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7 177 Livro: Introdução à Álgebra Linear Autores: Abramo Hefez Cecília de Souza Fernandez Capítulo 7: Espaços com Produto Interno Sumário 1 Produto Interno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178 2 Ângulos entre Vetores e Ortogonalidade . . . . . . 181 3 Bases Ortonormais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188 3.1 Conjuntos Ortogonais . . . . . . . . . . . . . . . . 188 3.2 Ortogonalização de Gram-Schmidt . . . . . . . . . 192 4 Operadores em Espaços com Produto Interno . . 198 4.1 O Operador Adjunto . . . . . . . . . . . . . . . . . 199 4.2 Operadores Ortogonais . . . . . . . . . . . . . . . . 202 178 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO Neste capítulo, apresentaremos a noção de produto interno em espaços vetoriais. Esta noção, como veremos, generaliza a noção de produto escalar em R2 e em R3 e enriquece a estrutura de um espaço vetorial, permitindo definir vários conceitos de caráter geométrico previamente estudados em R2 e R3. 1 Produto Interno Seja V um espaço vetorial. Um produto interno em V é uma função que a cada par de vetores u e v em V associa um número real, denotado por 〈u, v〉, que satisfaz as seguintes condições: Para quaisquer vetores u, v e w de V e qualquer número real k, PI 1 〈v, v〉 ≥ 0; PI 2 〈v, v〉 = 0 se, e somente se, v = 0; PI 3 〈u, v〉 = 〈v, u〉; PI 4 〈u+ v, w〉 = 〈u,w〉+ 〈v, w〉; PI 5 〈ku, v〉 = k〈u, v〉. Um espaço vetorial com um produto interno é chamado, abreviadamente, de espaço com produto interno. Exemplo 1. Sejam u = (x1, x2, . . . , xn) e v = (y1, y2, . . . , yn) vetores em Rn. Definimos 〈u, v〉 = x1y1 + x2y2 + · · ·+ xnyn . (1) Note que 〈u, u〉 = x21 + · · ·+ x2n ≥ 0, e que 〈u, v〉 = x1y1 + x2y2 + · · ·+ xnyn = y1x1 + y2x2 + · · ·+ ynxn = 〈v, u〉, mostrando que as condições 1 e 3 da definição de produto interno são satis- feitas. A condição 2 também é satisfeita já que 〈u, u〉 = x21 + · · ·+ x2n = 0 ⇐⇒ x1 = · · · = xn = 0 ⇐⇒ u = 0. 1. PRODUTO INTERNO 179 Se w = (z1, z2, . . . , zn), então 〈u+ v, w〉 = (x1 + y1)z1 + (x2 + y2)z2 + · · ·+ (xn + yn)zn = (x1z1 + x2z2 + · · ·+ xnzn) + (y1z1 + y2z2 + · · ·+ ynzn) = 〈u,w〉+ 〈v, w〉, mostrando que a condição 4 é satisfeita. A condição 5 também é satisfeita, pois se k ∈ R, então 〈ku, v〉 = (kx1)y1+(kx2)y2+· · ·+(kxn)yn = k(x1y1+x2y2+· · ·+xnyn) = k〈u, v〉. Assim, (1) define um produto interno em Rn, chamado de produto interno usual de Rn ou produto escalar de Rn, generalizando a noção de produto escalar de R2 e de R3. Exemplo 2. Sejam p(x) = a0 + a1x+ a2x 2 e q(x) = b0 + b1x+ b2x 2 vetores em R[x]2. Defina 〈p(x), q(x)〉 = a0b0 + a1b1 + a2b2 . (2) Temos que (2) define um produto interno em R[x]2. De fato, por meio do isomorfismo de espaços vetoriais, T : R[x]2 → R3 a0 + a1x+ a2x 2 7→ (a0, a1, a2) o produto 〈p(x), q(x)〉 não é outro que o produto interno usual de R3. O próximo resultado apresenta algumas propriedades básicas dos produ- tos internos. Proposição 7.1.1. Seja V um espaço com produto interno. Se u, v, w ∈ V e se k ∈ R, então (i) 〈0, u〉 = 〈u, 0〉 = 0; (ii) 〈u, v + w〉 = 〈u, v〉+ 〈u,w〉; (iii) 〈u, kv〉 = k〈u, v〉; 180 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO (iv) 〈u, v − w〉 = 〈u, v〉 − 〈u,w〉. Demonstração Provaremos apenas (ii) e deixaremos os demais itens como exercício (ver Problema 1.3). De fato, pela condições PI 3 e PI 4 da definição de produto interno temos que 〈u, v + w〉 = 〈v + w, u〉 = 〈v, u〉+ 〈w, u〉 = 〈u, v〉+ 〈u,w〉. � Seja V um espaço com produto interno. Definimos a norma do vetor v de V , ou comprimento de v, denotado por ||v||, como o número real ||v|| = 〈v, v〉1/2. Se ||v|| = 1, dizemos que v é um vetor unitário. A distância d(u, v) entre dois vetores u e v de V é definida como d(u, v) = ||u− v|| = √ 〈u− v, u− v〉. Por exemplo, se u = (x1, x2, . . . , xn) e v = (y1, y2, . . . , yn) são vetores de Rn com o produto interno usual, então ||u|| = 〈u, u〉1/2 = √ x21 + x 2 2 + · · ·+ x2n e d(u, v) = ||u− v|| = 〈u− v, u− v〉1/2 = √ (x1 − y1)2 + (x2 − y2)2 + · · ·+ (xn − yn)2. Observe que, no caso de R2 e R3, ||u|| e d(u, v) são precisamente a norma e a distância usuais de R2 e de R3. Problemas 1.1* Sejam u = (x1, x2) e v = (y1, y2) vetores em R2. 2. ÂNGULOS ENTRE VETORES E ORTOGONALIDADE 181 (a) Mostre que 〈u, v〉 = 1 9 x1y1 + 1 4 x2y2 define um produto interno em R2. (b) Esboce o círculo unitário no sistema de coordenadas xy em R2, usando a distância obtida a partir do produto interno em (a). (c) Esboce o círculo unitário no sistema de coordenadas xy em R2, usando a distância obtida a partir do produto interno usual. (d) Você nota alguma diferença entre os círculos obtidos em (a) e em (b)? 1.2 Sejam u = (x1, x2) e v = (y1, y2) vetores em R2. Mostre que as expressões a seguir definem produtos internos em R2. (a) 〈u, v〉 = 3x1y1 + 5x2y2 . (b) 〈u, v〉 = 4x1y1 + x2y1x1y2 + 4x2y2 . 1.3 Conclua a demonstração da Proposição 7.1.1. 1.4 Suponha que u, v e w sejam vetores tais que 〈u, v〉 = 2, 〈u,w〉 = −3, 〈v, w〉 = 5, ||u|| = 1, ||v|| = 2 e ||w|| = 1. Calcule o valor de cada uma das seguintes expressões: (a) 〈u+ v, v + w〉; (b) 〈2v + w, 2u− v〉; (c) ||u+ v + w||. 