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Resenha - A Sociologia do corpo

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SOCIOLOGIA
RESENHA:
DAVID LE BRETON 
A SOCIOLOGIA
DO
CORPO
�
INTRODUÇÃO:
Le Breton define a sociologia do corpo como um capítulo da sociologia destinado a compreensão da corporeidade humana enquanto fenômeno social e corporal, bem como motivo simbólico. A Sociologia do Corpo dedica-se às lógicas sociais e culturais que envolvem a extensão e os movimentos do homem.
CAPITULO I – CORPO E SOCIOLOGIA:
Três pontos de vistas que descrevem a maneira de encarar o tema: Uma sociologia implícita do corpo, uma sociologia em pontilhado e uma sociologia do corpo.
 I - Uma sociologia implícita: 
Nela, a corporeidade humana é vista através de ângulos de análise mutuamente contraditórios. 
Incidências sociais sobre o corpo:
 A corporeidade é subsumida nos indicadores ligados aos problemas de saúde pública ou de relações específicas ao trabalho. A relação física do operário com o mundo que o cerca – como sua aparência, a procura pelo álcool, a prostituição (...) - São alternadamente consideradas para fazer um levantamento das condições de existência das camadas trabalhadoras. Essa constatação resulta no apelo às reformas e no engajamento revolucionário. O corpo é implicitamente um fato de cultura.
O homem, “produto” do corpo:
- Trata-se de submeter à primazia do biológico, as diferenças sociais e culturais de naturalizar as diferenças de condição, o corpo é atormentado por essa imaginação abundante
Posicionamento dos sociólogos:
- A dimensão corporal do homem depende da organicidade mesmo que seja marcada pelas condições de vida. A corporeidade é muito mais da medicina ou da biologia que da sociologia.
A psicanálise:
- Freud introduz o relacional na corporeidade, o que a torna imediatamente estrutura simbólica. Porém, nem sempre encontra seguidores entre os sociólogos que continuam ligados à representação organista do corpo.
II - Uma sociologia em pontilhado:
Contribuições sociológicas: 
O homem não é produto do corpo, ele mesmo produz as qualidades o corpo na interação com os outros e na imersão no campo simbólico. A corporeidade é socialmente construída.
(...)
As regras da civilidade vão de fato, impor-se para as camadas sociais dominantes. Como se comportar em sociedade para não ser, ou parecer, um bruto. As sensibilidades modificam-se. É conveniente não ofender os outros por causa de um comportamento demasiado.
Contribuições etnológicas:
Os etnólogos são confrontados em outras sociedades, aos usos do corpo que chamam a atenção e provocam críticas em relação às maneiras corporais características das sociedades ocidentais. 
 
	
Resenha:
Este capítulo dedica-se às etapas históricas da reflexão da corporeidade humana, nos primórdios das ciências sociais no século XIX, destacando três etapas: a primeira é a sociologia implícita ao corpo, ignorando-o e mostrando a miséria física e moral da classe trabalhadora na Revolução Industrial. A segunda etapa concentra-se na supremacia biológica do corpo, à qual se opuseram Hertz e Mauss e outros autores que desenvolveram pesquisas e inventários etnológicos sobre os usos sociais do corpo, enquadrados na terceira etapa, designada, pelo autor, de sociologia detalhista.
CAPÍTULO II – SOBRE ALGUMAS AMBIGUIDADES:
I – Ambiguidades do referente “corpo”
Esquecemos com frequência o quanto é absurdo nomear o corpo como se fosse um fetiche, omitindo o homem que o encarna. O corpo não é uma natureza, ele nem sequer existe. Nunca se viu um corpo, o que se vê são homens e mulheres. Nessas condições o corpo corre o risco de nem mesmo ser um universal.
II – Elementos históricos
Dar um corpo ao homem: A anatomofisiologia e o conhecimento médico, separando o homem de seu corpo, encaram este como um em si.
Dar carne ao homem: Ao contrário, esses dizeres não distinguem o homem e o corpo. Numerosas são ainda hoje em dia as concepções sociais que vinculam o homem ao cosmo.
