Buscar

"NEOLIBERALISMO E SAÚDE" Maria Lúcia Frizon Rizzotto

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

NEOLIBERALISMO E SAÚDE 
Maria Lúcia Frizon Rizzotto 
A emergência ou o reaparecimento de dado pressuposto teórico-político, que 
carrega consigo um conjunto de diretrizes, conformadas por uma visão de 
mundo, de homem e de sociedade, deve ser contextualizado para uma melhor 
compreensão dos determinantes que contribuíram para o seu surgimento, bem 
como da vitalidade que tais determinantes comportam. 
O pensamento liberal do final do século XX, comumente denominado de 
‘neoliberalismo’, reapareceu logo após a Segunda Guerra Mundial, em 
contraposição às políticas keynesianas e sociais-democratas, que estavam 
sendo implementadas nos países centrais. Inicialmente surgiu de forma tímida 
por meio da divulgação de textos como “O caminho da servidão” de Frederich 
Hayek, de 1944, e “A sociedade aberta e seus inimigos”, de Popper, em 1945. 
Na década de 1960 outras publicações se seguiram, dando sustentação a essa 
perspectiva, como “Os fundamentos da liberdade” de Frederich Hayek, em 
1960, e “Capitalismo e liberdade” de Milton Friedman, publicado em 1962. 
Contudo, foi a crise global, iniciada com a crise do petróleo, em 1973, e a 
onda inflacionária que se seguiu na década de 1980, levando ao declínio do 
Estado de Bem-Estar Social, associado ao colapso do socialismo real, 
simbolizado pela queda do muro de Berlim em 1989, que permitiu uma ampla 
ofensiva do pensamento liberal, traduzido no projeto neoliberal deste final de 
século. 
O neoliberalismo consiste em uma reação teórica e política contra o Estado 
intervencionista, opondo-se fortemente a qualquer forma de planejamento da 
economia. Condena toda ação do Estado que limite os mecanismos de 
mercado, denunciando-as como ameaças à liberdade, não somente econômica, 
mas também política. 
Para os teóricos neoliberais, tanto os vinculados à escola econômica 
austríaca que emergiu no final do século XIX e teve como principal discípulo, no 
século XX, Frederich Hayek, como os vinculados à escola de Chicago, cujo 
representante mais emblemático é Milton Friedman, a razão é incapaz de 
reconstruir a ordem social, portanto, o uso de qualquer forma de planejamento, 
na economia, seria conseqüência de um equívoco teórico, devendo-se permitir 
que a ordem espontânea do mercado se manifeste livremente. 
Como para esses teóricos a conduta humana é determinada pelo 
conhecimento prático, por normas sociais advindas dos costumes e das crenças 
e pelo sistema de comunicação do mercado, a melhor sociedade seria aquela 
que funcionasse a partir das escolhas espontâneas dos indivíduos, na qual a 
existência de normas deve estar limitada à segurança pública e à manutenção 
da propriedade privada. Portanto, a essência do pensamento neoliberal baseia-
se na defesa do livre curso do mercado, colocando-o como mediador 
fundamental das relações societárias e no Estado mínimo como alternativa e 
pressuposto para a democracia. 
Para os defensores do ‘neoliberalismo’, da mesma forma que a partir da 
década de 1940 determinados acontecimentos na economia global tinham 
alterado o contexto em que os Estados nacionais atuavam, exigindo uma 
ampliação das suas atribuições; a partir da década de 1970, os parâmetros de 
uma economia mundial globalizada estariam requerendo um novo Estado, mais 
eficiente e ágil, que se concentrasse nas tarefas básicas, necessárias à 
manutenção da ordem na sociedade. A mudança experimentada a partir da 
década de 1940 teria ocorrido, nos países centrais, para fazer frente às 
demandas do Estado de Bem-Estar Social e, nos países periféricos, para criar 
as condições estruturais e induzir o desenvolvimento econômico, necessário à 
expansão do capitalismo mundial. 
O pensamento neoliberal foi singularizado no denominado receituário do 
Consenso de Washington, expressão que emergiu a partir do encontro 
realizado em novembro de 1989, na cidade de Washington, quando se reuniram 
funcionários do governo americano, especialistas em assuntos latino-
americanos, representantes dos organismos internacionais como o Fundo 
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, o Banco Interamericano de 
Desenvolvimento (BID) e alguns economistas liberais, com o objetivo de realizar 
uma avaliação das reformas econômicas empreendidas, nas décadas 
anteriores, nos países da América Latina. Neste encontro foram definidas as 
linhas de política macroeconômica, que iriam inspirar as reformas, denominadas 
neoliberais, as quais foram implementadas em grande número de países 
periféricos, como o Brasil, nas décadas de 1980 e 1990. As linhas básicas 
formuladas, no referido encontro, consistiam na defesa da desregulamentação 
dos mercados, na abertura comercial e financeira, no equilíbrio das contas 
públicas, na privatização das empresas estatais, na flexibilização das formas de 
vínculo entre capital e trabalho e no estabelecimento de uma taxa cambial 