2 Ângulos entre Vetores e Ortogonalidade Recordemos que no Capítulo 4 vimos que o ângulo θ, com 0 ≤ θ ≤ pi, entre dois vetores não nulos u e v em R3, dotado do produto escalar, satisfaz a igualdade cos θ = u · v ||u|| ||v|| · (1) Nosso primeiro objetivo nesta seção será o de definir o conceito de ângulo entre dois vetores não nulos de um espaço com produto interno, utilizando 182 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO (1), onde o produto escalar é substituído pelo produto interno. Para que uma tal definição faça sentido, devemos assegurar que |〈u, v〉| ||u|| ||v|| ≤ 1 para quaisquer dois vetores não nulos u e v de V . Veremos, no próximo resultado, que isto sempre ocorre. Teorema 7.2.1. (Desigualdade de Cauchy-Schwarz) Se u e v são ve- tores de um espaço com produto interno V , então |〈u, v〉| ≤ ||u|| ||v||, (2) com igualdade valendo se, e somente se, u e v são linearmente dependentes. Demonstração A desigualdade é clara se u é o vetor nulo de V . Supo- nhamos, então, u diferente do vetor nulo. Para qualquer t ∈ R, temos que 〈tu+ v, tu+ v〉 ≥ 0, ou seja, para qualquer t ∈ R, 〈u, u〉t2 + 2〈u, v〉t+ 〈v, v〉 ≥ 0. (3) Definamos p(t) = 〈u, u〉t2 + 2〈u, v〉t+ 〈v, v〉, t ∈ R. Por (3), p é uma função polinomial não negativa. Além disso, como o coeficiente do termo quadrático é não negativo, segue que o discriminante ∆ de p(t) é um número real não positivo. Portanto, ∆ = 4〈u, v〉2 − 4〈u, u〉〈v, v〉 = 4〈u, v〉2 − 4||u||2 ||v||2 ≤ 0, o que equivale a 〈u, v〉2 ≤ ||u||2 ||v||2. Extraindo a raiz quadrada em ambos os lados da desigualdade acima, obte- mos (2). Deixaremos a parte que trata da igualdade em (2) como exercício (cf. Problema 2.3) � 2. ÂNGULOS ENTRE VETORES E ORTOGONALIDADE 183 Cabe observar que o Teorema 7.2.1 foi provado, em 1821, por Augustin Cauchy (França, 1789 - 1857) para V = Rn, com o produto interno usual. O resultado geral, para um espaço com produto interno arbitrário, foi provado em 1885, por Hermann Schwarz (Alemanha, 1843 - 1921). Vamos agora definir a noção de ângulo em espaços com produto interno arbitrários. Suponhamos que u e v são vetores não nulos de um espaço com produto interno V . Dividindo ambos os lados da desigualdade (2) por ||u|| ||v||, obtemos |〈u, v〉| ||u|| ||v|| ≤ 1 ou, equivalentemente, −1 ≤ 〈u, v〉||u|| ||v|| ≤ 1. (4) Como cos θ assume, uma única vez, cada valor no intervalo [−1, 1] quando θ varia no intervalo [0, pi], segue de (4) que existe um único θ ∈ [0, pi] tal que cos θ = 〈u, v〉 ||u|| ||v|| · (5) Definimos o ângulo entre u e v como o número real θ acima mencionado. Parece estranho definir a norma de um vetor e o ângulo entre dois vetoresem um espaço vetorial abstrato com produto interno, já que em geral não temos uma representação geométrica associada a estes espaços. Contudo, muitas definições e teoremas básicos da Geometria continuam valendo neste grau de generalidade. Por exemplo, sabemos da Geometria de R2 que o comprimento de um lado de um triângulo não excede a soma dos comprimentos dos outros dois (Figura 16(a)). Veremos a seguir que este resultado vale em todos os espaços com produto interno (veja Proposição 7.2.2(iv)). Um outro resultado da Geometria afirma que a soma dos quadrados das diagonais de um paralelo- gramo coincide com a soma dos quadrados dos quatro lados (Figura 16(b)). Este resultado também vale em qualquer espaço com produto interno (veja Problema 2.2). Figura 16(a) Figura 16(b) 184 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO Assim, o produto interno é uma noção que enriquece a estrutura de um espaço vetorial, permitindo generalizar várias noções de caráter geométrico em R2 e em R3 para espaços vetoriais mais gerais. Proposição 7.2.2. (Propriedades da norma) Se u e v são vetores em um espaço V com produto interno e se k ∈ R, então: (i) ||u|| ≥ 0; (ii) ||u|| = 0 se, e somente se, u = 0; (iii) ||ku|| = |k| ||u||; (iv) ||u+ v|| ≤ ||u||+ ||v|| (desigualdade triangular). Demonstração Provaremos o item (iv) e deixaremos os demais itens como exercícios (veja Problema 2.4). Temos ||u+ v||2 = 〈u+ v, u+ v〉 = 〈u, u〉+ 〈u, v〉+ 〈v, u〉+ 〈v, v〉 = ||u||2 + 2〈u, v〉+ ||v||2 ≤ ||u||2 + 2|〈u, v〉|+ ||v||2, (6) pois x ≤ |x| para todo x ∈ R. Por (2), ||u||2 + 2|〈u, v〉|+ ||v||2 ≤ ||u||2 + 2||u|| ||v||+ ||v||2 = (||u||+ ||v||)2. (7) De (6) e (7), segue que ||u+ v||2 ≤ (||u||+ ||v||)2. Extraindo as raízes quadradas em ambos os lados da desigualdade acima obtemos a desigualdade desejada. � 2. ÂNGULOS ENTRE VETORES E ORTOGONALIDADE 185 No próximo resultado apresentamos algumas propriedades da noção de distância entre dois vetores de um espaço com produto interno. A verificação dessas propriedades é simples e usa a Proposição 7.2.2. Portanto, deixaremos a sua demonstração como exercício para o leitor (veja Problema 2.5). Proposição 7.2.3. (Propriedades da distância) Se u, v e w são vetores em um espaço com produto interno V , então: (i) d(u, v) ≥ 0; (ii) d(u, v) = 0 se, e somente se, u = v; (iii) d(u, v) = d(v, u); (iv) d(u, v) ≤ d(u,w) + d(w, v) (desigualdade triangular). O próximo objetivo desta seção é definir a noção de ortogonalidade em um espaço com produto interno. Comecemos com a noção de ortogonalidade entre dois vetores. Sejam u e v dois vetores não nulos de um espaço com produto interno V e seja θ o ângulo entre eles. Segue de (5) que cos θ = 0 se, e somente se, 〈u, v〉 = 0. Equivalentemente, temos θ = pi/2 