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TOLEDO, Caio O Governo Goulart e o Golpe de 64 (Coleção Tudo é História nº 48)

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Caio Navarro de Toledo
O Governo Goulart
E o Golpe de 64
Índice
Um governo no entreato golpista
O "golpe branco" ou "a solução de compromisso" 
A crise político-institucional na versão parlamentarista 
Um governo no trapézio
A politização da sociedade — esquerda e direita
mobilizam-se
O golpe político-militar
Conclusões
Indicações para leitura
U m governo no entreato golpista 
O governo João Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o signo 
do golpe de Estado. Se, em agosto de 1961, o golpe militar pôde 
ser conjurado, em abril de 1964, no entanto, ele deixaria de se 
constituir no fantasma — que rondou e perseguiu permanentemente o 
regime liberal-democrático inaugurado em 1946 — para se tornar 
numa concreta realidade.
No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros resignava sem ao 
menos completar sete meses na Presidência da República. Na carta-
renúncia — autêntica paródia e pastiche da carta-testamento de 
Getúlio Vargas, como observaram diversos autores —, Quadros não 
formulou uma única razão convincente para explicar e justificar o 
seu teatral gesto. Se, naquele momento, a denúncia do golpe 
janista soava como uma mera especulação, hoje restam poucas 
dúvidas a esse respeito. A rigor, a renúncia constituía-se no 
primeiro ato de uma trama golpista. Julgava o demissionário que os 
ministros militares não apenas impediriam a posse de João Goulart, 
como também procurariam impor, juntamente com o massivo e sonoro 
"clamor popular", o retorno do "grande líder". Na sua fantasia, 
Quadros voltaria, pois, nos "braços do povo".
As ilusões do renunciante, contudo, logo se desvaneceram. Nem 
os ministros militares e, menos ainda, as massas populares tomaram 
qualquer iniciativa no sentido de reivindicar a volta de Quadros. 
Em várias partes do país, os setores populares e democráticos 
sairiam às ruas para defender, isto sim, a posse de João Goulart, 
ameaçada por um arbitrário veto militar, plenamente respaldado 
pela UDN e demais setores conservadores. As manifestações 
populares, associadas com as de políticos democráticos e de 
militares nacionalistas, conseguiram impedir o golpe militar que 
se configurava em agosto de 1961.
Assim, com a diferença de poucos dias, duas tentativas de 
golpe se sucediam: a de Jânio Quadros e a dos setores militares. 
Três anos depois, tendo sido alcançada uma forte coesão ideológica 
no seio das Forças Armadas, os militares impuseram, juntamente com 
a significativa mobilização política das classes dominantes e de 
setores das classes médias, uma nova ordem político-institucional 
no país. Os setores populares e democráticos, a partir de então, 
pagariam um preço muito elevado pela resistência oferecida aos 
golpistas em 1961.
Foi, portanto, no entreato de alguns ensaios golpistas e de um 
golpe político-militar, plenamente vitorioso, que existiu o 
governo João Goulart. Nos seus dois anos e meio de vigência 
(setembro de 1961 a março de 1964), um novo contexto político-
social emergiu no país. Este novo quadro caracterizou-se por uma 
intensa crise econômico-financeira, freqüentes crises político-
institucionais, extensa mobilização política das classes 
populares, ampliação e fortalecimento do movimento operário e dos 
trabalhadores do campo, crise do sistema partidário e acirramento 
da luta ideológica de classes.
Este período da história política brasileira é significativo 
ainda pois nele se intensificam e se condensam alguns dos impasses 
e dos conflitos da democracia burguesa. Se entendemos que as 
contradições sociais são processos constitutivos da formação 
social capitalista e de seus regimes políticos, então o período de 
1961/1964 deve ser visto como um momento privilegiado da vida 
política brasileira posto que nele ocorreu uma polarização 
política e ideológica com dimensões inéditas e com características 
singulares. Para os que vêem nos conflitos e nos antagonismos o 
sinal da desagregação social, os "tempos de Goulart" só podem ser 
encarados como trágicos "tempos do caos e da anarquia".
1964 é, pois, um marco divisor e uma referência obrigatória em 
qualquer avaliação sobre o passado recente. Decorridos menos de 20 
anos da queda do regime liberal-democrático, não deixam de ser 
ainda conflitantes as interpretações sobre o período Goulart. A 
nosso ver, motivações antagônicas parecem estar presentes em 
algumas dessas interpretações. As esquerdas — não obstante 
reconheçam os reais avanços sociais e políticos ocorridos no 
período —, buscam, fundamentalmente, investigar as razões dos 
limites e das impossibilidades da democracia burguesa com 
características "populistas". A direita, ao definir os "tempos de 
Goulart" como a expressão acabada de toda a perversidade social 
(subversão, corrupção, crise de autoridade, desordem etc), procura 
justificar a implantação do regime autoritário e a perpetuação do 
poder de Estado militarizado.
O "GOLPE BRANCO" OU
"A SOLUÇÃO DE COMPROMISSO"
O veto militar
Com a renúncia de Jânio Quadros, o Congresso Nacional, reunido 
extraordinariamente no dia 25 de agosto de 1961, dava posse, na 
Presidência da República, a Ranieri Mazzilli (presidente da Câmara 
dos Deputados). Tal solução era encontrada em virtude de se 
encontrar ausente do país o vice-presidente da República, João 
Goulart.
Imediatamente, os meios de comunicação do país passavam a 
divulgar versões — cuja veracidade seria confirmada nos dias 
seguintes — segundo as quais haveria, da parte de expressivos 
círculos militares, uma forte oposição à posse constitucional de 
João Goulart na Presidência da República. As notícias iam mais 
longe: afirmava-se que os ministros militares não apenas 
desaconselhavam o retorno imediato de Goulart, como estavam 
decididos a detê-lo no momento em que pisasse o território 
nacional. Ao mesmo tempo que difundiam estas informações, vários 
jornais da chamada grande imprensa — expressando a opinião 
política dos setores conservadores das classes dominantes — 
conclamavam as Forças Armadas a assumirem um papel decisivo na 
crise política que se configurava com a renúncia de Jânio Quadros. 
Em outras palavras, tais setores estimulavam e apoiavam o golpe 
militar.
No dia 28 de agosto, através do presidente-interino, os três 
ministros militares buscaram impor ao Congresso a aprovação de uma 
breve nota onde — sem qualquer justificativa — era vetada a posse 
de Goulart. Por uma expressiva maioria, os congressistas 
manifestaram-se contra aquela arbitrária e ilegal exigência. No 
dia 30, os ministros militares voltariam à carga. Através de um 
manifesto à nação, agora se dignavam a explicitar as razões do 
veto a João Goulart. A certa altura, afirmava o documento: "Na 
Presidência da República, em regime que atribui ampla autoridade e 
poder pessoal ao chefe do governo, o sr. João Goulart constituir-
se-á, sem dúvida alguma, no mais evidente incentivo a todos 
aqueles que desejam ver o País mergulhado no caos, na anarquia, na 
luta civil". Todas estas "previsões" eram feitas na base do 
passado político de Goulart. Na ótica dos militares e dos demais 
setores civis golpistas, Jango simbolizava tudo aquilo que havia 
de "negativo" na vida política brasileira: demagogo, subversivo e 
implacável inimigo da ordem capitalista. Seria o "diabo" tão 
vermelho como o pintavam?
Goulart: por um capitalismo "humano" e "patriótico"
Nos primeiros anos de sua rápida trajetória política, os 
estreitos laços de amizade mantidos com o ex-ditador — seu vizinho 
de estância na longínqua São Borja (RS) — transformavam Goulart em 
figura altamentesuspeita aos olhos dos setores antigetulistas. 
Como deputado pelo Rio Grande do Sul, eleito em 1950, Goulart 
sofreu contundentes ataques pela imprensa; esteve seriamente 
ameaçado de perder o mandato parlamentar, pois raramente compa-
recia à Câmara Federal. Dedicava-se às suas tarefas de presidente 
do Diretório Estadual do PTB e, desde então, orientava toda a sua 
ação política em direção ao movimento sindical. Destacando-se 
neste tipo de atividade, foi escolhido, em 1953, por Vargas, para 
o cargo de ministro do Trabalho.
Foi um "deus nos acuda". Como admitir, num Ministério do 
Estado, indagavam os setores de direita e liberais conservadores, 
o "chefe do peronismo brasileiro", o "demagogo sindicalista", o 
"corrupto negociante"? Pior ainda, prognosticavam: controlando e 
manipulando a classe operária e as massas populares, a partir do 
Ministério do Trabalho, Jango se constituiria numa peça importante 
para o sucesso de um novo golpe de Estado que estaria sendo 
engendrado pelo "maquiavélico" Vargas.
Como ministro do Trabalho, Goulart é diariamente acusado de 
insuflar greves e de pregar a luta de classes. Seu maior sonho, 
afirmam ainda seus críticos, seria o de implantar no Brasil a 
"República sindicalista" nos moldes do justicialismo peronista. 
