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T E M A S LIV R E S FR E E T H E M E S 2133 1 Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Fundação Educacional Lucas Machado. Alameda Ezequiel Dias 275, Centro. 30130-110 Belo Horizonte MG. sandra.minardi@fcmmg.br 2 Centro Universitário Serra dos Órgãos e Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis. 3 Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual de Montes Claros. 4 Departamento de Enfermagem, Centro Universitário do Leste de Minas Gerais. 5 Hospital Maternidade Carmela Dutra, Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. 6 Centro Municipal de Saúde Lincoln de Freitas Filho, Secretaria Municipal de Saúde. 7 Departamento de Medicina, Universidade Estadual de Montes Claros. 8 VIGISUS/CVE/SES. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais Active teaching-learning methodologies in health education: current debates Resumo As vertiginosas transformações das so- ciedades contemporâneas têm colocado em ques- tão, de modo cada vez mais incisivo, os aspectos relativos à formação profissional. Este debate ga- nha contornos próprios no trabalho em saúde, na medida em que a indissociabilidade entre teoria e prática, o desenvolvimento de uma visão integral do homem e a ampliação da concepção de cuidado tornam-se prementes para o adequado desempe- nho laboral. Com base nestas considerações, o ob- jetivo do presente artigo é discutir as principais transformações metodológicas no processo de for- mação dos profissionais de saúde, com ênfase na apreciação das metodologias ativas de ensino- aprendizagem. Palavras-chave Metodologias ativas de ensino- aprendizagem, Problematização, Aprendizagem baseada em problemas, Trabalho em saúde Abstract The vertiginous transformations of the contemporary societies have been raising ques- tions concerning aspects of professional educa- tion. Such questions have been raised in a more and more incisive way. This debate gains a new shape when applied to health work, where theory and practice cannot be dissociated, and where the development of an integral vision of the human being and the amplification of the concept care are essential for a proper performance. Based on these considerations, this article aims to discuss the main methodological transformations in the education process of health professionals, with em- phasis to active teaching-learning methodologies. Key words Active teaching-learning methodol- ogies, Problem-based learning, Health work Sandra Minardi Mitre 1 Rodrigo Siqueira-Batista 2 José Márcio Girardi-de-Mendonça 3 Neila Maria de Morais-Pinto 4 Cynthia de Almeida Brandão Meirelles 5 Cláudia Pinto-Porto 6 Tânia Moreira 7 Leandro Marcial Amaral Hoffmann 8 2134 M it re , S . M . e t a l. Introdução As discussões sobre método na cultura ocidental são bastante antigas, ressurgindo no âmago da filosofia helênica — período clássico — na refle- xão de filósofos como Platão e Aristóteles. A acep- ção originária de método diz respeito ao cami- nho a ser seguido — do grego meta = atrás, em seguida, através e hodós = caminho —, referin- do-se, por conseguinte, aos passos que deverão ser dados para se atingir um lugar ou um fim. Recorrer ao sentido etimológico de método tor- na-se bastante pertinente ao se considerar a edu- cação como esse fim, especialmente, nos últimos anos, nos quais vêm sendo amplamente debati- das as melhores veredas para a formação (e, aqui, vale a pena recuperar o ideal grego de paidéia, ou seja, a formação do cidadão para a vida na pólis) de homens e mulheres capazes de viver adequa- damente em sociedade1, o que pressupõe a as- sunção de determinados papéis, com destaque para a atuação profissional, ou seja, os aspectos relacionados ao trabalho, como discutido por Hegel e Marx. Mas por que tem se tornado imperioso re- discutir os processos de ensino-aprendizagem necessários à formação para o trabalho em saú- de? A resposta a tal indagação passa pelo reco- nhecimento das profundas modificações que transparecem no mundo contemporâneo, caben- do citar: - a velocidade das transformações nas socie- dades laicas e plurais contemporâneas, em um contexto em que a produção de conhecimento é extremamente veloz, tornando ainda mais pro- visórias as verdades construídas no saber-fazer científico2; - a perspectiva vigente, quase marca desse tem- po, de colocar em xeque os valores até então con- siderados intocáveis, o que impõe uma profun- da (e necessária) reflexão sobre a inserção do profissional de saúde nesse novo contexto3; - a inequívoca influência dos meios de comu- nicação na construção/formatação do homem/ profissional nesses primórdios do século XXI, marcada por um genuíno bombardeio de ima- gens, as quais embotam as possibilidades de re- flexão sobre a vida, a inserção no mundo e a própria práxis4; - a configuração de uma nova modalidade de organização do espaço-tempo social, as socieda- des de controle, o que torna imperiosa a adoção de uma postura crítica sobre a inscrição do sujei- to no mundo — aqui incluído o trabalho — ca- racterizando um verdadeiro ato de resistência5,6. O grande desafio deste início de século está na perspectiva de se desenvolver a autonomia individual em íntima coalizão com o coletivo. A educação deve ser capaz de desencadear uma vi- são do todo — de interdependência e de trans- disciplinaridade —, além de possibilitar