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AURORA E TEREZA: O TEMPO EM LENÇÓIS E IMPRESSÕES
Tatiana Alves de Carvalho Costa
Professora do Curso de Jornalismo do UnilesteMG
RESUMO:
O presente trabalho pretende analisar dois vídeos realizados por pelo videomaker e antropólogo Kiko Goifman, em co-autoria com outros diretores. Nossa análise se dá a partir da estreita relação com o tempo, em seus diversos aspectos, apresentada nas obras.
Palavras-chave: vídeo, cinema, video-documenários
ABSTRACT:
This present work tries to analyse two videos made by the videomaker Kiki Goifman with others directors. This analyses starts with the close relation with time, in its many aspects, as seen in the videos.
Keywords: video, movie, video-documentary
INTRODUÇÃO:
Temos consciência das diferenças que marcam as particularidades do cinema e do vídeo. Nesse nosso trabalho, procuraremos, sempre que possível, aproximar essas duas linguagens, a partir dos aspectos fundantes da primeira, especialmente em relação à visualidade. A “narrativa fílmica” (PARENTE, 2003) aqui aplica-se tanto ao suporte fílmico (película) quanto ao magnético (vídeo). Entendemos que a linguagem cinematográfica serviu e serve de parâmetro para a linguagem videográfica e que o que se estabeleceu no campo do vídeo, por especificidades técnicas, é dotado de uma personalidade própria e distinta daquela do cinema, ainda que dela originária.� Mas essa discussão não está em nosso objetivos no momento.
Como base para análise, tomaremos as noções apresentadas por Deleuze e discutidas por Pelbart, em torno do conceito das “imagem-tempo” e das noções bergsonianas acerca da “atualidade” e da “virtualidade”, além da “narrativa não-verídica’, ou “falsificante”, apresentada por Parente, e seus desdobramentos.
As duas obras analisadas são video-documenários experimentais, realizados, como já citado, em vídeo. Tereza, tem duração de 12 minutos e foi lançado em 1992. A direção é de Kiko Goifman e Caco P. de Souza. Aurora, de 5 minutos, é uma produção de 2002, co-dirigido por Goifman e Jurandir Müller. 
LENÇOIS DE AURORA
Velhas prostitutas que fazem ponto no centro da cidade falam de suas vidas e contam suas histórias. Aurora é nome de uma rua da cidade de São Paulo, famosa por abrigar antigos prostíbulos. As mulheres de Aurora relatam fatos daquela época, de um passado que não se sabe real, se não por meio de suas vozes.
A narrativa se compõe de depoimentos e imagens das entrevistadas e de estátuas empoeiradas e danificadas, abrigadas no que parece ser um galpão abandonado. O fio que conduz o vídeo são as falas dessas mulheres. Essa falas constroem uma narrativa, contam uma história. O depoimento, o ato de contar uma história, é visto por nós como o princípio fabulador dessa própria história.
As vozes das mulheres preenchem quase que todos os cinco minutos do vídeo, em uma estrutura que se mantém do começo ao fim. Os planos das entrevistadas, em sincronia com suas falas, são poucos e curtos. Todos eles são closes ou planos-detalhe de partes do rosto. O que mais aparece delas, enquanto falam e fora da sincronia, são detalhes de seus corpos, em planos fixos ou em movimentos que os percorrem. Intercaladas a essas imagens, aparecem planos fixos das estátuas: ora abertos, em uma angustiante composição que revela abandono do lugar onde estão; ora fechados, revelando seus detalhes. As transições de uma imagem a outra são todas feitas em fusões.
No início do vídeo, os depoimentos remetem a um passado que parece distante: época em que elas faziam sucesso e ganhavam dinheiro com os corpos de sua juventude. Em vez de uma tentativa de reconstrução desses fatos, como em flash-backs ou, uma saída quase piegas de enfocar a emoção das mulheres em suas lembranças, os autores optaram por explorar as imagens das estátuas. 