Fazendo blague, mas iradamente, um influente periódico das classes 
dominantes denunciava que Jango, ao invés de ser ministro do 
Trabalho, transformara-se num autêntico "ministro dos 
Trabalhadores"... Diante desta lamentação, a resposta de Goulart 
seria extremamente elucidativa. Numa entrevista, expressou com 
muita clareza a estratégia do Estado democrático-burguês quanto à 
questão sindical: "(...) essa confiança do proletariado na 
secretaria de Estado que dirijo deveria constituir-se num motivo 
de tranqüilidade (para os patrões), e nunca de alarme. Pretender-
se-ia, talvez, que o operariado brasileiro, já tão desencantado, 
não acreditasse nos poderes constitucionais?" (grifo nosso).
Como herdeiro de imensa fortuna pessoal e grande proprietário 
de terras ("um latifundiário com saudável instinto de propriedade 
privada", como afirmou um de seus colaboradores), Goulart era, tal 
como seus críticos de direita, um fiel defensor do capitalismo. No 
entanto, asseverava ele, sua diferença em relação a estes residia 
na sua aspiração a um capitalismo mais "humanizado" e 
"patriótico"; ou seja, Jango dizia opor-se àquilo que hoje se con-
vencionou chamar de "capitalismo selvagem". "Não passa de torpe 
intriga o boato de que sou contra o capitalismo. Ã frente do 
Ministério do Trabalho estou pronto a estimular e a aplaudir os 
capitalistas que fazem de sua força econômica um meio legítimo de 
produzir riquezas, dando sempre às suas iniciativas um sentido 
social, humano e patriótico."
Pouco mais de oito meses permaneceria no Ministério do 
Trabalho do segundo governo Vargas. Enquanto Goulart defendia 
publicamente um aumento de 100% para os trabalhadores que ganhavam 
salário mínimo, Vargas, através de seu ministro da Guerra, tomava 
conhecimento de um documento ("Memorial dos Coronéis") assinado 
por 81 oficiais do Exército. Nele se advertia o Exército e a Nação 
dos perigos do "comunismo solerte sempre à espreita", do "clima de 
negociata, desfalques e malversação de verbas", da "crise de 
autoridade" que solapava a coesão de "classe militar" etc. Em 
nenhum instante o nome de Jango era citado no "Memorial", mas a 
conseqüência da sua divulgação pela imprensa foi a sua imediata 
demissão do Ministério do Trabalho. (Entre os signatários do 
documento, redigido pelo então ten.cel. Golbery do Couto e Silva, 
estavam militares que, dez anos mais tarde, afastariam Goulart 
definitivamente da vida política brasileira: Amaury Kruel, Syzeno 
Sarmento, Sílvio Frota, Ednardo D'Ávila, Euler Bentes, etc.)
Como vice-presidente da República, durante o qüinqüênio 
desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, João Goulart não 
deixaria de estar sob o fogo cerrado da direita e de setores 
liberais-conservadores. No manifesto de agosto de 1961, os 
ministros militares alinhavam algumas acusações: "No cargo de 
vice-presidente, sabido é que usou sempre de sua influência em 
animar e apoiar, mesmo ostensivamente, manifestações grevistas 
promovidas por conhecidos agitadores. E, ainda há pouco, como re-
presentante oficial em viagem à URSS e à China Comunista, tornou 
clara e patente sua incontida admiração ao regime destes países, 
exaltando o êxito das comunas populares".
Desta forma, na ótica dos políticos e militares, comprometidos 
com as ideologias liberal-conservadora e de direita, de nada 
adiantava Goulart reiteradamente afirmar a sua crença no 
capitalismo. Deixavam, pois, de reconhecer que a atuação política 
de Jango (seja na condição de ministro de Trabalho, seja na de 
vice-presi-dente) contribuía objetivamente para um melhor controle 
do Estado burguês sobre as atividades sindicais. Igualmente, 
aqueles setores deixavam de perceber que — tal como concebia e 
exercia suas funções políticas e administrativas — Jango era uma 
eficiente porta-voz, nos meios sindicais e populares, da ideologia 
populista do Estado protetor e "acima das classes". Obstinadamente 
reacionários e intransigentemente anticomunistas, não conseguiam 
deixar de representar Jango na figura de "perigoso agitador" e de 
"demagogo sindicalista".
A luta pela legalidade
Nem todos os setores sociais e políticos, no entanto, 
interpretavam nessa direção a trajetória política de João Goulart. 
Não viam, pois, razões para lhe negar o direito de assumir a 
Presidência da República. Ideologicamente, estes setores afinavam-
se com o nacionalismo reformista, com a liberal-democracia, com a 
esquerda revolucionária. Governadores de estados, parlamentares 
federais e estaduais, sindicatos de trabalhadores, entidades de 
empresários (CONCLAP), estudantes e alguns setores militares, se 
manifestavam em defesa da ordem constitucional.
Dos governadores estaduais que declararam seu apoio à posse de 
Goulart (Carvalho Pinto, São Paulo; Ney Braga, Paraná; Mauro 
Borges, Goiás e Leonel Brizola, Rio Grande do Sul), foram estes 
dois últimos os que mais intensamente se empenharam na" "defesa da 
legalidade". Contudo, foi a partir de Porto Alegre que se unificou 
a oposição nacional ao golpe militar, em virtude da decidida ação 
política de seu governador e da adesão do III Exército, sob o 
comando do gal. Machado Lopes. Brizola mobilizou amplos recursos 
de seu estado, chegando, inclusive, a se dispor a distribuir armas 
à população civil para combater eventuais ataques das forças 
golpistas. Através das emissões da "Rede da Legalidade", 
acompanhava-se o desenrolar dos acontecimentos em todo o país e 
articulava-se o movimento antigolpista em nível nacional.
Militares nacionalistas (o mal. Lott fora preso por ter 
lançado um manifesto contra o golpe), altos-oficiais do Exército, 
organizações militares sediadas nos estados do Pará, Minas Gerais, 
Rio Grande do Sul, São Paulo, Goiás, Guanabara e até mesmo em 
Brasília, almirantes, associavam-se ao movimento contra a solução 
conspiratória. Apesar de proibidas e reprimidas, manifestações 
populares sucediam-se nos grandes centros urbanos (passeatas, 
comícios, panfletagem etc). Várias entidades de classe condenavam 
os golpistas e defendiam a posse de Goulart. Inúmeras greves 
políticas em diversos setores (têxtil, transportes, bancários, 
metalúrgicos, portuários, etc.) culminam numa greve nacional em 
"defesa da legalidade", deflagrada pelo Comando Geral da Greve 
(CGG), embrião do CGT. A UNE decretou "greve nacional";na Bahia 
os estudantes criavam a Frente de Resistência Democrática.
A "solução de compromisso"
O Congresso Nacional, expressando o sentimento geral dos 
setores democráticos e populares, negava-se, no primeiro momento, 
a transigir com os golpistas. Contudo, os dois grandes partidos 
conservadores (UDN e PSD) articulavam, desde as primeiras horas da 
crise, a chamada "solução de compromisso": a emenda constitucional 
que instituía o regime parlamentarista no País. Se o golpe militar 
era derrotado, um golpe político, no entanto, era perpetrado 
contra o regime vigente, pois a carta de 1946 proibia, 
taxativamente, toda e qualquer reforma constitucional num clima 
insurrecional. Um outro significado deste "golpe branco" é que a 
emenda parlamentarista retirava a eleição do presidente da 
República do âmbito popular, transferindo-a para o espaço reduzido 
da Câmara Federal.
Por 236 votos a favor e 55 contra (40 eram do PTB), a emenda 
constitucional era aprovada no Congresso Nacional. Os 
congressistas julgavam-se vitoriosos, pois afirmavam ter evitado 
uma "guerra civil" no país. Na verdade, o Congresso, através de 
sua maioria conservadora e liberal-democrata — com o incentivo dos 
militares dissidentes e com a anuência dos golpistas —, adiantou-
se em oferecer tal solução, pois o avanço das forças populares 
passava a se constituir numa ameaça política indesejável. Para os 
ideólogos burgueses da Ciência Política, o Congresso Nacional, 
neste episódio, dava uma excelente lição daquilo que denominam de 
"realismo político" ou da "arte de conciliação".
Alguns analistas afirmam, hoje, que o parlamentarismo não se 
configurava, naquela conjuntura, como uma saída política 
inescapável. Argumentam que o tempo corria na direção favorável à 
manutenção do regime presidencialista, posto que o crescimento da 
participação popular e a ampliação dos setores políticos e 
militares antigolpistas punham na defensiva e em minoria as forças 
reacionárias. Como sugere o ex-deputado Almino Afonso: "Com mais 
alguns dias de resistência política do presidente João Goulart 
teria havido a solução normal, que seria a sua posse dentro do 
sistema presidencial". Ao contrario disso, João Goulart não apenas 
concordou com a emenda constitucional, como se apressou em esco-
lher uma solene efeméride nacional para ser empossado. No dia 7 de 
setembro de 1961, João Belchior Marques Goulart recebia no 
Congresso Nacional a faixa presidencial, sob o manto do regime 
parlamentarista.
