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DIREITO PENAL – PONTO 06

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DIREITO PENAL – PONTO 06 
Ilicitude. Causas de exclusão da ilicitude: estado de necessidade; legítima defesa; estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito. Crimes na exploração e utilização de energia nuclear (Lei n. 6.453, de 17 de outubro de 1977). Crimes contra a segurança nacional (Lei n. 7.170, de 14 de dezembro de 1983). Crimes relativos a minas terrestres antipessoal (Lei n. 10.300, de 31 de outubro de 2001). Crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998).
Atualização feita em agosto de 2012 por OMAR BELLOTTI.
ILICITUDE
	
Ilicitude, ou antijuridicidade, é a relação de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. Aplica-se aos outros ramos do direito.
	Na área penal, a ilicitude não se limitará à ilicitude típica, ou seja, à ilicitude de um delito. Há também a ilicitude atípica. Ex: agressão injusta (ilícita) na legítima defesa. A agressão em questão não precisa ser um fato previsto como crime, mas deverá ser um ato ilícito, em sentido amplo, por inexistir legítima defesa contra atos lícitos. Grande parte da doutrina, contudo, não se satisfaz com o conceito meramente formal de ilicitude.
* ILICITUDE FORMAL E MATERIAL
	
Um fato é formalmente antijurídico enquanto contrário a uma proibição legal, e materialmente antijurídico por implicar lesão ou perigo a um bem jurídico. Assim, temos:
	Ilicitude formal: violação de uma norma. Deve ser considerado como antijurídico todo o comportamento que viola a lei penal, ainda que não atinja o interesse defendido pela norma
	Ilicitude material: violação a interesses da coletividade protegidos pelas normas estatuídas pelo legislador. Deve ser considerado como antijurídico todo o comportamento que viola o interesse social defendido pela norma. (leva em consideração a lesão ao bem jurídico protegido pela norma respectiva. [além de atingir a norma, atingiria também o bem jurídico]
	Conforme observa Assis Toledo, além da relação de contrariedade entre a conduta do agente e a norma (ilicitude formal), é preciso que essa conduta possa, de alguma forma, causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem juridicamente tutelado (ilicitude material).
(crítica: seria injustificada a distinção entre ilicitude material e ilicitude formal. (a antijuridicidade dita formal é, propriamente, o caráter típico da ação, não cabendo essa classificação já que se trataria de dois aspectos distintos da conduta. Existiria, assim, somente a antijuridicidade material (caráter anti-social do fato típico) e a tipicidade (caráter de oposição da conduta ao ordenamento jurídico).
	
Rogério Greco entende, porém, que tal separação é desnecessária. Afinal, se a norma penal proíbe determinada conduta sob a ameaça de uma sanção, é porque aquela conduta ou causa lesão ou expõe a perigo de lesão o bem juridicamente protegido, e se o agente insiste em praticá-la deve-se concluir pela sua ilicitude, desde que não atue amparado por uma causa de justificação.
* FASES DA TIPICIDADE - análise da evolução da repercussão da tipicidade na doutrina:	
a)FASE DA INDEPENDÊNCIA DO TIPO [Ernest Beling] 
	b)FASE DO TIPO LEGAL COMO ESSÊNCIA DA ILICITUDE [Mezger]
	c)fase do caráter indiciário da ilicitude [Mayer]
	
a)FASE DA INDEPENDÊNCIA DO TIPO [Ernest Beling] - a TIPICIDADE não possui nenhuma relação com a ANTIJURIDICIDADE, uma estaria completamente desvinculada da outra. a tipicidade deve ser vista com completa independência em relação a antijuridicidade. Ela (tipicidade) revelaria, tão somente, que o sujeito teria praticado os elementos da conduta. Ou seja, o reconhecimento da TIPICIDADE da conduta não exerce nenhuma repercussão na caracterização da antijuridicidade. [o fato de se reconhecer a conduta como típica, por si só, não é suficiente para concluir quanto à sua antijuridicidade]
-a tipicidade tem FUNÇÃO DESCRITIVA ( finalidade de definir o delito. (Beling)
-o tipo penal deve ser um tipo objetivo, ou seja, um TIPO AVALORADO (o que representaria uma garantia para o cidadão).
	
b)FASE DO TIPO LEGAL COMO ESSÊNCIA DA ILICITUDE [Edmund Mezger] [Teoria dos elementos negativos do tipo] - ANTIJURIDICIDADE e tipicidade estão unidas de tal forma que todas as condutas típicas são automaticamente antijurídicas. a tipicidade seria algo inseparável da antijuridicidade. a tipicidade não traria meros indícios de antijuridicidade, já com a análise se o fato é típico ou não deve ocorrer a apreciação da antijuridicidade da conduta. 
(nesse caso, a Tipicidade seria a ratio essendi da antijuridicidade, e não, mera ratio cognoscendi.
TIPO TOTAL – o tipo penal analisado para o reconhecimento ou não da tipicidade não se limitaria à norma penal incriminadora, é necessária a análise sistemática de todo o ordenamento.
- o ordenamento não é algo segmentado, devendo ser interpretado de forma sistemática.
	
c)FASE DO CARÁTER INDICIÁRIO DA ILICITUDE [Mayer] - o reconhecimento da tipicidade já representaria um indício da antijuridicidade da conduta. Se a conduta é típica já se reconheceria indício de ela seria antijurídica o tipo penal, em si, já é portador de um sentido de ilicitude. [tipo portador de um sentido de ilicitude dotado de conteúdo material]
Se dentro do TIPO PENAL está essa função de proteção, a conduta típica, pelo menos em princípio, se apresenta como antinormativa (teria violado o bem jurídico protegido). Por isso concluir que a tipicidade não sugere apena a adequação, mas também um indício de antijuridicidade
(corrente adotada pelo atual CP. (manifestação dessa característica - a acusação não se preocupa em demonstrar a antijuridicidade na denúncia, basta que descreva a conduta e sua correspondência com o tipo penal incriminador.
* CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE (denominações:-causas de exclusão de ilicitude; -causas de exclusão de antijuridicidade; -causas de justificação; -eximentes; -descriminantes).
	Há situações que afastam a ilicitude da conduta, fazendo, assim, com que o fato cometido pelo agente seja considerado lícito, a saber: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito. Os conceitos de legítima defesa e estado de necessidade estão na lei. Os demais são fornecidos pela doutrina. 
	Além dessas 4 hipóteses previstas na lei penal, há as chamadas causas supralegais de exclusão da ilicitude, 
* CLASSIFICAÇÃO:
a) CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO LEGAIS: quando expressamente previstas em lei. -se encontram na parte geral e na parte especial do código.
-causas de justificação na parte geral: 
(estado de necessidade;
(legítima defesa; 
(estrito cumprimento do dever legal;
(exercício regular de direito; 
-causas de justificação na parte especial:
([art. 128, CP] causas de justificação no crime de aborto 
([art. 142, CP] causas de justificação nos crimes de injúria e difamação
([art. 150, § 3º, CP] causas de justificação no crime de violação de domicílio
([art. 156, § 2º, CP] causas de justificação no crime de furto de coisa comum
b) CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO SUPRA-LEGAIS: são causas não previstas expressamente pela lei, [não são encontradas no corpo do sistema legislativo, mas da análise sistemática da evolução do direito penal] entre as quais se destaca o consentimento do ofendido.
* ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS NAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
	
Os elementos objetivos são aqueles expressos, ou implícitos, mas sempre determinados pela lei penal. Fala-se em elementos implícitos porque a lei não estabeleceu conceitos para estrito cumprimento e exercício regular, razão pela qual cabe à doutrina e à jurisprudência extraírem os seus elementos objetivos.
	Os elementos subjetivos correspondem à consciência do agente de que atua amparado por uma causa que exclua a ilicitude de sua conduta. Trata-se de elemento indispensável.
	Rogério Greco entendeque o elemento subjetivo é indispensável à caracterização das excludentes de ilicitude. Quando, pelo finalismo de Welzel, o elemento subjetivo foi transportado da culpabilidade para o fato típico, mais precisamente para a conduta do agente, na verdade o foi para o próprio injusto penal. Assim, o dolo do agente pode ter simplesmente uma finalidade ilícita (matar alguém por motivo fútil), ou uma finalidade amparada pelo ordenamento jurídico (matar alguém para se defender de uma agressão injusta que estava sendo praticada contra a sua pessoa). Essa finalidade jamais poderá ser desprezada, sob pena de regredirmos a conceitos ultrapassados da teoria causal.
* CAUSAS LEGAIS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
	
- ESTADO DE NECESSIDADE
	
a) Conceito – Elementos
	
No estado de necessidade, a regra é a de que ambos os bens em conflito estejam amparados pelo ordenamento jurídico. (diferente da legítima defesa, que tem a agressão injusta).
	É como se houvesse uma balança. Para nortear o estado de necessidade, surge o princípio da ponderação dos bens. Ex: vida x patrimônio são colocados na balança – começa-se a avaliar esses bens, a fim de determinar a preponderância de um, ou mesmo a igualdade de tratamento, quando tiverem o mesmo valor jurídico.
	Para que se caracterize o estado de necessidade, é necessária a presença de todos os elementos objetivos do art. 24, bem como o elemento de natureza subjetiva, que se configura no fato de o agente saber ou pelo menos acreditar que atua nessa condição.
b) Estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante:
	