A aparição das estátuas em Aurora evoca lembranças não só do que elas próprias poderiam ter sido (estátuas em praças, canteiros e pedestais, visíveis ao público, expostas ao ar livre) mas outras associações e visões de outros tempos, outras vidas. Em diálogo com essas lembranças, conexões às outras vidas daquelas prostitutas que hoje estão igualmente esquecidas. O autores demonstram uma capacidade de lidar com o que pode facilmente resvalar para a obviedade e o clichê – estátuas abandonadas/prostitutas decadentes. Em vez disso, costuram um diálogo rico, através da evocação das memórias destas mulheres, da vida intensa e sofisticada em ruas e endereços hoje marginais, de seus antigos hábitos e antigas diversões.
Nas imagens das estátuas editadas sobre a voz das prostitutas em off, poderíamos encontrar uma semelhança com o que Marguerite Duras, em Cesaré, nos força a ver - a absoluta falta de sincronia entre o que é ouvido e o que é visto. “Aurora” se aproxima disso, no sentido de não se utilizar de imagens com efeito ilustrativo. O que vemos é uma sobreposição de vozes. Antes de prosseguirmos, uma observação: vozes aqui tomam um sentido não do som inteligível emitido pelas mulheres; as vozes às quais nos referimos são os lugares das mensagens que conseguimos apreender do que é visto/ouvido/sentido e promovido por essa experiência, não mais sensório-motora, mas espaço-temporal.
Às palavras e aos silêncio emitidos pelas prostitutas, e que contam as histórias de suas vidas, nomeando e descrevendo lugares, pessoas, sensações e situações, somam-se as histórias contadas pelas imagens dos detalhes das estátuas e dos corpos das mulheres. Cada pedaço de pedra, cada fissura, trinca, fragmento, a poeira depositada, nos dizem do vento, das quedas, do sol, das praças e das ruas onde o tempo deixou suas marcas nas estátuas. A flacidez dos músculos e da pele, as rugosidades, as cicatrizes, os pêlos desbotados, também nos dizem de suas histórias. A imagem dispensa a palavra ilustrativa e nos deixa “ouvir” o tempo inscrito nelas.
As imagens do presente tomam forma, numa “bifurcação do tempo” (DELEUZE, 1990) de “imagens-lembrança” (BERGSON, 2000), que acionam em nós, espectadores, fragmentos de uma memória possível, de lembranças que não possuímos. Temos aqui a atualização de um virtual, ainda que nebulosa.
As imagens das estátuas ocupam o lugar de “imagens-lembrança” – em vez de reconstituições, de representação dos fatos passado, há a presentificação do próprio tempo decorrido, nas trincas das estátuas e nas rugas das mulheres, que aparecem em detalhes e nos falam desse tempo passado.
Essa imagens, as imagens do tempo inscrito na pele das prostitutas e na pedra das estátuas, abrem para uma fissura do tempo, um “corte no devir” (DELEUZE, 1990), em que há uma atualização do virtual no real, remetendo ao que Pelbart, a partir de Deleuze, chama de ”Todo”: 
“Quando dizemos que uma tal abertura faz as imagens se comunicarem com um passado imemorial, ou com um futuro longínquo, é porque esse Todo põe em relação justamente esses pontos distantes no tempo cronológico mas coexistentes no Tempo concebido como uma Terra mais profunda que toda cronologia, substância não estratificada.” (PELBART, 1998, p. 06)
Isso nos apresenta uma questão: se esses depoimentos e essas imagens nos colocam em uma relação direta com o Todo, que não está nem no passado, nem no futuro, mas nessa relação de presentificação, de que tempo, então, dizem essas mulheres? E mais, a partir disso, esses depoimentos, por serem deslocados no tempo, podem ser considerados verdadeiros?
Por ser um documentário, partimos de um acordo de que o que se coloca é real ou, pelo menos, verdadeiro. Não entraremos aqui em discussões sobre o estatuto do real. O que nos interessa aqui é saber de um estatuto de verdade que essas falas carregam. 
Entendemos que esse estatuto de verdade só pode ser alcançado no entendimento da construção da narrativa fílmica que, nesse caso, é apresentada como o que Parente chama de “narrativa não-verídica”. Não há reconstruções de fatos em flash-backs, numa tentativa de se alcançar uma verossimilhança nos relatos e trazer para o presenteum passado que talvez tenha existido, recheados de fatos que devem permanecer naquele outro tempo.
