Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FACULDADE ANÍSIO TEIXEIRA – FAT ACADÊMICO: LUIZ EDUARDO MARQUES LIMA CURSO: DIREITO, V SEMESTRE, N02. PROFESSOR: RICKSON OITAVEN SAMPAIO TRABALHO DE PROCESSO PENAL (TEORIA GERAL DA PROVA E PROVAS EM ESPÉCIE NO DIREITO PROCESSUAL PENAL) TEORIA DA PROVA. A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos investigativos no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade. Por mais difícil que seja e por mais improvável que também seja a hipótese de reconstrução da realidade histórica (ou seja, do fato delituoso), esse é um compromisso irrenunciável da atividade estatal jurisdicional. Monopolizada a jurisdição, com a rejeição de qualquer forma de solução privada e unilateral dos conflitos (sociais, coletivos ou individuais), impõe-se a atuação do Direito, sempre que presente uma questão penal, entendendo-se por essa a prática de determinada conduta, por alguém, definida em Lei como crime, porque suficiente para causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem ou valor juridicamente protegido. Assim, ainda que prévia e sabidamente imperfeita, o processo penal deve construir uma verdade judicial, sobre a qual, uma vez passada em julgado a decisão final, incidirão os efeitos da coisa julgada, com todas as suas consequências, legais e constitucionais. O processo, portanto, produzirá uma certeza jurídica, que pode ou não corresponder à verdade da realidade histórica (da qual, aliás, em regra, jamais se saberá), mas cuja pretensão é a de estabilização das situações eventualmente conflituosas que vêm a ser o objeto da jurisdição penal. Para a consecução de tão gigantesca tarefa, são disponibilizados diversos meios ou métodos de prova, com os quais (e mediante os quais) se espera chegar o mais próximo possível da realidade dos fatos investigados, submetidos, porém, a um limite previamente definido na CF: o respeito aos direitos e às garantias individuais, do acusado e de terceiros, protegidos pelo imenso manto da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente. O exame acerca dos meios de prova disponíveis, bem como da idoneidade e da capacidade de produção de certeza que cada um deles pode oferecer, deve ser precedido da identificação dos princípios e das regras gerais a eles aplicáveis. a) Contraditório e ampla defesa. Lembraremos apenas que o contraditório, cuja compreensão até a década de 1970 limitava-se à garantia de participação das partes no processo, com o direito à informação oportuna de toda prova ou alegação feita nos autos, bem como a possibilidade de reação a elas, passou, com a doutrina do italiano Élio Fazzalari, a incluir também o critério de igualdade ou da par carditio (paridade de armas), no sentido de que a participação, então garantida, se fizesse em simétrica paridade. Com a ampla defesa, ou com o princípio da ampla defesa, a participação do acusado no processo penal completa-se (e agiganta-se), pois passa a ser exigida não só a garantia de participação, mas a efetiva participação, assegurando que o réu tenha uma efetiva contribuição no resultado final do processo. E, por fim, é de se registrar, mais uma vez, que a ampla defesa autoriza até mesmo o ingresso de provas obtidas ilicitamente, desde que, é claro, favoráveis à defesa. E nem poderia ser de outro modo. Primeiro, porque, quando a obtenção da prova é feita pelo próprio interessado (o acusado), ou mesmo por outra pessoa que tenha conhecimento da situação de necessidade, o caso será de exclusão da ilicitude, presente, pois, uma das causas de justificação: o estado de necessidade. Mas mesmo quando a prova for obtida por terceiros sem o conhecimento da necessidade, ou mesmo sem a existência da necessidade (porque ainda não iniciada a persecução penal, por exemplo), ela poderá ser validamente aproveitada no processo, em favor do acusado, ainda que ilícita a sua obtenção. E assim é porque o seu não aproveitamento, fundado na ilicitude, ou seja, com a finalidade de proteção ao direito, constituiria um insuperável paradoxo: a condenação de quem se sabe e se julga inocente, pela qualidade probatória da prova obtida ilicitamente, seria, sob quaisquer aspectos, uma violação abominável ao Direito, ainda que justificada pela finalidade originária de sua proteção (ao Direito). Diríamos, assim, que o contraditório e a ampla defesa constituem a base estrutural do devido processo legal, em que, ao lado do princípio da inocência, autorizam a afirmação no sentido de ser o processo penal um instrumento de garantia do indivíduo diante do Estado. Dignos de destaque são as recentes modificações do art. 306, do CPP, primeiro com a Lei nº 11.449/07, e, depois, com a Lei nº 12.403/11. Embora o texto atual do citado art. 306 não mais contemple a necessidade de comunicação imediata de toda prisão (prazo máximo de 24 horas) à Defensoria Pública, limitando a se referir apenas ao juiz, ao MP e aos familiares do preso, é bem de ver que o atual art. 289-A, §4º, CPP, repete a necessidade de comunicação imediata da prisão à Defensoria, sempre que o aprisionado não indicar advogado. b) Princípio da identidade física do juiz. O nosso Código de Processo Penal, depois de quase setenta anos, passou a incorporar a regra (ou princípio) da identidade física do juiz, ao dispor, por força da Lei nº 11.719/08, que “o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença” (art. 399, §2º, CPP). O provimento judicial final deve demonstrar sempre um juízo de certeza, quando condenatória a sentença. E essa, a certeza, de tão difícil obtenção, deve cercar-se das maiores cautelas. Daí a exigência de o juiz da instrução ser o mesmo da sentença alinha-se com um modelo processual que valoriza o livre convencimento motivado e da persuasão racional, dado que se põe como mediação (da prova para a sentença) para a formação da convicção do magistrado. CONCEITO DE PROVA. O termo prova origina-se do latim – probatio -, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Dele deriva o verbo provar – probare – significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar. Na verdade, há três acepções da palavra prova: Prova como atividade probatória: consiste no conjunto de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade dos fatos relevantes para o julgamento. Nesse sentido, identifica-se o conceito de prova com a produção dos meios e atos praticados no processo visando ao convencimento do juiz sobre a veracidade (ou não) de uma alegação sobre um fato que interesse à solução da causa. Sob esse prima, pode se dizer que há, para as partes, um direito à prova. Esse direito à prova (right to evidence, em inglês) funciona como desdobramento natural do direito de ação, não se reduzindo ao direito de propor ou ver produzidos os meios de prova, mas, efetivamente, na possibilidade de influir no convencimento do juiz. Com efeito, de nada adianta o Estado assegurar à parte o direito de ação, legitimando a propositura da demanda, sem o correspondente reconhecimento do direito de provar, ou seja, do direito de se utilizar dos meios de prova necessários a comprovar, perante o órgão julgador, as alegações feitas ao longo do processo. Há de se assegurar às partes,portanto, todos os recursos para o oferecimento da matéria probatória, sob pena de cerceamento de defesa ou de acusação. Prova como resultado: caracteriza-se pela formação da convicção do órgão julgador no curso do processo quanto à existência (ou não) de determinada situação fática. É a convicção sobre os fatos alegados em Juízo pelas partes. Por mais que não seja possível se atingir uma verdade irrefutável acerca dos acontecimentos ocorridos no passado, é possível atingir um conhecimento processualmente verdadeiro acerca dos fatos controversos inseridos no processo sempre que, por meio da atividade probatória desenvolvida, sejam obtidos elementos capazes de autorizar um determinado grau de certeza acerca da ocorrência daqueles mesmos fatos. Prova como meio: são os instrumentos idôneos à formação da convicção do órgão julgador acerca da existência (ou não) de determinada situação fática. VERDADE PROCESSUAL PENAL E SEUS CRITÉRIOS. Exatamente a gravidade das consequências do Direito Penal a as dificuldades inerentes ao conhecimento humano exigem maiores cautelas na formação do convencimento judicial. É impensável, por exemplo, que o juiz criminal se utilize de critérios meramente formais para construir a certeza no seu julgamento, como é o caso do art. 302, do CPC, que autoriza o juiz cível a reputar verdadeiros os fatos não impugnados na contestação. Reputar verdadeiros os fatos é renunciar a qualquer esforço na construção do convencimento judicial. Em processo penal, portanto, a certeza judicial há que se fundar em prova, jamais na ineficiência da atuação da defesa. Relembre-se, contudo, de que não existe princípio constitucional da ampla acusação. O Estado não pode arvorar-se à condição de divindade. Ampla defesa significa a mais completa abertura para o conhecimento da imputação, sempre no interesse do acusado. Não porque ele deva ser tratado como um hipossuficiente; mas em razão da falibilidade e precariedade de todo processo de conhecimento