Para que se faça essa diferenciação, é preciso conhecer as duas teorias existentes a respeito do tema: teoria unitária e teoria diferenciadora.
	Teoria unitária: todo estado de necessidade é justificante, ou seja, tem a finalidade de eliminar a ilicitude do fato típico praticado pelo agente. Assim, não importa se o bem protegido é de valor superior ou igual àquele que está sofrendo a ofensa, uma vez que sempre se tratará a questão sob o enfoque da exclusão da ilicitude. Para essa teoria, todo estado de necessidade é justificante. É a teoria adotada pelo CP – não estabelece expressamente a ponderação de bens, e tampouco define a natureza dos bens em conflito ou a condição dos titulares dos respectivos bens.
	Teoria diferenciadora: traça uma distinção entre o estado de necessidade justificante (que afasta a ilicitude) e o estado de necessidade exculpante (que elimina a culpabilidade), considerando-se os bens em conflito.
	Mesmo para a teoria diferenciadora existe uma divisão interna quanto à ponderação dos bens em conflito. Para uma corrente, haverá estado de necessidade justificante somente nas hipóteses em que o bem afetado foi de valor inferior àquele que se defende. Assim, haveria estado de necessidade justificante, por exemplo, no confronto entre a vida e o patrimônio, ou seja, para salvar a própria vida, o agente destrói patrimônio alheio. Nas demais situações, vale dizer, quando o bem salvaguardado fosse de valor igual ou inferior àquele que se agride (bem afetado de valor superior), o estado de necessidade seria exculpante.
	Zaffaroni também entende assim. Para o autor argentino, o estado de necessidade só será justificante quando o bem afetado for de valor inferior, e o bem salvaguardado de valor igual ou superior. 
	TEORIA DIFERENCIADORA
	ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE – BEM SACRIFICADO DE VALOR INFERIOR
	ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE – BEM SACRIFICADO DE VALOR IGUAL OU SUPERIOR
	Na outra corrente da teoria diferenciadora, o estado de necessidade justificante ocorrerá quando forem atingidos bens de valor inferior ou igual àquele protegido. Nessa linha está Francisco de Assis Toledo.
	O nosso CP optou pelo estado de necessidade justificante (teoria unitária), ou seja, aquele que tem por finalidade eliminar a ilicitude, elencando os elementos objetivos necessários à sua caracterização, vale dizer, a prática de fato, para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. Contudo, para amenizar a não utilização do estado de necessidade exculpante, o § 2º estabeleceu situação diferenciada – em caso de desproporcionalidade entre os bens, como se verá.
	Para Cezar Bittencourt, a teoria diferenciadora é melhor. Embora o CP não a tenha adotado – falando apenas em redução de pena em caso de desproporcionalidade – bem sacrificado de valor maior, seria possível a adoção do estado de necessidade exculpante como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Ex: colisão de deveres (dever de agir – salvar uma vida x dever de omitir-se – não matar alguém). 
c) Prática de fato para salvar de perigo atual:
	O primeiro problema surge no sentido de determinar o que seja perigo atual.
	No art. 25, que trata da legítima defesa, fala-se em perigo atual ou iminente. Já o art. 24, que trata do estado de necessidade, fala apenas em perigo atual. Será que na expressão perigo atual se encontra abrangido o perigo considerado iminente?
	A maioria da doutrina e a jurisprudência entendem que na expressão perigo atual está também incluído o perigo iminente.( Rogério Sanches entende não ser essa a corrente que prevalece, colocando como corrente majoritária aquele que não inclui o perigo iminente, sob o argumento de que perigo iminente é incompatível com o requisito da inevitabilidade do comportamento lesivo.) 
Somente afastará a referida causa de exclusão da ilicitude o perigo passado, ou seja, o perigo já ocorrido, bem como o perigo remoto ou futuro, onde não haja uma possibilidade quase que imediata de dano.
d) Perigo provocado pelo agente:
	O estado de necessidade só pode ser arguido se a situação de perigo não houver sido provocada pela vontade do agente. Esta vontade significa apenas dolo ou dolo e culpa?
	Neste ponto, há controvérsia doutrinária. Alguns autores, como Nelson Hungria e Magalhães Noronha, entendem que a vontade não se limita ao dolo, abrangendo também a conduta culposa. Além da culpa ser voluntária em sua origem( involuntário é somente o resultado naturalístico), o Direito não pode ser piedoso com incautos e imprudentes, autorizando o sacrifício de bens jurídicos alheios, em regra de terceiros inocentes, para acobertar com o manto da impunidade fatos típicos praticados por quem deu causa a uma situação de perigo.
Outros, como Fragoso, entendem que a fórmula se refere exclusivamente ao dolo.
	Para Rogério Greco, a expressão “que não provocou por sua vontade” quer traduzir tão-somente a conduta dolosa do agente na provocação da situação de perigo, seja esse dolo direto ou eventual. 
	Exemplo: alguém, dentro do cinema de seu maior concorrente, com a finalidade de dar início a um incêndio criminoso, coloca fogo numa lixeira da sala. Não poderá, visando salvar a própria vida, disputar a única saída de emergência, causando lesões ou mesmo a morte de outras pessoas, uma vez que ele, por vontade própria, ou seja, de forma dolosa (ato de atear fogo à lixeira), provocou a situação de perigo.
	Exemplo2: agente, fumando um cigarro dentro da sala do cinema, percebe a presença do “lanterninha” - que caminhava na sua direção porque havia visto a fumaça produzida pelo cigarro – e, querendo livrar-se dele, arremessa-o para longe, ainda aceso, vindo, agora, em virtude da sua conduta imprudente, a causar o incêndio. Não houve dolo, pois não queria o agente dar início a um incêndio, razão pela qual, mesmo tendo atuado de forma culposa, poderá, durante a sua fuga, se vier a causar lesões ou mesmo a morte em outras pessoas, alegar o estado de necessidade.
	
Segundo Rogério Sanches,prevalece a corrente que diz: somente o causador doloso não pode alegar estado de necessidade, na culpa não há vontade em relação ao resultado.
e) Inevitabilidade do dano:
	Para que se possa alegar o estado de necessidade,exige a lei que o agente, além de praticar o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, não tenha tido possibilidade de, no caso concreto, evitar o dano produzido pela sua conduta.
	A situação, aqui, pode ser encarada de duas maneiras:
	a) o agente tinha como evitar o dano, deixando de praticar a conduta;
	b) entre duas opções danosas, o agente podia ter escolhido a menos gravosa para a vítima.
	Isso significa que aquele que age em estado de necessidade, na verdade, não tem opção a escolher, pois que sempre deverá seguir o caminho menos gravoso, ao contrário do que ocorre com a legítima defesa. Ex: numa boate, alguém é agredido injustamente. Possui duas opções: repelir a agressão injusta, podendo até causar a morte; ou virar as costas e ir embora.
	Na legítima defesa, faculta-se ao agente assumir uma das duas posturas porque a agressão é injusta, não amparada pelo ordenamento jurídico, ao contrário da situação que se verifica no estado de necessidade.
	No estado de necessidade, há dois bens jurídicos protegidos pelo ordenamento em confronto. Sendo assim, a alternativa menos danosa é a que deverá ser sempre escolhida, pois, do contrário, embora não afastando de plano a causa de exclusão da ilicitude, o agente responderá pelo seu excesso, nos termos do art. 23, parágrafo único.
f) Estado de necessidade próprio e de terceiros:
	O direito posto a salvo pode ser do próprio agente ou de outrem. Quanto ao estado de necessidade próprio, aplicam as regras até agora colocadas. No que tange ao estado de necessidade de terceiros, porém, há algumas peculiaridades, devendo ser estabelecidos certos limites.
	O estado de necessidade de terceiro é possível, desde que o bem em jogo não seja disponível, cabendo sua defesa, neste último caso, somente ao seu titular que, diante do caso concreto, pode optar em defendê-lo ou não. Porém prevalece a dispensa da autorização do terceiro diante de bem disponível ou não, a lei não exige esse requisito.( Rogério Sanches).
ESTADO DE NECESSIDADE DE TERCEIRO – SÓ EM CASO DE BEM INDISPONÍVEL( polêmico).
g) Razoabilidade do sacrifício do bem:
	Vimos a discussão entre as teorias unitária e diferenciadora. Aquela, adotada pelo CP, não faz diferenciação entre estado de necessidade justificante e exculpante, ao passo que esta distingue ambos, conforme a eliminação da ilicitude (justificante) ou da culpabilidade (exculpante).
	Embora o CP tenha adotado a teoria unitária, se o bem que o agente defende for de valor inferior ao daquele que agride, mesmo que, nos termos da redação do art. 24, não se possa alegar o estado de necessidade, porque não era razoável agir dessa forma, abre-se, contudo, a possibilidade de ver discutido o fato em sede de culpabilidade, mais precisamente quando da análise da exigibilidade de conduta diversa. Adota-se, assim, o princípio da razoabilidade.
	Isso vai ocorrer nas hipóteses em que o bem sacrificado for de valor superior ao preservado, quando será inadmissível o reconhecimento do estado de necessidade (não importando a teoria). No entanto, se as circunstâncias o indicarem, a inexigibilidade de outra conduta poderá excluir a culpabilidade.
	Art. 24, § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.
	É razoável que a vida (bem de maior valor) seja preservada em prejuízo do patrimônio alheio (bem de menor valor). Contudo, quando o bem que se preserva é de valor inferior ao que se sacrifica (ex: para garantir o patrimônio o agente causa a morte de alguém), já não mais poderá se socorrer do estado de necessidade, uma vez que o princípio da razoabilidade impede a aplicação dessa causa excludente da ilicitude.
	Embora não se afaste a ilicitude da conduta (causa de justificação), poderá haver redução da pena a ser aplicada ao agente, conforme preceitua o § 2º do art. 24.
h) Dever legal de enfrentar o perigo:
	Não pode alegar o estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. 
	
