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aliada aos prazeres humanos. De todos os modos, é lícito afirmar que, quando Paranhos partiu em 1876 para ser Cônsul em Liverpool, inscreveu no coração esse lema fielmente cumprido – ubique patriae memor. Em qualquer parte me lembrarei da Pátria. Esse o seu segredo e essa a grandiosidade de sua existência. Mas a glória é um longo caminho, cheio de decepções, de sacrifícios e de espinhos. Quando lemos a biografia dos grandes homens e admiramos os seus sucessos, em pleno apogeu do esplendor, sempre esquecemos as horas obscuras de trabalho paciente e penoso. Parece que foi André Maurois o autor desta preciosa observação: os grandes homens brilham no cenário mundial, no firmamento da glória, por poucas horas relativamente quando se comparam estas com os muitos anos de trabalhos e privações na penumbra. Na vida de Paranhos Junior, essa longue attente, essa espera da “sua” hora, vai de 1876 a 1893, dezessete longos anos de preparação e estudo. É quando lhe oferecem a sorte de ser o fracassado ou o vencedor: advogado e Ministro especial do Brasil nos Estados Unidos para decidir terrível questão territorial com a Argentina: o caso das Missões, velha pendenga que era como reflexo na América do secular ódio europeu entre Portugal e Castela. Nos dezessete anos da espera por essa primeira e grande oportunidade, Paranhos não deixara de ter os seus êxitos culturais e publicitários. Fizera exaustivas e eruditas anotações à obra do 178 História da política exterior do Brasil Renato Mendonça historiador alemão, L. Schneider, A Guerra da Tríplice Aliança; fora convidado para colaborar em La Grande Encyclopédie, sob a direção de Emile Levasseur, e escrevera um magnífico francês a sua admirável Esquisse de l’histoire du Brésil em tão somente quinze dias. Já publicara em 1891 a primeira edição das Efemérides Brasileiras, obra essencial dentro da nossa literatura histórica. Na composição deste livro, ele ia emendando tiras de papel com notas e mais notas, sendo que algumas fichas chegaram a ter 11 metros de comprimento! Seu renome de historiador e geógrafo era tal que Eduardo Prado, espírito luminoso e ensaísta de relevo na literatura brasileira, dizia de Paranhos: O que o Barão do Rio Branco sabe do Brasil é uma coisa vertiginosa. É capaz de descrever, sem esquecer uma minúcia, como eram feitas as naus de Pedro Álvares Cabral, de que tecido vinham vestidos os seus marinheiros e os nomes das plantas mais vulgares na praia de Porto Seguro, onde ancoraram aquelas naus. Por outro lado, condecorações e honrarias elevadas se haviam acumulado sobre ele naqueles dezessete anos. Até o Império antes de despedir-se do Brasil em 1889, lhe havia conferido um ano antes o título de Barão. E o Barão do Rio Branco matou de vez aquele Juca Paranhos, que fora tão inquieto e noctívago. Agora em 1893 quem se defrontava com o presidente Cleveland dos Estados Unidos e com o eminente jurisconsulto e estadista Estanisláo Zeballos, ministro da Argentina, era um homem gordo e de voz pausada, calvo e de atitudes tranquilas, andando devagar e com dignidade. Era como o primeiro esboço, o primeiro sketch do que seria anos mais tarde o Barão para o povo brasileiro: um homem bonachão, amigo dos livros e dos prazeres da mesa. Tão versado 179 Apêndice Rio Branco, o demarcador da grandeza territorial do Brasil nos meandros da costa e do território do Brasil como conhecedor dos menus e das cartas de vinhos. Diplomata perfeito, Rio Branco era inimigo das horas certas de trabalhar, deixando tudo para a última hora. Então trabalhava exaustivamente, atravessando até a noite sem dormir. A esse respeito, a tradição refere o seguinte caso recolhido por um grande jurisconsulto brasileiro, Rodrigo Octavio, em que se vê o modo todo peculiar do Barão: Rio Branco tenía la costumbre