se, e somente se 〈u, v〉 = 0. Convencionamos que se u ou v é o vetor nulo, o ângulo entre eles é pi/2. Assim, dizemos que dois vetores quaisquer u e v em V são ortogonais quando 〈u, v〉 = 0. A seguir, introduziremos a noção de ortogonalidade entre um vetor e um subespaço. Sejam v um vetor de V e W um subespaço de V . Dizemos que v é ortogonal a W se v é ortogonal a cada vetor de W . O conjunto de todos os vetores de V que são ortogonais a W é chamado complemento ortogonal de W e é denotado por W⊥. Exemplo 1. Seja R3 com o produto interno usual e seja W o plano de equação cartesiana x + y + z = 0. O vetor v = (1, 1, 1) é ortogonal a W , pois v é um vetor normal a este plano. Para determinarmos W⊥, devemos 186 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO encontrar um vetor (a, b, c) em R3 que seja ortogonal a todo vetor de W . Como um vetor de W é da forma (−y − z, y, z), para y, z ∈ R, devemos encontrar (a, b, c) tal que (−y − z, y, z) · (a, b, c) = 0 Fazendo, na igualdade acima, y = 0 e z = 1, obtemos a = c; e, fazendo y = 1 e z = 0, obtemos a = b. Portanto, W⊥ = {(a, a, a); a ∈ R}, ou seja, W⊥ é a reta que passa pela origem que tem v como um vetor diretor. Terminamos esta seção apresentando algumas propriedades do comple- mento ortogonal. Proposição 7.2.4. Seja W um subespaço de um espaço com produto interno V . Então: (i) W⊥ é um subespaço de V ; (ii) W ∩W⊥ = {0}; (iii) (W⊥)⊥ = W . Demonstração Provaremos apenas (i), deixando as demonstrações das demais propriedades para o leitor (veja Problema 2.10). Primeiramente, é claro que 0 ∈ W⊥. Tomemos u e v em W⊥ e a em R. Se w ∈ W , então 〈u+ av, w〉 = 〈u,w〉+ a〈v, w〉 = 0 + a0 = 0, mostrando que u + av é ortogonal a w. Como w ∈ W foi tomado de modo arbitrário, temos que u + av é ortogonal a cada vetor de W , ou seja u + av está em W⊥. Pelo Corolário 3.1.2, segue que W⊥ é um subespaço de V . � No Capítulo 1 tivemos a oportunidade de mostrar que dois sistemas line- ares homogêneos com matrizes associadas equivalentes possuem conjuntos de 2. ÂNGULOS ENTRE VETORES E ORTOGONALIDADE 187 soluções iguais. Vamos, no exemplo a seguir, mostrar que vale uma recíproca dessa propriedade. Exemplo 2. Seja dado um sistema linear homogêneo AX = 0, com m equa- ções e n incógnitas cujo espaço solução é denotado por Sh(A). Chamemos de TA a transformação linear de Rn para Rm determinada por A e pelas bases canônicas dos dois espaços vetoriais (cf. Exemplo 4, Seção 1 do Capítulo 6). Como as soluções do sistema são os vetores de Rn que são ortogonais aos vetores linhas de A, temos, pelo Problema 2.11, que Sh(A) = (L(A))⊥. Problemas 2.1 Suponha que R3 e R4 têm o produto interno usual. Em cada item abaixo, encontre o cosseno do ângulo entre u e v: (a) u = (−1, 5, 2) e v = (2, 4,−9); (b) u = (1, 0, 1, 0) e v = (1, 1, 1, 1); (c) u = (2, 1, 0,−1) e v = (4, 0, 0, 0). 2.2* Mostre que a seguinte identidade vale para quaisquer vetores u e v de um espaço com produto interno: ||u+ v||2 + ||u− v||2 = 2||u||2 + 2||v||2. 2.3 Mostre que vale a igualdade na desigualdade de Cauchy-Schwarz se, e somente se, u e v são linearmente dependentes. 2.4 Conclua a demonstração da Proposição 7.2.2. 2.5 Prove a Proposição 7.2.3. 2.6 Use a desigualdade de Cauchy-Schwarz para mostrar, para quaisquer valores reais de a, b e θ, que (a cos θ + b sen θ)2 ≤ a2 + b2. 2.7 Seja {v1, v2, . . . , vn} uma base de um espaço com produto interno V . Mostre que o vetor nulo de V é o único vetor de V que é ortogonal a todos os vetores da base. 188 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO 2.8 Seja V um espaço com produto interno. Mostre que se u e v são vetores ortogonais de V tais que ||u|| = ||v|| = 1, então ||u− v|| = √2. 2.9* (Uma generalização do Teorema de Pitágoras) Seja {v1, v2, . . . , vn} um conjunto ortogonal de vetores de um espaço com produto interno. Então ||v1 + v2 + · · ·+ vn||2 = ||v1||2 + ||v2||2 + · · ·+ ||vn||2. 2.10 Conclua a demonstração da Proposição 7.2.4. 2.11 Seja β um conjunto de geradores de W , onde W é um subespaço de um espaço com produto interno V . Mostre que W⊥ consiste de todos os vetores de V que são ortogonais a cada vetor do conjunto β. 2.12* Seja W o subespaço de R5 gerado pelos vetores u = (1, 2, 3,−1, 2) e v = (2, 1, 3, 2,−1). Determine uma base de W⊥. 2.13 Suponha que R4 tem o produto interno usual e seja v = (1,−1, 0,−2). Determine se v é ortogonal ao subespaço de R4 gerado pelos vetores v1 = (−1, 1, 3, 0) e v2 = (4, 0, 2, 2). 2.14 Seja W o plano de equação cartesiana x− 2y− 3z− 1 = 0. Obtenha as equações paramétricas para W⊥. 3 Bases Ortonormais Veremos nesta seção que um espaço vetorial, com produto interno, possui bases que se destacam das demais, chamadas de bases ortonormais. Traba- lhar com este tipo de base torna V geometricamente muito parecido com o espaço Rn, onde n = dimV . Ao longo desta seção, V será sempre um espaço com produto interno 〈 , 〉, de dimensão finita n > 0. 3.1 Conjuntos Ortogonais Um conjunto de vetores em V é chamado conjuntoortogonal se quaisquer dois vetores distintos do conjunto são ortogonais. 