundo Kjell Nordstokke “a diaconia é a ação, a partir da identidade cristã, num contexto de 
sofrimento e injustiça, com a finalidade de transformar”.45 Ela não é o fruto de uma reflexão 
ética, mas fruto do agir gracioso de Deus em Cristo que “veio para servir” (Mc 10.45) e nos 
chama para o serviço (Mc 10.44). Na justificação a pesoa cristã é feita nova criatura e chamada 
a viver em novidade de vida. Não é a nova ética que promoverá a diaconia, mas o estar em 
Cristo, expresso no discipulado que inclui o serviço (diaconia). Serviço que surge como 
gratidão, pois Deus em Cristo demonstra sua graça transformadora. 
 
justa compensação pela participação. Cf. WESTPHAL, E. R. (2004). O Oitavo Dia. Na era da seleção 
artificial. São Bento do Sul: União Cristã, p.39-66. 
45 NORDSTOKKE, K. (1998). “Diaconia”, in SCHNEIDER-HARPPRECHT, C. (org.) Teologia Prática no Contexto da 
América Latina. São Leopoldo: Sinodal, ASTE, p. 268-290. Cf. também as propostas em Diaconia do Plano 
de Ação Missionária da IECLB: PINTO, H. (org.) (2008). Missão de Deus – nossa paixão. São Leopoldo: 
Sinodal, p. 46-50. 
19 
 
 
A justificação insere a pessoa cristã na comunhão do corpo de Cristo. Através da vívida figura 
do corpo, apresentada pelo Apóstolo Paulo, é demonstrado que quando um membro sofre, 
todo o corpo sofre. Há mutualidade na comunhão. A comunhão do corpo de Cristo possibilita 
rompermos as barreiras do individualismo, pois em Cristo estamos unidos àquela pessoa que 
sofre. Se como pessoas cristãs, pertencemos a um só corpo, e em Cristo está dada nossa 
comunhão, igualmente como pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus pertencemos 
ao gênero humano, e no ato gracioso e de amor da criação está dada nossa comunhão com 
toda pessoa humana. A diaconia expressa o amor da comunidade cristã em favor de toda a 
comunidade humana. Porque cremos no agir transformador de Cristo através da graça de 
Deus, cremos que a diaconia é a expressão em ação da graça que transforma o mundo através 
de pessoas e igrejas cristãs. 
Desde a década de 1960, o conceito de diaconia passa por uma mudança. A nova consciência 
política desde 1970 aponta para o desenvolvimento e mudança social. A diaconia como uma 
assistência das Igrejas em favor dos necessitados tornou-se um conceito antiquado, assevera 
Nordstokke. Em 1986, o CMI organizou uma Consulta sobre Diaconia no Chipre que definiu 
diaconia como “expressão viva de testemunho cristão em resposta às necessidades e desafios 
da comunidade em que cristãos e as igrejas vivem”.46 Segundo esta Consulta, a diaconia deve 
responder aos dilemas da globalização através de uma “globalização de baixo”. Isto significa 
empoderar pessoas para responderem em ações de paz e amor, como sujeitos do 
desenvolvimento social, tendo uma teologia que proclame a importância e o valor da vida 
humana. Para o empoderamento e a transformação, a diaconia reconhece o poder dos pobres 
e excluídos. Poder este que é dado pelo próprio Cristo, que confere autoridades às pessoas 
discípulas para que possam agir em seu nome. 
Em 2001, a FLM organizou a Consulta sobre Diaconia Profética em Johannesburgo. Por 
profética a diaconia entende a luta dos profetas do Antigo Testamento pela justiça social. 
Enquanto ação a diaconia comunica a mensagem de que novos tempos virão e defende a 
justiça, desmascarando injustos e firmando um compromisso em favor do direito dos 
excluídos.47 
Portanto, a diaconia não é como uma poderosa ação social das igrejas, mas como um 
empoderamento do Espírito de Deus. Reconhecemos que não somos por si mesmos os sujeitos 
da tranformação social, mas cremos que Deus empodera a sua Igreja, o Corpo Universal, para 
a transformação. 
Uma das possíveis maneiras de as Igrejas promoveremconcretamente o empoderamento para 
a transformação é através da criação de entidades do Terceiro Setor. Estas entidades terão a 
possibilidade de criar espaços de comunhão entre pessoas cristãs, e de outras religiões e 
credos, que tenham o mesmo objetivo de transformação no cenário sócio-economico. As 
entidades do Terceiro Setor podem manter ligação com a Igreja, e ao mesmo tempo cooperar 
com o poder público, empresas privadas e com a sociedade civil para a promoção das suas 
finalidades sociais. A partir das demandas sociais encontradas no trabalho numa entidade do 
Terceiro Setor, surgirão temáticas que deverão ser debatidas com a comunidade civil. A 
diaconia não é ação política, porém, promoverá tal debate político e a colaboração social para 
a construção de políticas públicas justas e que promovam a tranformação. Desta forma a 
diaconia pode colaborar na transformação do cenário político. 
 