a cons- trução de redes de mudanças sociais, com a con- seqüente expansão da consciência individual e coletiva. Portanto, um dos seus méritos está, jus- tamente, na crescente tendência à busca de méto- dos inovadores, que admitam uma prática pe- dagógica ética, crítica, reflexiva e transformado- ra, ultrapassando os limites do treinamento pu- ramente técnico, para efetivamente alcançar a formação do homem como um ser histórico, inscrito na dialética da ação-reflexão-ação. Com base nessas considerações prelimina- res, o objetivo do presente artigo é discutir as principais transformações metodológicas — en- tendendo-se metodologia, por extensão de sen- tido, como sinônimo de método7 — no processo de formação dos profissionais de saúde, com ênfase na apreciação das metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Fundamentos teóricos das metodologias ativas Historicamente, a formação dos profissionais de saúde tem sido pautada no uso de metodologias conservadoras (ou tradicionais), sob forte influ- ência do mecanicismo de inspiração cartesiana- newtoniana, fragmentado e reducionista8. Sepa- rou-se o corpo da mente, a razão do sentimento, a ciência da ética, compartimentalizando-se, con- seqüentemente, o conhecimento em campos al- tamente especializados, em busca da eficiência técnica8,9. Essa fragmentação do saber manifes- tou-se no aguçamento das subdivisões da uni- versidade em centros e departamentos e dos cur- sos em períodos ou séries e em disciplinas estan- ques. Nesse sentido, o processo ensino-aprendi- zagem, igualmente contaminado, tem se restrin- gido, muitas vezes, à reprodução do conhecimen- to, no qual o docente assume um papel de trans- missor de conteúdos, ao passo que, ao discente, cabe a retenção e repetição dos mesmos — em uma atitude passiva e receptiva (ou reproduto- ra) — tornando-se mero expectador, sem a ne- cessária crítica e reflexão9. Ao contrário, a passa- gem da consciência ingênua para a consciência crítica requer a curiosidade criativa, indagadora e sempre insatisfeita de um sujeito ativo, que re- conhece a realidade como mutável10,11. 2135 C iência & Saúde C oletiva, 13(Sup 2):2133-2144, 2008 No atual contexto social, no qual os meios de comunicação estão potencializados pelo avanço das novas tecnologias e pela percepção do mun- do vivo como uma rede de relações dinâmicas e em constante transformação, tem-sediscutido a necessidade de urgentes mudanças nas institui- ções de ensino superior visando, entre outros aspectos, à reconstrução de seu papel social. Na área de saúde, surgem questionamentos sobre o perfil do profissional formado, princi- palmente, com a preocupação relativa à tendên- cia à especialização precoce e ao ensino marcado, ao longo dos anos, por parâmetros curriculares baseados no relatório de Flexner. A ênfase na sólida formação em ciências básicas nos primei- ros anos de curso, a organização minuciosa da assistência médica em cada especialidade, a valo- rização do ensino centrado no ambiente hospi- talar enfocando a atenção curativa, individuali- zada e unicausal da doença12-14 produziram um ensino dissociado do serviço e das reais necessi- dades do sistema de saúde vigente. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio- nal - LDBEN - surge no cenário da educação su- perior definindo, entre suas finalidades, o estí- mulo ao conhecimento dos problemas do mun- do atual (nacional e regional) e a prestação de serviço especializado à população, estabelecendo com ela uma relação de reciprocidade15. Tais prer- rogativas foram reafirmadas pelas Diretrizes Curriculares, para a maioria dos cursos da área de saúde, acolhendo a importância do atendi- mento às demandas sociais com destaque para o Sistema Único de Saúde - SUS16,17. Neste momen- to, as instituições formadoras são convidadas a mudarem suas práticas pedagógicas, numa ten- tativa de se aproximarem da realidade social e de motivarem seus corpos docente e discente a tece- rem novas redes de conhecimentos. Considerando-se, ainda, que a graduação dura somente alguns anos, enquanto a atividade profissional pode permanecer por décadas e que os conhecimentos e competências vão se trans- formando velozmente, torna-se essencial pensar em uma metodologia para uma prática de educa- ção libertadora, na formação de um profissional ativo e apto a aprender a aprender. Segundo Fer- nandes e colaboradores18, o aprender a aprender na formação dos profissionais de saúde deve compreender o aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a conviver e o aprender a ser, garantindo a integralidade da atenção à saúde com qualidade, eficiência e resolutividade. Portanto, as abordagens pedagógicas progressivas de ensino- aprendizagem vêm sendo construídas e implicam formar profissionais como sujeitos sociais com competências éticas, políticas e técnicas e dotados de conhecimento, raciocínio, crítica, responsabi- lidade e sensibilidade para as questões da vida e da sociedade, capacitando-os para intervirem em contextos de incertezas e complexidades. As metodologias ativas estão alicerçadas em um princípio teórico significativo: a autonomia, algo explícito na invocação de Paulo Freire11. A educação contemporânea deve pressupor um discente capaz de autogerenciar ou autogover- nar seu processo de formação. De fato, o termo autonomia é oriundo do grego — αuτονομια, de αuτοζ = próprio, e νoμοζ = leis — remetendo, originariamente, à idéia de autogoverno, tendo sido empregado no seio da democracia grega para indicar as formas de governo autárquicas — isto é, a πoλιζ (pólis = cidade-estado)19. Sem embar- go, a orientação do conceito de autonomia à con- dição humana pode ser buscada em outro nicho antigo, o cristianismo primitivo20. Já nas primei- ras comunidades cristãs, celebrava-se a igualda- de entre os homens, na medida em que estes, por terem sido criados como almas individuais, à imagem e semelhança do Pai, pertencem, em igual medida, ao plano e à obra de Deus21. Ademais, os humanos têm o livre-arbítrio para receber e aderir, ou não, aos ensinamentos do Cristo. Se a autonomia pode ser buscada, sob um ponto de vista histórico-conceitual, entre as tra- dições helênica e cristã22, será com o advento da modernidade que o indivíduo, indiviso, se cons- tituirá como eu pessoal, capaz de conhecer o mundo (sujeito epistêmico) e de agir autonoma- mente no âmbito da ética (sujeito moral), erigin- do os valores que nortearão o julgamento e a práxis em sua vida social23. Foram as coordena- das espaço-temporais propícias — o humanis- mo renascentista, a reforma protestante, a revo- lução científica e a redescoberta do ceticismo an- tigo — que permitiram a construção do indiví- duo moderno24-26, um necessário produto da modernidade burguesa e protestante27. A conso- lidação desse movimento se dá no bojo do pro- jeto da Aufklärung (Iluminismo), ganhando sua expressão máxima na formulação moral siste- mática de Kant, na Fundamentação da metafísica dos costumes e na Crítica da razão prática28,29. O ensinar exige respeito à autonomia e à dig- nidade de cada sujeito, especialmente no âmago de uma abordagem progressiva, alicerce para uma educação que leva em consideração o indi- víduo como um ser que constrói a sua própria história30. Esse respeito só emerge no âmago de uma relação dialética na qual os atores envolvi- ? ? 2136 M it re , S . M . e t a l. dos — docente e discente — se reconhecem mu- tuamente (e aqui se pode recuperar a dialética do senhor e do escravo de Hegel), de modo a não haver docência sem discência, na medida em que as duas se explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenças, não se reduzem à condição de objeto um do outro. A questão que se impõe, ato contínuo, diz respeito ao modo de concretização desse reco- nhecimento à autonomia do discente30. E, uma vez mais, pode-se responder com Freire, ao se propor um processo ensino-aprendizagem que pressuponha o respeito à bagagem cultural do discente, bem como aos seus saberes construí- dos na prática comunitária. Isto só se torna pos- sível na medida em que o docente tenha como características principais a humildade reconhe- cendo sua finitude, os limites de seu conhecimen- to, o ganho substantivo advindo da sua intera- ção com o estudante e a importância de sua ava- liação pelo aprendiz — e a amorosidade — espe- cialmente dirigida ao discente e ao processo de ensinar, a partir da adoção de uma atitude de compaixão. A compaixão deve ser entendida como acolhimento radical, pressupondo o des- locamento do eu em direção ao outro, a partir de uma deferência incondicional à inserção deste último no mundo. Afinal, ser compassivo não significa adotar um posicionamento paternalis- ta, fundamentado em um mero sentimento de pena ou comiseração, como compreendido por alguns autores 31, mas, sim, desenvolver e prati- car um amplo respeito à existência32. Ter sempre diante dos olhos — e dentro do coração — o respeito à autonomia parece ser o melhor modo para a compreensão, por parte do binômio docente/discente, do processo de pro- dução, expressão e apreensão do conhecimento, dentro de uma perspectiva de transformação da realidade, afinal, conhecer é transformar. As metodologias ativas: revendo estratégias e papéis A atividade desenvolvida com o propósito de ensinar deve ser apreciada por todos aqueles que dela participam33. A aprendizagem que envolve a auto-iniciativa, alcançando as dimensões afeti- vas e intelectuais, torna-se mais duradoura e só- lida34. Nessa perspectiva, a produção de novos saberes exige a convicção de que a mudança é possível, o exercício da curiosidade, da intuição, da emoção e da responsabilização, além da ca- pacidade crítica de observar e perseguir o objeto — aproximação metódica — para confrontar, questionar, conhecer, atuar e re-conhecê-lo10,11. O ato de aprender deve ser, portanto, um processo reconstrutivo, que permita o estabele- cimento de diferentes tipos de relações entre fa- tos e objetos, desencadeando ressignifica- ções/reconstruções e contribuindo para a sua utilização em diferentes situações35. De acordo com Coll36, existem duas condições para a cons- trução da aprendizagem significativa: a existên- cia de um conteúdo potencialmente significativoe a adoção de uma atitude favorável para a apren- dizagem, ou seja, a postura própria do discente que permite estabelecer associações entre os ele- mentos novos e aqueles já presentes na sua es- trutura cognitiva. Ao contrário, na aprendiza- gem mecânica, não se consegue estabelecer rela- ções entre o novo e o anteriormente aprendido. Ademais, a aprendizagem significativa se estru- tura, complexamente, em um movimento de continuidade/ruptura. O processo de continuida- de é aquele no qual o estudante é capaz de relaci- onar o conteúdo apreendido