	Há profissões que exigem o enfrentamento do perigo: policiais, bombeiros, salva-vidas, etc. Em razão disso, geralmente, não poderão esses profissionais alegar o estado de necessidade.
	Deve-se, no entanto, aplicar o princípio da razoabilidade. Assim, por exemplo, se o bombeiro estiver tentando salvar patrimônio e sua vida passar a correr perigo extremo (não o normal da sua profissão), poderá optar em salvar-se a preservar o patrimônio de outra pessoa.
	Outra questão interessante diz respeito ao dever legal. Esta expressão contém somente aquele imposto pela lei ou abrange o dever contratual? Hungria entende que só está abrangido o dever legal, ao passo que Costa e Silva e Bento de Faria entendem que se abrange o dever contratual. (Cleber Masson também está com segunda corrente, argumenta-se que o dever resultante de contrato e outros mais, como o decorrente da posição de garantidor e da situação de ingerência, foram previstos expressamente no art. 13, parágrafo 2, do Código Penal, merecendo ser tratados como deveres legais).
	Para Rogério Greco, seguindo Hungria, uma norma penal não podia declarar lícito o sacrifício do direito alheio, para salvar de perigo o próprio direito, por parte de quem, em virtude de outra norma jurídica, é obrigado a expor-se ao perigo. Trata-se de dever imposto pela lei. O texto do CP não permite extensão ao dever resultante simplesmente de contrato.
i) Estado de necessidade defensivo e agressivo:
	Estado de necessidade defensivo: quando a conduta do agente dirige-se diretamente ao produtor da situação de perigo, a fim de eliminá-la. Ex: cachorro tenta atacar o agente e este atira e mata-o.
	Estado de necessidade agressivo: quando a conduta do necessitado viesse a sacrificar bens de um inocente, não provocador da situação de perigo. Ex: ao perceber que caminhão desgovernado vem em sua direção, agente joga o seu automóvel para o acostamento, colidindo com outro veículo que ali estava estacionado.
j) Elemento subjetivo no estado de necessidade:
	O injusto finalista é, como vimos, impregnado de elementos subjetivos. Para que possa haver uma causa de justificação, é preciso que o agente tenha conhecimento de que atua ou, no mínimo, acredite que atua, nessa condição.
k) Excesso no estado de necessidade:
	Será analisado em conjunto com o estudo da legítima defesa.
l) Aberratio e estado de necessidade:
	Corresponde à situação em que alguém, com o fim de salvar-se, venha a causar danos ou mesmo lesões em outrem. Ex: sendo atacado por cão raivoso, agente dispara arma de fogo contra o animal, e atinge, por ricochete, alguém.
	Nesta hipótese, quando se atira no cão, há estado de necessidade defensivo. Com relação à pessoa atingida, não há estado de necessidade. Em relação a esta, haverá aberratio criminis (resultado diverso do pretendido), prevista no art. 74 do CP. Contudo, tal resultado não poderá ser atribuído ao agente, que se encontra amparado pela causa de justificação do estado de necessidade.
m) Estado de necessidade putativo:
	É o estado de necessidade que decorre da imaginação do agente. Exemplo: numa sessão de cinema, o agente escuta alguém gritar fogo e, acreditando que há um incêndio, corre em direção à porta de saída, causando lesões nas pessoas pelas quais passou, quando se tratava, na verdade, de uma brincadeira, não havendo incêndio algum.
	O estado de necessidade putativo deve ser resolvido pela análise das chamadas descriminantes putativas do § 1º do art. 20: É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
	Assim, duas conseqüências podem ocorrer no estado de necessidade putativo. Se o erro for escusável, invencível, o agente deverá ser considerado isento de pena. Se for consideradoinescusável, vencível o erro, o agente será responsabilizado com as penas correspondentes a um crime culposo, se previsto em lei.
n) Estado de necessidade e dificuldades econômicas:
	Pode ocorrer que, em virtude das dificuldades econômicas pelas quais passa o agente, sua situação seja tão insuportável a ponto de praticar um fato definido como crime para que possa sobreviver.
	Situação: alguém, desempregado, depois de procurar exaustivamente por trabalho honesto, chega a sua casa e constata que na sua despensa não existem mais alimentos que possam sustentar a sua família. Suplica por doações, mas não as consegue. Ao ver seus filhos e sua mulher implorando por um alimento qualquer, o agente se desespera, vai até um supermercado mais próximo e subtrai um saco de feijão. Ocorreu o chamado furto famélico.
	Nesta situação, há dois bens em confronto: de um lado, a sobrevivência (vida) do agente e de sua família; do outro, o patrimônio do supermercado, também protegido pelo ordenamento jurídico. Nesse confronto, é razoável que a vida prevaleça sobre o patrimônio, podendo o agente, no caso em tela, erigir a mencionada causa de justificação.
	Pode-se falar em estado de necessidade semelhante, segundo o autor, no caso de prática de jogo do bicho por aquele que está em dificuldades econômicas.
o) Efeitos civis do estado de necessidade:
	O Código Civil (art. 188, II) não considera ilícito o ato daquele que atua em estado de necessidade e que, por se encontrar diante de uma situação de perigo iminente, vê-se obrigado a deteriorar ou a destruir a coisa alheia ou produzir lesão a pessoa a fim de remover este perigo.
	Contudo, embora o ato não seja considerado ilícito, como ambos os bens em conflito estão amparados pelo ordenamento jurídico, o Código Civil permitiu àquele que sofreu a conduta do que agiu em estado de necessidade obter uma indenização deste último, correspondente aos prejuízos experimentados. Caso o perigo tenha sido criado por aquele que sofreu o dano, não lhe caberá o direito à indenização.
	Ressalte-se, ainda, que se o perigo houver sido causado por terceiro, o agente terá direito a ação regressiva contra este.
p) Estado de necessidade e crimes permanentes: em regra, não se aplica a justificante no campo dos crimes permanentes e habituais, pois faltam os requisitos da atualidade do perigo e da inevitabilidade do fato necessitado. 
	Porém a jurisprudência já reconheceu o estado de necessidade no crime habitual de exercício ilegal de arte dentária, em caso atinente à zona rural longínqua e carente de profissional habilitado. 
LEGÍTIMA DEFESA	
	
O Estado não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, razão pela qual permite aos cidadãos a possibilidade de, em determinadas situações, agir em sua própria defesa. Todavia, tal permissão tem requisitos estabelecidos na lei.
	A legítima defesa não pode ser confundida com a vingança privada. A natureza do instituto da legítima defesa é constituída pela possibilidade de reação direta do agredido em defesa de um interesse, dada a impossibilidade da intervenção tempestiva do Estado.
	O CP forneceu o conceito de legítima defesa: Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
a) Bens amparados pela legítima defesa:
	
	Tem-se entendido que a legítima defesa é aplicável à proteção de qualquer bem juridicamente tutelado pela lei, desde que o agente não tenha tempo suficiente ou não possa procurar o necessário amparo das autoridades constituídas para tanto.
b) Espécies de legítima defesa:
	- Legítima defesa autêntica (real): ocorre quando a situação de agressão injusta está efetivamente ocorrendo no mundo concreto.
	Situação: alguém está num bar, próximo à entrada do banheiro. De repente, percebe a presença de seu inimigo, com um punhal na mão, vindo em sua direção, com a intenção de agredi-lo. Se o agente atua nessa situação, será um caso típico de legítima defesa autêntica.
	- Legítima defesa putativa: quando a situação de agressão é imaginária, ou seja, só existe na mente do agente. Só o agente acredita, por erro, que está sendo ou virá a ser agredido injustamente. Para a teoria limitada da culpabilidade, acolhida pela exposição de motivos do CP, o erro sobre uma causa de justificação, se incidente sobre uma situação de fato, será considerado como um erro de tipo permissivo, e não como um erro de proibição.
	Situação 2: mesmo bar, mesma posição. De repente, percebe o inimigo, que vem caminhando em direção ao banheiro, com pressa. O agente saca sua arma e atira, causando a morte do suposto agressor. Mas não havia agressão alguma, sendo que tal situação de fato somente existia na cabeça do agente. Há legítima defesa putativa.
	- Legítima defesa subjetiva: é o excesso esculpável na legítima defesa. ( elimina a culpabilidade).
	- Legítima defesa sucessiva: ocorre na repulsa contra o excesso abusivo do agente agredido.
c) Injusta agressão:
	Deve-se ter em mente que agressão é um ato do homem. Por essa razão, é impossível cogitar-se de legítima defesa contra o ataque de animais. Somente o homem pode cometer essa agressão.
	Nada impede, entretanto, a utilização de animais como instrumentos dos crimes, funciona como verdadeiras armas, autorizando a legítima defesa.
	A agressão pode emanar de um inimputável, pois pratica conduta consciente e voluntária, apta a configurar a agressão. A agressão é tomada em sentido meramente objetivo, não guardando vínculo nenhum com o subjetivismo da culpabilidade.
	Em regra, a agressão é praticada por meio de uma ação, mas nada impede a sua veiculação por omissão, quando esta se apresenta idônea a causar danos e o omitente tinha, no caso concreto, o dever jurídico de agir.
	Além disso, tal agressão deve ser reputada como injusta. Para que seja injusta, não é preciso que a agressão seja criminosa. Ex: furto de uso – embora não seja crime, é tida como um ilícito civil. Da mesma forma, aquele que defende um bem de valor irrisório que estava sendo subtraído por outrem. Mesmo que o fato não seja considerado crime em face da aplicação do princípio da insignificância, poderá o agente agir na defesa de seu bem.
	