De acordo com a emenda parlamentarista, o Poder Executivo 
passava a ser exercido pelo presidente da República e por um 
Conselho de Ministros (Gabinete Parlamentar), a quem caberia a 
"direção e a responsabilidade da política do governo, assim como a 
administração federal". Ao presidente competiria nomear o 
presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro) ou chefe 
do governo e, por indicação deste, os demais membros ministros de 
Estado. Na verdade, transformava-se o presidente da República em 
autêntico chefe de Estado, perdendo a sua iniciativa de elaborar 
leis, orientar a política externa, elaborar propostas de 
orçamentos, etc. O governo se efetivava fundamentalmente através 
do Conselho de Ministros que, por sua vez, dependia 
permanentemente do voto de confiança do Congresso Nacional. A 
emenda constitucional nº 4, nas suas Disposições Transitórias, 
previa a realização de um plebiscito que viesse a decidir acerca 
da "manutenção do sistema parlamentar ou volta ao sistema 
presidencial". Tal consulta popular devia ocorrer nove meses antes 
do término do período presidencial de Goulart.
Sob rédeas relativamente curtas, João Goulart iniciava, assim, 
seu governo na versão parlamentarista. Mas, conforme confessaria a 
um assessor, faria ele de tudo para abreviar a vida do novo 
regime. Recusava-se a representar o papel de uma "Rainha 
Ehzabeth". Queria governar, não apenas reinar...
A CRISE POLlTICO-INSTITUCIONAL
NA VERSÃO PARLAMENTARISTA
Na curta existência do regime parlamentarista (setembro de 
1961 a janeiro de 1963), o país veria sucederem-se três Conselhos 
de Ministros, além de se defrontar com o agravamento de sua 
situação econômico-financeira e se debater ainda com novas crises 
político-institucionais. Administrativamente ineficiente e 
politicamente inviável, o parlamentarismo — sistema natimorto, 
como alguns o denominaram — teria os seus dias contados dentro da 
vida republicana brasileira.
Do ponto de vista econômico, o governo parlamentarista não 
apenas herdava as profundas distorções da política 
desenvolvimentista do governo Kubitschek como também tinha de 
fazer face às conseqüências imediatas das medidas econômico-
financeiras postas em prática pela fracassada administração 
Quadros. No período Kubitschek, ao se optar por um elevado nível 
de investimentos e ao se manter as importações de equipamentos 
necessários ao desenvolvimento econômico, apelou-se para um pro-
gressivo endividamento externo. No período 1956/60, mostram os 
dados oficiais, o déficit nas transações correntes (mercadorias e 
serviços) alcançou a elevada cifra de 1,2 bilhões de dólares. De 
outro lado, "como o investimento externo fazia-se com a regalia da 
Instrução 113, isto é, sem cobertura cambial, o atendimento do 
déficit fez-se, principalmente, através de empréstimos a curto 
prazo e de atrasos comerciais, aumentando o endividamento externo" 
(Cibilis Viana, Reformas de Base e a Política Nacionalista de 
Desenvolvimento). A taxa inflacionária elevou-se 
significativamente nos últimos anos do governo Kubitschek, 
agravada fundamentalmente pela "deterioração das relações de 
troca, acúmulo de estoques invendáveis de café adquiridos pelas 
autoridades monetárias; crescimento insuficiente da oferta de pro-
dutos agrícolas e oligopolização do comércio atacadista de gêneros 
alimentícios" (Idem, ibidem). No período desenvolvimentista 
anterior, houve um acentuado descompasso entre o crescimento do 
setor industrial e o da agricultura. Ainda segundo o autor acima, 
"a produção agrícola apresentou a taxa anual média de crescimento 
de 4,3% inferior a de todos os demais períodos". Com o aumento da 
população urbana (75% entre 1952 a 1961) e um aumento do poder de 
compra dos assalariados em geral, houve, conseqüentemente, a 
expansão da demanda de alimentos. Com o insuficiente crescimento 
da produção agrícola para o mercado interno, passaram a ocorrer, a 
partir de 1961, agudas crises de abastecimento, gerando 
inquietações sociais e movimentos reivindicatórios de grande 
extensão nos campos e nas cidades.
Além desses problemas, o governo que se empossava tinha de 
enfrentar as graves conseqüências da reforma cambial 
precipitadamente realizada por Quadros. Através da famigerada 
Instrução 204 da SUMOC, instituiu-se o regime de liberdade cambial 
(enganosamente denominado de "verdade cambial"). A partir de 
agora, as importações passavam a ser realizadas a taxas de mercado 
livre, ficando suprimidos os subsídios governamentais às compras 
de petróleo, trigo e papel. Na justificativa oficial, buscava-se 
alcançar o equilíbrio das transações com o exterior, altamente 
comprometido no governo Kubitschek. A eliminação dos subsídios 
teve como conseqüência uma brusca e imediata alta do custo de 
vida, particularmente daqueles produtos que eram fundamentais no 
orçamento das classes trabalhadoras.
Um gabinete de "união nacional"
No dia 8 de setembro de 1961, o Congresso Nacional aprovava o 
primeiro Conselho de Ministros; era ele presidido por Tancredo 
Neves, conhecidafigura do PSD mineiro. Goulart e Tancredo denomi-
naram o gabinete de "união nacional". Uma vez mais, pois, a 
fórmula da "união nacional" era desenterrada do arsenal ideológico 
das classes dominantes a fim de encobrir a existência de conflitos 
e antagonismos no interior da conjuntura política. Na verdade, o 
primeiro gabinete representava uma nítida derrota do movimento 
popular que, alguns dias antes, havia empolgado o país. Como as 
esquerdas viriam a denunciar, tratava-se de um autêntico "gabinete 
de conciliação": "conciliação para evitar que fossem colhidos os 
frutos da vitória popular. Conciliação com os imperialistas, 
conciliação com os golpistas" (Paulo M. Lima, in Revista 
Brasiliense, nº 22).
A vitória das forças politicamente conservadoras do Congresso 
evidenciava-se mediante a composição do Gabinete, onde 4 ministros 
representavam o PSD e 2 a UDN; ao partido do qual o presidente da 
República era o presidente nacional, PTB, coube apenas uma pasta: 
o Ministério das Relações Exteriores, na figura de Francisco San 
Tiago Dantas. O importante Ministério da Fazenda teve sua respon-
sabilidade entregue ao banqueiro Walter Moreira Salles — 
ideologicamente identificado com os manuais ortodoxo-conservadores 
em matéria de política econômico-financeira. Procurava-se, assim, 
conquistar o apoio do FMI e das autoridades financeiras norte-
americanas.
Em matéria de política econômica, pode-se afirmar que "o 
programa do Conselho de Ministros obedecia aos mesmos princípios 
conservadores enunciados nos efêmeros governos Café Filho e Jânio 
Quadros, revelando-se, sob muitos aspectos, antagônicos ao ideário 
do nacionalismo desenvolvimentista" (Cibilis Viana, op. cit.). 
Segundo este programa, por exemplo, não se fazia nenhuma crítica à 
reforma cambial implementada pelo governo anterior. Não seria 
este, no entanto, o pensamento que orientava a assessoria 
econômica de Goulart (Goulart e Tancredo tinham assessorias 
distintas). Composta de petebistas e nacionalistas-reformistas, a 
assessoria de Goulart buscaria influir sobre a orientação conser-
vadora do gabinete ao defender, por exemplo, o fortalecimento do 
setor estatal da economia. Nos seus primeiros pronunciamentos, 
Goulart faria críticas ao regime de "verdade cambial" e postularia 
a realização das Reformas de Base.
Embora majoritariamente conservador, o gabinete de Tancredo 
Neves, logo nos seus primeiros meses de existência, tomou duas 
decisões amplamente apoiadas pelos setores progressistas e nacio-
nalistas. A rigor, contudo, estas duas medidas nada mais faziam do 
que concretizar estudos oriundos do governo Quadros. Por proposta 
do ministro das Minas e Energia, Gabriel Passos (um nacionalista 
quase solitário na "constelação entreguista" da UDN), o Conselho 
de Ministros cancelava todas as autorizações feitas ao truste 
norte-americano Hanna Corporation (companhia de mineração que 
explorava jazidas em Minas Gerais). A outra decisão que repercutiu 
favoravelmente nos meios progressistas do país foi o 
restabelecimento das relações diplomáticas com a URSS (rompidas no 
governo Dutra, em plena "guerra fria"). Dava-se, assim, 
continuidade à política externa independente cujos princípios 
básicos ("não intervenção de um Estado nos negócios internos de 
outro" e "autodeterminação dos povos") foram enunciados no governo 
do contraditório Jânio Quadros.