aos conhecimentos prévios, ou seja, o conteúdo novo deve apoiar-se em estruturas cognitivas já existentes, organiza- das como subsunçores. O processo de ruptura, por outro lado, instaura-se a partir do surgi- mento de novos desafios, os quais deverão ser trabalhados pela análise crítica, levando o apren- diz a ultrapassar as suas vivências – conceitos prévios, sínteses anteriores e outros –, tensão que acaba por possibilitar a ampliação de suas pos- sibilidades de conhecimento37. As metodologias ativas utilizam a problema- tização como estratégia de ensino-aprendizagem, com o objetivo de alcançar e motivar o discente, pois diante do problema, ele se detém, examina, reflete, relaciona a sua história e passa a ressigni- ficar suas descobertas. A problematização pode levá-lo ao contato com as informações e à pro- dução do conhecimento, principalmente, com a finalidade de solucionar os impasses e promover o seu próprio desenvolvimento. Ao perceber que a nova aprendizagem é um instrumento necessá- rio e significativo para ampliar suas possibilida- des e caminhos, esse poderá exercitar a liberdade e a autonomia na realização de escolhas e na to- mada de decisões38. Zanotto39 discute a problematização em Dewey, Saviani e Freire. Para o primeiro, é enfatiza- do o sujeito ativo, que precisa ter uma situação autêntica de experiência, com propósitos defini- dos, interessantes e que estimulem o pensamento. Após observar a situação, irá buscar e utilizar as informações e instrumentos mais adequados, de- 2137 C iência & Saúde C oletiva, 13(Sup 2):2133-2144, 2008 vendo o resultado do trabalho ser concreto e com- provado por meio de sua aplicação prática. Para Saviani, a noção do problema se apresenta como em Dewey, porém a busca da resposta é identifi- cada com a reflexão filosófica, que impõe requisi- tos de radicalidade, rigor e globalidade rela- cionados dialeticamente. Já em Freire, a ação de problematizar enfatiza a práxis, na qual o sujeito busca soluções para a realidade em que vive e o torna capaz de transformá-las pela sua própria ação, ao mesmo tempo em que se transforma. Nessa ação, ele detecta novos problemas num processo ininterrupto de buscas e transformações. De acordo com Berbel40, na problematização, o sujeito percorre algumas etapas e, nesse proces- so, irá refletir sobre a situação global de uma rea- lidade concreta, dinâmica e complexa, exercitan- do a práxis para formar a consciência da práxis. Problematizar, portanto, não é apenas apresen- tar questões, mas, sobretudo, expor e discutir os conflitos inerentes e que sustentam o problema39. Para Freire41, o núcleo temático do problema não deve ser explícito. Contudo, deve dar possibilida- des significativas de análise, evitando-se enigmá- ticas e/ou rápidas conclusões, o que chamou de certo jogo de adivinhação, quebra cabeças e/ou de simplificação, no dirigismo massificante. O processo ensino-aprendizagem é comple- xo, apresenta um caráter dinâmico e não aconte- ce de forma linear como uma somatória de con- teúdos acrescidos aos anteriormente estabeleci- dos38,42. Exige ações direcionadas para que o dis- cente aprofunde e amplie os significados elabo- rados mediante sua participação, enquanto re- quer do docente o exercício permanente do tra- balho reflexivo, da disponibilidade para o acom- panhamento, da pesquisa e do cuidado, que pres- supõe a emergência de situações imprevistas e desconhecidas14. O ato de ensinar-aprender deve ser um conjunto de atividades articuladas, nas quais esses diferentes atores compartilham, cada vez mais, parcelas de responsabilidade e com- prometimento. Para isso, é essencial a superação da concepção bancária, na qual um faz o depósi- to de conteúdos, ao passo que o outro é obriga- do a memorizá-los, ou da prática licenciosa, sem limite, espontaneista de indivíduos entregues a si mesmo e à própria sorte, num vazio de quem faz e desfaz a seu gosto. Ao contrário, a educação libertadora é uma prática política, reflexiva e ca- paz de produzir uma nova lógica na compreen- são do mundo: crítica, criativa, responsável e comprometida41,43. Consoante o proposto por Feuerwerker44, ao estabelecer posturas mais de- mocráticas nas relações entre docentes e discen- tes, desestabiliza-se o modelo tradicional das es- colas e, conseqüentemente, se provoca a intro- dução de outras mudanças fundamentais. O estudante precisa assumir um papel cada vez mais ativo, descondicionando-se da atitude de mero receptor de conteúdos, buscando efeti- vamente conhecimentos relevantes aos proble- mas e aos objetivos da aprendizagem. Iniciativa criadora, curiosidade científica, espírito crítico- reflexivo, capacidade para auto-avaliação, coo- peração para o trabalho em equipe, senso de res- ponsabilidade, ética e sensibilidade na assistência são características fundamentais a serem desen- volvidas em seu perfil42,45. O docente nessa perspectiva, denominado tutor - aquele que defende, ampara e protege46 -, necessita desenvolver novas habilidades, como a vontade e a capacidade de permitir ao discente participar ativamente de seu processo de apren- dizagem. Como facilitador do processo ensino- aprendizagem, deve se perguntar: (1) como, por que e quando se aprende; (2) como se vive e se sente a aprendizagem; e (3) quais as suas conse- qüências sobre a vida. A disposição para respei- tar, escutar com empatia e acreditar na capacida- de