e da gravidade das sanções do Direito Penal. DISTINÇÃO ENTRE PROVA E ELEMENTOS INFORMATIVOS. Com as alterações produzidas pela Lei nº 11.690/08, passou a constar expressamente do art. 155 do CPP a distinção entre prova e elementos informativos. A palavra prova só pode ser usada para se referir aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório (ainda que diferido) e da ampla defesa. Por outro lado, elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes. Dito de outro modo, em relação a eles, não se impõe a obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa, vez que nesse momento ainda não há falar em acusados em geral na dicção do inciso LV do art. 5º da CF. Se esses elementos de informação são produzidos sem a obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa, questiona-se acerca da possibilidade de sua utilização para fundamentar uma sentença condenatória. Ao longo dos anos, sempre prevaleceu nos Tribunais o entendimento de que, de modo isolado, elementos produzidos na fase investigatória não podem servir de fundamento para um decreto condenatório, sob pena de violação ao preceito constitucional do art. 5º, inciso LV, que assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. No entanto, tais elementos podem ser usados de maneira subsidiária, complementando a prova produzida em juízo sob o crivo do contraditório. Como já se pronunciou a 2ª Turma do STF, os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em Juízo. JURISPRUDÊNCIA: Não estando a decisão que ordenou a preventiva embasada única e exclusivamente nos elementos informativos colhidos através de prova emprestada – escuta telefônica devidamente autorizada judicialmente -, justificando-se a prisão também a bem da aplicação da lei penal, diante da evasão do paciente distrito da culpa, não há o que se falar em desobediência ao previsto no art. 155 do CPP, até porque devidamente motivado o decreto de custódia antecipada. Permitem tanto a doutrina quanto a jurisprudência a utilização de prova emprestada no processo criminal, desde que tenha sido produzida legalmente, ambas as partes dela tenham ciência e seja-lhes garantido o direito ao contraditório. A prova emprestada sub examine é lícita, porque produzida sem violação às normas constitucionais ou legais (art. 157, caput, do CPP), e legítima, vez que obtida em respeito às regras processuais. Não há ofensa ao princípio do due processo of law, do qual são corolários os princípios da ampla defesa e do contraditório, diante da juntada em apenso, por ordem judicial, aos autos da ação penal, de cópia da interceptação telefônica produzida através do inquérito policial em que se investigava a continuidade da prática criminosa imputada ao paciente e demais membros de quadrilha especialmente voltada ao cometimento de crimes de contrabando ou descaminho de cigarros oriundos do Paraguai, pois além de não ter sido utilizada como único subsídio para a manutenção da prisão preventiva, com tal procedimento permitiu-se às partes ciência integral de teor das gravações, e, via de consequência, que fossem devidamente contraditadas, antes do julgamento da apelação crimina em curso perante o TRF da 4ª Região. Ademais, a defesa do réu, bem antes de o feito ser encaminhado à Corte originária, teve acesso à integralidade da representação criminal impugnada, e, consequentemente de prova ali contidos. Ordem denegada (Hapeas Corpus nº 126.302-PR, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23.6.2009, publicado no DJ em 3.8.2009). “Ofende a garantia constitucional do contraditório fundar-se a condenação exclusivamente em elementos informativos do inquérito policial não ratificados em juízo” (Informativo STF nº 366). In casu, o Tribunal de origem fundamentou sua convicção somente em depoimento policial, colhido na fase do inquérito policial, e em confissão extrajudicial retratada em Juízo, deixando de indicar qualquer prova produzida durante a instrução criminal e , tampouco, de mencionar que aludidos elementos foram corroborados durante a instrução criminal. Ordem concedida (Habeas Corpus nº 124.438-ES, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 5.5.2009, publicado no DJ em 3.8.2009). LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. O princípio do livre convencimento motivado (ou persuasão racional), essencialmente, é uma conquista da modernidade, na linha da superação do chamado positivismo legalista, no qual a função do juiz deveria se resumir à reprodução da “boca da lei”. A exigência de motivação do julgado, porém, e, mais que isso, é uma afirmação da proeminência de um modelo garantista de processo penal, no qual a participação da defesa deve ser a mais ampla possível, como impugnação dialética à(s) imputação(ões) feita(s) ao acusado. É livre o convencimento quando o juiz não se vê obrigado a fazer prevalecer um ou outro meio de prova, como se, previamente, houvesse uma definição quanto à superioridade de um deles. Não há, nesse sentido, uma hierarquia legal quanto aos meios de prova. De outro lado, a exigência de certa especificidade da prova, ou seja, de se querer a demonstração de determinados fatos por determinados meios de prova, não contraria o princípio do livre convencimento,ajustando-se perfeitamente ao citado modelo garantista. PROVAS CAUTELARES, IRREPETÍVEIS E ANTECIPADAS. Provas cautelares: são aquelas em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova em razão do decurso do tempo, em relação às quais o contraditório será diferido. Podem ser produzidas no curso da fase investigatória ou durante a fase judicial, sendo que, em regra, dependem de autorização judicial. É o que acontece, por exemplo, com uma interceptação telefônica. Tal medida investigatória, que tem no elemento da surpresa verdadeiro pressuposto de sua eficácia, depende de prévia autorização judicial, sendo que o investigado só terá conhecimento de sua realização após conclusão das diligências. Quando estamos diante de medidas cautelares inaudita altera parte, a parte contrária só poderá contraditá-la depois de sua concretização, o que é denominado pela doutrina contraditória diferido, postergado ou adiado. Provas irrepetíveis: são aquelas que, uma vez produzidas, não tem como ser novamente coletada ou produzida, em virtude do desaparecimento, destruição ou perecimento da fonte probatória. Podem ser produzidas na fase investigatória e em Juízo, sendo que, em regra, não dependem de autorização judicial. Exemplificando, suponha-se que alguém tenha sido vítima de lesões corporais de natureza leve. O exame pericial levado a efeito imediatamente após prática do delito dificilmente poderá ser realizado novamente, já que os vestígios deixados pela infração penal irão desaparecer. Perceba-se que, nos mesmos moldes do que ocorre com as provas cautelares, o contraditório também será diferido em relação às provas não repetíveis. Para que possam ser utilizadas no curso do processo, imperiosa será a observância do contraditório sobre a prova, permitindo que as partes possam discutir sua admissibilidade, regularidade e idoneidade. Bom exemplo disso, aliás, é o quanto previsto no art. 159, §5º, inciso I, do CPP, que permite às partes, durante o curso do processo judicial, requerer a oitiva dos peritos para esclarecimento da prova ou para responderem a quesitos. Provas antecipadas: são aquelas produzidas com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, em momento processual distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de urgência e relevância. Tais provas podem ser produzidas na fase investigatória e em Juízo, sendo indispensável prévia autorização judicial. É o caso do denominado depoimento ad perpetuam rei memoriam, previsto no art. 225 do CPP. Supondo-se que determinada testemunha presencial do delito esteja hospitalizada, em grave estado de saúde, afigura-se possível a colheita antecipada de seu depoimento, o que será feito com a presença do juiz, e com a participação das partes sob contraditório. Na visão dos Tribunais Superiores, a inquirição de testemunha, por si só, não pode ser considerada prova urgente, e a mera referência aos limites da memória humana não é suficiente para determinar a medida excepcional. Sobre o assunto, dispõe a Súmula nº 455 do STJ que “a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo”. ESTADO DA PESSOA E MEIO DE PROVA. É dizer: em relação ao estado da pessoa, exige-se, em princípio, a prova oficial, isto é, aquela objetividade validada pelo Estado para o exercício cotidiano das relações jurídicas entre privados e entre públicos e privados. No entanto, tais provas, também em princípio, têm validade iuris tantum, podendo ser infirmadas em determinadas e específicas situações. Exigir-se a prova oficial é ampliar a possibilidade e a validade do conhecimento judicial; jamais poderá se prestar a escamotear a realidade concreta do mundo da vida, quando houver contradição entre este e aquele (da prova oficial). JURISPRUDÊNCIA: [...] Girando a questão, relevantíssima questão, em torno da melhor forma de comprovação da idade das vítimas – se por documento público ou se mediante prova testemunhal tão só -, a melhor prova das indicações