46 KLAUS, P. (Ed.) (1987), Called to be neighbours: Diaconia 2000. Official Report WCC World Consultation, 
Inter-church Aid, Refugee and World Service Lanarca 1986.Genebra: WCC. 
47 Cf. NORDSTOKKE, K. (2005), “Diaconia – uma perspectiva ecumênica e global”. In Estudos Teológicos, 
vol. 45, n.1. São Lepoldo: EST, p. 13-16. 
20 
 
 
Como exemplos de ações diaconais que visam à transformação, podemos citar as seguintes 
demandas sociais: promoção da agricultura sustentável e orgânica, de melhores condições e 
acesso à habitação, acesso à saúde e assistência social, defesa dos direitos humanos, direitos 
das mulheres, crianças e idosos, superação da violência, das desigualdades econômicas e 
sociais, dos preconceitos, na geração de emprego e renda, na promoção de práticas comerciais 
justas. Exemplos de instituições e ações diaconais ligadas à IECLB (CAPA, FLD, COMIN) que já 
vêm atuando no contexto brasileiro podem ser encontradas adiante neste documento 
(Quadros 1 e 2). 
Quadro 1: Trabalhos Diaconais na IECLB – COMIN e FLD 
a. Conselho de Missão entre Índios (COMIN) 
O Conselho de Missão entre Índios (Comin) é um órgão da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no 
Brasil (IECLB). Foi criado em 1982, com a finalidade de assessorar e coordenar o trabalho da IECLB com 
os povos indígenas em todo Brasil. Para atender este objetivo, o Comin se faz presente junto a alguns 
povos e comunidades indígenas, criando parcerias e dando apoio nas áreas da educação, saúde, terra, 
organização e auto-sustentação. O Comin tem como princípio e compromisso apoiar as prioridades 
colocadas pelos povos e comunidades indígenas, respeitando seu jeito de ser e sua cultura, trabalhando 
com eles e não por eles. Os trabalhos do Comin são realizados por um grupo de profissionais nas áreas 
de pedagogia, teologia, pastoral, direito, enfermagem e medicina, assistência social, agronomia e outras. 
Em 1824 chegaram ao Brasil as primeiras famílias evangélico-luteranas. Compunham-se, na sua maior 
parte, de pessoas pobres, que na Alemanha não tinham chances nem espaço. Sentiram-se atraídas pela 
promessa de no Brasil terem terra em abundância e liberdade. Ninguém lhes disse que as terras eram 
habitadas por povos indígenas. 
Além disso, no uso da terra havia conceito e prática totalmente distintos. Para os povos indígenas, terra, 
rios e mata eram de uso coletivo para sua subsistência. Para os europeus, terra era propriedade particular 
com limites bem demarcados e escritura lavrada em cartório. Agravando ainda mais a situação, a 
sociedade europeia considerava-se superior e não reconhecia os índios como seres humanos plenos. 
Essa realidade criou duas vítimas: uma foram os imigrantes, induzidos a exercer um papel que muitas 
vezes não souberam avaliar. Outra foram os povos indígenas, que, pela força das armas de fogo, 
começaram a perder suas terras e vidas. Em meio a tudo isso, no entanto, sempre houve pessoas e 
grupos que tentaram ser justos com os índios e colocaram-se do lado deles. Várias e valiosas iniciativas 
aconteceram ao longo dos tempos. Em 1982, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil 
(IECLB) criou então o COMIN para estudar e coordenar o seu trabalho com os povos indígenas em todo o 
território nacional. 
O Evangelho de Jesus Cristo não admite violências e injustiças. Foi ele que começou a abrir os olhos das 
pessoas, grupos e igrejas para a história do Brasil. Dos cinco milhões de indígenas no ano 1500, existem 
hoje 700 mil, dos quais aproximadamente 250 mil em áreas urbanas. Os outros foram eliminados com 
armas, venenos e doenças. Com relação a isso: 
 O COMIN confessa que a igreja luterana, ao mesmo tempo em que foi vítima, também participou 
deste pecado, e, como sinal de arrependimento, coloca-se, incumbido pela IECLB, do lado dos 
povos indígenas. Com eles trabalha e luta, para criar uma nova realidade onde o índio seja 
respeitado e amado, possa viver amparado por todos os direitos de cidadão brasileiro e tenha 
consideradas a sua cultura e história diferenciadas. 
 O COMIN entende seu trabalho como participação num processo de reconciliação que leva ao 
diálogo e à solidariedade com os povos indígenas. (2 Co. 5.17-21) 
 O COMIN realiza o seu trabalho na esperança da ressurreição e na disposição de colocar sinais 
do Reino de Deus. 
 O COMIN confia que a fé e o amor de Jesus Cristo darão forças e mostrarão caminhos para isso. 
O COMIN tem como objetivo: 
 Dar testemunho evangélico, como discípulos e discípulas de Jesus Cristo, para que os povos 
indígenas tenham vida plena (Jô 10.10), apoiando-os para que possam sobreviver física e 
culturalmente e organizar a sua vida de acordo com garantias dadas pela Constituição Federal: 
21 
 