potencial do discente para desenvolver e apren- der, se lhe for permitido um ambiente de liberda- de e apoio, são essenciais nesta nova postura47,48. Em relação ao conhecimento especializado do tutor e seu papel de facilitador, Neville49 pontua a existência de controvérsias, enfatizando que al- guns autores priorizam as habilidades nos pro- cessos de facilitação do aprendizado em detri- mento ao conhecimento específico. Entretanto, afirma que a contradição é apenas aparente, pois existem evidências apontando para a considera- ção de que uma interação equilibrada entre eles é ideal na construção do seu perfil. Nesse mesmo movimento, Alves50 diferencia educador de professor, afirmando que, enquanto o educador (pessoa) valoriza a interioridade na relação com o estudante, suas paixões, esperan- ças, tristezas, sonhos e história, o professor (fun- cionário) — um elemento administrado — valo- riza o crédito obtido pelo aluno na disciplina, jul- gando-o de acordo com um sistema opressor. O professor ou educador, de acordo com Demo35, deve ser um reconstrutor do conhecimento, um pesquisador, não só sob o ponto de vista da ciên- cia e da tecnologia, mas também da humanização na educação. Precisa cuidar da aprendizagem do aluno e da formação crítica e criativa de um cida- dão. Freire10 denuncia a prática anti-humanista do educador pragmático neoliberal, chamando-o de treinador, exercitador de destreza e transferidor 2138 M it re , S . M . e t a l. de saberes, que articula uma educação insensivel- mente tecnicista e coloca o educando em uma posição de acomodação. Afirma, porém, que o educador formador permite uma prática educaci- onal viva, alegre, afetiva, extremosa, com todo rigor científico e o domínio técnico necessários, mas sempre em busca da transformação. Nesse sentido, qualquer estratégia de inova- ção deve levar em conta suas práticas de avalia- ção, integrá-lasà reflexão, para transformá-las51. A avaliação precisa ser, antes de tudo, processual e formativa para a inclusão, autonomia, diálogo e reflexões coletivas, na busca de respostas e ca- minhos para os problemas detectados. Não pune, nem estigmatiza, mas oferece diretrizes para se tomar decisões e definir prioridades. Na maioria dos cursos da área de saúde, as diretrizes curriculares sugerem a avaliação como uma atividade permanente e indissociada da di- nâmica ensino-aprendizagem, a qual deve acom- panhar os avanços dos discentes e reconhecer a tempo suas dificuldades, para intervir com sensi- bilidade16. Ademais, a avaliação deve ser um pro- cesso amplo, que provoque uma reflexão crítica sobre a prática, no sentido de captar seus pro- gressos, suas resistências, suas dificuldades e pos- sibilitar deliberações sobre as ações seguintes52-54. A avaliação inovadora deve se fundamentar na colaboração, no empenho com a nova for- mação. Para isso, é preciso um trabalho planeja- do e executado com a participação de todos os envolvidos. Nesse propósito, instrumentos de acompanhamento do processo ensino-aprendi- zagem têm sido construídos, ultrapassando o modelo tradicional de simples verificação de con- teúdos acumulados e memorizados e puramente voltados à esfera da cognição52, para um proces- so mais abrangente orientado a todos os seus aspectos, inclusive ao próprio programa e à ati- vidade docente. Os registros, a auto-avaliação e o diálogo têm sido utilizados como estratégias norteadoras desse processo. O docente pode registrar o desenvolvi- mento do discente no que se refere à autonomia, à criatividade, à capacidade de organização, à sua participação e a condições de elaboração, bem como ao seu relacionamento com o grupo e sua comunicação. Na auto-avaliação, pode-se rever a metodologia utilizada na prática pedagógica, enquanto o discente irá refletir sobre si mesmo e a construção do conhecimento realizado53. O momento do diálogo servirá para reflexão sobre a relação e a interação entre docente e discente, no ato comum de conhecer e reconhecer o objeto de estudo, agora não mais numa relação vertica- lizada, bancária e estática, mas numa construção dialógica55. Na formação na área de saúde, surge tam- bém o conceito de aprender fazendo, o qual, se- gundo Fernandes e colaboradores18, pressupõe que se repense a seqüência teoria J prática na produção do conhecimento, assumindo que esta ocorre por meio da ação-reflexão-ação. Reafir- ma-se, assim, a idéia de que o processo ensino- aprendizagem precisa estar vinculado aos cenári- os da prática e deve estar presente ao longo de toda a carreira. Assumir esse novo modelo na formação de profissionais de saúde implica o en- frentamento de novos desafios, como a constru- ção de um currículo integrado, em que o eixo da formação articule a tríade prática-trabalho-cui- dado, rompendo a polarização individual-coleti- vo e biológico-social, e direcionando-se para uma consideração de interpenetração e transversalida- de13,44,56,57. Com efeito, o currículo integrado é re- sultado de uma filosofia político-social e de uma estratégia didática, implicando educar cidadãos com capacidade para o pensamento crítico13. Em muitas experiências de transformação do processo de formação profissional, a participa- ção dos profissionais dos serviços e da comuni- dade (usuários) na definição de conteúdos e na orientação dos trabalhos a serem desenvolvidos com o discente tem sido essencial para que essas novas práticas