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ALEXANDRA CRISTINA GIACOMET PEZZI A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS Porto Alegre 2010 A prestação de contas é o instrumento que permite acompanhar e fiscalizar os atos e despesas realizados pelos gestores públicos. Ela promove a transparência dos atos administrativos que, como sabido, deveriam sempre se pautar pela legalidade, pela impessoalidade, pela moralidade, pela eficiência e pela publicidade. O artigo 37, caput, da Constituição Federal é expresso nesse sentido. Na Constituição Italiana, é de uma beleza quase poética a redação do artigo 54: 54. Tutti i cittadini hanno il dovere di essere fedeli alla Repubblica e di osservarne la Costituzione e le leggi. I cittadini cui sono affidate funzioni pubbliche hanno il dovere di adempierle con disciplina ed onore, prestando giuramento nei casi stabiliti dalla legge. O artigo 97, daquela Constituição estabelece ainda que: 97. I pubblici uffici sono organizzati secondo disposizioni di legge, in modo che siano assicurati il buon andamento e l’imparzialità dell’amministrazione. Tais valores constitucionais devem ser concretizados no gerenciamento da receita pública, cuja fonte principal é a arrecadação tributária. Nesse sentido, a aplicação do montante recolhido a título de impostos e de outros tributos deve ser direcionada ao atendimento do interesse público, na forma do oferecimento à população de prestações da mais variada ordem: saúde, educação, moradia, segurança, etc, integrantes do chamado mínimo existencial.1 Como se trata de receita pública, nasce, em decorrência, para os gestores desses recursos a obrigação de prestar contas na forma da Constituição2 e da lei, sendo esse o objeto do presente estudo. 1 Um esboço do conjunto de necessidades básicas integrantes do chamado mínimo existencial foi traçado por Ricardo Lobo Torres: “Os direitos à alimentação, saúde e educação, embora não sejam originariamente fundamentais, adquirem o status daqueles no que concerne à parcela mínima sem a qual o homem não sobrevive. (TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação – imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 133). Sobre o mínimo no âmbito da tributação tivemos ocasião de discorrer em nosso Dignidade da pessoa humana, mínimo existencial e limites à tributação no Estado democrático de Direito, publicado em 2008 pela Editora Juruá e reimpresso em 2009. 2 Conforme o artigo 70, parágrafo único, da Constituição, “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.” Quer se trate do presidente da república, dos governadores de Estado, dos prefeitos municipais ou dos demais administradores de segundo escalão3, existe o dever de prestar contas, pois em jogo a res pubblica. Na verdade, Prestar contas é dever constitucional de qualquer administrador público. Como administrador do erário tenho em mente que, além de um dever constitucional, prestar contas é um dever moral e cívico. A palavra administrador traz em si o conceito oposto de proprietário, pois indica aquele que gere interesses alheios. A honrosa função de administrar bens e recursos públicos traz ínsita a idéia de zelo e conservação. Daí correto inferir que os poderes normais de um administrador são simplesmente de conservar e utilizar os bens e recursos confiados à sua gestão, buscando sempre um fim único: o bem comum da coletividade administrada.4 A prestação de contas confere efetividade à forma republicana que, segundo alguns autores, constitui uma limitação material implícita a qualquer tentativa de reforma constitucional. Consoante Guilherme Peña de Moraes, [...] duas matérias são também alcançadas pelas limitações implícitas, sem prejuízo da imodificabilidade da titularidade do poder constituinte, originário e derivado, e do procedimento de reforma constitucional, uma limitação material implícita corresponde à enumeração das cláusulas pétreas expressas, posto que não há a possibilidade de supressão de nenhuma limitação material explícita, com o escopo de impedir a aplicação da teoria da dupla reforma no ordenamento normativo brasileiro, à luz do art. 60, § 4º, da CRFB; outra limitação material implícita consiste na forma e sistema de governo, visto que não há a possibilidade de substituição da república pela monarquia, bem como presidencialismo pelo parlamentarismo, respectivamente, após o resultado do plebiscito de 21 de abril de 1993, ao teor dos arts. 1º, caput, e 76 da CRFB, bem como art. 2º do ADCT.5 3 A esse respeito vale lembrar o disposto no item XIV do Anexo ao Decreto nº 1171, de 22 de junho de 1994, que instituiu o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal: “XIV - São deveres fundamentais do servidor público: [...] c) ser probo, reto, leal e justo, demonstrando toda a integridade do seu caráter, escolhendo sempre, quando estiver diante de duas opções, a melhor e a mais vantajosa para o bem comum; d) jamais retardar qualquer prestação de contas, condição essencial da gestão dos bens, direitos e serviços da coletividade a seu cargo”. 