Exatamente dois meses depois, uma prova decisiva teria de 
enfrentar a política externa independente do Brasil. Em Punta Del 
Este, Uruguai, reunia-se a Organização dos Estados Americanos 
(OEA) a fim de debater a situação de Cuba, após seu governo 
revolucionário ter-se definido oficialmente pelo socialismo. Além 
da expulsão, proposta pelos EUA, pretendiam estes fazer aprovar 
sanções contra o governo presidido por Fidel Castro. O Brasil se 
opôs a qualquer forma de sanção (militar, econômica, rompimento 
das relações comerciais e diplomáticas) contra Cuba. No entanto, 
aprovou uma declaração onde se afirmava a "incompatibilidade entre 
um regime marxista-leninista e os princípios democráticos do 
sistema interamericano". Cedendo parcialmente às fortes pressões 
norte-americanas, o governo brasileiro se absteria na votação que 
propunha a expulsão de Cuba da OEA.
As relações norte-americanas/brasileiras sofreriam ainda um 
sério abalo quando, duas semanas após o encerramento da reunião da 
OEA, o governador Leonel Brizola, cunhado de João Goulart, de-
sapropriou os bens da Companhia Telefônica Nacional, no Rio Grande 
do Sul, subsidiária da International Telephone & Telegraph (ITT). 
"O Departamento do Estado protestou, energicamente, classificando 
o ato de Brizola como um 'passo atrás' nos planos da Aliança para 
o Progresso (...) E o Congresso dos EUA, diante da perspectiva de 
outras estatizações, votou a emenda Hinckenlooper, que determinava 
a suspensão de qualquer ajuda aos países que desapropriassem bens 
americanos, sem indenização imediata, adequada e efetiva" (Moniz 
Bandeira, O Governo João Goulart).
Diante de futuras tentativas de encampações (Carlos Lacerda, 
governador da Guanabara, anunciou — demagogicamente — que 
expropriaria empresas estrangeiras em seu estado), o governo 
federal apressou-se em declarar sua disposição em negociar um 
acordo geral com as empresas de serviços públicos de propriedade 
estrangeira. Procurava, assim, o governo brasileiro demonstrar sua 
"boa vontade" face ao capital estrangeiro; ao mesmo tempo tentava 
limpar o terreno dos possíveis obstáculos que poderiam dificultar 
as conversações a serem mantidas, nas semanas seguintes, entre os 
presidentes do Brasil e dos EUA.
Assessorado pelo embaixador brasileiro nos EUA, Roberto 
Campos, e por Moreira Salles, o presidente Goulart — no discurso 
pronunciado perante o Congresso norte-americano e no comunicado 
conjunto dos presidentes do Brasil/EUA — procura tranqüilizar a 
opinião pública e os homens de negócios norte-americanos quanto 
aos caminhos a serem trilhados pelo governo brasileiro nos 
próximos anos. Entre outros temas, Goulart manifestou a adesão de 
seu governo aos "princípios democráticos"; defendeu enfaticamente 
a participação do capital privado estrangeiro no desenvolvimento 
brasileiro; aprovou o princípio da "justa compensação" nos casos 
de desapropriações de empresas estrangeiras operando no Brasil, 
etc. Embora revelasse preocupações quanto às dificuldades de 
execução do programa reformista da Aliança para o Progresso, 
Goulart elogiou a iniciativa de Kennedy (provocada pela Revolução 
Cubana). Advertindo sobre os perigos que representaria o fracasso 
deste programa para os "povos democráticos", o presidente 
brasileiro fez seu o ideário reformista de Kennedy: "Aqueles que 
tornarem impossível a revolução pacífica, farão inevitável a 
revolução violenta".
Apesar de todas as "juras de fidelidade e de amor" feitas por 
Goulart à democracia e ao capital estrangeiro, o país pouco 
lucraria com a festejada viagem de Goulart aos EUA e México. Como 
observou um estudioso: "(...) o FMI e os outros principais 
credores do Brasil voltaram à sua atitude de esperar-para-ver dos 
últimos anos do governo Juscelino. Sentiam-se pessimistas. Não 
confiavam em que Jango tivesse o desejo, nem o poder de continuar 
o duro programa antiinflacionário empreendido por Jânio" (Thomas 
Skidmore, De Getúlio a Castelo).
A campanha das Reformas. Goulart X Gabinete
Internamente, a viagem de Goulart aos EUA rendeu-lhe alguns 
proveitos; pela primeira vez, em toda a sua carreira política, a 
direita mais conservadora prestou-lhe homenagens. A UDN, através 
de seu líder na Câmara, Herbert Levy, saudoua sua performance nos 
EUA como a de um verdadeiro estadista. Porém, muito curto seria o 
período de tréguas que a oposição conservadora concederia ao 
governo de Goulart. A partir do dia 1º de maio, a guerra novamente 
lhe seria declarada.
Em reiteradas oportunidades, o presidente da República tinha 
se pronunciado acerca da urgência de o Executivo e de o Congresso 
aprovarem as reformas estruturais exigidas para a superação dos 
graves problemas econômicos, sociais e institucionais enfrentados 
pelo país. Não obstante se pudesse afirmar que era praticamente 
consensual — no Gabinete, no Congresso, nas Forças Armadas, nas 
associações e confederações rurais, na Igreja, nas organizações de 
trabalhadores rurais, etc. — o reconhecimento da necessidade da 
Reforma Agrária, as concepções acerca do seu sentido social e 
político, da sua extensão e das pré-condições legais à sua 
realização eram conflitantes. No seu discurso de 1º de maio, em 
Volta Redonda, Goulart chamou sobre si a fúria dos conservadores. 
Embora não explicitamente, Jango se opôs à forma moderada e 
conciliadora pela qual o gabinete de Tancredo Neves vinha 
encaminhando o debate do anteprojeto de Reforma Agrária de autoria 
do ministro da Agricultura, o conhecido usineiro pernambucano 
Armando Monteiro (PSD). Apesar de ter criado importantes 
assessorias técnicas (Superintendência da Reforma Agrária, SUPRA, 
e o Conselho Nacional de Reforma Agrária), o primeiro gabinete não 
chegou a enviar nenhum projeto de Reforma Agrária ao Congresso.
A rigor, o que provocou a violenta reação dos setores de 
direita foi o apelo do presidente ao Congresso no sentido de este 
realizar uma reforma da Carta de 1946. A reforma constitucional 
reivindicada por Goulart visava basicamente a alterar o § 16 do 
Art. 141 que condicionava as desapropriações de terra à "prévia e 
justa indenização em dinheiro". A vigência de tal preceito 
constitucional, na prática, impedia — pelos altos recursos a serem 
despendidos pelo governo — a realização de uma Reforma Agrária que 
implicasse uma ampla redistribuição de terras àqueles que nela 
efetivamente trabalhavam. Diante da proposta do presidente da 
República, unem-se proprietários rurais, setores da Igreja, 
congressistas liberais e conservadores, imprensa etc, para 
denunciar a "reforma agrária radical" cogitada, segundo eles, por 
Goulart. Na ótica desses grupos, a "revolução agrícola" deveria se 
fixar na "obediência aos preceitos constitucionais aliada ao 
interesse prioritário pelo estímulo à produção" (Aspásia Camargo, 
"A Questão Agrária", in Brasil Republicano).
Como observou a autora acima, o discurso de Volta Redonda pode 
ser considerado como um importante marco político: seja porque 
representou o primeiro esforço concentrado do governo em torno da 
realização das Reformas de Base (o segundo momento dessa campanha 
ocorreria a partir de abril de 1963), seja porque significou o 
afastamento político do presidente da República face ao Conselho 
de Ministros e ao regime parlamentarista propriamente dito. 
Reconhece-se, também, nessa data, o início da intensificação da 
luta pela antecipação do Plebiscito.
Sem o apoio do presidente da República, o Gabinete Tancredo 
Neves tinha os seus dias contados. Sob o pretexto de terem de 
cumprir a exigência legal de desincompatibilização funcional a fim 
de poderem concorrer às eleições de outubro de 1962, todos os 
membros do Gabinete Tancredo pediram demissão em junho.
As crises de Gabinete
A formação do 2º gabinete parlamentarista implicou uma 
complicada batalha política para o presidente Goulart. Os dois 
grandes partidos conservadores do Congresso, PSD e UDN, uniam suas 
forças para rejeitar o nome do petebista San Tiago Dantas, 
indicado por Jango para presidir o novo gabinete. As razões da 
recusa eram evidentes: San Tiago, que fazia parte da chamada 
"esquerda positiva", notabilizara-se, nos meses anteriores, pela 
condução da política externa independente. O febril anticomunismo 
da direita brasileira jamais poderia perdoar-lhe o reatamento das 
relações diplomáticas do Brasil com a URSS; igualmente, a sua 
intransigente oposição, dentro da OEA, a qualquer sanção contra 
Cuba socialista lhe valeria a pecha de "traidor da pátria", por 
parte dos setores conservadores. Além do mais, era um elemento da 
estrita confiança de Goulart, estando, pois, inteiramente 
solidário na luta que este movia contra o parlamentarismo e a 
favor das reformas de base.