sejam construídas. E novas práti- cas incluem uma nova concepção no planejamen- to e construção de conteúdos e objetivos educa- cionais, que, segundo Zanolli58, também preci- sam ser transformadas: - de orientada por conteúdos e objetivos mal definidos, para orientada para competências bem- definidas e baseadas nas necessidades de saúde das pessoas; - da transmissão de informações e pura utili- zação da memória (decorar), para a construção do conhecimento e desenvolvimento de habilidades e atitudes para resolver problemas, considerando experiências anteriores de aprendizagem, cultu- rais e de vida; - de professores capacitados somente em con- teúdos para professores capacitados também em educação médica; - de ensinar-aprender com observação passiva dos estudantes, para ao aprender a aprender, com participação ativa dos aprendizes, ou seja, do cen- trado no professor para centrado no estudante; - de humilhação e intimidação dos estudantes pelos docentes, para o respeito mútuo; - de clássica inquisição do professor “como você ainda não sabe?”, para “o que você ainda não sabe?”, 2139 C iência & Saúde C oletiva, 13(Sup 2):2133-2144, 2008 ajudando o estudante a identificar e superar hia- tos de aprendizagem; - de primeiro a teoria e depois a prática (so- mente nos últimos anos do curso), para um pro- cesso integrado de ação-reflexão-ação, desde o prin- cípio do curso; - de uma atenção episódica, centrada na doen- ça, para uma atenção contínua, centrada no cui- dado das pessoas, com o estabelecimento de víncu- los afetivos com elas; - de uma abordagem puramente psicológica, para uma abordagem biológica, psicológica e soci- ocultural; - da utilização do paciente puramente como objeto de prática dos estudantes, para a participa- ção consentida e informada do paciente no proces- so de ensino-aprendizagem com respeito a sua dig- nidade e privacidade; - do uso de campos de prática predominante- mente hospitalares, para cenários de ensino-apren- dizagem-assistência em que os estudantes sejam inseridos como membros ativos; - de avaliação praticamente somativa/puniti- va no final das unidades, estágios e disciplinas, para uma avaliação preferencialmente formativa, com constantes feedbacks. Essas linhas gerais de pensamento — lídima revisão de estratégias e papéis — podem se tor- nar ação de díspares modos, como será discuti- do a seguir. Da episteme à práxis: problematização e aprendizagem baseada em problemas A metodologia ativa tem permitido a articulação entre a universidade, o serviço e a comunidade, por possibilitar uma leitura e intervenção con- sistente sobre a realidade, valorizar todos os ato- res no processo de construção coletiva e seus di- ferentes conhecimentos e promover a liberdade no processo de pensar e no trabalho em equi- pe44,56. Nesse sentido, dois instrumentos vêm sen- do reconhecidos como ativadores da integração ensino e serviço de saúde: o ensino pela proble- matização e a organização curricular em torno da Aprendizagem Baseada em Problemas – ABP. O ensino pela problematização ou ensino baseado na investigação (Inquiry Based Learning) teve início em 1980, na Universidade do Havaí, como proposta metodológica que buscava um currículo orientado para os problemas, definin- do a maneira como os estudantes aprendiam e quais habilidades cognitivas e afetivas seriam adquiridas. Fundamenta-se na pedagogia liber- tadora de Paulo Freire, nos princípios do mate- rialismo histórico-dialético e no construtivismo de Piaget38. Essa concepção pedagógica baseia-se no au- mento da capacidade do discente em participar como agente de transformação social, durante o processo de detecção de problemas reais e de bus- ca por soluções originais47,48. Marcada pela di- mensão política da educação e da sociedade, o ensino pela problematização procura mobilizar o potencial social, político e ético do estudante, para que este atue como cidadão e profissional em for- mação38. Bordenave e Pereira47,48 utilizam o dia- grama, denominado Método do Arco por Charles Maguerez, para representá-lo, o qual é constituí- do pelos seguintes movimentos (Figura 1): ob- servação da realidade, pontos-chave, teorização, hipóteses de solução e aplicação a realidade. A primeira etapa é da observação da realida- de. O processo ensino-aprendizagem está relacio- nado com umdeterminado aspecto da realida- de, o qual o estudante observa atentamente. Nessa observação, ele expressa suas percepções pesso- ais, efetuando, assim, uma primeira leitura sin- crética da realidade40, 47,48. Na segunda etapa, pontos-chave, o estudante realiza um estudo mais cuidadoso e, por meio da análise reflexiva, seleciona o que é relevante, ela- borando os pontos essenciais que devem ser abor- dados para a compreensão do problema40, 47,48. Na terceira etapa, o estudante passa à teori- zação do problema ou à investigação propria- mente dita. As informações pesquisadas preci- sam ser analisadas e avaliadas, quanto à sua re- levância para a resolução do problema. Nesse Figura 1. Arco de Maguerez47. 