4 APRESENTAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE RORAIMA. Disponível em: www.tce.rr.gov.br. Acesso em: dezembro 2010. 5 MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional. Teoria da Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 35-36. A análise das prestações de contas a que são submetidos os administradores públicos é realizada pelos Tribunais de Contas e pelo Poder Legislativo, no exercício do controle externo, que para isso contam com o suporte dos sistemas de controle interno implantados em cada Poder, órgão, instituição, etc. Vale transcrever a esse respeito o disposto nos artigos 71, caput e incisos I, II, IV, V, VIII, IX, X e XI, e 74, da Constituição Federal: Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; [...] IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; [...] VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X - sustar,se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. Como deflui dos dispositivos mencionados, as contas do presidente da república são “apreciadas”, ao passo em que as apresentadas àquele Tribunal pelos administradores e demais responsáveis por “dinheiros”, bens e valores públicos são “julgadas”. Além de fundamentos constitucionais e doutrinários, cumpre ainda mencionar precedentes jurisprudenciais sobre o tema, começando pelo Supremo Tribunal Federal: MS 25092 / DF - DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 10/11/2005 Órgão Julgador: Tribunal Pleno IMPTE.(S) : ANTONIO JOSÉ DE FARIAS SIMÕES ADV.(A/S) : ARLINDO CAMILO DA CUNHA FILHO E OUTRO (A/S) ADV.(A/S) : LYCURGO LEITE NETO IMPDO.(A/S) : TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA: FISCALIZAÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. ADVOGADO EMPREGADO DA EMPRESA QUE DEIXA DE APRESENTAR APELAÇÃO EM QUESTÃO RUMOROSA. I. - Ao Tribunal de Contas da União compete julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário (CF, art. 71, II; Lei 8.443, de 1992, art. 1º, I). II. - As empresas públicas e as sociedades de economia mista, integrantes da administração indireta, estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, não obstante os seus servidores estarem sujeitos ao regime celetista. III. - Numa ação promovida contra a CHESF, o responsável pelo seu acompanhamento em juízo deixa de apelar. O argumento de que a não-interposição do recurso ocorreu em virtude de não ter havido adequada comunicação da publicação da sentença constitui matéria de fato dependente de dilação probatória, o que não é possível no processo do mandado de segurança, que pressupõe fatos incontroversos. IV. - Mandado de segurança indeferido. Decisão Preliminarmente, por unanimidade, o Tribunal resolveu a questão de ordem formulada pelo Ministro Marco Aurélio, Relator do MS nº 25.181, e decidiu que o Consultor Jurídico do Tribunal de Contas da União pode, em nome deste, sustentar oralmente as razões do Tribunal, quando esteja em causa controvérsia acerca da competência do Órgão. No mérito, o Tribunal indeferiu o mandado de segurança. Votou o Presidente. Decisão unânime. Falaram, pelo impetrado, o Dr. Odilon Cavallari de Oliveira, Consultor Jurídico do TCU e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da República. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie e, neste julgamento, o Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, inc. I do RISTF). Plenário, 10.11.2005. Outras relevantes decisões foram proferidas pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no Ag 1286719 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2010/0046274-4 Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 21/09/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 08/10/2010 Ementa PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. TÍTULO EXECUTIVO FORMADO NO TCE EM RAZÃO DE IRREGULARIDADES NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PREFEITO. PESSOA JURÍDICA QUE MANTÉM A CORTE DE CONTAS. 1. De fato, entendia-se que a legitimidade para executar título executivo do Tribunal de Contas que condena Prefeito ao pagamento de multa em razão de irregularidades de prestação de contas era do Município. 2. No entanto, a questão foi revista por esta Turma e passou-se a considerar que as multas deverão ser revertidas ao Estado ao qual a Corte está vinculada, mesmo se aplicadas contra gestor municipal. 