é no sentido de que exija a melhor prova, sempre e sempre. Tratando-se, como se trata, de matéria penal a envolver um dos mais relevantes bens da vida – a liberdade -, o melhor dos entendimentos é o de que, no caso, a melhor prova é a documental. Embargos de divergência conhecidos, porém rejeitados (EResp. nº 762.043-RJ, STJ, 3ª Seção, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 29.10.2008, publicado no DJ em 4.3.2009). PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA E ÔNUS DA PROVA. Evidentemente, resulta da afirmação de que “ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” uma regra de tratamento também em matéria de prova. A condição ou status jurídico de inocente implica dizer que a culpa ou a responsabilidade penal de alguém há de ser demonstrada pelos órgãos de acusação. É possível também deduzir a exigência do ônus probatório da acusação até mesmo a partir da definição do critério de certeza judicial que orienta o processo penal. Se o método empregado é o da verdade material, isto é, o do convencimento judicial fundado em prova e não na deficiência da atuação defensiva, há que se concluir que não poderia caber ao acusado a prova da sua não culpabilidade. Se é necessária a certeza provada para a condenação, fundada, pois, em material probatório efetivamente produzido em juízo, há que se concluir caber à acusação, sobretudo ao Ministério Público, titular da ação penal pública, os ônus da prova do fato, da autoria e das circunstâncias e demais elementos que tenham qualquer relevância para a afirmação do juízo condenatório. Quando a defesa suscitar a incidência de qualquer excludente fática (de fato) da ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa etc.) ou mesmo de culpabilidade, haverá uma ampliação do objeto do processo, atribuída, exclusivamente, como regra, a ela (defesa). Não é necessário, por exemplo, que o MP se disponha a comprovar, em todo e qualquer processo penal, a imputabilidade penal do acusado, ou seja, a ausência de qualquer causa de inimputabilidade. À acusação cabe, em princípio, atribuir a imputabilidade, se inexistentes elementos informativos em sentido contrário. Sequer seria possível também exigir que a acusação, já na peça de ingresso, se preparasse para comprovar em juízo a inexistência de todas as possíveis excludentes, desconhecendo aquelas que efetivamente seriam suscitadas pelo réu na fase da resposta escrita (art. 396, CPP). É ônus da defesa, portanto, desincumbir-se da prova do fato por ela alegado, desde que não constante da peça acusatória. A ressalva que fazemos decorre do fato de que, em algumas ocasiões, o próprio membro do MP, ao exame do material resultante da fase de investigação, cuida de apontar a inexistência da excludente, em razão das particularidades de cada caso concreto. Em resumo: a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Como regra. JURISPRUDÊNCIA: [...] A apreensão e a perícia da arma de fogo utilizada no roubo são desnecessárias para configurar a causa especial de aumento de pena, mormente quando o depoimento da vítima é firma sobre sua efetiva utilização na prática da conduta criminosa. A regra é que uma arma possua potencial lesivo; o contrário, a exceção. Se assim alega o acusado, é dele o ônus dessa prova (art. 156 do CPP). Se ficou comprovada a utilização da arma de fogo, como no caso concreto, o ônus de demonstrar eventual ausência de potencial lesivo deve ficar a cargo da defesa,sendo inadmissível a transferência desse ônus à vítima ou à acusação, por uma questão de isonomia, porquanto inúmeros fatores podem tornar a prova impossível. Segundo iterativa jurisprudência desta Corte, a presença de mais de uma circunstância de aumento de pena no crime de roubo não é causa obrigatória de majoração da punição em percentual acima do mínimo previsto, a menos que seja constatada a existência de circunstâncias que indiquem a necessidade da exasperação. No caso concreto, as instâncias ordinárias decidiram aplicar o aumento de ½ na pena-base em razão da existência de três causas de aumento de pena, quais sejam, concurso de agentes, emprego de arma de fogo e privação da liberdade da vítima. Registraram como excepcionalidade que ensejasse a majoração acima de um terço o número elevado de agentes envolvidos (quatro), o uso de arma semiautomática, o longo tempo de cativeiro das vítimas e a ameaça de cortarem fora a mão de criança de dois anos de idade diante da mãe do infante. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial (Habeas Corpus nº 127.673-SP, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 6.8.2009, publicado no DJ em 14.9.2009). CONCEITO DE ILICITUDE DA PROVA E SUA INADMISSIBILIDADE. A prova ilícita significa a prova obtida, produzida, introduzida ou valorada de modo contrário à determinada ou específica previsão legal. A ilicitude da prova e sua inadmissibilidade decorrem de uma opção constitucional perfeitamente justificada em um contexto democrático de um Estado de Direito. A afirmação dos direitos fundamentais, característica essencial de tal modalidade política de Estado, exige a proibição de excesso, tanto na produção de leis quanto na sua aplicação. Não se pode buscar a verdade dos fatos a qualquer custo, até porque, diante da falibilidade e precariedade do conhecimento humano, no final de tudo o que poderá restar será apenas o custo a ser pago pela violação dos direitos, quando da busca desenfreada e sem controle da prova de uma inatingível verdade real. Daí a inadmissibilidade da prova ilícita, à maneira das exclusionary rules do direito estadunidense. Ora, nem sempre, a obtenção de uma prova se dá com tais violações. JURISPRUDÊNCIA: [...] A produção e divulgação de imagem de vídeo quando da abordagem policial em “local público” não viola o art. 5º, inc. X, da CF, posto preservar o referido cânone a “intimidade”, descaracterizando a ilicitude da prova. Precedentes: HC 87.341/PR, Rel. O Min. Eros Grau, DJ de 3/3/2006, e RE 402717, Rel. Min. Cezar Peluso, 2ª T., Dje030 pub. Em 13.2.2009. In casu, o recorrente e outrem, policiais civis, abordaram a vítima e apresentaram a ela um invólucro contendo droga, dizendo que o embrulho lhe pertencia e que iriam flagrá-la caso não obtivessem determinado valor, sendo certo que a condenação, confirmada em apelação e revisão criminal, teve esteio também em provas testemunhais [...] (Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 108.156, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 28.6.2011, publicado no DJ em 10.8.2011). NAS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS CLANDESTINAS. É comum e frequente a afirmação no sentido de que “a gravação clandestina, Isto é, sem o conhecimento do interlocutor, constitui prova ilícita”. No entanto, para que de ilicitude se cuide, é necessário que a pessoa clandestinamente gravada esteja, efetivamente, no exercício de direito. Não se pode pensar na proteção da intimidade ou privacidade daquela que esteja a praticar ato ilícito, ou seja, em flagrante delito. Note-se, contudo, que a situação de flagrante, isto é, a comprovação da prática de ilícito por parte do agente (gravado), nem sempre poderá significar a não incidência da ilicitude. Para que tal ocorra, será preciso que a gravação ambiental tenha início e se justifique unicamente em razão da ação ilícita então desenvolvida ou em curós pelo agente gravado. Gravações e interceptações colocadas em razão de suspeitas de ações criminosas, em princípio, são ilícitas, se descumpridas as exigências legais específicas, como é o caso da necessidade de autorização judicial. EXCLUDENTES DE ILICITUDE. Há hipóteses em que a obtenção da prova sequer chagaria ao campo da ilicitude (não incidência), em razão da inexistência de violação ao direito subjetivo da pessoa contra quem teria sido produzida. Existem situações, porém, em que a conduta praticada por ocasião da produção da prova, por si só, e, em princípio, se subsumiria a um tipo ou modelo normativo de ação proibida (juízo de tipicidade). Assim ocorrerá, por exemplo, na hipótese em que o agente, réu em determinada ação penal, invada o domicílio de alguém em busca da prova de sua inocência (supondo-as existentes, é claro). Embora realizado o tipo penal do art. 150, CP (violação de domicílio), se fará presente uma excludente legal de ilicitude, o estado de necessidade (art.24, CP), com o que não se poderá invalidar a prova assim obtida. Há determinadas situações em que a ação do agente, embora enquadrada em norma proibitiva específica, seria plenamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto, do mesmo modo que ocorre em relação à legítima defesa, ao estado de necessidade, ao exercício regular do direito etc., que configuram as chamadas causas (legais) de exclusão da ilicitude. Algo que poderíamos denominar como justa causa ou como causa justa. O APROVEITAMENTO DA PROVA ILÍCITA PARA A DEFESA. Ora, não se admite a prova obtida ilicitamente como meio de melhor e mais amplamente se tutelarem os direitos subjetivos normalmente em risco na fase de produção de provas. É dizer, não basta garantir direitos subjetivos como aqueles relativos à privacidade, à intimidade e à imagem (art. 5º). É preciso atribuir consequências relevantes à violação deles. Por isso, existem normas penais e não penais prevendo sanções às violações de direitos individuais (ver, p. ex, art. 10, Lei nº 9.296/96, em relação às interceptações telefônicas) in verbis: Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa. Assim, a inadmissibilidade da prova ilícita, para além de configurar uma opção ética do Estado, a incentivar a observância das regras jurídicas, surge como um verdadeiro reforço na proteção de tais direitos, invalidando quaisquer iniciativas abusivas por parte de quem deve submeter-se, com maiores razões, ao devido processo legal. Com tais considerações, poucas, mas suficientes, percebe-se o inevitável paradoxo que resultaria da inadmissibilidade de uma prova ilícita que demonstrasse a inocência de alguém, indevidamente acusado. Recusar- se-ia a prova com objetivo de melhor tutelar o Direito (razão da norma constitucional), à causa, porém, da condenação de quem, pela qualidade de convencimento da prova, se julga inocente. Equação final: condenação do inocente para proteger direitos outros, como se o primeiro fosse inferior. Valeria aqui a objeção kantiana, segundo a qual “o homem é um fim em si mesmo, não podendo ser instrumentalizado a serviço do bem comum”, não fosse a absoluta desnecessidade da aludida instrumentalização na hipótese de que se cuida, já que aberta a via para a condenação do verdadeiro culpado. Então, por quaisquer razões que se entender de direito, seja ao nível de uma principiologia explícita, como a da ampla defesa, seja por considerações em níveis mais abstratos, como a do Estado Democrático de Direito, nãohá como recusar a prova ilícita em favor do acusado. APROVEITAMENTO DA PROVA ILÍCITA PARA A ACUSAÇÃO. Ao analisar este tópico, não seria coerente defender uma regra de aproveitamento da prova ilícita para a acusação. De uma regra, certamente que não. No direito comparado, há exemplos de leituras hermenêuticas utilizadas para o fim do aproveitamento de prova ilícita, nem sempre fundadas em critérios dotados de níveis mínimos de segurança. Fala-se em proporcionalidade, em razoabilidade, em concordância prática, mas, de modo geral, não se chega a um resultado satisfatório, no que respeita ao estabelecimento de critérios objetivos quanto à elaboração de regras de exclusão e de aproveitamento das provas ilícitas. Busca-se legitimar, enfim, critérios de ponderação (de normas, de interesses, de direitos) que permitam a escolha da norma (princípio ou regra) mais adequada à solução de um caso concreto, quando houver mais de uma (norma) reclamando aplicação. O tratamento da matéria, no Brasil, situa-se, necessariamente, em nível constitucional, na medida em que há uma norma expressa cuidando da inadmissibilidade das provas ilícitas (art. 5º). No Brasil, atualmente, a jurisprudência não aceita, ainda, a utilização de critérios de ponderação para o aproveitamento da prova ilícita, quando em desfavor do acusado. Nem como regra, o que é absolutamente correto, nem como – muito menos, na verdade – exceção. JURISPRUDÊNCIA: [...] Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuricidade. – Afastada a ilicitude de tal conduta – a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime - , é ela, por via de consequência, lícita e, também consequentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da CF com fundamento em que houve violação da intimidade (art.5º, X, da Carta Magna). “Habeas Corpus” indeferido (Habeas Corpus nº 74.678, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 10.6.1997, publicado no DJ em 15.8.1997). EXCLUSÃO DA PROVA. Teoria dos frutos da árvore envenenada: certamente uma maneira de se contornar a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas seria a legalização posterior das investigações, com a adoção dos procedimentos legais para a obtenção da prova. Ex. obtidas as informações acerca do local em que se encontrariam elementos de prova de determinada infração, por meio de interceptação ilícita das comunicações telefônicas, os órgãos públicos responsáveis pela investigação apresentariam, ao juiz, requerimentos de quebra de sigilo telefônico e expedição de mandado de busca e apreensão domiciliar. A partir, então, da prova ilícita, se buscaria a legitimação das demais diligências investigatórias. A teoria dos frutos da árvore envenenada ou da derivação da ilicitude tem este propósito: evitar a descontaminação do ilícito pela correção dos atos subsequentes. Seu fundamento é logicamente irrepreensível: de que adiantaria invalidar a prova originariamente ilícita, se todo o seu conteúdo probatório pudesse ser obtido posteriormente, aproveitando-se a idoneidade ou força probante das informações então obtidas? A regra, portanto, deve ser a derivação da ilicitude para todos os atos subsequentes à prova ilícita, se e desde que tenham eles relação de dependência, causal ou cronológica, com esta (a ilícita). Mas a questão nem passa perto de apresentar-se de modo tão simples. Veja-se, por exemplo, que, a depender do estágio das investigações – que, aliás, podem sequer ter-se iniciado – quaisquer diligências probatórias posteriores à obtenção da prova ilícita dela dependeriam, ao menos do ponto de vista cronológico. De ver-se, então, a necessidade de se imporem alguns limites à derivação da ilicitude, de modo a impedir que ela se transforme em sanção original. Bem por isso, eventuais irregularidades na efetivação do ato prisional não terão qualquer relevância para a produção de provas em relação ao fato, não se aplicando, então, a regra da contaminação. TEORIA DA FONTE INDEPENDENTE E APROVEITAMENTO DA PROVA. Do berço do direito estadunidense, exatamente de onde proveio a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruit of the posionous tree), chegou a nós a regra da independent source doctrine, ou a teoria/doutrina da fonte independente. Com redação dada pela Lei n º 11.690/08, conceituou-se a fonte independente como sendo aquela “que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova” (art. 157, §2º, CPP). A independência da fonte não tem a ver, necessariamente, com a inevitabilidade descoberta da prova. Tem que ver com o fato de uma prova não ter relação de dependência, sobretudo causal, mas, também cronológica, com a prova contaminada. Uma diligência irregular por meio da qual se apreenda um veículo roubado, por exemplo, não impede a validade dos testemunhos que tenham presenciado a sua subtração, antes da apreensão. Então, a caracterização da independência da fonte tem o objeto de acentuar a necessidade de comprovação da efetiva dependência entre um ato e outro, quando e para a aplicação da citada teoria dos frutos da árvore envenenada. JURISPRUDÊNCIA: [...] A prova tida como ilícita não contaminou os demais elementos do acervo probatório, que são autônomos, não havendo motivo para a anulação da sentença. Desnecessário o desentranhamento dos autos da prova declarada ilícita, diante da ausência da qualquer resultado prático em tal providência, considerado, ademais que a ação penal transitou em julgado. É impossível, na espécie, a aplicação da regra contida no art. 580 do CPP, pois há diferença de situação entre o paciente e o co–réu absolvido, certo que em relação ao primeiro existiam provas idôneas e suficientes para respaldar sua condenação. No que se refere aos fundamentos adotados na dosimetria da pena, não se vislumbra ofensa aos artigos 59 e 68 do CP. A motivação dada pelo Juízo sentenciante, além de satisfatória, demonstrou proporcionalidade entre a conduta ilícita e a pena aplicada em concreto, dentre os limites estabelecidos pela legislação de regência. Habeas corpus denegado e liminar cassada (Habeas Corpus nº 89.032, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, julgado em 9.10.2007, publicado no DJ em 23.11.2007). ENCONTRO OU CONHECIMENTOS FORTUITOS DA PROVA. O que não deveria ser objeto de maiores indagações é o encontro ou os conhecimentos fortuitos da prova, que ocorrem quando, a partir da investigação de um crime, se chega ao encontro de provas de outra infração penal. O essencial, então, é, por primeiro, identificar o comportamento do agente da investigação, para que se possa aferir à boa-fé, ou não, de sua conduta e, assim, a natureza fortuita do conhecimento ou do encontro da prova. E, ao depois, examinar a necessidade de adoção de providência específica para a realização daquela diligência, relativamente à prova fortuitamente encontrada. A Lei nº 9.296/96 somente autoriza a interceptação telefônica para a investigação de crimes punidos com reclusão, vedando-a para aqueles para os quais a sanção é de detenção (art.2º, III). Suponha-se, então, que, no curso de investigação regular – com autorização judicial – e após horas e horas de escuta, descubra-se a existência de material informativo a respeito de crimes totalmente diferentes,punidos apenas com pena de detenção. No exemplo dado, não teriam agido com qualquer abuso as autoridades investigantes, que, repita-se, haviam recebido autorização para a invasão de toda privacidade e intimidade cujo exercício seja realizado por meio de comunicação telefônica