Nessa obra, 
“se os acontecimentos (...) não pertencem a nenhum presente, é porque ele não estão terminados. Há outra maneira de fazer os acontecimentos terminarem: dando-lhes um sentido. É precisamente a síntese que tem por objeto os acontecimentos e o diverso da realidade, que lhes confere um sentido, e, ao faze-lo, transforma o presente aberto e os acontecimentos incertos, insignificantes, em passado épico.” (PARENTE, 2000, pp. 41/42)
Temos aqui dois tipos de “acontecimento”: o acontecimento ao qual a fala das mulheres remete e o acontecimento da própria fala e da materialização do tempo na fala e nas marcas nos corpos das mulheres e das estátuas. 
Em uma das seqüências do documentário, uma composição mostra uma parte do galpão. Em primeiro plano, canos de metal que cortam a tela em diagonal e ao fundo, no canto direito, ocupando um pequeno espaço da tela, a estátua de uma mulher nua, de corpo inteiro, com o rosto virado para o que parece ser uma imensa janela imediatamente atrás dela. A imagem dura poucos segundos e é seguida, em uma lenta fusão, de um plano detalhe do rosto de uma prostituta, que tem rugas em torno dos olhos e da boca pintada de vermelho. Aí está a “presentificação”. A mulher conta de um passado, mas o que ela diz, nesse momento, importa menos que o próprio tempo inscrito na imagem da estátua empoeirada no canto da tela, como que imersa em um tempo imemorial, inerte, de costas para o presente, olhando para fora, para um possível futuro ou para um passado remoto, numa atitude eterna. Dialogando com isso, o tempo inscrito na pele da mulher nos diz do passado que ela viveu e do futuro que a espera. Esses dois planos intercalados nos apresentam os “lençóis” (DELEUZE, 1990), as várias camadas de que é feito o tempo e, ao mesmo tempo, o cristalizam. 
As estátuas abandonadas não são mostradas como fora de um fluxo temporal. A impressão que se tem é que elas não estão paradas no tempo, mas são as portadoras do próprio tempo - materializam a passagem do tempo. O tempo está inscrito nelas, mas elas são abandonadas no galpão como que à margem do tempo. Há, então, nessa seqüência, três tempos: o tempo incrustado na estátua, o tempo do qual elas estão fora, o tempo materializado na imagem - o tempo do acontecimento. O “tempo do agora” (BENJAMIN, 1987) encerra estes outros três tempos. Fazemos uma analogia aqui com o que Tarkovski chama de “tempo impresso”:
“A imagem cinematográfica, então, consiste basicamente na observação dos eventos da vida dentro do tempo, organizados em conformidade com o padrão a própria vida e sem descurar das suas leis temporais. As observações são seletivas: só deixamos que permaneça no filme aquilo que se justifica como essencial à imagem. Não que a imagem cinematográfica possa ser dividida e segmentada contra a sua natureza temporal; o tempo presente não pode ser dela removido. A imagem torna-se verdadeiramente cinematográfica quando (entre outras coisas) não apenas vive no tempo, mas quando o tempo também está vivo em seu interior, dentro mesmo de cada um dos fotogramas.” (pp. 77/78)
Voltemos, então, ao estatuto de verdade da fala das mulheres. A verdade dos fatos pouco importa; o que elas nos contam, não se sabe se houve ou não. O que se sabe é que há o que Eduardo Coutinho chama de “relação brutalmente documental”, ou uma “presentificação” dos fatos na e através da fala delas. Importa aqui, portanto, muito mais a relação da inscrição do tempo do que a verificação da veracidade do que é dito. 
A TEIA DE LENÇÓIS DE TEREZA
Tereza é uma corda feita com lençóis amarrados um aos outros, em nós que os colocam em uma seqüência linear. O documentário Tereza fala da vida na prisão, do ponto de vista dos detentos e de sua relação com o “tempo da cadeia”. Para Goifman, a noção de tempo para esses detentos opõe-se à noção de tempo compartilhada pelas sociedades urbanas contemporâneas (GOIFMAN, 1992, pp. 67/68): 
“O tempo dos fatos, relacionado aqui a uma dimensão concreta, impõe-se como ociosidade em geral e a ‘virada de cadeia’, trazendo eventualmente o tempo fugaz, vertiginosamente acelerado, o tempo da fuga e da morte, compõem um quadro complexo de articulação temporal na prisão. “ (GOIFMAN, 1992, p. 112) 
Além desses tempos citados, há ainda o ‘tempo da mente”, o “tempo ocioso” o “tempo do trabalho”, o “tempo perdido”, o “tempo do mundo da rua”. Somadas a essas representações, permanecem as idéias de presente, passado e de futuro. Tereza, o documentário, então, diferente da tereza, corda feita de lençóis usados para a fuga, e apresenta-se como uma teia de tempos entrelaçados, interconectados. 