Sendo forçado a buscar apoio no PSD, Goulart apresentou um 
outro candidato: Auro Soares de Moura Andrade, presidente do 
Senado. No entanto, esta decisão desagradou as lideranças 
sindicais comprometidas com a luta pelas Reformas e que, desde o 
mês de junho, vinham defendendo a formação de um "Conselho de 
Ministros nacionalista e democrático". Diante da negativa face ao 
nome de San Tiago e da eminente aprovação do Conselho de Ministros 
a ser chefiado pelo conservador Moura Andrade, o Comando Geral da 
Greve (CGG) decretou uma greve geral em todo o país para o dia 5 
de julho. No dia anterior, porém, o senador do PSD desistia da sua 
indicação a primeiro-ministro. Apesar da renúncia de Moura Andrade 
e dos insistentes apelos de Jango, a greve foi mantida. Na 
Guanabara, estado onde se concentrou praticamente todo o movimento 
paredista, os militares do I Exército — sob o comando do general 
nacionalista Osvino Alves — colaboraram com os grevistas; não 
cederam veículos de seu uso para transporte público e também 
participaram das negociações para a libertação dos líderes 
sindicais reprimidos pela polícia do reacionário governador da 
Guanabara, Carlos Lacerda (S. Amad Costa, CGT e as Lutas Sindicais 
Brasileiras). A greve — considerada pelo líder comunista Jover 
Telles como a maior da história do movimento operário brasileiro — 
foi igualmente vitoriosa pelo fato de o presidente Goulart 
sancionar, uma semana depois, a lei que instituiu o 13º salário, 
uma das principais reivindicações da greve geral.
O novo gabinete, presidido por Brochado da Rocha (PSD), 
recebia voto de confiança no dia 13 de julho. Tratava-se de um 
gabinete de centro com orientação reformista. Nos seus dois curtos 
meses de existência, este conselho distinguiu-se basicamente por 
duas iniciativas políticas. A primeira consistiu num projeto de 
lei enviado ao Congresso visando antecipar a realização do 
Plebiscito; propunha-se o dia 7 de outubro, data marcada para as 
eleições da renovação do Congresso e escolha de alguns gover-
nadores de estado. Nova derrota de Goulart e do gabinete; nova 
greve geral seria decretada pelas lideranças sindicais. Embora 
tivesse uma extensão menor do que a anterior, a greve foi 
igualmente vitoriosa pois, na madrugada de 15 de setembro (data 
fixada para a paralisação dos trabalhadores), o Congresso aprovou 
um projeto conciliador dos pessedistas Gustavo Capanema e Benedito 
Valadares. O Plebiscito, finalmente, tinha agora seu dia definido: 
6 de janeiro de 1963. No entanto, a greve não reivindicava apenas 
a convocação do referendum popular; exigia, também, a sanção da 
Lei de Remessa de Lucros (aprovada pelo Congresso mas ainda não 
regulamentada pelo Executivo), a elevação dos níveis de salário 
mínimo na base de 100%, etc. Posto que o governo prometeu realizar 
estudos no sentido de atender àquelas reivindicações, o Comando 
Geral do Trabalhadores (CGT), recentemente criado, suspendia a 
greve.
A segunda importante iniciativa do Gabinete Brochado da Rocha 
consistiu numa mensagem enviada ao Congresso na qual se solicitava 
a autorização deste paraque o Conselho de Ministros pudesse 
legislar, através de decretos, sobre as Reformas de Base, remessa 
de lucros, regulamentação do direito de greve, abuso do poder 
econômico, etc. Expressando os interesses dos proprietários e das 
associações rurais, bem como da burguesia associada ao capital 
multinacional, a aliança PSD/UDN fechava a questão contra a 
"delegação de poderes" pedida pelo gabinete. Prevendo a iminente 
derrota no plenário do Congresso, Brochado da Rocha demitiu-se. 
Desta forma, o Congresso cedia quanto à convocação do Plebiscito, 
mas a sua maioria não abriria mão de sua condição de intransigente 
defensora dos interesses das classes proprietárias e dos setores 
politicamente conservadores e de direita. Uma vez mais, Brizola se 
encarregaria de expressar a insatisfação dos movimentos populares 
e das correntes políticas nacionalistas e de esquerda: "O povo não 
poderia esperar outra coisa de um Congresso constituído, em sua 
maioria, de latifundiários, financistas, ricos comerciantes e 
industriais representantes da indústria automobilística, 
empreiteiros e integrantes da velha oligarquia brasileira" (apud 
M. Victor, 5 Anos que Abalaram o Brasil).
A campanha do plebiscito
O terceiro e último Conselho de Ministros, presidido pelo ex-
ministro do Trabalho, Hermes Lima, duraria pouco mais de 4 meses. 
A rigor, a partir de meados de setembro de 1962, o comando do 
Executivo passava praticamente para as mãos do presidente da 
República. Como viria a assinalar mais tarde o último premier do 
governo parlamentarista: "Vivia-se no país uma atmosfera mais 
presidencialista que parlamentarista" (Hermes Lima — apud M. 
Bandeira, op. cit). Nesse sentido, deve-se reconhecer que o 
Gabinete provisório — oficialmente empossado dois meses depois — 
estava inteiramente solidário com o mais importante objetivo 
político perseguido por Goulart naquele momento: articular as 
forças políticas e sociais do país a fim de derrotar o 
parlamentarismo na eleição plebiscitária de 6 de janeiro.
Pode-se afirmar que este gabinete esteve inteiramente 
envolvido com a campanha do Plebiscito. Excluída a direita mais 
ardorosamente anticomunista e antijanguista (a maioria da UDN 
IPES/ IBAD, imprensa conservadora, etc), poucos "moveram uma 
palha" em defesa do parlamentarismo. Em contrapartida, inúmeras 
foram as entidades e organizações que se empenharam na batalha 
política pelo retorno do presidencialismo. Importantes figuras po-
líticas nacionais (algumas delas particularmente interessadas em 
se candidatar, em eleições diretas, para a sucessão presidencial 
de Jango) apoiaram ostensivamente a derrubada do regime 
parlamentarista. Entre eles se incluíam Juscelino Kubitschek, 
Leonel Brizola, Cid Sampaio, Magalhães Pinto, Juraci Magalhães e 
Carlos Lacerda (a UDN, partido dos três últimos, defendia a 
manutenção do parlamentarismo).
Durante a campanha do Plebiscito, importantes figuras da 
oficialidade militar posicionaram-se a favor da volta do 
presidencialismo. Poucas razões igualmente tinham os trabalhadores 
para apoiarem o regime parlamentarista. Nas últimas semanas de 
1962, a CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores na 
Indústria) conclamava os trabalhadores brasileiros a comparecer ao 
referendum: "Todos, no, dia 6 de janeiro de 1963, assinalem o NÃO: 
NÃO à espoliação do país; NÃO aos exploradores do povo; NÃO à 
carestia e à fome. Portanto, companheiro, um NÃO grande ao 
parlamentarismo". A rigor, para os trabalhadores, a luta pela 
retomada do presidencialismo significava, simplesmente, dar um 
"voto de confiança" ao presidente da República que vinha 
defendendo publicamente a realização de reformas fundamentais na 
estrutura da sociedade brasileira. No dia 6 de janeiro de 1963, 
depois de uma intensa e dispendiosa campanha político-publicitária 
contra o regime parlamentarista — comandada por Goulart e 
financiada por setores da burguesia brasileira —, cerca de 13 
milhões de eleitores compareciam às urnas. Numa proporção de 5 
votos para 1, rejeitava-se o regime implantado na crise político-
militar de agosto de 1961.
O regime parlamentarista fracassou pois se revelou altamente 
ineficaz do ponto de vista administrativo, como também pelo fato 
de ter-se constituído numa fonte permanente de crises 
institucionais e políticas. O caráter híbrido e dualista do 
sistema — o presidente da República e o Conselho de Ministros, 
além de disputarem o controle do Executivo, divergiam quanto aos 
seus programas e prioridades de governo — dificultava a tomada de 
decisões que a realidade econômica e social do país urgentemente 
demandava. Não se sustentam, pois, aquelas interpretações que 
atribuem exclusivamente à "má vontade" ou ao "desinteresse" de 
Goulart a responsabilidade pela "triste sorte" que veio a ter o 
parlamentarismo no país. Ressalte-se que o gabinete presidido por 
Brochado da Rocha buscou agilizar as decisões no campo 
administrativo e econômico; mas as Reformas de Base e outras 
medidas que estavam previstas para serem implementadas esbarraram 
na intransigente oposição da aliança PSD/UDN. O Congresso que 
encerrava a sua legislatura em 1962, sendo majoritariamente 
conservador, constituiu-se, assim, num forte obstáculo ao 
encaminhamento de políticas de caráter reformista oriundas do 
Executivo (seja da Residência da República, seja do Gabinete).