Diferença entre agressão injusta e provocação injusta	
	A provocação injusta não enseja a legítima defesa. Contudo, a distinção entre agressão e provocação injustas é tormentosa.
	O CP faz menção à provocação, ainda que implicitamente, nos arts. 59 (comportamento da vítima), 65, III, c (sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima) e 121, § 1º (logo em seguida a injusta provocação da vítima).
	Portanto, somente a agressão injusta abre a possibilidade ao agredido de se defender legitimamente nos limites legais, o mesmo não acontecendo com aquele que reage a uma provocação, pois que responderá pelo seu dolo, não havendo exclusão da ilicitude de sua conduta.
d) Provocação para criação de situação de legítima defesa:
	Ocorre quando o agente provocador, almejando produzir a morte do provocado, cria uma situação na qual este último pratique um ato de agressão para, somente após, sob o pretexto da legítima defesa, levar adiante o seu propósito criminoso de matá-lo. Nesta situação, não poderá ser considerada a defesa legítima.
e) Meios necessários:
	São todos aqueles eficazes e suficientes à repulsa da agressão que está sendo praticada ou que está prestes a acontecer. Segundo Rogério Greco, para que se possa falar em meio necessário é preciso que haja proporcionalidade entre o bem que se quer proteger e a repulsa contra o agressor.
	Ao contrário do que ocorre no estado de necessidade, a possibilidade de fuga ou socorro pela autoridade pública não impedem a legítima defesa.
	Moderação no uso dos meios necessários	
	Além dos meios necessários, o agente deve atuar de forma moderada, sem ultrapassar aquilo que, efetivamente,seria necessário para fazer cessar a agressão que estava sendo praticada.
	Observe-se, por oportuno, que não é o número de golpes ou disparos, por exemplo, que caracteriza a imoderação, levando o agente a atuar em excesso. Pode acontecer que, para fazer cessar a agressão que estava sendo praticada contra a sua pessoa, o agente tenha de efetuar mais de cinco disparos, sem que isso possa conceituar-se como uso imoderado de um meio necessário.
f) Atualidade e iminência da agressão:
	Costuma-se dizer que atual é a agressão que está acontecendo; iminente é aquela que está prestes a acontecer. Isso é insuficiente, afinal é preciso definir o que está prestes a acontecer.
	A agressão futura ou passada não autorizam a legítima defesa.
g) Defesa de direito próprio ou de terceiro:
	O agente pode atuar na defesa de si próprio, mas também na defesa de terceira pessoa, como um parente ou amigo. Fala-se assim em legítima defesa própria e legítima defesa de terceiros.
	O que importa aqui é o animus do agente, ou seja, o elemento subjetivo da legítima defesa.
	Ex: agente percebe que o seu maior inimigo está prestes a matar alguém e, aproveitando-se desse fato, o elimina sem que tenha a vontade de agir na defesa de terceira pessoa, mesmo que tenha salvo a vida desta última, responderá pelo delito de homicídio, porque carecia do elemento subjetivo. A agressão injusta contra terceira pessoa foi mera desculpa para que pudesse matar o inimigo.
	Além disso, é importante ressaltar que não cabe a defesa de terceiros quando o bem for considerado disponível. Assim, se o agente defende bem o interesse de terceiros, estes deverão ser indisponíveis para que ocorra a legítima defesa de terceiro, salvo se houver autorização de seu titular.( Rogério Sanches e Cleber Masson não fazem esta diferenciação, seria legítima defesa de bens disponíveis ou não).
	LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO – BEM INDISPONÍVEL + ELEMENTO SUBJETIVO
		
h) Elemento subjetivo na legítima defesa:
	Como já dito, é necessário agregar ao elemento objetivo da legítima defesa a consciência do agente de que atua nessa condição, caso contrário, não haverá a causa de exclusão da ilicitude.
	Contrário a esse entendimento está Nelson Hungria, causalista convicto, para quem a legítima defesa só pode existir objetivamente, isto é, quando ocorrem, efetivamente, os seus pressupostos objetivos. 
	Com o advento da teoria finalista da ação e sua consequente adoção por parte da maioria de nossos autores, o elemento subjetivo, que antes residia na culpabilidade, foi deslocado para a conduta do agente e, como a antijuridicidade é um adjetivo que é dado à conduta, todos os elementos subjetivos existentes nesta se refletem naquela.
i) Legítima defesa e agressão de inimputáveis:
	Em caso de agressão injusta por inimputáveis, há legítima defesa ou estado de necessidade?
	Há 2 correntes:
	I – Aplica-se o estado de necessidade (Nelson Hungria), pois a legítima defesa é um instituto com aspecto de prevenção geral: representa um contramotivo à pratica de ofensas injustas. Esse fim psicológico não pode ser aplicado quanto aos incapazes de entendimento ou reflexão. Ademais, quando a lei deixa de exigir entre os requisitos da legítima defesa a impossibilidade de fuga, tem em consideração, não só que deve ser prestigiado o espírito de luta pelo direito, mas também que é inexigível a vexatória ou infamante renúncia a defesa de um direito. Ora, a possível fuga diante da agressão de um inimputável nada tem de deprimente, pois é, na verdade, uma conduta sensata e louvável. 
	II – As agressões não culpáveis também dão direito a legítima defesa, mas o interesse no prevalecimento do direito é substancialmente menor do que no caso normal (Roxin).
	Rogério Greco segue a corrente II, pois se o inimputável pratica um injusto típico, a conduta por ele levada a efeito não é amparada pelo ordenamento jurídico, como acontece no caso de conflito de bens e interesses no estado de necessidade. No estado de necessidade, ambos os bens são amparados pelo ordenamento jurídico. No caso de ataque de inimputáveis, a agressão é injusta, e não justa, logo é cabível a legítima defesa.
	Contudo, como o caso é especial, merece tratamento diferenciado, cabendo ao agredido escolher a forma de repulsa que cause o menor dano possível. Afinal, não responder ao ataque, neste caso, como diz Hungria, poderá ser um ato sensato, e não covarde.
j) Legítima defesa recíproca:
	É impossível a legítima defesa recíproca (legítima defesa autêntica/real x legítima defesa autêntica/real), qual seja, aquela em as duas agressões são injustas. Nesta hipótese, ambas as condutas são contrárias ao ordenamento. 
	Somente pode ser aventada a legítima defesa se um dos agentes agredir injustamente o outro, abrindo-se ao ofendido a possibilidade de defender-se legitimamente.
	Situação: não se consegue descobrir quem iniciou as agressões. É aberto inquérito contra os dois contendores. O promotor ajuíza a ação contra os dois. A denúncia está tecnicamente perfeita, pois no início da ação penal a dúvida deve pender em benefício da sociedade (in dubio pro societate), a fim de que se permita, durante a instrução do feito e sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, tentar apurar o autor das agressões injustas. Se, contudo, ao final da instrução não restar evidenciado quem teria dado início às agressões, devem os dois agentes ser absolvidos, haja vista que nessa fase processual deverá prevalecer o princípio do in dubio pro reo.
k) Legítima defesa putativa x Legítima defesa autêntica (real):
	É possível, porém, a coexistência de legítima defesa putativa e legítima defesa real. Exemplo: X ameaça Y dizendo que o matará assim que o encontrar. Y, com medo, adquire uma arma para se defender. Num belo dia, X avista Y e põe a mão à cintura. Y, supondo que seria morto, saca seu revólver e o aponta contra X, causando-lhe a morte. Contudo, X só ia pegar um cigarro e estava indo ao encontro de Y para pedir-lhe desculpas, mas, ao ver a atitude de Y, saca sua arma e também atira. Ambos saem feridos.
l) Legítima defesa x estado de necessidade:
	Tal situação não é possível, pois aquele que age em estado de necessidade pratica uma conduta amparada pelo ordenamento, mesmo que essa conduta venha a ofender bens também juridicamente protegidos. Assim, sua agressão não é injusta.
	Todavia, é possível o confronto entre estado de necessidade real e legítima defesa putativa. Situação: para socorrer vítima de atropelamento, X percebe que existe um automóvel cuja chave está no contato. Para socorrer a vítima, X a coloca no banco traseiro do veículo, oportunidade em que o seu proprietário visualiza tão-somente X na condução de seu automóvel. Acreditando estar sendo vítima de furto, o proprietário do veículo atira contra X, visando defender seu patrimônio. 
	Repare que houve estado de necessidade autêntico (real) – aproveitar-se do veículo de outrem a fim de socorrer a vítima de um acidente – e legítima defesa putativa (atirar contra aquele que, supostamente, está subtraindo seu patrimônio, quando, na realidade, encontra-se somente prestando um socorro).
m) Excesso na legítima defesa:
	Antes da reforma de 84, só havia a previsão do excesso na legítima defesa. Hoje isso foi estendido a todas as demais causas excludentes de ilicitude.
	Quando se fala em excesso, deve-se ter em mente que o agente agiu amparado por uma causa de justificação, ultrapassando, contudo, o limite permitido pela lei. Ex: alguém está sendo agredido. Poderá agir em sua própria defesa, afastando a ilicitude de sua conduta, desde que atenda, rigorosamente, aos requisitos de ordem subjetiva e objetiva previstos no art. 25 do CP. Se mesmo depois de ter feito cessar a agressão, o agente não interrompe seus atos, a partir desse momento haverá excesso.
	Geralmente, o excesso tem início depois de um marco fundamental, qual seja, o momento em que o agente, com asua repulsa, fez cessar a agressão que contra ele era praticada. O excesso pode ser doloso ou culposo.
Excesso doloso: pode ocorrer em duas situações.
	I – Quando o agente, mesmo depois de fazer cessar a agressão, continua o ataque porque quer causar mais lesões ou mesmo a morte do agressor inicial (excesso doloso em sentido estrito);
	Ex: X sofre agressão injusta de Y, jogador de futebol, e a repele, fazendo cessar. Mesmo depois da cessação, dirige-se a Y e diz: “você nunca mais vai jogar bola”, dando-lhe um tiro no joelho. Houve excesso doloso em sentido estrito. 
	II – Quando o agente, também, mesmo depois de fazer cessar a agressão que era praticada contra a sua pessoa, pelo fato de ter sido agredido inicialmente, em virtude de erro de proibição indireto (erro sobre os limites de uma causa de justificação), acredita que possa ir até o fim, matando o seu agressor, por exemplo.
	Ex: Zé Ruela está jogando baralho num pacato vilarejo do interior de MG. Aparece um forasteiro e começa a provocá-lo, mesmo perdendo as partidas. Zé Ruela está sendo humilhado. Por ser fisicamente mais fraco, Zé Ruela arma-se com uma faca e desfere o primeiro golpe no seu agressor, fazendo cessar aquela agressão injusta. O agressor cai, por causa do golpe que recebera, e Zé Ruela, pessoa analfabeta, com uma criação humilde, pelo fato de ter sido agredido inicialmente, acredita firmemente que possa continuar o ataque, porque estava acobertado pela legítima defesa, e efetua um outro golpe de faca, que acerta o ombro do agressor que já se encontrava prostrado.
	Repare que, nesta hipótese, embora o excesso tenha sido doloso, este se deveu a erro sobre os limites de uma causa de justificação. Neste caso, como qualquer outra modalidade de erro, deve-se aferir se ele era evitável ou inevitável. Se inevitável, o agente será considerado isento de pena; se evitável, embora haja fato típico, ilícito e culpável, haverá redução de pena (erro de proibição indireto – acerca dos limites de uma causa de justificação).
Excesso culposo – ocorre nas seguintes hipóteses:
	I – Quando o agente, ao avaliar mal a situação que o envolvia, acredita que está sendo ou poderá vir a ser agredido e, em virtude disso, dá continuidade à repulsa, hipótese em que se aplica o art. 20, § 1º, segunda parte, do CP;
	Situação: X, campeão de luta livre, começa a agredir injustamente Y. Este último atira no primeiro, fazendo cessar a agressão. Y, supondo que X voltaria a atacá-lo, avalia erroneamente a situação de fato e efetua o segundo disparo – que já não era mais necessário. Repare que num primeiro momento há legítima defesa autêntica. Depois, há mera situação imaginária, ocasionando legítima defesa putativa. A seguir, deve-se avaliar se o erro era vencível (inescusável) ou invencível (escusável). Se invencível, haverá isenção de pena; se vencível, embora tenha agido com dolo, responderá pelo resultado com as penas de um crime culposo (culpa imprópria).
	II – Quando o agente, em virtude de má avaliação dos fatos e da sua negligência no que diz respeito à aferição das circunstâncias que o cercavam, excede-se em virtude de um “erro de cálculo quanto à gravidade do perigo ou quanto ao modus da reação” (excesso culposo em sentido estrito)
	Situação: há uma desproporcionalidade do agente desde o início, por ter avaliado mal a situação. Diferentemente da primeira hipótese, quando o agente fez cessar a agressão e depois, por erro, achando que ainda seria agredido, continuou a repulsa, nesta segunda hipótese não visualizamos esse intervalo de tempo. O agente atuou de forma ininterrupta, num único instante, embalado pela situação em que se encontrava quando, na verdade, não havia necessidade da intensidade como atuou.
	Aplica-se, às hipóteses, a descriminante putativa. A situação de agressão só existia na mente do agente que, por erro quanto à situação de fato, supõe que ainda será agredido e dá continuidade ao ataque. Se o erro for escusável, haverá isenção de pena; se inescusável, responderá o agente pelas penas correspondentes ao delito culposo. É a chamada culpa imprópria. 
	Diante disso, pode-se concluir que o excesso é sempre doloso, mesmo que o agente tenha sido negligente na aferição das circunstâncias que envolviam a situação. Porém, por questões de política criminal, é punido o excesso com as penas correspondentes à de um crime culposo.
EXCESSO DOLOSO:
	