O corpo é uma falsa evidência, não é dado inequívoco, mas o efeito de uma elaboração social e culturas. A visão moderna do corpo nas sociedades ocidentais repousa sobre uma concepção particular de pessoa. 
Foi necessário o desmantelamento dos valores medievais, as primeiras dissecações anatômicas distinguindo o homem do corpo, sendo ele mesmo objeto de investigação que revela a carne na indiferença do homem. Na maior parte das investigações a concepção moderna do corpo é a que serviu de marco inicial para a sociologia. Essa concepção implica que o homem esteja separado do cosmo, separado dos outros, e separado de si mesmo.
III – Elementos etnológicos
Em outras sociedades o corpo não é isolado do homem e está inserido numa rede complexa de correspondências entre a condição humana e a natureza ou cosmo que o cerca.
O corpo é uma realidade mutante de uma sociedade para a outra: as imagens que o definem e dão sentido à sua extensão invisível. O corpo não é somente uma coleção de órgãos arranjados segundo a anatomia. 
A tarefa da antropologia ou da sociologia é compreender a corporeidade enquanto estrutura simbólica e, assim, destacas as representações, imaginários, os desempenhos, os limites que aparecem como infinitamente variáveis conforme as sociedades.
IV – Corpo, elemento imaginário social
A designação do corpo, quando é possível, traduz de imediato um fato do imaginário social. O homem e o corpo são indissociáveis e, nas representações coletivas, os componentes da carne são misturados ao cosmo, à natureza. Em sociedades relativamente tradicionais e comunitárias, o “corpo” é o elemento de ligação da energia coletiva e, através dele, cada homem é incluído no seio do grupo; Em sociedades individualistas, o corpo interrompe elemento que marca os limites da pessoa, lá onde começa e acaba a presença do indivíduo.
O corpo funciona como se fosse uma fronteira viva para delimitar a soberania das pessoas.
	Resenha:
Indaga, sobre as ambiguidades dos discursos sociológicos sobre o corpo, perguntando-se: de que corpo se está falando? Le Breton diz que o corpo não é fetiche, omitindo o homem, sendo imprescindível referir-se ao ator que o porta.  O argumento central reforça a imersão da corporeidade no imaginário, nas representações e condutas que variam segundo as diferentes sociedades.
CAPITULO III – DADOS EPISTEMOLÓGICOS
I – A tarefa: 
Definir o corpo que nos interessa.
A primeira tarefa consiste em libertar-se do contencioso que faz do corpo um atributo da pessoa, um possuir, e não o lugar e o tempo indistinguível a identidade. A segunda tarefa nos lembra do caráter construído da pretensa “realidade objetiva” do corpo e as múltiplas significações.
O corpo não existe em estado natural, sempre está compreendido na trama social de sentidos, mesmo em suas manifestações aparentes de insurreição
A terceira tarefa diz que o significante “corpo” funciona, para a sociologia, como um mito no sentindo de cristalizar o imaginário social, provoca as práticas e as análises que continuam a explicar sua legitimidade, a provar sua realidade.
A quarta tarefa coloca que o “corpo” é uma linha de pesquisa e não uma realidade em si.
Independência do discurso sociológico
O discurso sociológico não isola o corpo humano como fazem de modo meio surrealista, as “terapias corporais” parecem colocar o ator entre parênteses e fazer se seu corpo uma quase-pessoa.
A medicina e a biológica propõem um discurso sobre o corpo aparentemente incontestável, culturalmente legítimo.
A quinta tarefa torna perceptível aos imaginários do corpo presentes na medicina moderna ou nas outras medicinas, assim como apreender os procedimentos variados usados nas curas e compreender as virtudes apregoadas. 
A Tarefa do sociólogo é descobrir as raízes sociais e culturais que pesam sobre a condição humana.
II – Ambiguidades a esclarecer
Duas ambigüidades pesam sobre a sociologia que tenta produzir um entendimento sobre o corpo: A variabilidade de uma cultura e de um grupo para o outro;e os perigos de um impensável dualismo inerente ao uso despreocupado do significante corpo.