de dejarlo todo para el último momento, hasta las cosas más serias e importantes. Y eso ocurrió con la impresión del libro de la gran Memoria en el pleito de Misiones. Debía ser presentada en Washington, impresa, en determinado día, a las 12 meridiano. El trabajo, que constituye un abultado volumen, había sido entregado con demora al tipógrafo de Nueva York. La víspera del día de la entrega, todavía no estaba concluido; ya en alta noche, aún se estaban imprimiendo pliegos. Todo el personal de la Misión, incluso Rio Branco, asistía, nervioso y sobresaltado, al ruidoso movimiento de la rotativa. Terminado el trabajo de impresión, Olinto, Gama, Domingo Olympio, secretarios de la Misión, se pusieron personalmente a doblar los pliegos todavía húmedos, y se los iban entregando al Barón, quien armado de una lezna, fue cosiéndolos con piolín ordinario, y formó el volumen, tosco y desgarbado, que fue llevado a Washington, y entregado en la hora precisa en manos del Secretario de Estado, con la promesa de que sería reemplazado a los pocos días, por otro ejemplar convenientemente encuadernado. Mas esse volume mal encadernado e tosco, Boundary question between Brazil and Argentine Republic, deu o ganho de causa ao 180 História da política exterior do Brasil Renato Mendonça Brasil, pelo laudo favorável do presidente Cleveland, em data de 5 de fevereiro de 1895. O território de Missões, com uma extensão de 30.622 quilômetros quadrados, foi incorporado à nação brasileira. A vitória alcançada deu tanto maior brilho a Rio Branco quanto o defensor da parte contrária era um dos homens mais eminentes da Argentina, Estanisláo Zeballos. Por essa ocasião da questão das Missões, conta-se um episódio curioso a respeito do espanhol falado por Rio Branco. É certo que ele dominava e se expressava correntemente em francês, inglês, alemão e italiano. O idioma de Cervantes oferecia, porém, a Rio Branco essa grande dificuldade, que sentimos todos os brasileiros: sua extraordinária semelhança com a língua portuguesa. Rio Branco falava um castelhano todo especial que mais parecia um português mal pronunciado. E Estanisláo Zeballos lhe fez a respeito uma broma um tanto pesada. Tomemos a Rodrigo Otavio de novo a narrativa desse fato curioso, no seu magnífico volume ora traduzido para o espanhol na Argentina, Mis Memorias de los Otros. Rio Branco, lleno como estaba de preocupaciones referentes al difícil y complicado litigio, ardía en la ansiedad de conocer los argumentos y documentos de la parte contraria… Al final, entregadas que fueron las memorias al Secretario de Estado, Rio Branco se contuvo y, encontrándose con Zeballos, le abordó sobre el caso. Expuso su punto de vista: entregadas las memorias y no siendo ya posible agregar nada a ellas, no habría inconveniente en que cada parte conociese la memoria de la contraria. Y propuso hacer el canje de las memorias. Zeballos estuvo de acuerdo y observó que se trataba nada más que de un simple acto de cortesía literaria. 181 Apêndice Rio Branco, o demarcador da grandeza territorial do Brasil El Barón exultó con el buen éxito de su gestión, y anotó en seguida la conversación en su libreta de apuntes. Les dio a los colegas de misión la noticia de lo ocurrido y se quedó en espera de la Memoria argentina, a cambio de la cual debía enviar la nuestra. Pero, se quedó esperando… Transcurrido todo un mes, impaciente y contrariado, Rio Branco le escribió a Zeballos, en portugués, una carta en que, ampliamente y en forma de oficio diplomático le recordaba la cuestión y le pedía el cumplimiento de la promesa. La carta fue entregada en mano propia por Olinto de Magalhães al abogado argentino. Otro mes tuvo el Barón que esperar la contestación, que le llegó por fin, también en larga misiva, escrita en castellano, en la cual Zeballos repetía todo lo que aducía en su carta