3. Dessarte, a legitimidade para ajuizar a ação de cobrança relativa ao crédito originado de multa aplicada a gestor municipal por Tribunal de Contas é do ente público que mantém a referida Corte - in casu, o Estado do Rio Grande do Sul -, que atuará por intermédio de sua Procuradoria. 4. Agravo regimental provido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento: "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins (Presidente) e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. REsp 723494 / MG RECURSO ESPECIAL 2005/0019337-2 Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 01/09/2009 Data da Publicação/Fonte DJe 08/09/2009 Ementa ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE. MAJORAÇÃO ILEGAL DA REMUNERAÇÃO E POSTERIOR TRANSFORMAÇÃO EM AJUDA DE CUSTO SEM PRESTAÇÃO DE CONTAS. DANO AO ERÁRIO. OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR O COMBALIDO COFRE MUNICIPAL. RESTABELECIMENTO DAS SANÇÕES COMINADAS NA SENTENÇA. 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra prefeito, vice-prefeito e vereadores do Município de Baependi/MG, eleitos para a legislatura de 1997/2000, imputando-lhes improbidade pelas seguintes condutas: a) edição das Leis 2.047/1998 e 2.048/1999, fixando seus subsídios para a mesma legislatura – em contrariedade aos arts. 29, V, e 37, XI, da Constituição –, sobretudo porque baseados em dispositivo da EC 19/98 não regulamentado; e b) edição, num segundo momento, da Lei 2.064/1999, que suspendeu as leis antes mencionadas e transformou em ajuda de custo os valores majorados às suas remunerações, independentemente de comprovação de despesas, com vigência até a regulamentação pendente. 2. O Juízo de 1º grau julgou procedente o pedido e declarou a inconstitucionalidade incidental e a nulidade das lei municipais, condenando os réus a devolverem os valores indevidamente recebidos, além de cominar as sanções previstas na Lei 8.429/1992. 3. A Corte de origem deu parcial provimento às Apelações dos réus para excluir a) a condenação ao ressarcimento e b) a cominação de sanções. 4. A despeito de ter reconhecido que as leis municipais em referência foram editadas em contrariedade à orientação do Tribunal de Contas do Estado e aos princípios da impessoalidade e da moralidade, o acórdão recorrido afastou integral e amplamente todas as conseqüências da improbidade por não ter vislumbrado má-fé e expressividade nos valores envolvidos. 5. O entendimento de que inexistiu má-fé é irrelevante in casu, pois a configuração dos atos de improbidadepor dano ao Erário e o dever de ressarcimento decorrem de conduta dolosa ou culposa, de acordo com os arts. 5º e 10 da Lei 8.429/1992. Precedentes do STJ. 6. A edição de leis que implementaram o aumento indevido nas próprias remunerações, posteriormente camuflado em ajuda de custo desvinculada de prestação de contas, enquadra a conduta dos responsáveis – tenham agido com dolo ou culpa – no art. 10 da Lei 8.429/1992, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário, sujeitando-os às sanções previstas no art. 12, II, da mesma lei. 7. No próprio acórdão consta que havia manifestações do Tribunal de Contas e do STF em sentido contrário à conduta por eles adotadas. 8. A ausência de exorbitância das quantias pagas não afasta a configuração da improbidade nem torna legítima sua incorporação ao patrimônio dos recorridos. Módicos ou não, os valores indevidamente recebidos devem ser devolvidos aos cofres públicos. Precedente do STJ. 9. Cabe lembrar que o valor da majoração excedeu os insuficientes recursos existentes, à época, para ações sociais básicas. 10. A condenação imposta pelo juízo de 1º grau foi afastada à míngua de fundamento jurídico válido, devendo ser restabelecida a sentença em parte, apenas com readequação da multa civil, por ter sido aplicada além do limite previsto no art. 12, II, da supracitada lei. 11. Diante do quadro fático delineado pela instância ordinária (transformação do inconstitucional aumento em ajuda de custo desvinculada de prestação de contas, em montante que ultrapassou a remuneração dos vereadores e quase alcançou a do então prefeito, em contraste com o insuficiente orçamento existente à época para a realização de ações sociais), é razoável fixar a multa em duas vezes o valor do dano. 12. O ressarcimento ao Erário do valor da majoração indevidamente auferida pelos recorridos impõe-se como dívida decorrente do prejuízo causado, independentemente das sanções propriamente ditas. 