Na crise político-militar de agosto de 1961, os dois maiores 
partidos conservadores apressaram-se em instituir no país um 
regime que lhes permitiria deter maiores possibilidades para o 
controle do Executivo. Como vimos, em certa medida, foram bem-
sucedidos nesse intento, pois conseguiram impor limites e 
barreiras à ação do Executivo reformista — reconhecidamente mais 
eficazes do que aqueles tradicionalmente utilizados em regime 
presidencialista. No entanto, o parlamentarismo — forjado a toque 
de clarim e em ritmo marcial — não resistiu às inúmeras crises 
políticas que seu funcionamento provocou e não conseguiu resolver.
U m governo no trapézio 
No dia 23 da janeiro de 1963, com a revogação da emenda 
parlamentarista, João Goulart reassumia os plenos poderes que a 
Carta de 1946 conferia ao presidente da República. Após o malogro 
da experiência parlamentarista, todas as indagações políticas 
resumiam-se na seguinte: conseguiria o governo presidencialista de 
Goulart superar a crise econômico-financeira, aliviar as tensões 
sociais e afastar as crises políticas que vinham continuadamente 
desgastando a administração pública? Não seria exagerado afirmar 
que — entre os diferentes setores sociais — era praticamente 
consensual o reconhecimento de que da solução da crise econômico-
financeira dependia fundamentalmente o encaminhamento satisfatório 
dos demais problemas que afetavam o país. As propostas que as 
diversas classes sociais e grupos políticos ofereciam para 
resolver os problemas da inflação, do déficit da balança de 
pagamentos, da continuidade do desenvolvimento econômico etc, não 
deixavam de ter orientações diferentes e, por vezes, antagônicas. 
A este respeito deve-se ressaltar que os tempos de Goulart 
constituíram-se em anos "extremamente férteis" na medida em que 
neles se processaram intensos debates sobre os rumos e direções 
que deveriam ser trilhados pela economia e sociedade brasileiras. 
Como observou um economista: "Ao contrário dos anos anteriores, em 
que reduzidas minorias controlavam a formulação política, nestes 
anos novos agrupamentos passaram a fazer ouvir sua voz no processo 
de decisãosocial. A política econômica não foi indiferente a este 
contexto social mais complexo" (Carlos Lessa, 15 Anos de Política 
Econômica) .
Como tende a ocorrer em todo regime democrático-burguês, o 
Executivo anunciava que o seu Plano de Governo tinha condições de 
resolver em profundidade os impasses e as dificuldades enfrentados 
pelo conjunto da sociedade brasileira. Essa ambiciosa proposta foi 
denominada de "Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico-Social: 
1963-1965", tendo sido elaborada pelo economista Celso Furtado 
(ministro do Planejamento), com a colaboração de San Tiago Dantas 
(ministro da Fazenda). A concepção e a execução do Plano Trienal — 
bem como as reações dos diferentes setores sociais e políticos a 
ele — contribuem de forma significativa para entendermos o que foi 
o governo Goulart.
A análise da composição do primeiro ministério 
presidencialista, bem como o exame crítico do Plano Trienal, 
anunciavam muito expressivamente o estilo conciliador que iria 
predominar durante o governo Goulart — autêntico "governo de 
trapézio", segundo o julgamento de um jornalista político. No 
Ministério encontravam-se políticos conservadores do PSD (Antônio 
Balbino e Amaral Peixoto), petebistas do grupo "fisiológico" (San 
Tiago Dantas e José Ermírio de Moraes — um dos expoentes da 
chamada "burguesia nacional"), um petebista do "grupo compacto" ou 
"ideológico" (Almino Afonso), técnicos "apartidários" como Celso 
Furtado e militares "duros" como o gal. Amaury Kruel. Por outro 
lado, o Plano Trienal, na sua formulação teórica, julgava poder 
harmonizar e satisfazer interesses contraditórios — de patrões e 
empregados, de proprietários e trabalhadores assalariados. Quais 
os principais objetivos e propostas do Plano?
Plano Trienal: "combater a inflação com desenvolvimento"
Diante das duas mais importantes tendências do comportamento 
da economia brasileira no início dos anos 60 — "aceleração 
inflacionária" (37% em 1961 e 51% em 1962) e "desaceleração do 
crescimento"-(taxa de 7,3% em 1961 e 5,4% em 1962) —, o Plano 
trienal pretendia compatibilizar o combate ao surto inflacionário 
com uma política de desenvolvimento que permitisse ao país retomar 
as taxas de crescimento do PIB (em torno de 7%) alcançadas durante 
o período de 1957 a 1961. Como reconheciam os setores de esquerda, 
o Plano constituía-se num avanço em relação às teses ortodoxas 
dominantes, pois buscava combater o processo inflacionário "sem 
sacrifício do desenvolvimento". Paralelamente a estes dois obje-
tivos principais, o Plano pretendia contribuir para uma melhor 
distribuição dos frutos do desenvolvimento econômico, juntamente 
com "a redução das desigualdades regionais de níveis de vida". 
Enfatizava, porém, o Plano Trienal, que se o processo 
inflacionário não fosse reduzido a limites toleráveis, o País — 
com uma iminente hiperinflação (prevista em 100% para fins de 
1963, caso o plano de estabilização falhasse) — teria toda a sua 
atividade econômica paralisada e, conseqüentemente, passaria a ser 
o palco de perigosas lutas sociais.
Tanto a análise feita pelo Plano sobre as causas do processo 
inflacionário, como as soluções ali apontadas, não deixariam de 
ser objeto de intensas polêmicas. Do lado do setor externo, 
admitiam as esquerdas que era correta a afirmação segundo a qual a 
inflação era provocada pela drenagem de recursos de recursos para 
o exterior (através da "deterioração das relações de trocas") e 
pela transferência de renda (na forma de subsídios governamentais) 
para o setor exportador. Contudo, os "remédios" propostos — "refi-
nanciamento da dívida externa" e "entrada de recursos externos" 
para a amortização de empréstimos anteriormente contraídos — eram 
praticamente ineficazes como medidas antiinflacionárias; além do 
mais, amortizar dívidas com a entrada de capitais estrangeiros 
agravaria ainda mais o nosso endividamento no exterior. Para as 
esquerdas, o Plano constituía-se numa nova capitulação ao 
latifúndio e ao imperialismo: não se propunha a eliminação dos 
subsídios ao setor latifundiário-exportador nem se reconhecia o 
papel inflacionário representado pelas remessas ao exterior de 
"juros, lucros e royalties, e a entrega de enorme soma de recursos 
públicos às grandes companhias estrangeiras, diretamente e através 
de isenções de impostos e favores cambiais" (H. Hoffmann, "O Plano 
Trienal e a Inflação", in Estudos Sociais, nº 16).
Em relação ao setor público, a estratégia adotada para reduzir 
a pressão inflacionária consistia num "conjunto de medidas de ação 
convergente". Destacava, contudo, a "redução do dispêndio público 
programado" como o mais importante fator responsável pela inflação 
no País. Contra esta perspectiva, críticos à esquerda advertiam: 
"(...) o nível de gastos públicos não pode ser comprimido se se 
quer que a economia se desenvolva" (Paul Singer, Análise Crítica 
do Plano Trienal). Como se verá mais adiante, a realidade não 
deixará de dar razão a esses críticos.
Um plano antipopular e capitulacionista
Para o ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, o êxito da 
política econômico-financeira passava a depender da "compreensão 
geral das áreas oficiais e não oficiais" acerca da "dramática 
situação" que enfrentava o País. Era voz corrente, nos círculos 
oficiais, que "o País não suportaria, no momento, nem 
reivindicações salariais nem a pressão por maiores lucros, e as 
medidas que se adotam para evitar que à conjuntura desemboque num 
colapso financeiro devem ter a compreensão e a colaboração dos 
dirigentes das classes produtoras e dos sindicatos de 
trabalhadores" (Carlos Castello Branco, Introdução à Revolução de 
1964). Na perspectiva do governo, nivelavam-se, assim, as "boas 
vontades": de um lado, a dos empresários que deveriam moderar, 
provisoriamente, o apetite por lucros crescentes; de outro, a dos 
trabalhadores assalariados, que deveriam deixar de pressionar — 
adiando, pois, suas greves e reivindicações — por salários mais 
elevados. Ora, bem se sabia que tais reivindicações visavam, sim-
plesmente, recompor para a classe trabalhadora um nível de 
participação menos deteriorado na renda nacional. (Como mostrou um 
economista, a partir de 1958, com a única exceção de 1961, houve 
uma acentuada deterioração do salário mínimo real.) (Francisco de 
Oliveira, "Crítica à Razão Dualista", in Estudos Cebrap.) Apesar 
da sua formulação teórica não considerar os salários como fatores 
inflacionários, na prática, no entanto, o Plano pedia aos traba-
lhadores — como sempre o fazem os planos de "salvação nacional" — 
"colaboração", "paciência" e "patriotismo". Mas, acima de tudo, 
que (novamente) "apertassem os cintos"...