3. BASES ORTONORMAIS 189 Por exemplo, o conjunto {(1, 2, 1), (2, 1,−4), (3,−2, 1)} é um conjunto ortogonal em R3 com seu produto interno usual. Um conjunto ortogonal no qual cada vetor tem norma 1 é chamado con- junto ortonormal . Se v é um vetor não nulo em um espaço com produto interno, segue da Proposição 7.2.2(iii) que o vetor ||v||−1 v tem norma 1. O processo de multiplicar um vetor não nulo pelo inverso de sua norma para obter um vetor de norma 1 é chamado de normalização. Assim, um con- junto ortogonal de vetores não nulos pode ser sempre transformado em um conjunto ortonormal, normalizando-se cada um de seus vetores. O próximo resultado relaciona a noção de ortogonalidade com a noção de independência linear. Proposição 7.3.1. Todo conjunto ortogonal de vetores não nulos de V é linearmente independente. Demonstração Seja {v1, . . . , vr} um conjunto de vetores ortogonais de V com produto interno. Consideremos a equação a1v1 + a2v2 + · · ·+ arvr = 0. Vamos mostrar que ai = 0, para todo 1 ≤ i ≤ r. Fixe 1 ≤ i ≤ r. Então, 〈a1v1 + · · ·+ arvr, vi〉 = a1〈v1, vi〉+ · · ·+ ai〈vi, vi〉 + ai+1〈vi+1, vi〉+ · · ·+ ar〈vr, vi〉 = ai〈vi, vi〉, (1) já que 〈vj, vi〉 = 0 sempre que j 6= i. Por outro lado 〈a1v1 + a2v2 + · · ·+ arvr, vi〉 = 〈0, vi〉 = 0. (2) De (1) e (2), segue que ai〈vi, vi〉 = 0 e como vi é um vetor não nulo, temos necessariamente que ai = 0. Como i foi tomado de modo arbitrário em seu intervalo de variação, o resultado segue. � A recíproca do resultado acima é obviamente falsa, pois, por exemplo, o conjunto {(1, 1), (1, 0)} de vetores em R2 com o produto interno usual é linearmente independente, mas não é um conjunto ortogonal. 190 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO Se α={v1, . . . , vn} é um conjunto ortogonal de vetores não nulos de V , segue da proposição anterior que α é uma base de V . Uma base consistindo de vetores ortogonais é chamada base ortogonal e uma base consistindo de vetores ortonormais é chamada base ortonormal. Por exemplo, a base canônica de Rn com o produto interno usual é uma base ortonormal. Vimos que se V é um espaço vetorial e α é uma base de V então, em geral, é necessário resolver um sistema linear a fim de escrever um vetor de V em termos da base α. O próximo resultado mostra que quando V é um espaço com produto interno e α é uma base ortonormal de V , então é bastante simples encontrar as coordenadas de um vetor de V em relação a base α. Teorema 7.3.2. Se α={v1, v2, . . ., vn} é uma base ortonormal de V , então, para todo v ∈ V , podemos escrever v = 〈v, v1〉v1 + 〈v, v2〉v2 + · · ·+ 〈v, vn〉vn . Demonstração Seja v = a1v1 + a2v2 + · · ·+ anvn a escrita de v na base α. Fixe i, com 1 ≤ i ≤ n. Temos 〈v, vi〉 = 〈a1v1 + a2v2 + · · ·+ anvn, vi〉 = a1〈v1, vi〉+ · · ·+ ai〈vi, vi〉+ · · ·+ an〈vn, vi〉 = ai, já que 〈vj, vi〉 = 0 se j 6= i e 〈vi, vi〉 = ||vi||2 = 1. Como i foi tomado de modo arbitrário, a demonstração está completa. � Se β = {v1, v2, . . . , vn} é uma base ortogonal de V , normalizando cada um dos vetores de β, obtemos a base ortonormal α de V , onde α = { v1 ||v1|| , v2 ||v2|| , . . . , vn ||vn|| } . Pelo Teorema 7.3.2, para cada vetor v em V , temos que v = 〈v, v1||v1||〉 v1 ||v1|| + · · ·+ 〈v, vn ||vn|| 〉 vn ||vn|| = 〈v, v1〉 ||v1||2 v1 + · · ·+ 〈v, vn〉 ||vn||2 vn. 3. BASES ORTONORMAIS 191 O número real ai = 〈v, vi〉 ||vi||2 é chamado de coeficiente de Fourier 1 de v em relação ao vetor vi . Este escalar admite uma interpretação geométrica relacionada com a noção de projeção. Para apresentarmos esta interpretação geométrica, vamos precisar do seguinte resultado. Proposição 7.3.3. Seja w um vetor não nulo de V . Se v ∈ V , então k = 〈v, w〉 〈w,w〉 = 〈v, w〉 ||w||2 (3) é o único número real tal que v′ = v − kw é ortogonal a w. Demonstração Para que v′ seja ortogonal a w devemos ter 〈v−kw,w〉=0, ou seja, 〈v, w〉 = k〈w,w〉, mostrando que k = 〈v, w〉〈w,w〉 · Reciprocamente, su- ponhamos que k = 〈v, w〉 〈w,w〉· Então, 〈v − kw,w〉 = 〈v, w〉 − k〈w,w〉 = 〈v, w〉 − 〈v, w〉〈w,w〉 〈w,w〉 = 0, o que mostra que v − kw é ortogonal a w. � O escalar k em (3) é o coeficiente de Fourier de v em relação ao vetor w. A projeção de v ao longo de w (Figura 17) é denotada por projw(v) e é definida por projw(v) = kw = 〈v, w〉 〈w,w〉 w. Figura 17 O próximo resultado, cuja demonstração é deixada como exercício (veja Problema 3.2), generaliza a Proposição 7.3.3. 1 Em homenagem a Jean-Baptiste Fourier (França, 1768 - 1830), conhecido na Mate- mática por iniciar a investigação sobre o desenvolvimento de funções periódicas em séries trigonométricas convergentes, chamadas séries de Fourier, e sua aplicação aos problemas de condução de calor. 192 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO Proposição 7.3.4. Suponhamos que {w1, w2, . . . , wr} seja um conjunto or- togonal de vetores não nulos de V . Se v ∈ V , então ki = 〈v, wi〉 ||wi||2 , 1 ≤ i ≤ r, são os únicos números reais tais que o vetor v′ = v − k1w1 − k2w2 − · · · − krwr é ortogonal aos vetores w1, w2, . . . , wr. 3.2 Ortogonalização de Gram-Schmidt Vimos na seção anterior que trabalhar com bases ortonormais é bastante conveniente. Veremos a seguir que todo espaço com produto interno, não nulo, de dimensão finita tem uma base ortonormal. A construção dada na prova do resultado abaixo é chamada de processo de ortogonalização de Gram-Schmidt, pois leva os nomes de Jorgen Peder- sen Gram (Dinamarca, 1850 - 1916) e de Erhard Schmidt (Alemanha, 1876 - 1959). Cabe observar que a construção de Gram-Schmidt pode ser en- contrada, de modo implícito, em trabalhos de Pierre Simon Laplace 2 e de Cauchy. 