2140 M it re , S . M . e t a l. momento, o papel do professor será um impor- tante estímulo para a participação ativa do estu- dante. Se a teorização é adequada, o aluno atinge a compreensão do problema nos aspectos práti- cos ou situacionais e nos princípios teóricos que o sustentam40, 47,48. Na confrontação da realidade com sua teori- zação, o estudante se vê naturalmente movido a uma quarta etapa: a formulação de hipóteses de solução para o problema em estudo. A originalida- de e a criatividade serão estimuladas e o estudante precisará deixar sua imaginação livre e pensar de maneira inovadora. Deve, ainda, verificar se suas hipóteses de solução são aplicáveis à realidade, e o grupo pode ajudar nessa confrontação40, 47,48. Na última fase, a aplicação à realidade, o es- tudante executa as soluções que o grupo encon- trou como sendo mais viáveis e aprende a gene- ralizar o aprendido para utilizá-lo em diferentes situações. Assim, poderá, também, discriminar em que circunstâncias não são possíveis ou con- venientes sua aplicação, exercitando tomadas de decisões e aperfeiçoando sua destreza40,47,48. Ao completar o Arco de Maguerez, o estudante pode exercitar a dialética de ação-reflexão-ação, tendo sempre como ponto de partida a realidade social40. Após o estudo de um problema, podem surgir novos desdobramentos, exigindo a inter- disciplinaridade para sua solução, o desenvolvi- mento do pensamento crítico e a responsabilida- de do estudante pela própria aprendizagem38. A ABP foi primeiramente instituída na Facul- dade de Medicina da Universidade de McMaster (Canadá), na década de 1960. No Brasil, as insti- tuições pioneiras na implantação dessa modali- dade de estrutura curricular foram a Faculdade de Medicina de Marília, em 1997, e o Curso de Medicina da Universidade Estadual de Londrina, em 1998. No Estado do Rio de Janeiro, o primei- ro curso a utilizar a ABP foi o da Fundação Edu- cacional Serra dos Órgãos –FESO –, em 2005. A necessidade de romper com a postura de mera transmissão de informações, na qual os estudantes assumem o papel de receptáculos pas- sivos, preocupados apenas em memorizar con- teúdos e recuperá-los quando solicitado — ha- bitualmente, por ocasião de uma prova — é um dos principais pontos de partida que explicam a ascensão da ABP no ensino médico atual59. De fato, um dos aspectos cruciais da ABP é o pro- cesso educativo centrado no estudante, permi- tindo que este seja capaz de se tornar maduro, adquirindo graus crescentes de autonomia. Na ABP, parte-se de problemas ou situações que objetivam gerar dúvidas, desequilíbrios ou perturbações intelectuais, com forte motivação prática e estímulo cognitivo para evocar as refle- xões necessárias à busca de adequadas escolhas e soluções criativas, podendo-se estabelecer uma aproximação à proposta educativa formulada por John Dewey60-62. Ademais, a ABP se inscreve em uma perspectiva construtivista — relaciona- da, especialmente, aos referenciais da teoria pia- getiana da equilibração e desequilibração cogni- tiva63 —, a qual considera que o conhecimento deve ser produzido a partir da interseção entre sujeito e mundo, como amplamente problema- tizado por teóricos como Paulo Freire10,41. Com efeito, podem ser pontuados como prin- cipais aspectos da ABP: (1) a aprendizagem sig- nificativa; (2) a indissociabilidade entre teoria e prática; (3) o respeito à autonomia do estudan- te; (4) o trabalho em pequeno grupo; (5) a edu- cação permanente; (6) a avaliação formativa. Como pôde ser observado nesses breves co- mentários, um dos aspectos que mais chamam a atenção diz respeito à capacidade de a ABP per- mitir a formação de um estudante apto a cons- truir o seu próprio conhecimento e de trabalhar em grupo de modo articulado e fecundo. Ade- mais, a perspectiva de não-completude da for- mação (expressa no conceito/práxis de educação permanente) e a estruturação do processo de avaliação formativa e contínua — os quais es- maecem, de fato, as diferenças entre as vidas uni- versitária e profissional (Figura 2) — parecem fazer parte de um sistema aberto de organização do processo ensino-aprendizagem, no qual se abre mão, definitivamente, da noção de termi- nalidade da formação. Novos elementos tecnológicos no ensino não garantem por si a ruptura de velhos paradigmas. É necessário que se transformem as concepções inerentes ao processo ensino-aprendizagem para ressignificá-las em uma perspectiva emancipado- ra da educação10,11. Na adoção de qualquer um desses instrumentos metodológicos, o currículo deve se configurar de maneira integrada e, ao se tratar de maneira integral temas e conteúdos, in- terrompe-se o ciclo da fragmentação e do reduci- onismo do ensino tradicional, ao mesmo tempo em que se facilita a integração ensino-serviço e a perspectiva interdisciplinar13,56, 57. Nessa perspectiva, empreender mudanças amplas e profundas no processo ensino-apren- dizagem e na formação profissional de saúde sig- nifica transformar a relação entre docente e dis- cente, as diversas áreas e as disciplinas, enfim, entre a universidade e a comunidade. Além disso, pressupõe mudanças na própria estrutura e or- 2141 C iência & Saúde C oletiva, 13(Sup 2):2133-2144, 2008 ganização da universidade, que precisa tornar-se um fórum de debate e negociação permanente de concepções e representações da realidade, no qual o conhecimento é compartilhado44,56. O discente deve ser reconhecido como um indivíduo capaz de construir, modificar e inte- grar idéias se tiver a oportunidade de interagir com outros atores, com objetos e situações que exijam o seu envolvimento. É inegável, também, a importância da intervenção e da mediação do docente, assim como a troca com os pares na confrontação de modelos e expectativas. Todos