III – Uma sociologia do corpo?
Uma sociologia relacionada ao corpo reúne as condições de seu exercício: uma constelação de fatos sociais e culturais está organizada ao redor do significante corpo.
Como vimos, o corpo é um objeto de questionamento muito dispenso na sociologia. Três caminhos de pesquisas são admitidos até agora:
a ) Uma “sociologia o contraponto” que deixa de lado as vias normalmente privilegiadas na apreensão do social e se prende ao corpo para colocar em evidência planos privilegiados de projeção.
b ) Uma “sociologia do a propósito”. Uma sociologia cujo caminho é cruzado incidentalmente por alguns traços relativos à corporeidade sem que estes se revelem determinantes na construção mais global da pesquisa.
c ) Uma “sociologia do corpo” lúcida em relação às ameaças que pesam sobre ela, mas que ao afastá-las descobre um continente a ser pesquisado, quase inexplorado, onde a inteligência e a imaginação sociológica do pesquisador podem se desenvolver.
IV – Os riscos
O primeiro risco é a diluição do objeto, insuficientemente definido pelo pesquisador que, querendo tudo abarcas, acaba perdendo o ambicionado objetivo. Quando se afasta o risco, controla o rigor das ferramentas empregadas, pode-se afirmar então a pertinência possível da confrontação com as diferentes abordagens sociológicas. Assim, a sociologia do corpo pode esclarecer, sob outro ângulo, alguns modos de enfocar os diferentes objetos da mesma forma que outras abordagens podem se enriquecer com suas pesquisas.
O segundo risco é inerente à pluridisciplinariedade frequentemente imposta quando do estudo do corpo: psicanálise, fenomenologia, etnologia, história e economia, por exemplo, são disciplinas que o sociólogo cruza em seu caminho e utilizam dados. 
	 Resenha:
Para definir o corpo de que se fala, dos pontos de vista sociológico e antropológico, distancia-se da idéia de ser ele atributo da pessoa, um pertencimento da identidade em recusa à ideologia individualista. O autor abraça a idéia da realidade construída do corpo, com múltiplas significações culturalmente operantes e associadas aos atores, vistos como corporeidade.
CAPÍTULO IV – CAMPOS DE PESQUISAS 1: 
LÓGICAS SOCIAIS E CULTURAIS DO CORPO.
Podemos esboçar algumas orientações de pesquisas relacionadas à corporeidade, partindo, de textos fundadores da matéria e alargando progressivamente para uma espécie de balanço provisório dos trabalhos efetuados.
I – As técnicas do corpo
Trata-se de modalidade de ação, de sequências de gestos, de sincronias musculares que se sucedem na busca de uma finalidade precisa. Mauss observa que a tecnicidade não é monopólio único da relação do homem com a ferramenta (...). Modelado conforme os hábitos culturais, ele produz eficácias práticas. Mauss propõe uma classificação das técnicas do corpo segundo diferentes perspectivas:
Conforme o sexo: As definições sociais e homem e mulher implicam frequentemente um conjunto de gestos de maneiras diferentes.
Conforme a idade: As técnicas próprias à obstetrícia e aos gestos do nascimento; as técnicas da infância, da adolescência e da idade adulta; técnicas dos cuidados com o corpo; técnicas de consumo e os tratamentos do corpo.
Conforme o rendimento: Mauss pensa na relação com a habilidade.
Conforme as formas de transmissão: Através das modalidades e ritmo que as novas gerações o adquirem.
(...)
As técnicas do corpo e os estilos de sua produção não são os mesmo de uma classe social para outra, algumas vezes, até as classes de idade introduzem variações. As técnicas do corpo são inúmeras: das montagens miniatura de gestos até a disposição coordenadas de ações e de habilidades cuja execução exige longa ascese e particular destreza. A lista é infinita: dos modos à mesa até as condutas da micção, da maneira de nadar à de dar à luz, etc. 
Essa técnica desaparece frequentemente com as condições sociais e culturais que as viram nascer. A memória de uma comunidade humana não reside somente nas tradições orais e escritas, ela se constrói também na esfera dos gestos eficazes.