2 Pierre Simon Laplace (França 1749 � 1827) foi um importante matemático, físico e astrônomo, conhecido por suas contribuições à mecânica celeste à teoria de probabilidades, bem como por suas aplicações da matemática à física. 3. BASES ORTONORMAIS 193 Teorema 7.3.5. O espaço V possui uma base ortogonal. Demonstração Seja {v1, v2, . . . , vn} uma base de V . Tomemos (veja Figura 18) w1 = v1, w2 = v2 − 〈v2, w1〉||w1||2 w1, w3 = v3 − 〈v3, w1〉||w1||2 w1 − 〈v3, w2〉 ||w2||2 w2, . . . wn = vn − 〈vn, w1〉||w1||2 w1 − · · · − 〈vn, wn−1〉 ||wn−1||2 wn−1. Pela Proposição 7.3.4, o conjunto {w1, w2, . . . , wn} é um conjunto ortogo- nal. Além disso, como o conjunto {v1, v2, . . . , vn} é linearmente independente, cada vetor wi é não nulo. Assim, o conjunto {w1, w2, . . . , wn} é um conjunto ortogonal de vetores não nulos de V . Como, por definição, n = dimV , segue pela Proposição 7.3.1 que {w1, w2, . . . , wn} é uma base ortogonal de V . � Figura 18 Decorre da proposição acima que se V tem uma base ortogonal, ele tem uma base ortonormal, pois os vetores de uma base ortogonal podem ser normalizados para produzir uma base ortonormal de V . 194 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO Exemplo 1. Considere R3 com o produto interno usual. Apliquemos o processo de Gram-Schmidt ao conjunto {(1, 0, 0), (1, 1, 1), (0, 0, 1)} para ob- termos uma base ortogonal {w1, w2, w3} de R3. Façamos w1 = (1, 0, 0), w2 = (1, 1, 1)− 〈(1, 1, 1), (1, 0, 0)〉||(1, 0, 0)||2 (1, 0, 0) = (0, 1, 1), w3 = (0, 0, 1)− 〈(0, 0, 1), (1, 0, 0)〉||(0, 1, 1)||2 (1, 0, 0) −〈(0, 0, 1), (0, 1, 1)〉||(0, 1, 1)||2 (0, 1, 1) = ( 0,−1 2 , 1 2 ) . Assim, {(1, 0, 0), (0, 1, 1), (0,−1 2 , 1 2 )} é uma base ortogonal de R3. Uma consequência importante do Teorema 7.3.5, que demonstraremos a seguir, é o fato de que V=W⊕W⊥, ondeW é um subespaço de V . Em outras palavras, cada vetor v de V pode ser escrito de modo único como v = w1 + w2 , (4) onde w1 ∈ W e w2 ∈ W⊥. O vetor w1 é chamado projeção ortogonal de v em W e é denotado por projW (v).O vetor w2 é chamado componente de v ortogonal a W e é denotado por projW⊥(v) (Figura 19). Por (4), temos então que v = projW (v) + projW⊥(v). Figura 19 Teorema 7.3.6. Se W é um subespaço de V , então V = W ⊕W⊥. Demonstração Pela Proposição 7.2.4(ii), W ∩W⊥ = {0}. Vejamos que V = W + W⊥. Pelo processo de ortogonalização de Gram-Schmidt, existe 3. BASES ORTONORMAIS 195 uma base ortonormal {v1, v2, . . . , vn} de W . Tomemos v ∈ V . Defina w1 = 〈v, v1〉v1 + 〈v, v2〉v2 + · · ·+ 〈v, vn〉vn, w2 = v − w1 . Note que w1 + w2 = w1 + (v − w1) = v. Além disso, w1 ∈ W , pois w1 é uma combinação linear dos vetores da base de W . Portanto, resta mostrar que w2 ∈ W⊥, ou seja, w2 é ortogonal a W . Para isto, seja w ∈ W . Pelo Teorema 7.3.2, w = 〈w, v1〉v1 + 〈w, v2〉v2 + · · ·+ 〈w, vn〉vn . Assim, 〈w2, w〉 = 〈v − w1, w〉 = 〈v, w〉 − 〈w1, w〉 = 〈w, v1〉〈v, v1〉+ · · ·+ 〈w, vn〉〈v, vn〉 − (〈v, v1〉〈v1, w〉+ · · ·+ 〈v, vn〉〈vn, w〉) = 0. Como w ∈ W foi tomado de modo arbitrário, segue que w2 é ortogonal a W . � Exemplo 2. Retomemos o Exemplo 1 da Seção 2, onde V = R3 e onde W = {(x, y, z); x + y + z = 0} e W⊥ = {(x, y, z); x = y = z}. Note que W ∩W⊥ = {0}. 196 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO Como dim(W +W⊥) = dimW + dimW⊥ − dim(W ∩W⊥), segue que dim(W + W⊥) = 3, já que temos dimW = 2, dimW⊥ = 1 e dim(W ∩W⊥) = 0. Portanto, W + W⊥ = R3. Consequentemente, temos que R3 = W ⊕W⊥, como aliás deveria ser pelo Teorema 7.3.6. Para cada (x, y, z) ∈ R3, temos que (x, y, z) = ( 2x−y−z 3 , −x+2y−z 3 , −x−y+2z 3 ) + ( x+y+z 3 , x+y+z 3 , x+y+z 3 ) ∈ W +W⊥. Mais ainda, a escrita acima é única. Em outras palavras, todo vetor de R3 se expressa, de forma única, como a soma de um elemento e W com um elemento de W⊥. A figura abaixo mostra a decomposição do vetor (0, 3, 0). Figura 20 Exemplo 3. Seja AX = 0 um sistemam×n de equações lineares homogêneo, cujo conjunto solução denotamos por Sh(A). Seja TA a transformação linear associada à matriz A. Sabemos (cf. Exemplo 2, Seção 2) que KerTA = Sh(A) = (L(A))⊥. Por outro lado, pelo Exemplo 4, Seção 1, Capítulo 6, temos que ImTA = C(A). 3. BASES ORTONORMAIS 197 Pelo Teorema do Núcleo e da Imagem, temos que n = dim KerTA + dim ImTA = dim(L(A))⊥ + dim C(A). Pelo Teorema 7.3.6, temos que n = dimL(A) + dim(L(A))⊥ = pA + dimSh(A). Daí decorre que dimSh(A) = n− pA, e que dim C(A) = dimL(A). Assim, o posto por linhas de uma matriz A, que por definição é igual à dimensão do espaço linha L(A) de A, coincide com o posto de A por colunas, ou seja com a dimensão do espaço coluna C(A) da matriz A. Problemas 3.1* Seja V um espaço com produto interno de dimensão finita n. Se α é uma base ortonormal de V e se [v]α = a1 a2 . . . an e [w]α = b1 b2 . . . bn , então: (a) ||v|| = √ a21 + a 2 2 + · · ·+ a2n; (b) d(v, w) = √ (a1 − b1)2 + (a2 − b2)2 + · · ·+ (an − bn)2; (c) 〈v, w〉 = a1b1 + a2b2 + · · ·+ anbn . O exercício anterior mostra que trabalhando com bases ortonormais, o cálculo de normas e produtos internos arbitrários se reduz ao cálculo de nor- mas e produtos internos das matrizes das coordenadas, como em Rn com sua norma e produto interno usuais . 