Como em Aurora, o que conduz a narrativa são os depoimentos dos personagens. Aqui, os detentos contam não só suas histórias, mas emitem opiniões, divagam sobre a vida na cadeia, sobre a vida em geral, sobre a morte e a bandidagem. As imagens dos depoimentos sincronizadas com as falas são mais abundantes e tradicionais, inscritas no que Bernadet (2003) chama de “espaço da entrevista”: 
“o entrevistado fica no campo da câmera, geralmente de frente (de costas apenas quando o depoente não quer ser identificado); seu olhar passa rente à objetiva, à direita ou à esquerda, em direção ao entrevistado, que costuma ser o próprio realizador e que faz a pergunta à qual o entrevistado responde (...). A câmera filma o olhar que se dirige para sua fronteira.” (BERNADET, 2003, p. 286)
O olhar do entrevistado voltado para o extracampo nos diz ainda de um outro tempo, que traz uma dupla constituição: a de presente, o tempo da entrevista; e a de passado, em relação ao que se vê no tempo do agora.
Para dar conta desse emaranhado de presentações temporais, o documentário nos apresenta, em algumas seqüências, um emaranhado de imagens. Essa apresentação aparece logo na seqüência inicial. Saindo em fade out de uma tela preta, temos uma outra tela dividida em duas partes desiguais: de um lado, uma estreita faixa preta; do outro, uma imagem composta de sobreposições em seqüência. Nessas sobreposições, vêem-se grades de celas, um corredor em plano aberto e em profundidade, por onde se aproximam figuras humanas; um movimento da câmera pelo torso de um homem que tem uma das mãos levada ao peito até alcançar o rosto em um plano fechado; portas e janelas gradeadas; linhas diagonais. Simultâneas a essas sobreposições, temos, na estreita faixa preta, o movimento de uma espécie de escala, com números marcando seus intervalos de fora irregular e numa contagem não linear: 155, 25623, 213, 12, 157, 10532, 16, XI, 666...
Essa seqüência dura pouco mais que quinze segundos, numa profusão de imagens que nos apresentam, logo nesse início do vídeo, a difícil separação dos tempos que se seguem representados nele. Essas fusões e superimposições dialogam com as configurações espaço-temporais às quais estão expostos os personagens, não por força da narrativa, da construção fílmica, mas por força da própria realidade à qual eles pertencem. 
Numa outra seqüência, um dos detentos conta como é a vida dos homossexuais na cadeia, descreve os comportamentos comuns a todos desse grupo e conta dos relacionamento que manteve com outros presos. As imagens intercaladas são as do próprio detento, em planos médios e detalhe, sempre com o olhar direcionado para o extracampo, e imagens de celas. Os planos das celas apresentam um movimento que mais esconde que mostra o que há nelas. Sempre com as grades em primeiro plano, essas imagens trabalham com uma profundidade de campo que deixa o interior das celas muito pouco iluminado e nítido. 
As histórias que esse detento conta, de acontecimentos no interior das celas, se presentificam no ar de mistério que é dado à cena. Em uma dessas composições, a câmera realiza um movimento vertical, de cima para baixo, acompanhando a verticalidade das grades, e encontra-se com três homens encostados nessas grades,em um plano-conjunto. Dois deles, estão apoiados, com os braços pendentes para o lado de fora da dela, do outro, vê-se apenas parte do corpo. No fundo, estão o que parecem ser camas e roupas; pelo posicionamento e composição, pouco se pode distinguir da massa amorfa que se coloca atrás deles. É ali que se dá a ação – no misterioso escuro/passado da cela, através do que Deleuze chama de “metafísica da imaginação” (1990, p. 75). 