II- Gestualidade
Refere-se às ações do corpo quando os atores se encontram: ritual de saudação ou despedida, maneiras de consentir ou negar, movimento da face e do corpo que acompanham a emissão da palavra, direcionamento do olhar, etc. (...)
O trabalho de D. Efron demonstra a ficção representada pela noção de raça utilizada pelos nazistas cujo caráter metafísico e arbitrário facilmente é desmentido. Em contraposição às teses genéticas ou raciais, demonstra que a gestualidade humana é um fato de sociedade e de cultura e não de natureza congênita ou biológica.
Birdwhistell apoiando-se à linguística distingue no fluxo incessante de gestos, os kinemas (análogos aos fonemas) e os kinemorfemas (menores unidades de significação). Os movimentos da palavra e do gesto estão mesclados num sistema e não podem ser estudados isoladamente.
III- A etiqueta corporal
Interações implicam em código, em sistemas de espera e reciprocidade aos quais os atores se sujeitam. Não importam quais sejam as circunstâncias da vida social, uma etiqueta corporal é usada e adotada espontaneamente.
Diante das rupturas de convenções, “trocas restauradoras” podem vir a minimizar a gravidade da infração às regras de interação: desculpas, reações de humor, súplicas, etc. É importante manter a linha e restabelecer uma acomodação provisória na situação. 
Um desconforto emerge a casa ruptura das convenções de apagamento. Pode-se chamar a atenção para as dificuldades relacionadas com as pessoas que possuem deficiência mental.
IV- A expressão dos sentimentos
Em “A expressão obrigatória dos sentimentos”, Mauss entende que, os sentimentos não dependem nem da psicologia individual nem de uma psicologia indiferente. Para ilustrar seu pensamento, Maus toma como exemplo uma cerimônia funerária típica da Austrália, evidenciando que as manifestações dos sentimentos correspondem a uma certa temporalidade. Os sentimentos que vivenciamos, a maneira como repercutem e são expressos em nós, estão enraizados em normas coletivas implícitas. Não são espontâneas, mas ritualmente organizados e significados visando o outro.
V- As percepções sensoriais
A pesquisa sociológica aplicada ao corpo não se limita apenas às ações do corpo, é preciso também considerar as corporificações do funcionamento regular do mundo. A configuração dos sentidos, a tonalidade e contorno de seu desenvolvimento são de natureza social e fisiológica. Certos sinais corporais escapam totalmente ao controle da vontade ou da consciência do homem, mas nem por isso perdem sua dimensão social e cultural.
VI- As técnicas de tratamento
Consiste nos tratamentos dispensados ao corpo. Sabe-se que as condutas de higiene e as relações imaginárias de limpeza ou de sujeira são heterogêneas quando se passa de uma geração para a outra. Nas sociedades ocidentais, as condutas são marcadas pelo domínio da medicina; Nas classes médias da nossa sociedade são relacionados com a higiene e a prevenção.
VII – As inscrições corporais
A marcação social e cultural do corpo pode se completar pela escrita direta do coletivo na pele do homem. Pode ser feita em forma de remoção, deformação ou acréscimo. As marcas corporais tem diversas funções em cada sociedade. Instrumentos de sedução é ainda com maior freqüência, um modo ritual de aflição ou separação.
VIII- A má conduta corporal
Os modelos de má conduta colocados em evidência por Linton ou Devereux levam em consideração as modalidades de expressão corporal de origem cultural, de maneira bem aprofundada.
	Resenha:
Ao detalhar as investigações das lógicas sociais e culturais do corpo, o autor parte de Mauss, sobre as técnicas corporais e as expressões dos sentimentos, das emoções e da dor. Le Breton acrescenta contemporâneos que estudaram assuntos como: mecanismo, os especialistasdas técnicas corporais circenses, desportivas, artesanais; a gestualidade; as etiquetas corporais e infrações às regras; as percepções sensoriais, as inscrições corporais e as traduções físicas da enfermidade.