precisam buscar a transformação nas relações de poder que se estabeleceram e que se mantêm, aparentemente, alheias e independentes dos nú- cleos de sentido da universidade44,56. Novamente em Freire55, uma alternativa se- gura para eliminar as fronteiras entre esses dife- rentes atores é o diálogo, que funciona como um potencializador da elaboração de conflitos e per- mite o trabalho coletivo. O resgate da palavra e da escuta potencializa a mudança. Entretanto, somente por meio da disponibilidade e do res- peito pelo potencial de cada ator será possível uma verdadeira transformação. Com efeito, ao aprender a conviver com os limites, poder-se-á transformá-los em desafios, mas será preciso enfrentá-los para superá-los. Aquele que enfren- ta o desafio de desejar transformar o ensino en- frenta, também, o desafio de promover a sua própria transformação35. Considerações finais A educação imposta funciona como um instru- mento de perpetuação da desigualdade, que ocul- ta a realidade e aparece simplesmente como uma questão técnica sustentada pelos princípios da ciência – supostamente – neutra, mas que tem servido apenas a um poder que oprime41,64,65. A educação deve ser um ato coletivo, solidário, com- prometido — um ato de amor e uma atitude de compaixão — que não pode ser imposto e nem deixado à própria sorte. É uma tarefade troca entre pessoas e, portanto, não o resultado de um depósito de conhecimentos, de um iluminado em um obscuro e, tampouco, o descaso licencioso e injustificado do faz-de-conta no ensino10, 11, 41. A proposta de uma prática pedagógica ino- vadora é um ponto de partida para o desconhe- cido, representando, muitas vezes, uma ameaça ao posto conquistado. O desconhecido abre, po- rém, novos horizontes e possibilidades de trans- formação. A participação coletiva e democrática é fundamental na implantação de qualquer mu- dança, já que todos os sujeitos estão interligados em uma rede. A discussão em torno da transfor- mação é a pedra filosofal do processo. A reflexão coletiva, o diálogo, o reconhecimento do contex- to e de novas perspectivas são a base para a re- construção de novos caminhos, na busca pela integralidade entre corpo e mente, teoria e práti- ca, ensino e aprendizagem, razão e emoção, ciên- cia e fé, competência e amorosidade. Somente por meio de uma prática reflexiva, crítica e compro- metida pode-se promover a autonomia, a liber- dade, o diálogo e o enfrentamento de resistências e de conflitos. Uma educação voltada para as relações so- ciais emergentes deve ser capaz de desencadear uma visão do todo, de rede, de transdisciplinari- dade e de interdependência — as quais devem ser levadas a sério, especialmente em um contexto de emergência dos novos referenciais da comple- xidade, do pensamento sistêmico e da ecologia profunda, genuína aproximação entre o Ociden- te e o Oriente66-70 — e possibilitar a formação de Figura 2. Tempo, educação e trabalho: o caso do ensino médico. Conforme Venturelli J59 e Siqueira-Batista R6. Vida pré-universitária Vida universitária Vida pós-universitária (profissional) Δt = 18 anos evolução (e ampliação) do conhecimento científico Δt = 6 anos Δt = 40 anos ou mais X 2142 M it re , S . M . e t a l. Referências Jaeger W. Paidéia: a formação do homem grego. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes; 1995. Prigogine I. O fim das certezas. São Paulo: Unesp; 1996. Schramm FR. As diferentes abordagens da bioéti- ca. 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Dessa maneira, podem-se alcançar novos caminhos, em uma perspectiva de composição das jornadas individual e coletiva, aceitando o desafio de reconstruir valores significativos como o cuidado, a solidariedade, a amizade, a tolerân- cia e a fraternidade. A prática pedagógica democrática fundada nos princípios da liberdade/autonomia, da igual- dade/eqüidade e da fraternidade/compaixão, a despeito de parecer utópica — mas o que é a uto- pia senão aquilo que faz caminhar? — permite que se repense o processo de reconstrução da história e do próprio homem, a partir do reco- nhecimento de seu lugar no mundo, privilegiado pela possibilidade de reflexão, mas radicado na igualdade em relação a todos os seres viventes, pelos quais se deve desenvolver uma ampla e pro- funda responsabilidade... 2143 C iência & Saúde C oletiva, 13(Sup 2):2133-2144, 2008 Mitre SM. Ativando processos de mudança em uma aldeia de Belo Horizonte::::: uma experiência com meto- dologia ativa de ensino-aprendizagem [trabalho de conclusão de curso]. Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança na Formação Superior de Profissionais de Saúde, Fundação Oswaldo Cruz; 2006. Brasil. Lei no 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes da Educação Nacional. Diá- rio Oficial da União 1996; 23 dez. Almeida M. Diretrizes curriculares para os cursos universitários na área de saúde. Londrina: Rede Uni- da; 2003. Cotta RMM, Mendes FF, Muniz JN. Descentraliza- ção das políticas públicas de saúde – do imaginário ao real. Viçosa: UFV– Cebes; 1998. Fernandes JD, Ferreira SLA, Oliva R, Santos S. Di- retrizes estratégicas para a implantação de uma nova proposta pedagógica na Escola de Enfermagem da Universidade da Federal da Bahia. Rev. Enferma- gem 2003; 56(54):392-395. Schramm FM. A autonomia difícil. Bioética 1998; 6(1):27-37. Jaeger W. 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