naquele período. Obviamente que ninguém sustentaria a invalidade da apreensão de uma informação que, por exemplo, noticiasse a prática iminente de um crime investigado. O risco anunciado e a possibilidade de constatação do flagrante delito legitimariam a ação policial que se aproveitasse daquela informação. IMPUGNAÇÃO DA EXCLUSÃO DA PROVA. A novidade da Lei nº 11.690/08 é a previsão de incidente processual para a inutilização da prova ilícita, tão logo esteja preclusa a decisão nesse sentido. Vejamos. Se a ilicitude da prova viola direitos ou interesses de quaisquer pessoas, poderá ser possível uma ação de reparação ou de indenização pelos danos causados na produção da prova ilícita. Ora, como demonstrar o ilícito sem a prova de sua materialidade? Absolutamente equivocada a opção novidadeira. Que certamente não será seguida pelos nossos magistrados. De outro lado, ao se falar em preclusão, o legislador, corretamente, submeteu à impugnação recursal a decisão que, reconhecendo a ilicitude da prova, determina o seu desentranhamento dos autos. Qual recurso? O recurso sem sentido estrito, que, a cada dia que passa, vai se transformando em recurso em sentido amplo. PROVA ILÍCITA E PROVA ILEGÍTIMA. Há quem, em doutrina, faça uma distinção entre a prova obtida com violação às normas processuais e aquelas que contrariam a legislação material. A primeira espécie seria a da prova ilegítima, enquanto a segunda se denominaria prova ilícita. As violações ao direito material, via de regra, ocorrem na fase de sua obtenção ou de sua produção, como se dá, p. ex. com a interceptação telefônica desautorizada, em prejuízo do direito à intimidade e à privacidade. Já aquelas relativas ao direito processual ocorrem quando de sua introdução e valoração no processo. De fato, uma prova pode ser validamente produzida, como a elaboração de um documento, por exemplo, e não ser admissível a sua introdução no plenário do Tribunal do Júri (art. 479, CPP). Prova ilegítima: quando ocorre a violação de uma regra de direito processual penal no momento da sua produção em juízo, no processo. A proibição tem natureza exclusivamente processual, quando for imposta em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo. Ex. juntada fora do prazo, prova unilateralmente produzida (como o são as declarações escritas e sem contraditório) etc.; Prova ilícita: é aquela que viola regra de direto material ou a Constituição no momento da sua coleta, anterior ou concomitante ao processo, mas sempre exterior a este (fora do processo). Nesse caso, explica MARIA THEREZA, embora servindo, de forma imediata, também a interesses processuais, é vista, de maneira fundamental, em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentes do processo. Em geral, ocorre uma violação da intimidade, privacidade ou dignidade (exemplos: interceptação telefônica ilegal, quebra de sigilo bancário, fiscal etc.). CLÁUSULAS DA RESERVA DA JURISDIÇÃO E AS INVIOLABILIDADES PESSOAIS. As chamadas inviolabilidades pessoais, que, sob outra perspectiva, compõem o núcleo das liberdades públicas, desdobram-se em direitos e garantias individuais, manejáveis no exercício das relações públicas, sobretudo no interior do processo penal. Assim, e em tese, quando houver autorização constitucional, a lei poderá flexibilizar a extensão do exercício das liberdades públicas, desde que presentes considerações da mesma índole normativa, contextualizadas ao mesmo nível axiológico em que se elevaram os direitos e garantias individuais. As cláusulas da reserva da jurisdição, ou, simplesmente, da reserva jurisdicional atuam como uma delimitação principiológica à atividade legiferante, impondo barreiras aos poderes públicos, no âmbito das atividades administrativas e nas suas relações judiciais com o cidadão. JURISPRUDÊNCIA: [...] As alegações de desrespeito aos postulados da ampla defesa e do devido processo legal consubstanciam ofensa reflexa à Constituição do Brasil, circunstância que não viabiliza o acesso à instância extraordinária. Precedentes. Inexistem garantias e direitos absolutos. As razões de relevante interesse público ou as exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades permitem, ainda que excepcionalmente, a restrição de prerrogativas individuais ou coletivas. Não há, portanto, violação do princípio da supremacia do interesse público. Eventual ofensa ao caput do art. 37 da CB/88 seria apenas indireta, vez que implica o prévio exame da legislação infraconstitucional, não permitindo a interposição do apelo extremo. A questão referente à suposta inconstitucionalidade do art. 92 §2º, da Lei Complementar estadual nº 53/01 não foi arguida perante as instâncias precedentes, o que impede sua apreciação por este Tribunal. Agravo regimental a que se nega provimento (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n º455.283, STF, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 28.3.2006, publicado no DJ em 5.5.2006). INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E DE DADOS. A quebra da inviolabilidade das comunicações telefônicas e de dados (de informática e telemática) vem expressamente regulada em Lei (Lei nº 9.296/96), na qual se prevê o procedimento a ser adotado, a necessidade de fundamentação judicial para o deferimento do pedido, a exigência de manutenção do sigilo das investigações, além da criminalização das condutas violadoras do sigilo ali regulamentado. No que tem de mais relevante, salienta-se: (a) a constitucionalidade da citada Lei, nos seus aspectos gerais, conforme entendimento já assentado na Suprema Corte; (b) a inconstitucionalidade da atuação judicial, ex oficio, no curso das investigações e na instrução criminal, do mesmo modo que ocorreu com o disposto no art. 3º da Lei nº 9.034/95 (crimes organizados), cuja inconstitucionalidade restou assentada no julgamento da ADIn 1.570/2004, Rel. Min. Maurício Correa; (c) a possibilidade de prorrogação do prazo de 15 dias, por mais de uma vez. Em relação a este último ponto, o da prorrogação do prazo de 15 dias por mais de uma vez, impõe-se registrar um certo inconformismo da jurisprudência mais recente, sobretudo no STJ, diante da ausência de limitação temporal para a realização das interceptações telefônicas. A preocupação é de todo pertinente. Embora se reconheça a insuficiência do prazo de 15 dias, ou de 30, se prorrogado uma única vez, sobretudo em razão da complexidade de determinadas ações criminosas, de que é exemplo mais eloquente a atividade delituosa realizada organizada e coordenadamente, não se pode também aceitar a prorrogação indefinida das escutas telefônicas. Trata-se de procedimento altamente invasivo e violador das liberdades públicas, cujo uso há de ser, por isso mesmo, parcimonioso. Cumpre às autoridades judiciárias – a ao MP – pôr cobro aos excessos, indeferindo interceptações longevas e abusivas. SIGILO BANCÁRIO E SIGILO FISCAL. Determinadas autoridades administrativas agem com poder de polícia, isto é, com poder de fiscalizar e de controle de atividades de interesse público, como é o caso da Fazenda Pública e do Banco Central do Brasil. A discussão sobre o sigilo bancário ou fiscal se situa em outro nível. Diz respeito ao acesso (às informações) por pessoas ou autoridades que não estejam no exercício daquelas funções de controlee de fiscalização das atividades econômico – financeira das apontadas pessoas (jurídicas e físicas). A Lei Complementar nº 105/01, por exemplo, na linha da antiga legislação de regência da matéria (Lei nº 4.595/64), regula hipóteses de acesso às informações sigilosas pelo Banco Central, incluindo operações financeiras e contas de depósitos e investimentos, além da previsão de quebra de sigilo bancário determinadas pelo Poder Legislativo Federal e pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 4º). Ou seja, estabeleceu hipóteses de acesso a dados de natureza e de identificação individual do correntista/aplicador, sem a exigência de ordem judicial (em 24 de novembro de 2010, por 6 x 4 votos o Plenário do STF cassou a liminar que havia sido concedida na Ação Cautelar nº 33 para atribuir efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário nº 389.808, interposto por empresa que postulava a suspensão do acesso direito das informações pela Receita Federal sob o argumento que somente poderia se dar por ordem judicial. Entretanto, no dia 15 de dezembro de 2010 o Plenário da Corte julgou o mérito do recurso extraordinário e, ausente o Ministro Joaquim Barbosa (que denegava a cautelar) e alterando seu entendimento o Ministro Gilmar Mendes, declarou (por 5 x 4) a inconstitucionalidade de dispositivos da LC 105/01). Atualmente, na jurisprudência nacional, qualquer que seja o motivo, impõe-se o socorro da autoridade judicial, sem cuja autorização não será possível a quebra do sigilo bancário. Exceção feita às Comissões Parlamentares de Inquérito. PROVA DIRETA E PROVA INDIRETA. Prova direta é aquela que permite conhecer o fato por meio de uma única operação inferencial. Nessa linha, se a testemunha diz que presenciou o exato momento em que o acusado desferiu disparos de arma de fogo contra vítima, é possível concluir, com um único