248 pág.

Pré-visualização | Página 22 de 47
e prendem um dos principais defensores de D. Carlota, D. Juan Martín de Pueyrredón, que começava a surgir brilhantemente no cenário político de então. 47 Eduardo García Real. José de San Martín, Espasa-Calpe, Bilbáo, 1932, p. 96. 48 Oliveira Lima. Dom João VI no Brasil, Rio de Janeiro, 1908. 109 As Ambições de D. Carlota Joaquina no Rio da Prata. A Diplomacia de D. João e a Ocupação da Guiana Francesa Belgrano age rapidamente. Consegue libertar Pueyrredón e embarcá-lo para o Rio com cartas para a princesa, instando-a a que passasse imediatamente a Buenos Aires, pois era chegado o momento de dar o golpe decisivo. A esta altura o manhoso D. João aparece à luz da ribalta. Detrás da cortina, silencioso e calmo, tinha manejado seus pauzinhos. Deixara que o “Guignol” botasse seiva e se julgasse de carne e osso. D. Carlota pedira ao marido permissão para a viagem ao Prata. D. João consente inicialmente. Depois retira a permissão e causa o malogro da ambiciosa infanta, cujo sonho de um grandioso império na América Espanhola se esfuma e desvanece como sombras de nuvens nas montanhas. O que levou o príncipe a proceder assim? Qual a razão da negativa depois da concessão? Em verdade, o Bragança contemporizava, esgotando a paciência da infanta de Bourbon, sôfrega e precipitada. “El príncipe en estos negocios tiene dos caras”, escrevia ela a um de seus partidários. E o príncipe tinha mesmo duas caras. Com sua real aprovação, o Conde de Linhares, ministro dos estrangeiros, despachara para Buenos Aires o marechal Curado, cuja missão secreta ao Prata em 1808-1809 fora buscar para D. João uma coroa de Imperador da América49. D. João considerava fracassada a dinastia espanhola de Bourbon e procurou para si o que os outros não poderiam reter. Lord Strangford, ministro da Grã-Bretanha, também tinha instruções do governo britânico, contrário às pretensões de D. Carlota no rio da Prata. 49 Eduardo García Real. Opus cit., p. 97. Também Calógeras. A política exterior do Império, I, p. 406. 110 História da política exterior do Brasil Renato Mendonça Os sucessos posteriores da Revolução de 1810 acabaram de vez com as aspirações de uma dinastia à frente da terra de San Martín e Sarmiento. Entre D. Carlota e os seus partidários havia de permeio a realidade. Ao primeiro contato, os seus partidários, liberais e constitucionalistas, esfriaram muito o entusiasmo diante das convicções absolutistas da Infanta, que não se afastava um milímetro da monarquia do direito divino. Deu-se como um quid pro quo, daqueles sem remédio que fazem o segredo do humor imensamente cômico de Shakespeare, na celebrada Comédia dos Erros. Ainda bem que esse “erro” – monarquia sem aclimatação –, ficou na fase cômica em D. Carlota, pretendente enganada ao Trono do Prata, embora se transformasse em tragédia grega com o imperador Maximiliano, fuzilado no México pelos republicanos vingativos. Sobre essa etapa da história da América do Sul, escreveu o grande historiador argentino Ricardo Levene alguns conceitos da maior possibilidade histórica. El Carlotismo – diz ele – fue una hábil política que abrazaron simuladamente durante algunos años – aun después de 1810 – los patriotas que estaban al frente del movimiento emancipador. Es una etapa en el proceso de la política diplomática de la Independencia para ganar tiempo y detener el ataque exterior50. Seguramente aí está um fator psicológico bem importante do insucesso de D. Carlota. Fora do Brasil, o sistema monárquico não estava destinado a colher louros nem prosélitos definitivos em terras americanas. * * * 50 Ricardo Levene. In Historia de América, Tomo V, p. 27. 111 As Ambições de D. Carlota Joaquina no Rio da Prata. A Diplomacia de D. João e a Ocupação da Guiana Francesa O regente português é que, depois de radicado no outro lado do Atlântico, criou coragem e alma novas. Em maio de 1808, dirigiu às Nações um manifesto, explicando os motivos da declaração de guerra à França51. E não dilatou em lançar-se à conquista da Guiana Francesa. A 3 de dezembro de 1808, a expedição partida do Pará chega à baía do Oiapoque. Constava da corveta inglesa Confiance, sob o comando de Sir James Lucas Yeo, dos brigues Voador (comandante, o capitão de fragata José Antônio Salgado) e Infante D. Pedro (comandante, o capitão-tenente Luís da Cunha Moreira, depois almirante e visconde de Cabo Frio); a escuna General Magalhães; “cutters” Vingança e Leão, além de três barcas canhoneiras e três pequenos transportes. Esses navios conduziam a tropa brasileira, formada por 700 homens, 4 peças e 20 obuses, sob o comando do tenente-coronel Manuel Marques d’Elvas Portugal. Fora incorporado à expedição o batalhão de Extremoz chegado do Rio de Janeiro e integrado por soldados do Rio, Minas e São Paulo, tendo entrado em suas fileiras também numerosos paraenses. As tropas desembarcam e sem oposição ocupam a margem esquerda do rio Oiapoque. A 15 de dezembro, atacam e tomam o fortim de Approuague. A expedição começara a atuar sob bons auspícios. A 7 de janeiro já desembarcam, às 3 horas da madrugada, o comandante inglês James Lucas Yeo e o major Joaquim Manuel Pinto, sobre a costa oriental da ilha de Caiena. O primeiro, à frente de 80 ingleses e 80 brasileiros, assalta a bateria do Diamant, cujo comandante é morto. O segundo, com 140 brasileiros, apodera-se da bateria 51 Argeu Guimarães. Dicionário biobibliográfico brasileiro de diplomacia, política externa e direito internacional, Rio, p. 263. 112 História da política exterior do Brasil Renato Mendonça de Dégrad des Cannes. Desembarcam então mais 350 brasileiros e inicia-se o ataque à bateria Frio, em que participam várias unidades da frota expedicionária. Ao cair da tarde, a infantaria brasileira fica senhora dessa bateria, na entrada da Crique-Fouillée, e de outra no canal Torcy. Pouco tempo depois, o tenente-coronel Marques d’Elvas rechaça um ataque do governador de Caiena, Victor Hugues52. Mais cinco dias de combate, e a 12 de janeiro de 1809, foi assinada a capitulação em Borda, entre o tenente-coronel Marques d’Elvas e o capitão James Lucas Yeo, comandante das forças aliadas do Brasil e da Inglaterra, e Victor Hugues, governador da possessão francesa. Por essa capitulação foi ajustada a entrega da Guiana Francesa ao príncipe regente D. João, sendo dispensada à guarnição as honras militares e o transporte das tropas regulares até a França. De tal forma atingia D. João um dos seus primeiros objetivos na América. É verdade que erradamente à campanha da Guiana foi atribuído um intuito imperialista, só existente de fato na luta pela anexação da Banda Oriental. Durante a ocupação da Guiana Francesa – janeiro de 1809 a novembro de 1817 –, existiu uma preocupação real da administração portuguesa: o máximo aproveitamento econômico da Colônia, para ressarcir os prejuízos e depredações das forças de Junot em Portugal. Com efeito, Maciel da Costa, depois Marquês de Queluz, que governou a Guiana durante a ocupação, enviou ao Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia muitos exemplares de plantas encontradas naquelas terras, teatro de experiências botânicas mandadas fazer por Luís XVI. De tais plantas se destacam a árvore-do-pão (artocarpo) ou fruta-pão, que com grande esforço os ingleses 52 Barão do Rio Branco. Efemérides Brasileiras, 2a ed., p. 34. 113 As Ambições de D. Carlota Joaquina no Rio da Prata. A Diplomacia de D. João e a Ocupação da Guiana Francesa transportaram da Polinésia em fins do século XVIII, e a “cana de Caiena”, espécie de sacarina, que revigorou consideravelmente os canaviais do Brasil. À parte desses móveis econômicos, aponta o historiador brasileiro Augusto Tavares de Lyra outras razões políticas de grande importância, sobretudo