CAPITULO V - CAMPOS DE PESQUISA 2:
IMAGINÁRIOS SOCIAIS DO CORPO:
Referem-se às apresentações e aos valores ligados à corporeidade e transforma o corpo comum num inesgotável reservatório de imaginário social.
I – “Teorias do corpo”
Tentam identificar o corpo, determinar as ligações com o homem que personifica, distinguir as partes que o compõem e as funções recíprocas.
II – Abordagens biológicas da corporeidade
Alguns discursos abrangem as lógicas corporais e a condição humana sob a perspectiva biológica, neurologia e biologia. A partir daí a corporeidade é subordinada a uma natureza. Essa é a orientação de uma sociologia que situa em antagonismo radical com a sociologia do corpo.
Se a corporeidade é matéria de símbolo, ela não é uma fatalidade que o homem deve assumir e cujas manifestações ocorrem sem que ele nada possa fazer. Ao contrario, o corpo é objeto de uma construção social e cultural.
III – Diferença entre os sexos
O homem fecunda a mulher, esta carrega a criança e a coloca no mundo, e depois a amamenta. Esses são traços estruturais em torno dos infinitos detalhes que a sociedade humana acrescenta, para definir o que significa o homem e o que significa a mulher. As características físicas e morais dependem das escolhas culturais e sociais. A condição do homem e da mulher não se inscreve em seu estado corporal, ela é constituída socialmente.
IV – Corpo, suporte de valores
Sobre a preeminência da mão direita, Hertz abriu um campo de estudo sobre a representação e os valores associados às partes do corpo humano. As simbólicas perspectivas das mãos, dos dentes ou do sangue foram largamente estudadas. Os órgãos nobres põem-se aos órgãos mais esquerdos. O rosto é aquela parte onde condensam os valores mais elevados. Nele cristalizam-se os sentimentos de identidade, estabelece-se o reconhecimento do outro, fixam-se qualidades da sedução, identifica-se o sexo, etc.
V – O corpo imaginoso do racismo
O corpo também é lugar de imaginários cujas lógicas sociais é preciso compreender. O racismo repousa sobre uma relação imaginária com o corpo. Ele finca raízes no interior dos alicerces passionais que alimentam a vida coletiva. O processo de discriminação repousa no exercício preguiçoso da classificação: dá atenção apenas aos traços facilmente identificáveis.
VI – O corpo “deficiente”
A deficiência quando é visível, é um poderoso atrativo de olhares e de comentários, um operador de discursos e de emoções. O homem que sofre de uma deficiência visível, não consegue sair de casa sem provocar olhares de todos. Essa “curiosidade” incessante é uma violência sutil que não se reconhece como tal e se renova a cada passante.
	
Resenha:
O corpo, como universo das representações, dos valores e do imaginário social, ocupa o capítulo V, distinguindo esta abordagem dos enfoques biológicos e sociobiológicos, percorrendo-se estudos antropológicos clássicos e contemporâneos sobre: sexualidade; o uso do corpo; o corpo como suporte de valores e o corpo incapacitado. Le Breton enfoca os estudos sobre o corpo como reflexo do social-coletivo: suporte das relações de poder e do controle social; das apresentações das aparências corporais; da modernidade; do estigma; do gosto pelo risco e aventuras; o envelhecimento do corpo e o imaginário do descartável ou das mudanças imprimidas ao corpo pelas tecnologias médicas, que nem sempre suscitam reflexões éticas pertinentes.
CAPÍTULO VI – CAMPOS DE PESQUISAS 3:
O CORPO NO ESPELHO DO SOCIAL
O corpo também é, preso no espelho do social, objeto concreto de investimento coletivo, suporte de ações e de significados, motivo de reunião e de distinção pelas práticas e discursos que suscita.
I – As aparências
A aparência corporal responde a uma ação do homem relacionado com o modo de apresentar e relacionar. É a maneira de se vestir, a maneira de se pentear, etc. O primeiro constituinte da aparência tem relação com as modalidades simbólicas de organização. O segundo constituinte diz respeito ao aspecto físico sobre o qual dispõe de pequena marcha de manobra: altura, peso, etc.