raciocínio, que o acusado é o autor das lesões produzidas no ofendido. Por sua vez, a prova é considerada indireta quando, para alcançar uma conclusão acerca do fato a provar, o juiz se vê obrigado a realizar pelo menos duas operações inferenciais. Em um primeiro momento, a partir da prova indireta produzida, chega à conclusão sobre a ocorrência de um fato, que ainda não é o fato a ser provado. Conhecido esse fato, por meio de segundo procedimento inferencial, chega ao fato a ser provado. INDÍCIO: PROVA INDIRETA OU PROVA SEMIPLENA. A palavra indício é usada no Código de Processo Penal em dois sentidos, ora como prova indireta, ora como prova semiplena. No sentido de prova indireta, a palavra indício deve ser compreendida como uma das espécies do gênero prova, ao lado da prova direta, funcionando como um lado objetivo que serve para confirmar ou negar uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão judicial. O indício é o fato certo que está na base da inferência da presunção. Em outras palavras, o indício é o ponto de partida da presunção. Ou, visto pelo outro lado, a presunção é um juízo fundado sobre um indício. A prova indiciária está sujeita às seguintes condições: Os indícios devem ser plurais (somente excepcionalmente um único indício será suficiente, desde que esteja revestido de um potencial incriminador singular); Devem estar estreitamente relacionados entre si; Devem ser concomitantes, ou seja, univocamente incriminadores – não valem as meras conjecturas ou suspeitas, pois não é possível construir certezas sobre simples probabilidades; Existência de razões dedutivas – entre os indícios provados e os fatos que se inferem destes deve existir um enlace preciso, direto, coerente, lógico e racional segundo as regras do critério humano. SUSPEITA. É de se destacar que o seu conceito não se confunde com uma simples suspeita. Enquanto o indício é sempre um dado objetivo, em qualquer de suas acepções, a suspeita ou desconfiança não passa de um estado anímico, um fenômeno subjetivo, que pode até servir para desencadear as investigações, mas que de modo algum se apresenta: idôneo para fundamentar a convicção da entidade decidente. Nesse prisma, concluiu o STF que a “fundada suspeita”, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. OBJETO DA PROVA. O objeto da prova não são os fatos, pois jamais será possível se atingir a reconstrução integral do que efetivamente ocorreu. Na verdade, o objeto da prova é a verdade ou falsidade de uma afirmação sobre um fato que interessa à solução do processo. Mas o que deve ser objeto de prova no curso do processo, Vejamos: 1) Imputação constante da peça acusatória – sem dúvida alguma, constitui objeto da prova (thema probandum) a imputação formulada na peça acusatória. 2) Costumes – o direito consuetudinário também deve ser provado (ex.: se o Parquet atribui ao acusado a prática de crime de furto durante repouso noturno, deverá comprovar a veracidade de tal assertiva); 3) Regulamentos e portarias – também deve ser comprovada a existência de regulamentos e portarias, salvo se a portaria em questão funcionar como complemento da norma penal em branco, pois, nesse caso, presume-se que o juiz a conheça. É o que acontece com a Portaria nº 344 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que dispõe sobre as substâncias entorpecentes, cujo conteúdo não precisa ser comprovado; 4) Direito estrangeiro, estadual, municipal – presume-se que o juiz conheça o direito estadual e municipal do local onde exerce jurisdição. Destarte, só se apresenta necessária a comprovação do direito estadual e municipal referente à localidade diversa daquela do exercício jurisdicional. 5) Fatos não contestados ou incontroversos – também devem ser objetos de prova. Nesse ponto, não se pode confundir o processo penal com o processo civil. De acordo com o art. 334, incisos II e III, do CPC, não dependem de prova os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária ou aqueles admitidos, no processo, como incontroversos. Além disso, referindo-se à revelia, dispõe o CPC que, se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (art. 319). No âmbito processual penal, por força do princípio da presunção de inocência, mesmo que o acusado venha a confessar a prática do delito, subsiste o ônus da acusação de comprovar a imputação constante da peça acusatória. Nessa linha, segundo o art. 197 do CPP: “o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”. Durante anos, houve fundada controvérsia acerca da natureza da presunção de violência nos crimes sexuais em relação ao menor de 14 anos, prevista no revogado art. 224, alínea “a”, do Código Penal. Na doutrina, sempre prevaleceu o entendimento de que referida presunção teria natureza relativa. Nessa hipótese, provando o órgão ministerial que o agente havia mantido conjunção carnal com menor de 14 anos, ter-se-ia como presumida a violência, elementar do crime de estupro. Na jurisprudência, apesar de um julgado isolado da Suprema Corte em sentido contrário, sempre predominou o entendimento de que referida presunção teria natureza absoluta. Na visão jurisprudencial, como a presunção absoluta não admite prova em sentido contrário, mesmo que o acusado comprovasse que a menor tinha ampla e irrefutável experiência sexual. Com a entrada em vigor da Lei nº 12.015,em 7 de agosto de 2009, a discussão sobre a natureza da presunção perde relevo. Afinal de contas, o art. 224 do CP foi revogado. PROVA DIRETA (POSITIVA) E CONTRÁRIA (NEGATIVA); A CONTRAPROVA. Segundo Gomes Filho, diz-se positiva (ou direta) a prova que objetiva demonstrar a existência do fato, ou, mais corretamente, confirmar a asserção sobre o fato principal; negativa (ou contrária) será a prova que se destina a negar tal asserção, demonstrando que o fato não ocorreu. Ainda segundo o autor, é preciso observar que também há prova negativa na situação em que a demonstração da inexistência do fato se faz pela prova da existência de um fato diverso, incompatível com o fato principal afirmado. Por contraprova entende-se qualquer prova apresentada pro uma das partes, com o objetivo de refutar os elementos apresentados pelo adversário, com o propósito de influir no convencimento do juiz. Bom exemplo de contraprova da defesa diz respeito à figura do assistente técnico, recentemente introduzida no processo penal. O direito a contraprova também está assegurado no dispositivo do art. 479 do CPP, que impede a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Perceba-se que a finalidade do dispositivo é dar ciência prévia à parte contrária de eventual juntada de documento aos autos do processo, possibilitando a apresentação de contraprova. PROVA EMPRESTADA. Prova emprestada consiste na utilização em um processo de prova que foi produzida em outro, sendo que esse transporte da prova de um processo para o outro é feito por meio de certidão extraída daquele. Assim, se a testemunha “Rickson” foi ouvida no processo “X”, cópia de seu depoimento será extraída e juntada ao processo “Y”. De acordo com a doutrina majoritária, a utilização da prova emprestada só é possível se aquele contra quem ela for utilizada tiver participado do processo onde essa prova foi produzida, observando-se, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Logo, se a prova foi produzida em processo no qual o acusado não teve participação, não há de falar em prova emprestada, e sim em mera prova documental. Como prevalece entendimento de que o aproveitamento da prova emprestada está condicionado à participação, no primeiro processo, daquele contra quem se pretende fazer valer a prova, não se pode falar em prova emprestada de elementos informativos produzidos no curso do inquérito policial, eis que, tais elementos não são produzidos sob o crivo do contraditório. Porém, no caso de provas não repetíveis, como ocorre na grande maioria dos exames periciais, é perfeitamente possível falar-se em prova emprestada, já que, em relação a elas, o contraditório será respeitado, porém de maneira diferida. Ainda em relação à prova emprestada, discute-se acerca das consequências em relação ao segundo processo no caso de o processo em que a prova emprestada foi produzida originalmente ser declarado nulo. Segundo a doutrina, há duas possibilidades: a) caso tenha sido declarada a nulidade ou reconhecida a ilicitude da prova, não se pode admitir sua utilização, pois irremediavelmente contaminada pelo vício originário; b) caso o feito tenha sido anulado por questão não atinente à prova, será admissível a utilização da prova emprestada, desde que não se relacione diretamente com nulidade. Assim, se anulado o processo por questões relativas às alegações orais apresentadas em audiência, não haverá qualquer contaminação da prova. Todavia, se o processo tiver sido anulado a partir da citação, por força de incompetência constitucional ou não intimação do defensor, diante do princípio da causalidade em sede de nulidades (CPP, art. 573, §1º), não será possível a utilização da prova emprestada. Em relação à prova emprestada no âmbito do Tribunal do Júri, entende o STJ que a validade da prova deve ser aferida pelos jurados. Em sentido diverso, Guilherme