198 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO 3.2 Prove a Proposição 7.3.4. 3.3 Mostre que os vetores v1 = ( 4 5 , 3 5 , 0 ) , v2 = ( − 3 5 , 4 5 , 0 ) e v3 = (0, 0, 1) formam uma base ortonormal para R3 com o produto interno usual. Em seguida, expresse o vetor v = (1,−1, 2) nesta base. 3.4* Seja W um subespaço de dimensão finita de um espaço com produto interno V . Prove que: (a) Se {w1, w2, . . . , wn} é uma base ortonormal deW e v é um vetor qualquer de V , então projW (v) = 〈v, w1〉w1 + 〈v, w2〉w2 + · · ·+ 〈v, wn〉wn ; (b) Se {w1, w2, . . . , wn} é uma base ortogonal de W e v é um vetor qualquer de V , então projW (v) = 〈v, w1〉 ||w1||2 w1 + 〈v, w2〉 ||w2||2 w2 + · · ·+ 〈v, wn〉 ||wn||2 wn . 3.5 Considere R4 com o produto interno usual. Use o processo de Gram- Schmidt para transformar a base {v1, v2, v3, v4} em uma base ortogonal, onde v1 = (0, 2, 1, 0), v2 = (1,−1, 0, 0), v3 = (1, 2, 0,−1) e v4 = (1, 0, 0, 1). 3.6 Seja W o subespaço de R4 gerado pelos vetores v1 = (1, 1, 1, 1), v2 = (1,−1, 2,−2) e v3 = (−1,−5, 1,−7). Ache a projeção ortogonal de v = (1, 2,−3, 4) em W . 3.7 Construa, a partir do vetor v = (2, 1, 0), uma base ortonormal de R3 com o produto interno usual. 4 Operadores em Espaços com Produto Interno Nesta seção, vamos definir importantes operadores em espaços com pro- duto interno. Mais precisamente, mostraremos a existência do operador ad- junto de um operador linear e, a partir deste, introduzir as noções de operado- res simétricos e operadores ortogonais. Estes operadores estão relacionados 4. OPERADORES EM ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO 199 com o Teorema Espectral, um dos teoremas mais importantes da Álgebra Linear, conforme veremos no Capítulo 9. Nesta seção, continuaremos supondo que V é um espaço com produto interno de dimensão finita n > 0. 4.1 O Operador Adjunto Dado um vetor v ∈ V , a ele associamos de modo natural um funcional linear em V , como segue: φv : V → R u 7→ 〈u, v〉 . De fato, φv é um funcional linear, pois, para todos u1, u2 ∈ V e todo a ∈ R, temos φv(u1 + au2) = 〈u1 + au2, v〉 = 〈u1, v〉+ a〈u2, v〉 = φv(u1) + aφv(u2). Assim, cada v em V define um funcional linear φv em V , ou seja, um ele- mento de (V,R). A recíproca deste fato é também verdadeira, como mostra o seguinte resultado. Teorema 7.4.1. Dado um funcional linear φ em V , existe um único vetor v ∈ V tal que φ = φv. Demonstração Seja φ ∈ (V,R) e fixe uma base ortonormal {v1, v2, . . . , vn} de V . Pelo Teorema 7.3.2, todo elemento u ∈ V se escreve como u = 〈u, v1〉v1 + 〈u, v2〉v2 + · · ·+ 〈u, vn〉vn. Existência: Tomemos v = φ(v1)v1 + φ(v2)v2 + · · ·+ φ(vn)vn. Por um lado, temos φ(u) = φ (〈u, v1〉v1 + 〈u, v2〉v2 + · · ·+ 〈u, vn〉vn) = 〈u, v1〉φ(v1) + 〈u, v2〉φ(v2) + · · ·+ 〈u, vn〉φ(vn). (1) 200 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO Por outro lado, 〈u, v〉 = 〈u, φ(v1)v1 + φ(v2)v2 + · · ·+ φ(vn)vn〉 = φ(v1)〈u, v1〉+ φ(v2)〈u, v2〉+ · · ·+ φ(vn)〈u, vn〉. (2) Juntando (1) e (2) obtemos que φ(u) = 〈u, v〉 = φv(u), para todo u ∈ V . Unicidade: Suponhamos que v′ tenha a propriedade 〈u, v′〉 = 〈u, v〉, para todo u ∈ V . Logo 〈u, v − v′〉 = 0, para todo u ∈ V . Portanto, v − v′ é ortogonal a todos os vetores de V , o que, em virtude do Problema 2.7, acarreta que v = v′. � Observe que o Teorema 7.4.1 garante que a função v 7→ φv, onde φv(u) = 〈u, v〉 (u ∈ V ), é um isomorfismo entre V e (V,R) (cf. Problema 4.4). Teorema 7.4.2. Dado um operador linear T em V , existe um único operador linear T ∗ em V tal que 〈T (v), w〉 = 〈v, T ∗(w)〉, para quaisquer v, w ∈ V. Demonstração Tome w ∈ V . Como a função definida por v 7→ 〈T (v), w〉 é um funcional linear em V (verifique), segue, do Teorema 7.4.1, que existe um único vetor w′ ∈ V tal que 〈T (v), w〉 = 〈v, w′〉, para todo v ∈ V. Basta definir T ∗(w) = w′. A demonstração do Teorema 7.4.1 também nos mostra que se {v1, . . . , vn} é uma base ortonormal de V , então T ∗(w) = w′ = 〈T (v1), w〉v1 + · · ·+ 〈T (vn), w〉vn. Daí, vê-se claramente que T ∗ é linear. � O operador T ∗ é chamado de operador adjunto de T . Assim, o Teorema 7.4.2 afirma que todo operador linear T , em um espaço com produto interno de dimensão finita, possui um operador adjunto T ∗. O próximo resultado mostra como podemos obter T ∗ a partir de uma representação matricial de T . 4. OPERADORES EM ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO 201 Proposição 7.4.3. Para toda base ortonormal α de V e para todo operador linear T em V , temos que [T ∗]αα = ([T ] α α) t. Para demonstrarmos a proposição acima, vamos precisardo seguinte re- sultado, cuja demonstração fica como exercício para o leitor (veja Problema 4.5). Lema 7.4.4. Seja α = {v1, . . . , vn} uma base ortonormal de V . Se A = [aij]n×n é a matriz que representa um oprerador T em V , com relação à base α (ou seja, A = [T ]αα), então aij = 〈T (vj), vi〉, para todos i, j, 1 ≤ i, j ≤ n. Demonstração da Proposição 7.4.3. Considere as matrizes [T ]αα = [aij]n×n e [T ∗]αα = [bij]n×n. Pelo Lema 7.4.4, aij = 〈T (vj), vi〉 e bij = 〈T ∗(vj), vi〉, para todos i, j, 1 ≤ i, j ≤ n. Logo, bij = 〈T ∗(vj), vi〉 = 〈vi, T ∗(vj)〉 = 〈T (vi), vj〉 = aji, para todos i, j, com 1 ≤ i, j ≤ n, provando o resultado. � Um operador linear T : V → V é dito ser um operador simétrico quando T ∗ = T . Pela Proposição 7.4.3, observamos que se T é um operador simétrico em V , então para toda base ortonormal α de V temos [T ]αα = ([T ] α α) t. Assim, T : V → V é simétrico se, e somente se, [T ]αα é uma matriz simé- trica. Observemos que o fato de um operador ser simétrico não depende da base ortonormal escolhida. Portanto, se [T ]αα for uma matriz simétrica em 202 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO uma determinada base ortonormal α, então [T ]ββ será também simétrica para qualquer outra base ortonormal β. Exemplo 1. Seja T : R3 → R3 o operador linear definido por T (x, y, z) = (2x− y + z,−x+ y + 3z, x+ 3y). Se α é a base canônica de R3, então [T ]αα = 1 −1 1−1 1 3 1 3 0 é uma matriz simétrica e, portanto, T é um operador simétrico. 