- em sentido estrito (manda ver) - responderá
	- erro de proibição indireto (sobre os limites da causa excludente) – agente que está protegido pela causa de justificação - poderá ser isento de pena ou sofrer redução da pena
EXCESSO CULPOSO (erro inescusável nas descriminantes putativas ou inobservância de dever de cuidado):
	- inobservância do dever de cuidado – excesso culposo em sentido estrito (negligência sem parar) – sem qualquer intervalo de tempo – poderá ser isento de pena
	- erro inescusável nas descriminantes putativas - erro sobre a situação fática (descriminante) – imagina situação de agressão inexistente – poderá ser isento
Excesso intensivo e extensivo
Excesso intensivo: ocorre quando o agente, durante a repulsa à agressão injusta, intensifica-a imoderadamente, quando, na verdade, para fazer cessar aquela agressão, poderia ter atuado de forma menos lesiva.
Excesso extensivo: ocorre quando o agente, tendo atuado nos limites impostos pela legítima defesa, depois de ter feito cessar a agressão, dá continuidade à repulsa praticando, assim, neste segundo momento, uma conduta ilícita. Há 2 etapas.
	Ex: se alguém, em legítima defesa, espanca sem parar o seu ofensor até a morte, pois que não conseguia parar de agredi-lo, há excesso intensivo. Agora, se alguém, após ter sido agredido injustamente, repele essa agressão e, mesmo depois de perceber que o agressor havia cessado o ataque porque a sua defesa fora eficaz, resolve prosseguir com os golpes, o excesso será extensivo.
EXCESSO EXTENSIVO – CESSA A AGRESSÃO PARA DEPOIS INTENSIFICÁ-LA (HÁ 2 ETAPAS)
	Excesso na causa
	Fala-se em excesso na causa quando há inferioridade do valor do bem ou interesse defendido, em confronto com o atingido pela repulsa. Ex: em razão de um maço de cigarro.
	Nesta hipótese de excesso na causa, o agente responderá pelo resultado, tendo em vista a desproporção entre o bem ou interesse que se quer proteger em confronto com aquele atingido pela repulsa.
	EXCESSO NA CAUSA – DESPROPORCIONALIDADE ENTRE OS BENS PROTEGIDOS
	Excesso exculpante
	É o excesso resultante de medo, surpresa ou de perturbação de ânimo. Não se deve a uma postura dolosa ou culposa, mas a uma atitude emocional do agredido. Elimina a culpabilidade do agente.
	Não há previsão expressa do excesso exculpante no CP, porém é tratado pela doutrina e pela jurisprudência como causa supralegal de exclusão da culpabilidade.
	No excesso exculpante, o pavor da situação em que se encontra envolvido o agente é tão grande que não lhe permite avaliá-la com perfeição, fazendo com que atue além do necessário para fazer cessar a agressão.
	EXCESSO EXCULPANTE – MEDO, SURPRESA, PERTURBAÇÃO DE ÂNIMO – CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE
n) Legítima defesa sucessiva:
	Tendo o agente alcançado o objetivo da lei, qual seja, fazer cessar a agressão injusta, já não poderá ir além disso. Caso venha, porém, a agir além daquilo que lhe era permitido, começa-se a falar em excesso.
	Quando há excesso, a ação inicialmente legítima do agente torna-se injusta. Nessa hipótese, poderá ocorrer a chamada legítima defesa sucessiva, que consiste na possibilidade que tem aquele agressor inicial, que viu ser repelida a sua agressão, agora invocar a excludente a seu favor, porque o agredido passou a ser considerado agressor, em virtude do excesso.
o) Legítima defesa e aberratio ictus:
	É perfeitamente viável a hipótese de legítima defesa e erro na execução (aberratio ictus).
	Situação: determinado agente, visando repelir agressãoinjusta, acaba ferindo outra pessoa que não o seu agressor, ou mesmo a ambos. Nesse caso, embora tenha sido ferida ou mesmo morta outra pessoa que não o seu agressor, o resultado advindo da aberração no ataque (aberratio ictus) estará também amparado pela causa de justificação da legítima defesa, não podendo por ele responder criminalmente. Contudo, com relação ao terceiro inocente, permanece a responsabilidade civil do agente.
	