Madeira sustenta que a admissibilidade ou não das provas é matéria relativa ao juiz togado e não aos jurados. Na visão da Suprema Corte, “dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, judicialmente autorizadas para a produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, bem como documentos colhidos na mesma investigação, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessas provas”. PROVA NOMINADA E PROVA INOMINADA. Tem-se como prova nominada aquela que se encontra prevista em lei, com ou sem procedimento probatório previsto. Ou seja, existe a previsão do nomen juris desse meio de prova, seja no próprio Código de Processo Penal, seja na legislação extravagante. É o que acontece com a reconstituição do fato delituoso, prevista expressamente no art. 7º do CPP. Como desdobramento do princípio da busca da verdade, além dos meios de prova específicos na lei (nominadas), também se admite a utilização de todos aqueles meios de prova que, embora não previstos no ordenamento jurídico (inominados), sejam lícitos e moralmente legítimos. PROVA TÍPICA E PROVA ATÍPICA. De acordo com a posição restritiva, a ideia da atipicidade probatória é vista de maneira intimamente ligada à ausência de previsão legal da fonte de prova que se quer utilizada no processo. Para a posição ampliativa, tem-se que uma prova é atípica em duas situações: 1) quando ela estiver prevista no ordenamento, mas não haja procedimento probatório; 2) quando nem ela nem seu procedimento probatório estiverem previstos em lei. A produção de prova atípica deve se dar de maneira subsidiária, ou seja, somente deve ser admitida a utilização de meio de prova atípico quando não houver meio de prova típico capaz de atingir o resultado que se pretende. Também não se admite o uso da prova atípica quando houver alguma restrição quanto à prova de tal fato pela lei civil (CPP, art. 155, parágrafo único), nem tampouco quando houver alguma limitação quanto às regras de proibição da prova. PROVA ANÔMALA E PROVA IRRITUAL. Prova anômala é aquela utilizada para fins diversos daqueles que lhe são próprios, com características de outra prova típica. Em outras palavras, existe meio de prova legalmente previsto para a colheita da prova. Todavia, deixa-se de lado esse meio de prova típico, valendo-se de outro meio de prova. Ex. suponha-se que, ao invés de o magistrado determinar a expedição de carta precatória para a oitiva de testemunha que mora em outra comarca, determine que o oficial de justiça entre em contato com a mesma por telefone, indagando-lhe acerca dos fatos. Depois, o oficial de justiça certifica a diligência nos autos, descrevendo detalhadamente a conversa, querendo o magistrado considerar a referida certidão com o valor de prova testemunhal. Como asseveram Badaró e Gomes Filho, “tal forma de agir viola a própria natureza da prova testemunhal, que é uma prova oral e contraditória por excelência. Diante de uma simples documentação de uma declaração não haverá possibilidade de reperguntas. Em suma, há um total desrespeito ao procedimento típico para a produção da prova testemunhal, pelo que tem se manifestado a doutrina pela nulidade de tal “documento” que substitui a prova testemunhal, havendo julgados, inclusive, que determinam seu desentranhamento”. Pro sua vez, tem-se como prova irritual a prova típica colhida sem a observância do modelo previsto em lei. Como essa prova irritual éproduzida sem obediência ao modelo legal previsto em lei, trata-se de prova ilegítima, passível de declaração de nulidade. A prova irritual não se confunde com a prova anômala. Como aponta DEZEM, a prova anômala é produzida segundo o modelo legal. Seu problema consiste em que o modelo legal utilizado não é o adequado para o caso, não é o que o caso requer. Já a prova irritual não é produzida segundo o modelo legal. Em virtude, utiliza-se o meio adequado, mas sem a observância dos elementos previstos em lei, ou seja, na prova anômala segue-se o procedimento previsto em lei, mas não o procedimento previsto para aquele meio de prova. Na prova irritual segue-se o procedimento previsto para o meio de prova, mas sem a observância do modelo previsto em lei. DAS PROVAS EM ESPÉCIE 1. Prova Pericial e Exame de Corpo de Delito No sistema inquisitório, o perito era o instrumento pensante do juiz, subministrava lhe conhecimentos. Opera-se, assim, uma metamorfose do resíduo inquisitorial ao sistema acusatório: o perito muda de identidade e se transforma em órgão útil para as partes antes que ao juiz. Ele serve para aportar premissas necessárias para o debate acusatório. Claro que isso não retira o valor probatório da perícia (relativo, como de todas as provas), mas acima de tudo ele deve atender o interesse das partes antes que o do juiz. Uma vez mais, evidencia-se que o caráter acusatório buscado no processo penal contemporâneo potencializa a atividade probatória das partes e restringe a iniciativa do juiz (juiz-ator) nesse campo. Quanto às perícias, é importante afastar o endeusamento da ciência, ainda com forte presença no Direito. Como sublinhou DENTI “o progresso da ciência não garante uma pesquisa imune a erros e seus métodos, aceitos pela generalidade dos estudiosos em um determinado momento, podem parecer errôneos no momento seguinte”. Uma prova pericial demonstra apenas um grau – maior ou menor – de probabilidade de um aspecto do delito, que não se confunde com a prova de toda complexidade que envolve o fato. Assim, um exame de DNA feito a partir da comparação do material genético do réu “A” com os vestígios de esperma encontrados no corpo da vítima demonstra apenas que aquele material coletado pertence ao réu. Daí até provar-se que o réu “A” violentou e matou a vítima, existe uma distância imensa e que deve ser percorrida lançando mão de outros instrumentos probatórios. Também é importante recordar o disposto no art. 182 do CPP: Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte. A prova pericial é considerada uma prova técnica, na medida em que sua produção exige o domínio de determinado saber técnico. MORENO CATENA explica que o perito é uma pessoa com conhecimentos científicos ou artísticos dos quais o juiz, por sua formação jurídica específica, pode carecer. É chamado para apreciar, através das máximas da experiência próprias de sua especializada formação, algum fato, ou circunstância, obtido anteriormente por outro meio de averiguação, e que seja de interesse ou necessidade para a investigação ou processo. O laudo, na sistemática do CPP, deve ser realizado por um perito oficial ou dois peritos nomeados, como determina o art. 159 do CPP e também a Súmula n. 361 do STF. Os peritos oficiais são servidores públicos de carreira, devidamente concursados, com conhecimento em determinada área, havendo assim peritos médicos, contadores, químicos, engenheiros etc. Importante destacar que, com o advento da Lei n. 11.690/2008, passou a admitir-se no processo penal a figura do assistente técnico, até então desconhecida. Ainda que o § 3º mencione que o ofendido possa formular quesitos e indicar assistente técnico, não vislumbramos como, processualmente, isso possa ocorrer. Para que a vítima possa atuar no processo, é necessário que esteja devidamente habilitada como assistente da acusação, postulando em juízo através de seu advogado. Do contrário, não tem capacidade postulatória e não poderá, no processo, requerer nada. 1.1. Contraditório e Direito de Defesa na Prova Pericial Como adverte GOMES FILHO, é imperativa a incidência dos princípios constitucionais do contraditório e do direito de defesa na prova pericial, de modo que a participação dos interessados é essencial também nesse tipo de prova, seja através da possibilidade de crítica e pedidos de esclarecimento em relação aos laudos já apresentados, seja pela formulação de quesitos antes da realização dos exames, bem como, com o advento da Lei n. 11.690/2008, indicar assistente técnico. Sob inspiração de SCARANCE FERNANDES, entendemos que assistem às partes os seguintes direitos em relação à prova pericial: • requerer sua produção; • apresentar quesitos com antecedência mínima de 10 dias da realização da perícia; • se possível, pela natureza do ato, acompanhar a colheita de elementos pelos peritos (extração de sangue, vestígios químicos no local etc.); • manifestar-se sobre a prova, podendo requerer nova perícia, sua complementação ou esclarecimento dos peritos; • indicar assistente técnico, que elaborará parecer sobre a perícia realizada; • obter uma manifestação do juiz sobre a prova pericial realizada. 