realista. 
Esse pensamento se constituiu em referência para governos que assumiram 
o poder em países centrais, como Margareth Tatcher, na Inglaterra, em 1979, e 
Ronald Reagan, nos EUA, em 1980, locais onde este pensamento se originou e 
de onde foi difundido. Contudo, o que se observou foi uma assimilação 
diferenciada dos pressupostos neoliberais, com radicalidade dos enunciados 
nos países periféricos, sem a mesma correspondência nos países centrais. 
No Brasil, o ‘neoliberalismo’ foi introduzido associado ao discurso da 
necessidade de modernização do país, que se iniciou no governo de Fernando 
Collor de Mello, em 1989, e se aprofundou nas décadas de 1990 e 2000. No 
primeiro caso, com ênfase nas reformas econômicas, na privatização das 
empresas estatais e nas políticas sociais focalizadas; no segundo, 
aprofundando esses aspectos e modificando substancialmente a estrutura do 
Estado por meio de ampla reforma, consubstanciada em documento 
denominado Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (1995). No 
referido documento foram definidas as diretrizes da reforma e a nova 
configuração que o Estado brasileiro deveria assumir a partir de então. 
O movimento neoliberal defendia a tese de que a crise das décadas de 1970 
e 1980 decorria do mau funcionamento do Estado, evidenciado na falta de 
efetividade, no crescimento distorcido, nos altos custos operacionais, no 
excesso de endividamento público e na incapacidade de se adequar ao 
processo de globalização em curso, que teria reduzido a autonomia e a 
capacidade dos Estados Nacionais para gerirem suas próprias políticas 
econômicas e sociais. Portanto, seria necessário que as sociedades aceitassem 
uma redefinição das responsabilidades do Estado, selecionando 
estrategicamente as ações que o Estado iria desenvolver e as que deixaria de 
executar. Esperava-se com isso reduzir as atribuições impostas ao Estado e 
fazer com que os cidadãos se envolvessem mais na solução dos problemas da 
comunidade. 
O novo Estado, denominado ‘social liberal’, teria como principal função a 
regulação, a representatividade política, a justiça e a solidariedade, devendo- se 
afastar do campo da produção e se concentrar na função reguladora e na oferta 
de alguns serviços básicos, não realizados pelo mercado, tais como os serviços 
de educação, saúde, saneamento, entre outros. A implementação de reformas 
administrativas e gerenciais permitiria a focalização da ação estatal no 
atendimento das necessidades sociais básicas, reduzindo a área de atuação do 
Estado por meio de três mecanismos: a privatização (venda de empresas 
públicas), a publicização (transferência da gestão de serviços e atividades para 
o setor público não-estatal) e a terceirização (compra de serviços de terceiros). 
Para proceder às mudanças apregoadas no
âmbito do projeto neoliberal, 
deveriam ser removidos os constrangimentos jurídico-legais, notadamente de 
ordem constitucional, que impediam a adoção de uma administração ágil, com 
maior grau de autonomia, capaz de enfrentar os desafios do Estado moderno. 
No que tange às políticas sociais, para o pensamento neoliberal, estas não 
são compreendidas como direitos, mas como forma de assistir aos mais 
necessitados ou como ato de filantropia, daí que a ação do Estado deve ser 
focalizada nos pobres, e a sociedade, na figura das organizações não-
governamentais e no voluntariado, deve ser estimulada a assumir 
responsabilidades pela resolução dos seus problemas, reduzindo a carga 
imposta ao Estado ao longo do tempo. 
Nesse aspecto, a ofensiva às políticas sociais foi linear, atingindo tanto os 
países que conseguiram construir um Estado de Bem-Estar-Social como os 
países periféricos que só conseguiram realizar um esboço de proteção social 
aos seus cidadãos. Contudo, a forma de assimilação e os resultados foram 
distintos em um e noutro contexto, com maior desmonte dos sistemas de 
proteção social nos países periféricos, tanto pela fragilidade desses sistemas 
como pela pouca capacidade de resistência dos segmentos afetados. 
No campo da saúde, no Brasil, a assimilação dos pressupostos neoliberais, a 
partir do início da década de 1990, momento em que também se iniciava o 
processo de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), resultou num 
quadro que pode ser caracterizado da seguinte forma: ampliação do acesso aos 
serviços de atenção básica; mercantilização dos serviços de nível secundário e 
terciário (cerca de 70% da oferta estão na iniciativa privada); grande 
precarização dos vínculos de trabalho no setor público; terceirização de grande 
parte dos serviços assistenciais e terapêuticos; conformação de um sistema de 
saúde complementar, regulamentado; e institucionalização da participação, por 
meio dos conselhos e conferências de saúde nas três esferas de governo. 
 
	NEOLIBERALISMO E SAÚDE
	Maria Lúcia Frizon Rizzotto

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Outros materiais