O entusiasmo governamental começou a se esboçar em fevereiro e 
março, em virtude do apoio que o Plano recebia de associações das 
"classes produtoras" (a Confederação Nacional da Indústria, CNI), 
de governadores de estados etc; contudo, ele sofreria seus 
primeiros e fortes abalos com as críticas vindas de setores 
sindicais e das organizações políticas nacionalistas e de 
esquerda. Logo nos primeiros dias de fevereiro um manifesto do CGT 
revelaria que seria tormentosa a administração do presidente Gou-
lart. Nesse documento combatia-se a política financeira do Plano 
Trienal, pois enquanto este deixava intactos os lucros fabulosos 
do capital estrangeiro, dos latifundiários e dos grandes grupos 
econômicos nacionais, impunha, por outro lado, maiores sacrifícios 
às classes populares e trabalhadoras. Um crítico de esquerda 
assinalaria: "(...) o Plano Trienal visa a combater a inflação sem 
reduzir o crescimento econômico do país, no que se manifesta, 
tipicamente, a inspiraçãoda burguesia nacional. Do ponto de vista 
dos defensores do Plano esta seria uma razão suficiente para que 
os trabalhadores o apoiassem. A verdade é, porém, que esta não é 
uma razão suficiente, mas uma razão burguesa e, portanto, inacei-
tável para os trabalhadores" (Jacob Gorender, "O Plano Trienal e o 
Combate à Inflação", Novos Rumos, fevereiro de 1963).
As críticas avolumaram-se e se intensificaram a partir do 
momento em que as conseqüências da política de eliminação de 
subsídios ao trigo e ao petróleo (uma das medidas prioritárias no 
combate à inflação) começaram a ser sentidas pelos setores popu-
lares. Em fevereiro, calculou-se que o fim da política de 
subsídios aumentaria o custo do transporte em 40% e o preço do 
trigo e do pão em 177%. Nos três primeiros meses de 1963, o índice 
geral dos preços subiu 16%, enquanto no mesmo período de 1962 o 
índice de aumento foi de 8%. A condenação ao Plano, unânime por 
parte dos setores sindicais e populares e das organizações 
políticas de esquerda (CGT, PUA, FPN, UNE, "grupo compacto" do 
PTB, etc), iria ter repercussões dentro do próprio Ministério, na 
medida em que a "diretriz de Almino Afonso no Ministério do 
Trabalho, ao fortalecer as direções operárias mais independentes, 
como o CGT, PUA, etc, colidiu com os interesses de Goulart" (Moniz 
Bandeira, op. cit.). Do lado dos empresários (particularmente da 
poderosa indústria automobilística concentrada em São Paulo) havia 
"queixas generalizadas de falta de crédito". Diante das "violentas 
críticas" destes setores — encampadas pela própria CNI — haverá, 
no segundo trimestre de 1963, o relaxamento da política monetária 
que fará os meios de pagamento crescerem de 179,4 bilhões de cru-
zeiros contra a expansão projetada de 74,1 bilhões, "o que afetou 
definitivamente o esquema do Plano Trienal" (C. Lessa, op. cit.).
Os aspectos antinacionais da política econômico-financeira do 
governo Goulart ficariam também evidenciados quando das 
conversações entre Brasil e EUA acerca da negociação da 
assistência econômica norte-americana e refinanciamento da dívida 
externa. Em março de 1963, San Tiago Dantas viajava a Washington 
com um forte argumento para convencer o governo norte-americano a 
fornecer assistência financeira ao Brasil: o Plano Trienal era a 
decisiva prova de que o País passava a se enquadrar dentro do 
receituário econômico-financeiro propugnado pelo governo dos EUA e 
pelo FMI. Mas- os EUA, além de exigirem um compromisso formal por 
parte do governo brasileiro de que o plano "não ficaria apenas no 
papel", impuseram ainda uma nova condição para a concessão do 
empréstimo solicitado: o governo Goulart deveria resolver com a 
máxima urgência a questão da desapropriação da AMFORP (American 
Foreign Power, subsidiária da Bond & Share). Duas cartas de 
Goulart foram entregues a Kennedy por intermédio de San Tiago Dan-
tas: nelas o governo brasileiro comprometia-se a cumprir as duas 
exigências norte-ameri-canas. (Entre os políticos norte-americanos 
circulava a versão de que a chamada "ajuda externa" dos EUA era 
freqüentemente desperdiçada pela má administração aos governos 
latino-americanos. No caso brasileiro, deixava, pois, de ser 
informado que, "na verdade, o que ocorria não era uma 
transferência de capitais dos EUA para o Brasil e, sim, ao 
contrário, um escoamento de recursos do Brasil para os EUA". Entre 
1947 e 1960 entraram (empréstimos e investimentos) US$ 1.814 
milhões e "saíram no mesmo período.... US$ 2.459 milhões sob a 
forma de remessas de lucros e juros, deixando um saldo negativo da 
ordem de USS 645 milhões" que, "acrescidos de US$ 1.022 milhões, 
sob a rubrica Serviços, ou seja, remessas de lucros clandestinas, 
perfaziam um total de USS 1.667 milhões. Em suma, num período de 
13 anos, um volume considerável de dólares foi transferido do 
Brasil para os EUA. Rigorosamente, exportávamos muito mais 
capitais do que recebíamos" — Moniz Bandeira, op. cit.)
Para tornar ainda mais complicada a situação do governo 
brasileiro nas negociações de Washington, um porta-voz do 
Departamento de Estado — baseado nos relatórios de Mr. Gordon 
enviados regularmente da embaixada norte-americana no Brasil — 
alertava a opinião pública de seu país sobre a "perigosa atuação 
de comunistas" dentro da assessoria técnica de Goulart. Apesar das 
duas cartas do governo brasileiro (onde se garantia o acatamento 
às exigências norte-americanas) e de uma solene declaração oficial 
que negava a existência de "esquerdistas" na assessoria 
governamental, os EUA aprovaram um empréstimo de apenas USS 84 
milhões, prometendo USS 314,5 milhões para o ano fiscal de 1964, 
caso as medidas de contenção inflacionária fossem efetivamente 
aqui aplicadas; antes, contudo, deveriam elas ser aprovadas por 
uma comissão do FMI, cuja visita ao Brasil estava prevista para 
meados de 1963. Embora os "brios nacionalistas" do governo 
brasileiro fossem feridos — noticiou-se que San Tiago Dantas 
ameaçara abandonar as negociações com os EUA —, "razões 
pragmáticas" fizeram com que as imposições norte-americanas fossem 
aceitas, conforme se verificou através do acordo Dantas/ Bell.
O caso da compra da AMFORP — o "escândalo da AMFORP" como 
ficou conhecido na imprensa da época — transformou-se em grave 
problema político para a administração Goulart. Enquanto retirava 
os subsídios para o trigo e o petróleo e cortava alguns 
investimentos públicos, sob o pretexto de combater a inflação, o 
governo brasileiro anunciava, em fins de abril, que se ultimavam 
os entendimentos para a compra da AMFORP (que congregava 12 
empresas de serviços públicos). San Tiago Dantas e Roberto Campos 
(que a esquerda nacionalista ironicamente chamava de "Bob Fields", 
por ser ele um "refinado entreguista") tinham acertado com os 
representantes da empresa norte-americana o valor da transação: 
188 milhões de dólares. Na mesma ocasião, um grupo de trabalho 
integrado por técnicos brasileiros (CONESP) — dissolvido logo a 
seguir por Goulart — avaliava os bens da AMFORP em torno de 57 mi-
lhões de dólares. Para os setores nacionalistas, estava-se diante 
de uma imensa negociata, pois, além do preço extorsivo, as 12 
usinas norte-americanas estavam obsoletas, constituindo-se em 
verdadeiro "ferro velho". Tais denúncias tiveram ampla repercussão 
Política. Goulart recuou, protelando a realização da compra, para 
desagrado do governo norte-americano. (Em outubro de 1964, 
demonstrando eloqüente "boa vontade" para com os empresários e 
governo dos EUA, o governo do mal. Castelo Branco adquiria a 
AMFORP.)
O prestígio político de Goulart foi seriamente abalado neste 
episódio; inclusive os setores conservadores não lhe pouparam 
duras críticas, ao ser conivente com negociações que os grupos 
nacionalistas classificavam de autêntico "crime de lesa-pátria". O 
plano, antes de completar 6 meses de duração, inviabilizava-se 
política e economicamente. Nem os emprésários, nem os 
trabalhadores lhe ofereciam qualquer apoio. Em maio, o Ministério 
da Fazenda, diante das fortes pressões dos assalariados, tomava 
uma decisão inteiramente contrária às projeções do Plano, ao 
conceder um aumento de 70% aos funcionários civis e militares, 
quando estava previsto apenas 40%. De outro lado, como já foi 
mencionado, o governo — face às reivindicações de setores indus-
triais — voltaria atrás em suas medidas de contenção do crédito.