13. Recurso Especial parcialmente provido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator. CC 88899 / MG CONFLITO DE COMPETENCIA 2007/0191751-1 Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128) Órgão Julgador S3 - TERCEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 13/05/2009 Data da Publicação/Fonte DJe 04/06/2009 Ementa PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. MALVERSAÇÃO DE VERBAS DO FUNDEB. PREFEITO MUNICIPAL. NÃO-COMPLEMENTAÇÃO DO FUNDO PELA UNIÃO. NOVA SISTEMÁTICA TRAZIDA PELA LEI 11.494/07. PRESTAÇÃO DE CONTAS AO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 208/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. O FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação atende a uma política nacional de educação, sendo regulamentado pela Lei 11.494/07, que revogou a Lei 9.424/96 do antigo FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. 2. Compete aos Tribunais de Contas da União fiscalizar o cumprimento do disposto no art. 212 da Constituição, que trata do sistema de ensino no país, na hipótese de haver complementação da União na composição do fundo, conforme dispõe o art. 26, inciso III, da Lei 11.494/07. 3. Não ocorrendo a complementação do Fundo com recursos da União, inexiste o seu interesse direto na gestão desses recursos, sendo inaplicável a Súmula 208/STJ. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Comarca de Porteirinha/MG, ora suscitado. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitado, Juízo de Direito de Porteirinha - MG, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) e Laurita Vaz. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Nilson Naves e Napoleão Nunes Maia Filho. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti. No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, tem- se: Agravo de instrumento nº 70034367771 RELATOR: Nelson Antônio Monteiro Pacheco EMENTA: DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREFEITO MUNICIPAL DE URUGUAIANA NO PERÍODO DE 2001-4. PARECER DESFAVORÁVEL DO TCE NO TOCANTE À PRESTAÇÃO DE CONTAS. Manutenção pela Câmara Municipal de Vereadores com a rejeição da prestação de contas oferecida pelo agravante. Inexistência de qualquer ilegalidade ou vício formal no processo administrativo perante o Tribunal de Contas do Estado, ou mesmo na fase do processo político. Ausência de verossimilhança do direito alegado, a impedir a concessão da tutela antecipada. Inelegibilidade decorrente da LC-nº 64/90. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70034367771, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em 28/10/2010) TIPO DE PROCESSO: Apelação Cível NÚMERO: 70031053929 RELATOR: Matilde Chabar Maia EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITA MUNICIPAL. MUNICÍPIO DE BOA VISTA DO CADEADO. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. - Ilegitimidade passiva do Município declarada de ofício. A Câmara Municipal possui legitimidade ad processum quando em defesa de suas prerrogativas institucionais, caso dos autos. Precedentes. - O controle externo das contas municipais realizado pela Câmara de Vereadores com o auxílio do Tribunal de Contas (art. 31 da Constituição Federal) não pode ser exercido de modo abusivo e arbitrário, devendo assegurar, ainda que se trate de procedimento político-administrativo, as garantias do due process of law. - Rejeição das contas que se apresenta abusiva na casuística. Desconstituição dos Decretos Legislativos nºs 12/2005, 13/2005, 14/2005 e 19/2007. - No caso dos autos a prova da omissão quanto à obediência do devido processo legal é o que basta para o acolhimento do pedido. A existência de ato ímprobo deve ser provada na ação civil pública ajuizada para tal fim, sendo desnecessária a realização de prova pericial neste feito. DE OFÍCIO, DECLARARAM A ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO E, NO MÉRITO, NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. (Apelação Cível Nº 70031053929, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em 22/04/2010) CONCLUSÃO O princípio da prestação de contas é um vetor para a Administração Pública, em todas as suas esferas organizacionais. É o meio jurídico e também político-social de controle do emprego do dinheiro público. Em um Estado republicano, deveria ser mais do que natural “que cada governo eleito divulgasse suas metas concretas por setor e, periodicamente, prestasse contas do que foi feito, do que não pôde ser feito e das razões para tanto, sobretudo em um sistema, como o brasileiro, que admite a reeleição dos Chefes do Executivo”.6 6 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-sociale o controle jurídico no espaço democrático. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (org.). Direitos fundamentais. Orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 135.
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