4.2 Operadores Ortogonais Um operador linear T : V → V é dito ser um operador ortogonal quando T ∗T = TT ∗ = IV . Em outras palavras, T é um operador ortogonal quando T é invertível e T ∗ = T−1. Diremos que um operador T em V preserva norma, preserva distância, ou preserva produto interno, quando, para todos u, v ∈ V , se tenha ||T (v)|| = ||v||, d(T (u), T (v)) = d(u, v), ou 〈T (u), T (v)〉 = 〈u, v〉, respectivamente. O resultado a seguir caracteriza os operadores ortogonais. Teorema 7.4.5. Seja T : V → V um operador linear. As seguintes afirma- ções são equivalentes: (i) T é ortogonal; (ii) T preserva a norma; (iii) T preserva a distância; (iv) T preserva o produto interno; (v) T transforma toda base ortonormal de V numa base ortonormal de V ; 4. OPERADORES EM ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO 203 (vi) T transforma alguma base ortonormal de V numa base ortonormal de V . Demonstração (i) ⇒ (ii) Se v ∈ V , então pelo Teorema 7.4.2. ||T (v)||2 = 〈T (v), T (v)〉 = 〈v, T ∗(T (v))〉 = 〈v, IV (v)〉 = 〈v, v〉 = ||v||2. (ii) ⇒ (iii) Se v, u ∈ V , então d(T (v), T (u)) = ||T (v)− T (u)|| = ||T (v − u)|| = ||v − u|| = d(v, u). (iii) ⇒ (iv) Se v, u ∈ V , então d(T (v + u), 0) = d(v + u, 0). Ou seja, ||T (v + u)||2 = ||v + u||2. (3) Note que ||T (v + u)||2 = 〈T (v), T (v)〉+ 2〈T (v), T (u)〉+ 〈T (u), T (u)〉 e ||v + u||2 = 〈v, v〉+ 2〈v, u〉+ 〈u, u〉 . (4) Como 〈v, v〉 = (d(v, 0))2 = (d(T (v), 0))2 = 〈T (v), T (v)〉, o mesmo valendo para u, temos de (3) e (4) que 〈T (v), T (u)〉 = 〈v, u〉, como desejado. (iv) ⇒ (i) Se v, u ∈ V , então pelo Teorema 7.4.2 〈v, u〉 = 〈T (v), T (u)〉 = 〈v, T ∗(T (u))〉, mostrando que, para todos u, v ∈ V , 〈v, (T ∗T − IV )(u)〉 = 0. Pelo Problema 2.8, temos que (T ∗T − IV )(u) = 0, para todo u ∈ V , o que acarreta que T ∗T = IV , logo T é ortogonal. 204 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO (i) ⇒ (v) Seja {v1, v2, . . . , vn} uma base ortonormal de V . Então 〈T (vi), T (vj)〉 = 〈vi, vj〉 = 0 se i 6= j1 se i = j. Logo, o conjunto {T (v1), T (v2), . . . , T (vn)} é ortonormal e, consequentemente, linearmente independente (Proposição 7.3.1). Como dimV=n, concluímos que esse conjunto é uma base de V . (v) ⇒ (vi) Esta implicação é óbvia. (vi) ⇒ (iv) Seja {v1, v2, . . . , vn} uma base ortonormal de V tal que {T (v1), T (v2), . . . , T (vn)} também é uma base ortonormal de V . Sejam v e u em V . Se v = a1v1 + a2v2 + · · ·+ anvn e u = b1v1 + b2b2 + · · ·+ bnvn , então 〈v, u〉 = n∑ i=1 n∑ j=1 aibj〈vi, vj〉 = n∑ i=1 n∑ j=1 aibj . (5) Por outro lado, temos T (v) = a1T (v1) + a2T (v2) + · · ·+ anT (vn) e T (u) = b1T (v1) + b2T (v2) + · · ·+ bnT (vn), donde 〈T (v), T (u)〉 = n∑ i=1 n∑ j=1 aibj〈T (vi), T (vj)〉 = n∑ i=1 n∑ j=1 aibj. (6) Assim, de (5) e (6), concluímos que 〈T (v), T (u)〉 = 〈v, u〉, como desejado. � Exemplo 2. Consideremos o operador linear T : R2 → R2 dado por T (x, y) = (x cos θ−y sen θ, x sen θ+y cos θ). Lembremos da Seção 3, do Capítulo 6, que T é o operador rotação por um ângulo θ em R2. Note que se α é a base canô- nica de R2, o conjunto {T (1, 0), T (0, 1)} = {(cos θ, sen θ), (− sen θ, cos θ)} é 4. OPERADORES EM ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO 205 uma base ortonormal em R2. Assim, pelo Teorema 7.4.5, T é um operador ortogonal em R2. Para relacionarmos a propriedade de um operador ser ortogonal com pro- priedades de suas matrizes associadas, estabelecemos a definição a seguir. Uma matriz A ∈M(n, n) é dita ser ortogonal quando AAt = AtA = In. Em outras palavras, A é uma matriz ortogonal se A é invertível e At = A−1. Segue imediatamente da definição que uma matriz A é ortogonal se, e somente se, a matriz At é ortogonal. Por exemplo, a matriz de rotação em R3 dada por A = cos θ − sen θ 0sen θ cos θ 0 0 0 1 é uma matriz ortogonal. Com o resultado a seguir podemos verificar mais facilmente se uma matriz é ortogonal ou não. Proposição 7.4.6. Para uma matriz A = [ aij ] n×n , as seguintes afirmações são equivalentes: (i) A é ortogonal; (ii) As colunas de A formam um conjunto ortonormal em Rn; (iii) As linhas de A formam um conjunto ortonormal em Rn. Demonstração (i) ⇔ (ii) Chamemos AtA = [bij]n×n . Pela definição de produto de matrizes, o elemento bij é dado por bij = a1i a1j + a2i a2j + · · ·+ ani anj = 〈(a1i, a2i, . . . , ani), (a1j, a2j, . . . , anj)〉. 