	LEGÍTIMA DEFESA EM ABERRATIO ICTUS – PERSISTE A EXCLUDENTE, MAS HÁ RESPONSABILIDADE CIVIL
p) Ofendículos:
	Segundo Mirabete, são aparelhos predispostos para a defesa da propriedade (arame farpado, cacos de vidro em muros, etc) visíveis e a que estão equiparados os meios mecânicos ocultos (eletrificação de fios, de maçanetas de portas, a instalação de armas prontas para disparar à entrada de intrusos, etc.).
	Para Rogério Greco, mais que a propriedade, os ofendículos defendem a vida, a integridade física, etc. A utilização de cães ou outros animais de guarda também constitui ofendículo.
	Discute-se qual seria a natureza jurídica dos ofendículos. ( Temos 3 correntes)
	
Hungria: legítima defesa preordenada. 
Aníbal Bruno: exercício regular de um direito. Há até uma teoria intermediária que diz que, quando instalados, os ofendículos consistiriam em exercício regular do direito, ao passo que, quando utilizados, seriam legítima defesa preordenada.
	OFENDÍCULOS – TAMBÉM CHAMADOS DE LEGÍTIMA DEFESA PREORDENADA (HUNGRIA) OU HIPÓTESE DE EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO (ANÍBAL BRUNO)
	Independentemente da classificação, o fato é que os ofendículos são aceitos pelo ordenamento. Contudo, deverá o agente tomar certas precauções em sua utilização, sob pena de responder pelos resultados dela advindos. É preciso, como alerta Aníbal Bruno, que os meios de proteção sejam dispostos de modo que só o agressor possa vir a sofrer dano, não podendo constituir perigo a qualquer outro, inocente.
q) Efeitos civis da legítima defesa:
	Segundo o art. 188, I, do CC, os atos praticados em legítima defesa não são ilícitos.
	Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
	I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
	II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
	Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
r)Legítima defesa contra a multidão: prevalece o entendimento de sua admissibilidade.
s)Legítima defesa contra pessoa jurídica: é possível, uma vez que esta exterioriza a sua vontade por meio da conduta de seres humanos, permitindo a prática de agressões injustas.
t)Existência simultânea de legítima defesa e estado de necessidade: é possível que uma mesma pessoa atue simultaneamente acobertada pela legítima defesa e estado de necessidade, quando, para repelir uma agressão injusta, praticar um fato típico visando afastar uma situação de perigo contra bem jurídico próprio ou alheio. Exemplo: “A”, para defender-se de “B”, que injustamente desejava matá-lo, subtrai uma arma de fogo pertencente a “C”, utilizando-a para matar o seu agressor. 
ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL	
	
	Embora o código não o defina, seus elementos caracterizadores podem ser vislumbrados pela só expressão estrito cumprimento de dever legal. Aqui também são exigidos elementos objetivos e subjetivos.
	Primeiramente, deve haver um dever legal imposto ao agente, o qual é, em geral, dirigido àqueles que fazem parte da Administração Pública, como policiais e oficiais de justiça.
	Em segundo lugar, é necessário que o cumprimento do dever legal se dê nos exatos termos impostos pela lei, não podendo em nada ultrapassá-los. Ex: oficial de justiça que está cumprindo mandado de busca e apreensão de televisor não pode, por sua conta, apreender o aparelho de som, não estando amparado, quanto a este, pela causa de justificação.
	O dever legal engloba qualquer obrigação direta ou indiretamente resultante de lei, em sentido genérico. Compreende, assim, decretos, regulamentos,e, também, decisões judiciais. O dever legal pode também originar-se de atos administrativos, desde que de caráter geral, pois, se tiverem caráter específico, o agente não estará agindo sob o manto da excludente do estrito cumprimento de dever legal, mas sim protegido pela obediência hierárquica.
	Outra situação: policiais, visando evitar a fuga de detentos em um presídio, atiram em direção aos fugitivos com a finalidade de matá-los. A pena de morte é proibida, logo não é possível a alegação de estrito cumprimento do dever legal, porque o cumprimento desse dever não se deu nos limites estritos impostos pela lei.
	Exercício do poder familiar: seria um estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de um direito. Para Assis Toledo, trata-se de estrito cumprimento do dever legal, ao passo que, para Magalhães Noronha, estamos diante de exercício regular de direito.
	Para Rogério Greco, no caso do poder familiar deve ser aplicada a causa de justificação do exercício regular de um direito, pois não há um dever de correção dos filhos por meio de castigos, mas sim um direito. Isto é, os pais podem ou não se valer de castigos corporais, ou outras formas de constrangimento, para que seus filhos sejam educados e corrigidos, mas não podemos concluir que essa forma de castigo seja um dever, mas tão-somente um direito.
	O esvaziamento do estrito cumprimento de dever legal como causa de exclusão da ilicitude em face da tipicidade conglobante
	Como vimos, para Zaffaroni e Pierangeli, a tipicidade formal é insuficiente para a definição de fato típico. É necessário que se estude a tipicidade conglobante, a qual pressupõe a proibição com relevância penal, para o que é necessário que a conduta esteja proibida à luz da consideração conglobada da norma – o universo de normas permite que uma limite a outra, não podendo ignorar-se mutuamente. Ou seja, a tipicidade conglobante é capaz de reduzir o âmbito de proibição aparente que surge da consideração isolada da tipicidade formal.
	Segundo os autores, os principais casos em que se configura a atipicidade conglobante ocorrem quando uma norma ordena o que outra parece proibir (cumprimento de dever jurídico), quando uma norma parece proibir o que outra fomenta, quando uma norma parece proibir o que outra norma exclui do âmbito de proibição, por estar fora da ingerência do Estado, e quando uma norma parece proibir condutas, cuja realização garantem outras normas, proibindo as condutas que as perturbam.
	Neste tópico, trataremos apenas da primeira hipótese: quando uma norma ordena o que outra parece proibir.
	Utilizando-se a tipicidade conglobante, o problema decorrente do estrito cumprimento do dever legal pode ser resolvido já na análise do fato típico. Com a tipicidade conglobante, encurta-se o estudo do crime.
	
	Situação: carrasco deve executar ordem de pena de morte. Ao eliminar o condenado, ele pratica uma conduta típica? Para aqueles que não adotam o conceito de tipicidade conglobante, sim. Ela só não seria ilícita, pois há causa de justificação.
	Adotando-se a teoria de Zaffaroni, a situação deve ser analisada sob o enfoque da tipicidade conglobante, que limitará o âmbito de abrangência do tipo penal, para dele excluir condutas que não sejam antinormativas (contrárias à norma), mas que, na verdade, são impostas pela norma. Resolve-se a situação no estudo da tipicidade. Assim, o tipo não pode proibir o que o direito ordena e nem o que ele fomenta. Logo, o fato será atípico.
	Caso se adote essa teoria, haverá um esvaziamento das causas de justificação. Contudo, o CP adotou o estrito cumprimento do dever legal como causa de exclusão da ilicitude, o que não impede de isso ser revisto no futuro.
	Observação: a excludente é incompatível com oscrimes culposos, pois a lei não obriga ninguém a agir com imprudência, negligência ou imperícia. A situação, geralmente, é resolvida pelo estado de necessidade.
	
EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO	
	Também não foi conceituada essa causa justificante pela lei. Os seus elementos, no entanto, podem ser extraídos quando da interpretação da expressão exercício regular de direito.
	O “direito” a que se refere compreende todos os tipos de direito subjetivo, pertençam eles a este ou àquele ramo do ordenamento jurídico – de direito penal, de outro ramo do direito público ou privado – podendo ainda tratar-se de norma codificada ou consuetudinária.
	Ressalte-se que há aquela discussão acerca do poder familiar, sendo que boa parte da doutrina, incluindo o autor, o considera exercício regular de direito, e não estrito cumprimento do dever legal. Outros exemplos são o de práticas esportivas violentas, desde que os atletas permaneçam nas regras previstas para a modalidade, e o direito do proprietário de cortar as raízes e ramos de árvores do vizinho que invadiram o seu terreno.
CONSENTIMENTO DO OFENDIDO – CONCEITO, FINALIDADE E REQUISITOS
	Na teoria do delito, o consentimento do ofendido pode ter dois enfoques com finalidades diferentes:
	a) Afastar a tipicidade;
	Ex: violação de domicílio – se não houver contrariedade do dono, não há tipicidade. Crimes contra os costumes – se a mulher consente na relação sexual, não se cogita de tipicidade.
	b) Excluir a ilicitude do fato.
	Ocorre quando o comportamento do autor importe uma lesão ao bem jurídico. Ex: tatuagem – há lesão corporal (conduta típica), mas não há ilicitude porque existe o consentimento. No crime de dano, se alguém permite que a sua coisa seja destruída, em que pese o fato ser típico, nessa hipótese, também, não será antijurídico.
	O CP não prevê expressamente o consentimento do ofendido, portanto se trata de causa supralegal de exclusão da tipicidade ou da ilicitude. Segundo Rogério Greco, o consentimento do ofendido só gera efeitos se apresentar três requisitos fundamentais:
	I – Que o ofendido tenha capacidade para consentir;
	II – Que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível;
	III – Que o consentimento tenha sido dado anteriormente ou pelo menos numa relação de simultaneidade à conduta do agente.
Parte Especial:
 - CRIMES NA EXPLORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE ENERGIA NUCLEAR (LEI N. 6.453/1977)
Normas constitucionais referentes à matéria relativa à energia nuclear:
CF - art. 21 – Competência material da união
XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:
a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;
b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)
c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)
d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)
CF - art. 22 – Competência legislativa da união
XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;
CF – Art. 49 – Competência exclusiva do Congresso Nacional
XIV - aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares;
CF - Art. 177 – Monopólio da União
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)
CF – art. 225 – definição da localidade das usinas nucleares deve ocorrer por lei federal.
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
Crimes previstos na Lei 6.453/77 (muita norma penal em branco):
	- Produzir, processar, fornecer ou usar material nuclear sem a necessária autorização ou para fim diverso do permitido em lei. 
- Permitir o responsável pela instalação nuclear sua operação sem a necessária autorização. 
- Possuir, adquirir, transferir, transportar, guardar ou trazer consigo material nuclear, sem a necessária autorização. 
- Transmitir ilicitamente informações sigilosas, concernentes à energia nuclear. 
- Extrair, beneficiar ou comerciar ilegalmente minério nuclear. 
- Exportar ou importar, sem a necessária licença, material nuclear, minérios nucleares e seus concentrados, minérios de interesse para a energia nuclear e minérios e concentrados que contenham elementos nucleares. 
- Deixar de observar as normas de segurança ou de proteção relativas à instalação nuclear ou ao uso, transporte, posse e guarda de material nuclear, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem. 
- Impedir ou dificultar o funcionamento de instalação nuclear ou o transporte de material nuclear. 
JURISPRUDÊNCIA:
* STF:
Acórdão: Extraditando acusado de transmitir ao Iraque segredo de estado do Governo requerente (República Federal da Alemanha), utilizável em projeto de desenvolvimento de armamento nuclear. Crime político puro, cujo conceito compreende não só o cometido contra a segurança interna, como o praticado contra a segurança externa do Estado, a caracterizarem, ambas as hipóteses, a excludente de concessão de extradição, prevista no art. 77, VII e §§ 1º a 3º, da Lei nº 6.815-80 e no art. 5º, LII da Constituição. Pedido indeferido, por unanimidade.
(Ext 700, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 04/03/1998, DJ 05-11-1999 PP-00003 EMENT VOL-01970-1 PP-00085 RTJ VOL-00171-01 PP-00053)
Informativo 101: 
Extradição e Segredo de Estado – Reconhecendo a motivação política do chamado "crime contra a segurança externa de Estado", o Tribunal, com fundamento no art. 5º, LII, da CF que veda a extradição de estrangeiro por crime político, e no art. 77, VII da Lei 6.815/80 ("Não se concederá a extradição quando: ... VII - o fato constituir crime político."), indeferiu pedido de extradição formulado pelo governo alemão, em que se imputava ao extraditando, Karl-Heinz Schaab, a transmissão de segredo de estado (energia nuclear) a autoridade estrangeira (República do Iraque). Declarou impedimento o Min. Nelson Jobim. Precedentes citados: EXT 147-Dinamarca, 288-Itália (RTJ 73/11), 399-França (RTJ 108/18) e 541-Itália (RTJ 145/428). EXT 700-Alemanha, rel. Min. Octavio Gallotti, 4.3.98.
Obs: Verificam-se duas hipóteses em que o STF considerou a prática de crime da Lei 6.453 como crime político puro, vedando a extradição.
	Crime político puro: traduz-se em ações que atingem a personalidade do Estado ou que buscam alterar-lhe ou afetar-lhe a ordem política e social.
	Crime político relativo (ou misto): embora revestido da motivação política de seu agente, projeta-se em comportamentos geradores de uma lesão jurídica de índole comum 
* TRF da 1ª Região: 
PENAL- ART. 22 DE LEI 6.453/77 - AQUISIÇÃO E POSSE DE MATERIAL NUCLEAR SEM AUTORIZAÇÃO COMPETENTE - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO A DOIS DOS DENUNCIADOS - APELO DA ACUSAÇÃO IMPROVIDO - RECURSO DO RÉU CONDENADO EM PARTE PARA REDUZIR A PENA IMPOSTA. 
1. Inexistindo nos autos prova suficiente para permitir a condenação do dois dos denunciados por crimede aquisição de material nuclear sem autorização, não merece guarida o recurso do Ministério Público. 
2. De outro lado, não restou também comprovado que a guarda do material nuclear pelo Réu que foi condenado se fazia de modo a representar risco para terceiros. Impõe-se, portanto, o provimento parcial de seu apelo, para afastar o consumo formal e reduzir a pena que lhe foi imposta. 3. Recurso da acusação improvido. Apelação do Réu provida em parte.
(ACR 199701000090880, JUIZ TOURINHO NETO, TRF1 - TERCEIRA TURMA, 06/03/1998)
(reconhecimento da prática de crime do médico que, atuando no ramo da medicina nuclear, e ciente dos riscos dos equipamentos operados nessa atividade (clinica de radioterapia), resolve deixar equipamento radiologico em predio abandonado, sem comunicação aos orgãos competentes, com isso ensejando a sua manipulação por pessoas do povo (comerciantes de ferro velho) e a sua contaminação por material radioativo (Cesio-137), causando-lhes graves danos-mortes e lesões corporais.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICIDIO E LESÃO CORPORAL CULPOSOS. OMISSÃO COMO CAUSA DE CRIME. CONCURSO FORMAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. FIXAÇÃO DA PENA. REFERENCIA GENERICA AOS CRITERIOS DO ART. 59 - CP. CAUSAS ESPECIAIS DE AUMENTO. MAJORAÇÃO DA PENA ALEM DO MAXIMO LEGALMENTE PREVISTO PARA O CRIME. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. HIPOTESE FACULTATIVA. 
1- O resultado de que depende a existencia do crime somente e imputavel a quem lhe deu causa, entendida esta como a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. A omissão e penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado, seja por força de lei, seja por ter criado o risco da sua ocorrencia (arts. 13 e parag. 2 - CP). 
2- E responsável penalmente, a titulo de crime culposo, o profissional (medico e fisico hospitalar) que, atuando no ramo da medicina nuclear, e ciente dos riscos dos equipamentos operados nessa atividade (clinica de radioterapia), resolve deixar equipamento radiologico em predio abandonado, sem comunicação aos orgãos competentes, com isso ensejando a sua manipulação por pessoas do povo (comerciantes de ferro velho) e a sua contaminação por material radioativo (Cesio-137), causando-lhes graves danos-mortes e lesões corporais. 
3- A pretensão punitiva do crime de lesão corporal culposa prescreve em quatro anos (art. 109, V -CP), impondo-se o seu reconhecimento, ate mesmo de oficio. O interesse do acusado no seu reconhecimento persiste ainda que, na fixaçào da pena pelo concurso formal com o homicidio culposo, não tenha a lesão sido levada em consideração. 
4- A fundamentação da individualização da pena-base não resulta satisfeita com a menção generica aos criterios do art. 59 - CP. Todavia, não se aconselha a proclamaçào da nulidade quando a sentença, mesmo fazendo a remissão generica, permite identificar os dados objetivos e subjetivos que a eles (aos criterios) se adequariam, no caso concreto, em desfavor do condenado (STF - HC 68.751-2/RJ). 
5- As causas especiais de aumento, diversamente das agravantes, podem elevar a pena acima do maximo legal cominado ao crime. A substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos não e obrigatoria nos crimes culposos com pena aplicada igual ou superior a um ano (art. 44, parag. unico -CP), sobretudo quando prejudicial ao condenado, pela proibição do exercicio da sua profissão. 6- Provimento parcial das apelações. 
(ACR 9301031159, JUIZ OLINDO MENEZES, TRF1 - TERCEIRA TURMA, 17/08/1995)
 