 
o "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e 
tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, 
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens" (Art. 
231). 
 Dar testemunho evangélico, conscientizar e informar a sociedade envolvente, em especial às 
comunidades da IECLB, sobre os povos indígenas para que se solidarizem com eles e se 
engajem em favor dos direitos deles. 
Baseado na cruz e ressurreição de Jesus Cristo, o COMIN compromete-se a: 
 Apoiar as prioridades colocadas pelos povos indígenas; 
 Reconhecer e respeitar o seu jeito diferente de ser, a sua cultura e religiosidade; 
 Acompanhá-los na preservação e reconstrução de sua cultura e dignidade; 
 Procurar o diálogo com os povos indígenas, também sobre as questões relativas à fé e 
espiritualidade; 
 Garantir espaços para eles em nossa sociedade; 
 Apoiá-los em suas alianças; 
 Trabalhar com eles e não por eles; 
 Ajudar a sociedade envolvente e as comunidades da IECLB a entender melhor os povos 
indígenas e a superar os preconceitos; 
 Refletir pastoral teologicamente sobre a nossa relação com os povos indígenas; 
 Fomentar o diálogo entre as comunidades indígenas, as comunidades da IECLB e a sociedade 
envolvente; 
 Denunciar as injustiças, o descaso e o desrespeito contra os povos indígenas. 
Fonte: Site do COMIN – http://www.comin.com.br 
b. Fundação Luterana de Diaconia (FLD) 
Tanto o CAPA quanto o COMIN são projetos apoiados pela Fundação Luterana de Diaconia (FLD). A 
FLD foi criada no dia 17 de julho de 2000 por decisão do Conselho da Igreja Evangélica de Confissão 
Luterana no Brasil (IECLB). Seu trabalho se dá com grupos socialmente vulneráveis e comunidades 
empobrecidas, sem discriminação de etnia, gênero, convicção política ou credo religioso. 
A FLD é uma entidade com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos. É herdeira do 
antigo Serviço de Projetos Desenvolvimento da IECLB e de sua experiência de mais de 34 anos na 
área de desenvolvimento comunitário. Com sede em Porto Alegre (RS), a FLD atende projetos em todo 
o território

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