II – Controle político da corporeidade
A questão do poder e da ação do político sobre a corporeidade, objetiva no controle do comportamento do homem. As teses marxistas são bombardeadas. É preciso, em suma, admitir que o poder é muito mais exercido que possuído.
III – Classes sociais e relações com o corpo
Nas sociedades heterogêneas, as relações com a corporeidade inscrevem-se no interior das classes e culturas que orientam suas significações e seus valores. L. Boltanski fala a respeito das pessoas que usam o corpo, e não se permitem adoecer e sentir dor. E , ao contrário, as enquetes dos anos 60 evidenciam o oposto. As pessoas das classes mais privilegiadas se preocupavam mais com o corpo.
IV – Modernidades
A retórica da alma foi substituída pela do corpo sob a égide da moral o consumo.O corpo é movido ao título de “significante de status social”. O dualismo da modernidade não mais opõe a alma ao corpo, mas sutilmente opõe o homem ao corpo como se fosse um desdobramento. Nisso, o corpo é associado a um valor incontestável.
V – Risco e aventura
A aventura e os riscos que assumimos, o gosto pelo extremo, desenham uma constelação de novas práticas que visam expor fisicamente o corpo com grandes esforços e perigos. Vivemos hoje numa sociedade problemática, sociedade em constante construção na qual o exercício da autonomia pessoal dispõe de amplitude considerável.
A procura de sentidos é fortemente individualizada.
Na ausência de limites de significação que a sociedade não oferece mais, o indivíduo procura ao seu redor, fisicamente, os limites. Quando os limites dados elo sistema de sentidos e valores perdem sua legitimidade, as explorações dos “extremos” ganham impulso. Trata-se a partir daí de experimentar, à custa do corpo, a capacidade íntima de olhar a morte de frente.
VI – O corpo supranumerário.
Esse modelo, ao mesmo tempo em que parece fazer do corpo um membro supranumerário do homem, encoraja a dele se desfazer. O corpo é hoje frequentemente percebido como a relíquia indigna de uma condição humana que entra na era da pós-humanidade.
O homem é diferente da máquina, quando a integra ao sistema de significações e de valores ou mesmo quando decido ver nela um valor superior ao próprio valor.
CAPÍTULO VII – ESTATUTO DA SOCIOLOGIA DO CORPO
I – O canteiro de obras
Essa sociologia, quando toma as precauções epistemológicas adequadas, traça um caminho na diagonal. A sociologia aplicada ao corpo desenha uma via transversal no continente das ciências sociais, cruza permanentemente outros campos epistemológicos. O corpo é a interface entre o social e o individual, entre a natureza e a cultura, entre o fisiológico e o simbólico. Por isso a abordagem sociológica exige prudência e a necessidade de discernir com precisão a fronteira do objeto.
II – Tarefa
A tarefa consiste em esclarecer as zonas escuras, sem ilusão e idéias fantasiosas de supremacias, mas com aquele fervor que deve conduzir qualquer pesquisa, sem esquecer-se da humildade e prudência.
A modernidade, com a rapidez das mudanças que implica o surgimento de doenças como a AIDS, modifica constantemente as atitudes diante do corpo e do modo de usá-lo.
	
Resenha:
Le Breton reafirma a pertinência da corporeidade, a amplitude das pesquisas sociológicas e antropológicas no assunto, onde o pesquisador, como um verdadeiro artesão prudente e competente, é desafiado a cruzar saberes, diante de sua complexidade.
A sociologia aplicada ao corpo, segundo o autor, deve produzir muitas investigações significativas, cuja agenda inclui, dentre os vários itens: o inventário e a comparação das diferentes modalidadescorporais, significações, representações e valores nos distintos grupos sociais; as mudanças das atitudes frente ao corpo em certas enfermidades, assim como as intervenções das novas tecnologias médicas sobre o corpo. A sociologia do corpo refere-se ao "enraizamento físico do ator no universo social e cultural", não naturalizando o corpo.

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