Uma outra presentação do tempo, dessa vez numa tentativa de apresentação do tempo passado, são as imagens captadas de câmeras de circuito interno. Os detentos falam de crimes em uma seqüência. Em outra, sem que haja fala, são mostradas imagens de um assalto ao que parece ser um banco. A textura das imagens nos leva a identificá-las como tendo sido captadas por uma câmera de vigilância - se esse fato é verdadeiro ou não, pouco nos importa nessa nossa análise. O que nos importa aqui é a re-presentação do presente. Não é um flash-back - é a própria ação passada que se dá diante de nossos olhos. Em um plano aberto, homens apontam armas em direção às pessoas enfileiradas de um lado de um balcão. As pessoas que estão do outro lado do balcão ou enchem sacolas com o que parece ser dinheiro ou têm suas mãos levantadas acima da cabeça. Num corte seco, numa supressão do tempo decorrido, volta-se para o mesmo enquadramento, com os homens deixando a cena do crime. 
Além dessas presentações do tempo, as imagens tentam dar conta de uma representação do espaço da prisão: cortinas e tarjas negras (efeito wipe) recriam o espaço a tela, comprimindo o olhar do/no preso, escondendo e/ou mostrando seu rosto. A primeira imagem, do primeiro depoimento, mostra o rosto um homem, ainda não identificado, no centro da tela, envolvido por uma grossa moldura preta, uma máscara colocada na edição que possibilita essa recriação do espaço da tela. Essa composição reproduz a impressão de clausura, do espaço reduzido da cela, mas o homem não está atrás de grades. Ainda não sabemos se ele é um detento, mas sabemos ali, naquele momento, que ele se encontra em uma situação de opressão: comprimido no centro da tela.
AURORA E TEREZA SEM LENÇÓIS
As duas obras nos trazem interessantes reflexões sobre o tempo impresso. Porém, essas presentações do tempo não se dão na totalidade dos vídeos. Elas são entre-vistas em espécies de fissuras, planos ou seqüências cuja estrutura não se repete ao longo dos documentários. Tanto em Aurora, quanto em Tereza, por vezes, deixa-se escapar a essência, “aquilo que permanece” em relação ao tempo. 
As imagens das estátuas abandonadas junto a restos de material de construção (ou será de demolição?) duram muito pouco, quase correm. A velocidade da sucessão de transições, ainda que realizadas em fusões tidas como lentas para o vídeo, quase que atropela a história e a abertura para uma possível fabulação proposta pelos quadros parados, pelas estátuas imóveis em plano aberto. Apesar disso, Aurora não nos mostra a transição de um estado (no passado) para o outro (no presente), mas as marcas dessa transição. O movimento realizado pela câmera, em um dos planos-seqüência, remete ao movimento da inscrição do tempo na matéria. Mas as seqüências em que esses movimentos aparecem são poucas e rápidas. 
A profundidade de campo nas cenas dos corredores da prisão em Tereza também passam velozes, sem dar tempo para que possam ser fabuladas, a partir delas as histórias dos presos, do que se passa no interior das celas. Um dos planos, por demais curto, nos mostra um corredor de portas abertas. A liberdade momentânea dos presos que ali habitam pode ser comparada à fuga do tempo, que escorre como areia pelos dedos do espectador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. São Paulo: Papirus, 2003.
BERGSON, Henri. Da sobrevivência as imagens - a memória e o espírito. In.: Matéria e memória: ensaio sobre a relação o relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 
BERNADET, Jean-Claude. A entrevista. In.: Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
DELEUZE, Gilles. Cinema I: A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.
______________. Cinema II: A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
GOIFMAN, Kiko. Valetes em slow motion – a morte do tempo na prisão: imagens e textos. Campinas: Editora da UNICAMP, 1998.
GUIMARÃES, César. Imagens da memória. Entre o legível e o visível. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1997.
PARENTE, André. Narrativa e modernidade. Os cinemas não-narrativos do pós-guerra. Campinas: Papirus, 2000.
PELBART, Peter Pál. O tempo virtual. In.: O tempo não-reconciliado: imagens de tempo em Deleuze. São Paulo: Perspectiva / FAPESP, 1998.
TARKOVSKI, Andrei. O tempo impresso. In.: Esculpir o tempo. Martins Fontes: São Paulo, 1998.
� Vários autores se debruçaram sobre o tema, citamos aqui alguns deles: MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e Pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997 e ARMES, Roy. On Vídeo. São Paulo: Summus, 1999.
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