* TRF da 2ª Região
(caracterização do crime do art. 56 da Lei 9.605/98, na modalidade permanente (por isso atingir situação anterior à lei), no caso da operação das usinas Angra I e II. Foi afastada a caracterização do delito uma vez que não foi reconhecido o dolo dos agentes que a todo momento buscaram regularizar o empreendimento.
DIREITO PENAL AMBIENTAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA OFERECIDA EM FACE DOS DIRETORES DA ELETROBRÁS TERMONUCLEAR S.A. – ELETRONUCLEAR E DA PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA. SUPOSTA PRÁTICA DO DELITOS DOS ARTIGOS 60 E 67 DA LEI N.º 9.605-98, EM RAZÃO DO FUNCIONAMENTO DAS UNIDADES I E II DO CENTRO NUCLEAR ALMIRANTE ÁLVARO ALBERTO (ANGRA I E ANGRA II) SEM LICENÇA AMBIENTAL DO ÓRGÃO COMPETENTE, BEM COMO PELO CRIME DESCRITO DO ARTIGO 56 DA LEI N° 9.605-98, EM INTERPRETAÇÃO CONJUNTA COM O § 2° DO MESMO ARTIGO, TENDO EM VISTA A AUSÊNCIA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL ESPECÍFICO PARA OS “DEPÓSITOS INTERMEDIÁRIOS” PARA REJEITOS RADIOATIVOS DAS CITADAS USINAS E A CONSTATAÇÃO DE QUE AS CARACTERÍSTICAS DE SUA CONSTRUÇÃO E OPERAÇÃO ESTÃO EM DESACORDO COM AS NORMAS DA COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR – CNEN. 
I – As sanções penais previstas na Lei n.º 9.605-98 são aplicáveis na ocorrência de irregular funcionamento de usina nuclear, mesmo que iniciado anteriormente à sua entrada em vigor, por se tratar de conduta permanente e de conseqüente prolongamento do momento consumativo. Dentro da característica primordial dos crimes permanentes pela qual a cessação da situação ilícita fica a depender apenas da vontade do agente, se infere claramente do núcleo do tipo (“fazer funcionar”) que o ato do funcionamento de serviço potencialmente poluidor, in casu, usina nuclear, envolve a regular e constante conduta no sentido de dar prosseguimento à atividade. 
II – Por se tratar de direito expressamente tutelado pela ordem constitucional vigente (art. 5.º, inciso LXXIII e art. 225 da Constituição de 1988), a defesa do meio ambiente foi alçada a princípio norteador da atividade econômica (art. 170, inciso VI da Constituição de 1988), que, considerada como parâmetro de restrição ao exercício do direito da propriedade privada, pode fundamentar o impedimento do início ou da continuidade de empreendimento potencialmente poluidor em desacordo com as normas ambientais. Desse modo, o deferimento de licenciamento ambiental não é ato administrativo intangível, cuja prolongação dos seus efeitos no tempo possa ser invocada em razão da configuração de direito adquirido ou de ato jurídico perfeito, motivo pelo qual inexistem óbices à sua alteração ou invalidação, não apenas de acordo com o direito aplicável à época de sua edição, mas também segundo lex nova eventualmente aplicável à época de sua modificação.
III –Incumbe ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA o licenciamento ambiental de toda e qualquer atividade ou obra de significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional, sendo salientado ainda na Resolução n.º 237-97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, competir àquela autarquia federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos “destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN” (art. 4°, inciso IV). 
IV – Mesmo contando com as necessárias autorizações da CNEN, deferidas segundo a legislação específica da energia nuclear, a Usina Angra I, que iniciou suas operações em 1981, deveria contar, para o exercício regular da sua atividade, com a devida licença ambiental, a ser concedida pelo IBAMA mediante colaboração daquele mesmo órgão de fiscalização nuclear. 
V – O licenciamento para operação de Angra II (Licença de Operação n.º 47-99) foi deferido de acordo com a atribuição conferida à autarquia ambiental pelo artigo 12 da Resolução CONAMA n.º 237-97, de modo a permitir que tal licenciamento, adequando-se ao estádio do empreendimento e as suas peculiaridades, outorgasse apenas o “comissionamento” (testes pré-operacionais mediante elevação gradativa da potência) daquela unidade nuclear, e não sua operação plena. 
VI – A renovação da licença (de operação n.º 47-99) tambémse encontra devidamente respaldada, em vista das peculiaridades do empreendimento e da licença deferida, bem como devido à inalterabilidade tanto dos objetivos visados com a renovação (dar continuidade ao “comissionamento” da usina e à realização de testes de potência) como das restrições previstas na licença originaria, não havendo porque se exigir os requisitos rígidos de emissão de prévio parecer técnico conclusivo (art. 10, VII da Resolução 237-97 do CONAMA) e antecedência mínima de 120 (cento e vinte dias) do requerimento de renovação (parte inicial do § 4.º do art. 18 da mesma resolução), exigidos especificamente para a licença visando à operação comercial (Licença de Operação propriamente dita). 
VII – Não há fundamento, contudo, na prorrogação automática, após a expiração da renovação, da Licença de Operação n.º 47-99, visto que o § 4.º do art. 18 da Resolução n.º 237-97 é dirigido à renovação automática da Licença de Operação propriamente dita e não pode beneficiar licença atípica deferida à Angra II, dotada de aspectos e caracteres próprios. Uma nova prorrogação da sua validade somente poderia resultar de requerimento específico da empreendedora e deveria ser objeto de ato formal, expresso e motivado da administração, donde se infere o funcionamento irregular de Angra II desde a data de expiração da renovação até a celebração “Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta” visando à regularização do licenciamento ambiental daquela usina. Diante de tal fato, justifica-se o recebimento da denúncia em face da Presidente do IBAMA, que pode ter incorrido, mesmo que culposamente, na conduta omissiva do art. 68 da Lei n° 9.605-98, pois deixou de aplicar qualquer sanção administrativa à empreendedora pela operação de Angra II, sem o devido licenciamento ambiental, mesmo que para o “comissionamento” e ainda que por um curto espaço de tempo. 
VIII – Não comete crime ambiental, por ausência de ilicitude, o empreendedor que explore, sem a devida licença ambiental, atividade potencialmente poluidora, mas que busca a efetiva regularização de sua situação junto ao órgão competente. Por não comportar a modalidade culposa, a denúncia pela suposta prática do tipo do artigo 60 da Lei n.º 9.605-98 deve demonstrar o dolo direto ou eventual do agente na instalação, reforma ou funcionamento de empreendimento poluidor sem licenciamento ambiental válido, ou seja, não vencido. É insustentável a persecução penal que se funda no mero desacerto da interpretação jurídica da sociedade empreendedora, a qual, muito embora estivesse convencida de que estaria amparada por situação jurídica anteriormente consolidada, buscou regularizar o licenciamento ambiental das Unidades I e II do Centro Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao solicitar ao IBAMA, com relação à Angra I, o encaminhamento de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, a fim de adequar o empreendimento à legislação ambiental vigente, e, quanto à Angra II, efetivamente ao celebrar com o Ministério Público Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta em 06.03.2001.
IX – Sem ignorar a independência das esferas administrativa, civil e penal, assim como a possibilidade de responsabilização cumulativa do agente nessas três esferas quanto às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, a formalização do Termo de Ajustamento de Conduta – TAC importa em esvaziamento da real necessidade da persecução criminal. Ao estabelecer condicionantes técnicas e cronogramas para execução de determinadas obrigações, aquele instrumento, em consonância com o ideal de desenvolvimento sustentável endossado expressamente na Constituição de 1988 (inciso VI do artigo 170), permite a efetiva conciliação entre a proteção ambiental e o exercício da atividade econômica. 
X - Até o advento da Lei n.º 10.308-2001, não se pode exigir o licenciamento específico da CNEN referentes aos depósitos de rejeitos radioativos, que se incluem no conceito de “instalação nuclear”, conforme os termos do art. 1.º da Lei n.º 6.453-77 (que trata da responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares), do artigo 2.º, item I do Decreto n.º 2.648-98 (que promulgou a Convenção de Segurança Nuclear de 1994), e do item 3.17 da Norma do Conselho Nacional de Energia Nuclear – CNEN NN n.º 2.02 (Controle de Materiais Nucleares). Como o licenciamento ambiental das usinas nucleares, a ser deferido pelo IBAMA, tem se pautado, inicialmente, pelas peculiaridades e normas concernentes ao empreendimento nuclear, não há, a princípio, base normativa para a exigência de licenciamento individualizado para os depósitos de rejeitos radioativos, devendo tal questão ser avaliada dentro do licenciamento das próprias instalações nucleares, como de fato ocorreu, quanto aos licenciamentos nucleares, com o deferimento pela CNEN da Autorização para Operação Permanente para Angra I (Portaria CNEN n° 344-1994) e da Autorização para Operação Inicial para Angra II (Resolução CNEN n° 007-2000). Além disso, mesmo que anteriormente à citada Lei n.º 10.308-2001, a questão relativa ao licenciamento ambiental dos Depósitos Intermediários de Rejeitos Radioativos do Centro Nuclear Almirante Álvaro Alberto já havia sido tratada expressamente no Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta firmado em 06.03.2001. 
XI – Para que seja recebida a denúncia, deve haver prova da materialidade do delito, o que não se constatou no que tange a suposta ocorrência do crime descrito no § 2.º do art. 56 da Lei n.º 9.605-98. No que se refere às irregularidades levantadas no Relatório de Vistoria Técnica Produzido pelo IBAMA, tal documento somente foi conclusivo quanto à questão do esgotamento da capacidade de armazenamento dos depósitos intermediários das usinas em questão e as eventuais irregularidades no procedimento de ampliação dessa capacidade, questão esta cuja gravidade salientada pela autarquia ambiental foi afastada pela CNEN. Quanto às irregularidades referentes ao processo de descontaminação dos Equipamentos de Proteção Individual, à blindagem e à ventilação do Depósito Intermediário de Rejeitos, o relatório se revela impreciso e dependente de um pronunciamento definitivo da CNEN. XII – A rejeição da denúncia por ausência de materialidade do delito, nos casos de suposto crime ambiental, não importa em violação do princípio da precaução, se, quanto à imputação do delito previsto no § 2.º do artigo 56 da Lei n.º 9.605-98, a incerteza que vigora nos autos não é quanto a adversidade ambiental ocasionada pela operação dos depósitos intermediários das usinas, mas sim quanto à própria ocorrência de inobservância da normas ambientais e nucleares. No que se refere à ausência ou irregularidade dos licenciamentos dos mencionados depósitos intermediários e das próprias instalações nucleares o princípio da precaução foi observado na medida em que se está buscando a efetiva regularização. 
XII – Provimento parcial do recurso em sentido estrito.
(RSE 200151110000318, Desembargador Federal ANDRÉ FONTES, TRF2 - SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, 07/12/2006)
* TRF da 3ª Região
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - PENAL - INSTRUÇÃO PROVISÓRIA - ARTIGOS 22, 24, 25 E 26 DA LEI Nº 6.453/77 - ATIVIDADES NUCLEARES - NORMA PENAL EM BRANCO - MATERIALIDADE - DILIGÊNCIA FISCAL. 
1. É açodada a ação de autoridade policial determinando que, antes de ser caracterizados os tipos previstos nos artigos 22, 24, 25 e 26 da Lei nº 6.453/77, que se cuidam de normas penais em branco, seja procedida diligencia fiscal por parte da Receita Federal, sem a instauração do inquérito policial. 
2. Tendo em vista que a Lei nº 6.453/77 dispõe sobre a responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares, o sigilo nas investigações justifica-se pelo interesse público das provas colhidas pelo procedimento policial, por tratar-se de matéria de Segurança Nacional. 
3. Remessa oficial, dada por ocorrida, improvida.
(REO 90030228507, JUIZ FAUSTO DE SANCTIS, TRF3 - QUINTA TURMA, 05/06/2001)

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