1.2. Perícia Particular. Possibilidade de Contraprova Pericial. Limitações da Fase Pré – Processual Além da possibilidade de nomear assistente técnico, que elaborará um parecer sobre a perícia oficial realizada, nada impede11 que a parte interessada recorra a “peritos particulares” (ou seja, profissionais que possuam conhecimento técnico naquela área, mas que não sejam peritos oficiais ou nomeados pelo juiz) para fazer uma contraprova pericial. Assim, os “peritos particulares” poderão emitir pareceres técnicos que serão juntados ao processo (como prova documental), para serem avaliados pelo juiz. Com isso, havendo contradição entre a perícia oficial e a contra perícia particular, poderá o juiz determinar a realização de uma nova perícia (com outros profissionais) que dê conta das contradições apontadas, ou, ainda, aplicar o princípio do in dubio pro reo naquela matéria controvertida. Situação sensível se apresenta na investigação preliminar (anteriormente tratada), em que o baixo nível de constitucionalização do inquérito, aliado ao fato de que importantes provas periciais são feitas nessa fase (até pela proximidade com o momento do delito), conduz a uma perigosa negação de eficácia dos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (que, como explicado anteriormente, incidem também). 1.3. O Exame de Corpo de Delito Direto e Indireto A mais importante das perícias é exatamente o exame de corpo de delito, ou seja, o exame técnico da coisa ou pessoa que constitui a própria materialidade do crime (portanto, somente necessário nos crimes que deixam vestígios, ou seja, os crimes materiais). O corpo de delito é composto pelos vestígios materiais deixados pelo crime. É o cadáver que comprova a materialidade de um homicídio; as lesões deixadas na vítima em relação ao crime de lesões corporais; a coisa subtraída no crime de furto ou roubo; a substância entorpecente no crime de tráfico de drogas; o documento falso no crime de falsidade material ou ideológica etc. Antes de tratar do tema, devemos destacar que não se pode confundir o exame de corpo de delito com as perícias em geral. O exame de corpo de delito é a perícia feita sobre os elementos que constituem a própria materialidade do crime. Daí por que sua presença ou ausência afeta a prova da própria existência do crime e gera uma nulidadeabsoluta do processo (art. 564, III, “b”). Já as perícias em geral são feitas em outros elementos probatórios e sua presença ou ausência afetam apenas o convencimento do juiz sobre o crime. Ou seja, a falta de perícia no lugar do crime, ou na arma utilizada, não afeta sua materialidade (existência). O exame de corpo de delito diz respeito não apenas à materialidade do fato principal, mas também às suas eventuais causas de aumento, ou qualificadoras, conforme o caso. Nessa linha, a título de exemplo, verifique-se o disposto no art. 171 do CPP: Art. 171. Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa, ou por meio de escalada, os peritos, além de descrever os vestígios, indicarão com que instrumentos, por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado. Assim, sem que se efetive a respectiva perícia no lugar do crime para comprovação da qualificadora, não poderá o réu ser condenado por essa figura típica, mas apenas pelo tipo simples, previsto no caput do art. 155 (considerando que o crime foi de furto). Importante destacar que a confissão do acusado não é suficiente para comprovação da materialidade do delito, sendo indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto, sob pena de nulidade do processo (art. 564, III, “b”, do CPP). Diz-se que o exame de corpo de delito é direto quando a análise recai diretamente sobre o objeto, ou seja, quando se estabelece uma relação imediata entre o perito e aquilo que está sendo periciado. O conhecimento é dado sem intermediações entre o perito e o conjunto de vestígios deixado pelo crime. Mas, em situações excepcionais, em que o exame de corpo de delito direto é impossível de ser feito porque desapareceram os vestígios do crime, o art. 167 do CPP admite o chamado exame indireto. O exame de corpo de delito indireto é uma exceção excepcionalíssima, admitido quando os vestígios desapareceram e a prova testemunhal vai suprir a falta do exame direto. Mas não só ela; também pode haver a comprovação indireta através de filmagens, fotografias, gravações de áudio etc. A rigor, o exame indireto deveria corresponder à perícia feita pelos técnicos a partir de outros elementos que não o corpo de delito, tais como depoimento de testemunhas, fotografias, filmagens etc. Seria um laudo emitido a partir dessas informações. Isso é, tecnicamente, o exame indireto. Ocorre que, na prática forense, isso não é observado, e o chamado exame indireto acaba sendo a produção de outras provas (testemunhal, fotografias etc.) para suprir a falta do exame direto. Ou seja, o chamado exame indireto não é, tecnicamente, um exame indireto, senão o suprimento da falta de exame direto por outros meios de prova. Trata-se de se admitir que a materialidade de um delito seja demonstrada de outra forma. Como muito bem sintetizou HASSAN CHOUKR, cuja lição deve ser transcrita literalmente por representar exatamente o que pensamos, “deve ficar claro que a impossibilidade da realização do exame há de ser compreendida apenas pela inexistência de base material para a realização direta, a dizer, quando o exame não é realizado no momento oportuno pela desídia do Estado, ou sua realização é imprestável pela falta de aptidão técnica dos operadores encarregados de fazê-lo, não há que onerar o réu com uma prova indireta em vez daquela que poderia ter sido imediatamente realizada”. Por fim, existem crimes em que, por sua própria natureza, não se pode admitir o exame indireto, em nenhuma hipótese. E isso não tem absolutamente nenhuma relação com a gravidade do crime, mas sim com sua natureza e o corpus delicti que o constituem. É o que ocorre, por exemplo, nos delitos envolvendo substâncias entorpecentes. Não é razoável um juízo condenatório pelo delito de tráfico de drogas sem o exame direto que comprove a natureza da substância (por exemplo, o princípio ativo tetrahidrocanabinol – THC – no caso da maconha). Não bastam fotos ou depoimentos dizendo que a substância transportada, por exemplo, tinha cheiro e aspecto de maconha, e que, portanto, era maconha... A questão é técnica, exige o exame químico, sendo imprescindível o exame direto18 para verificar o princípio ativo. 1.4. Intervenções Corporais e os Limites Assegurados pelo Nemo Tenetur se Detegere. A Extração Compulsória de Material Genético. Alterações Introduzidas pela Lei n. 12.654/2012 Situação complexa é o ranço histórico de tratar o imputado (seja ele réu ou mero suspeito, ainda na fase pré-processual) como um mero “objeto” de provas, ou melhor, o “objeto” do qual deve ser extraída a “verdade” que funda o processo inquisitório. Com a superação dessa coisificação do réu e a assunção de seu status de sujeito de direito, funda-se o mais sagrado de todos os direitos: o direito de não produzir prova contra si mesmo (nada a temer por se deter – nemo tenetur se detegere). Desse verdadeiro princípio, desdobram-se importantes vertentes, como o direito de silêncio e a autodefesa negativa. Da mesma forma, havendo o consentimento do suspeito, poderá ser realizada qualquer espécie de intervenção corporal, pois o conteúdo da autodefesa é disponível e, assim, renunciável. O problema está quando necessitamos obter as células corporais diretamente do organismo do sujeito passivo e este se recusa a fornecê-las. Se no processo civil o problema pode ser resolvido por meio da inversão da carga da prova e a presunção de veracidade das afirmações não contestadas, no processo penal a situação é muito mais complexa, pois existe um obstáculo insuperável: o direito de não fazer prova contra si mesmo, que decorre da presunção de inocência e do direito de defesa negativo (silêncio). O sujeito passivo encontra-se protegido pela presunção de inocência e a totalidade da carga probatória está nas mãos do acusador. O direito de defesa, especialmente sob o ponto de vista negativo, não pode ser limitado, principalmente porque a seu lado existe outro princípio básico, muito bem apontado por CARNELUTTI: a carga da prova da existência de todos os elementos positivos e a ausência dos elementos negativos do delito incumbe a quem acusa. Por isso, o sujeito passivo não pode ser compelido a auxiliar a acusação a liberar-se de uma carga que não lhe incumbe. Submeter o sujeito passivo a uma intervenção corporal sem seu consentimento é o mesmo que autorizar a tortura para obter a confissão no interrogatório quando o imputado cala, ou seja, um inequívoco retrocesso (gerando assim uma prova ilícita). Mas os direitos fundamentais não são absolutos e, com o advento da Lei n. 12.654/2012, autorizou o legislador brasileiro a intervenção corporal – sem o consentimento do imputado – para obtenção de material genético. TOLEDO BARROS21 explica que as normas que dispõem sobre os direitos fundamentais têm caráter principiológico, atuando no campo das situações plausíveis, e, por isso, os direitos fundamentais podem ser limitados pelo legislador ordinário. A restrição pode dar-se de três formas distintas: • que a própria Constituição preveja a limitação de forma expressa; • que a Constituição outorgue o poder de restrição a uma norma ordinária; • que a Constituição não limite direta ou indiretamente o direito fundamental. Em definitivo, o direito fundamental poderia ser limitado por uma norma ordinária, mas é imprescindível que exista uma norma processual penal que discipline a matéria. No Brasil, a Lei n. 12.654, de 28 de maio de 2012 (entrada em vigor dia 28 de novembro de 2012),
Compartilhar