206 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO Portanto, daí segue-se que AtA = In se, e somente se, 〈(a1i, a2i, . . . , ani), (a1j, a2j, . . . , anj)〉 = 0 se i 6= j1 se i = j, provando o desejado. (i) ⇔ (iii) Basta utilizar o fato que A é ortogonal se, e somente se, At é ortogonal, que as linhas de At são as colunas de A e aplicar o que foi provado acima. � Teorema 7.4.7. Se α e β são bases ortonormais de V , então a matriz mudança de base [ IV ]α β é uma matriz ortogonal. Demonstração Sejam α = {v1, v2, . . . , vn} e β = {w1, w2, . . . , wn}. Supo- nhamos [IV ] α β = [aij]. Para cada i, com 1 ≤ i ≤ n, temos que vi = a1iw1 + a2iw2 + · · ·+ aniwn. Ora, como vi e vj são ortogonais, quando i 6= j, então 0 = 〈vi, vj〉 = a1ia1j + a2ia2j + · · ·+ anianj = 〈(a1i, a2i, . . . , ani), (a1j, a2j, . . . , anj)〉, (7) pois β é ortonormal. De (7) concluímos que as colunas de [IV ] α β formam vetores ortogonais em Rn. Vejamos agora que cada coluna de [IV ]αβ forma um vetor unitário em Rn. De fato, se 1 ≤ i ≤ n, então 1 = 〈vi, vi〉 = a21i + a22i + · · ·+ a2ni , já que β é ortonormal. Assim, as colunas de [IV ] α β formam vetores unitários em Rn. Pela Proposição 7.4.6, [IV ]αβ é uma matriz ortogonal. � Terminaremos a seção mostrando a relação entre os operadores ortogonais e as matrizes ortogonais. Sejam dados um espaço vetorial, com uma base α = {v1, . . . , vn}, e uma matriz quadrada A = [aij] de ordem n. Podemos, como feito na Seção 1 4. OPERADORES EM ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO 207 do Capítulo 6 para Rn e a base canônica, associar à matriz A um operador linear TA, definido como segue: TA(v) = (a11x1 + · · ·+ a1nxn, . . . , an1x1 + · · ·+ annxn), onde x1, . . . , xn são as coordenadas de v relativamente à base α, ou seja v = x1v1 + · · ·+ xnvn. Proposição 7.4.8. Sejam α uma base ortonormal de V e T um operador linear em V . Seja A ∈M(n, n). (i) T é ortogonal se, e somentese, [T ]αα é ortogonal. (ii) A é ortogonal se, e somente se, TA é ortogonal. Demonstração Provaremos apenas o item (i), deixando a demonstração do item (ii) para o leitor (veja Problema 4.10). De fato, se α = {v1, v2, . . . , vn} é uma base ortonormal de V e se T é um o- perador ortogonal em V então, pelo Teorema 7.4.5, β = {T (v1), T (v2), . . . , T (vn)} é uma base ortonormal de V . Se [T ]αα = [aij], então, para todo i, com 1 ≤ i ≤ n, temos T (vi) = a1i v1 + a2i v2 + · · ·+ ani vn. Como β é ortonormal, segue que 〈T (vi), T (vj)〉 = 0 se i6=j e 〈T (vi), T (vi)〉=1. Por outro lado, sendo α é ortogonal, temos que a1ia1j + a2ia2j + · · ·+ anianj = 〈a1i v1 + a2i v2 + · · ·+ ani vn, a1j v1 + a2j v2 + · · ·+ anj vn〉 = 〈T (vi), T (vj)〉 = 0 se i 6= j1 se i = j, (8) mostrando assim que as colunas de [T ]αα formam um conjunto ortonormal em Rn. Pela Proposição 7.4.6, [T ]αα é uma matriz ortogonal. 208 CAPÍTULO 7. ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO Suponhamos agora que [T ]αα = [aij] é uma matriz ortogonal. Para mos- trarmos que T é ortogonal basta provarmos, pelo Teorema 7.4.5, que o con- junto {T (v1), T (v2), . . . , T (vn)} é ortonormal em V . Mas isto pode ser facil- mente verificado a partir de (8). � Problemas 4.1* Sejam S e T operadores lineares num espaço com produto interno de dimensão finita e seja k ∈ R. Prove que: (a) (S + T )∗ = S∗ + T ∗; (b) (kT )∗ = kT ∗; (c) (ST )∗ = T ∗S∗; (d) (T ∗)∗ = T . 4.2 Considere o funcional linear φ : R3 → R definido por φ(x, y, z) = x + 4y − 5z. Encontre o vetor v em R3 tal que φ = φv. 4.3 Seja T : R3 → R3 dado por T (x, y, z) = (2x + 2y, 3x − 4z, y). Encontre T ∗(x, y, z). 4.4 Mostre que a função V → (V,R) v 7→ φv onde φv(u) = 〈u, v〉, para todo u ∈ V , é um isomorfismo de espaços vetoriais. Mostre com isto que podemos transportar o produto interno de V para (V,R), do seguinte modo: 〈φu, φv〉 = 〈u, v〉. 4.5 Demonstre o Lema 7.4.4. 4.6 Dentre os seguintes operadores lineares, verificar quais são ortogonais: (a) T : R2 → R2, T (x, y) = (−y,−x); (b) T : R2 → R2, T (x, y) = (x+ y, x− y); (c) T : R3 → R3, T (x, y, z) = (z, x,−y); (d) T : R3 → R3, T (x, y, z) = (x, y cos θ + z sen θ,−y sen θ + z cos θ). 4. OPERADORES EM ESPAÇOS COM PRODUTO INTERNO 209 4.7* Encontre uma matriz ortogonal [aij] de ordem 3 cuja primeira linha é dada por a11 = 1 3 , a12 = 2 3 , e a13 = 2 3 · 4.8 Mostre que o produto de matrizes ortogonais é uma matriz ortogonal. 4.9 Construa uma matriz ortogonal A = [aij] cuja primeira coluna seja: (a) a11 = 2√ 5 , a21 = −1√ 5 ; (b) a11 = 1 3 , a21 = −2 3 e a31 = −2 3 · 4.10 Conclua a demonstração da Proposição 7.4.8. Bibliografia [1] H. P. Bueno, Álgebra Linear, um segundo curso, Coleção Textos Univer- sitários, SBM, 2006. [2] P. Halmos, Teoria Ingênua dos Conjuntos , Editora Ciência Moderna, 2001. [3] A. Hefez e M. L. T. Villela, Códigos Corretores de Erros , Coleção Mate- mática e Aplicações, IMPA, 2008. [4] A. Hefez e M. L. T. Villela, Números Complexos e Polinômios , Coleção PROFMAT, SBM, 2012. [5] V. J. Katz, A History of Mathematics - an Introduction, HarperCollins College Publishers, 1993. [6] S. Lang, Introduction to Linear Algebra, 2 nd edition, Undergraduate Texts in Mathematics, Springer, 1986. [7] E.L. Lima, Álgebra Linear , 3 a edição, Coleção Matemática Universitária, IMPA, 1998. [8] E.L. Lima, Geometria Analítica e Álgebra Linear , 2 a edição, Coleção Matemática Universitária, IMPA, 2010. 300
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