O malogro do Plano se revelou de forma completa ao se proceder 
ao balanço do ano de 1963: nem desaceleração da inflação, nem 
aceleração do crescimento foram alcançadas. Houve, sim, inflaçãosem desenvolvimento. Razão, pois, tinham os críticos de esquerda 
quando — denunciando a retórica progressista do Plano — advertiam 
para os aspectos recessionistas, antipopulares e antinacionais das 
medidas concretas ali propostas.
As reformas: como garantir a propriedade 
e impedir a "convulsão social"
Outra batalha política que esteve em pauta durante todo o 
governo Goulart foi a das Reformas de Base (Agrária, Bancária, 
Administrativa, Fiscal, Eleitoral, Urbana, etc). Recorde-se que 
esta problemática fazia parte dos programas dos três gabinetes 
parlamentaristas e agora aparecia como um dos objetivos básicos do 
Plano Trienal. (Como se encarregavam de divulgar os confidentes e 
cronistas palacianos, Goulart queria notabilizar-se na história 
política do Brasil como o "presidente da Reforma Social".) 
Reconhece-se, no entanto, que a bandeira das Reformas passou a ser 
empunhada pelo governo, de forma mais enérgica, no período 
presidencialista, apenas a partir do instante em que se começou a 
perceber o malogro do Plano Trienal. Logo nos primeiros meses do 
ano, análises feitas pelas esquerdas não apenas denunciavam o 
"cozimento em água fria das reformas" — amplamente agitadas por 
Goulart durante a campanha do Plebiscito —, como também passavam a 
duvidar do conteúdo efetivamente transformador de que poderiam se 
revestir as propostas governamentais (Caio Prado Jr., Revista 
Brasiliense, nº 44). Qual seria, enfim, a perspectiva oficial 
acerca das Reformas de Base?
Assinala um sociólogo que, na visão dos governantes, "se não 
houvesse Reformas de Base (...) não se criariam as novas 
'condições institucionais' para o desenvolvimento de outra etapa 
da economia brasileira" (Octavio Ianni, Estado e Planejamento 
Econômico no Brasil); significava isso — conforme o reconhecimento 
do próprio Plano Trienal — que as Reformas de Base eram 
indispensáveis, ao lado do planejamento, a fim de que o 
capitalismo industrial brasileiro pudesse alcançar um nível de 
desenvolvimento superior. Afirmava o Plano, por exemplo, que as 
reformas fiscal e agrária eram essenciais se se pretendesse a 
"eliminação de entraves institucionais à utilização ótima dos 
fatores de produção". Razões econômicas e sociais impunham a 
urgente realização das reformas, dentre elas a que mais debates 
provocou naquele período: a Reforma Agrária.
De um lado, era preciso aumentar a produção agrícola 
(alimentos que suprissem as demandas da população urbana em 
crescimento; matérias-primas para a expansão industrial etc), ao 
mesmo tempo que se buscava criar um mercado interno mais amplo 
para os bens manufaturados. De outro lado, prevendo-se situações 
incontroláveis de tensões e distúrbios sociais, propunha-se uma 
melhor redistribuição da terra (em mãos de um reduzido número de 
latifundiários e freqüentemente mantida de forma improdutiva). É 
exemplar a este respeito o testemunho de um dos mais íntimos 
colaboradores de Goulart, acerca da concepção que este defendia de 
Reforma Agrária: "(...) o que Jango tentava fazer não tinha nada 
de muito ousado nem de radical. Ele dizia sempre que, se o número 
de proprietários rurais fosse elevado de 2 para 10 milhões, a 
propriedade seria muito melhor defendida, e simultaneamente 
possibilidades maiores seriam abertas a mais gente de comer mais, 
de se educar melhor, de viver mais dignamente. Por isso é que 
Jango, latifundiário, queria fazer a Reforma Agrária para defender 
a proprie dade e assegurar a fartura, evitando o desespero popular 
e a convulsão social" (Darci Ribeiro, "Governo Goulart caiu por 
suas qualidades, não por seus defeitos", in A História Vivida II — 
O ESP, grifos nossos).
Apesar de não ter nenhum sentido revolucionário, 
correspondendo, pois, de um lado, às necessidades da consolidação 
do capitalismo industrial e, de outro lado, à estratégia da 
dominação social burguesa, a Reforma Agrária proposta por Goulart 
será objeto de intensa e constante oposição por parte dos 
proprietários rurais e seus setores políticos, de setores da 
Igreja Católica, etc. (Recorde-se que, no período parlamentarista, 
idêntica foi a reação desses grupos. A diferença estava no fato de 
que naquele momento Goulart não tinha ainda formulado oficialmente 
a sua proposta de Reforma Agrária e de Reforma Constitucional.) 
Tais setores não admitiam, por exemplo, a alteração dos preceitos 
constitucionais sob a alegação de que — caso isso viesse a ocorrer 
— corria-se o risco de ser invalidado o estatuto da propriedade 
privada no Brasil... Além do mais, conforme assinalou um 
historiador, as demais reformas propostas (eleitoral, educacional 
etc.) poderiam implicar a "alteração do equilíbrio político" e 
permitia até então a hegemonia das forças conservadoras e de 
direita, particularmente no Legislativo. A preocupação política 
maior das classes dominantes diante das possíveis mudanças no 
campo são ressaltadas por uma estudiosa: "Havia, sem dúvida, o 
incontrolável temor de se ver ingressar na cena política camadas 
sociais constituídas em 'clientelas políticas' que pudessem ser 
enquadradas, tal como o fora a classe operária com Getúlio Vargas. 
Tais temores eram, sem dúvida, realimentados pela aceleração da 
eclosão de conflitos rurais, que cada vez mais se orientavam para 
a ocupação de terras" (Aspásia Camargo, op. cit.).
Enquanto setores do PSD — apesar dos fortes compromissos do 
partido com os proprietários rurais — chegaram, num primeiro 
momento, a aceitar a discussão do anteprojeto do Executivo, a UDN 
fechava a questão contra qualquer alteração constitucional. Mas, a 
posição do PSD será outra a partir da Convenção da UDN realizada 
em abril de 1963. (Na cronologia do golpe de 64, esta reunião da 
UDN teve um papel decisivo: nela, ilustres figuras do partido 
defenderam a intervenção das Forças Armadas e dos EUA a fim de 
porem termo ao "comunismo legal" de Goulart.) Influenciado pelas 
manifestações das chamadas "bases" da UDN, o PSD recuará 
definitivamente face às suas primeiras conversações com o governo. 
Tal fato mostrou-se de forma evidente na votação da "emenda 
Bocaiúva" (emenda constitucional, apresentada pelo PTB, que 
buscava tornar financeiramente viável a Reforma Agrária). Por 7 
votos (PSD, UDN e PSP) contra 4 (PTB e PDC), a emenda seria 
rejeitada na Comissão Especial da Câmara, no mês de maio. Em 
Plenário, a emenda foi derrotada, em outubro, graças à aliança PSD 
e UDN — após intensa mobilização dos proprietários rurais, 
comandados principalmente pela Confederação Rural Brasileira(CRB).
Como ainda observaria a autora acima, a partir do veto na 
Comissão Especial, os setores nacionalistas desencadeariam uma 
campanha de pressão nacional sobre o Congresso para a imediata 
aprovação das reformas. Através de comícios, passeatas, mani-
festos, os setores nacionalistas e populares exigem "reformas 
já!", ao mesmo tempo que denunciam o reacionarismo do Congresso 
controlado pelo PSD UDN e pelo "milionário IBAD". (Brizola diria 
que o PSD e a UDN, ao exigirem o pagamento prévio e em dinheiro, 
tornavam a questão agrária em autêntico "negocio agrário".)
De outro lado, após ter sido batido na Comissão Especial, 
Goulart — apesar das fortes críticas vindas dos grupos 
nacionalistas e de esquerda — volta-se novamente para o PSD. Em 
busca de apoio, aceita mudanças no anteprojeto de Reforma Agrária 
do executivo, a fim de torná-lo "menos radical" e, assim, 
aceitável para o conservadorismo do PSD. Para isso, afastou toda a 
"assessoria gaúcha", vinculada politicamente a LeonelBrizola, que 
não concordava em fazer "concessões programáticas" no anteprojeto. 
Porém, serão infrutíferos os esforços do novo ministro da Justiça, 
Abelardo Jurema, figura de relevo do PSD, a quem foi atribuída a 
específica tarefa de articular a antiga aliança PSD/PTB. (Jurema 
sintetizaria a visão conciliadora do governo através de uma famosa 
frase: "O PSD sem o PTB irá para a reação; o PTB sem o PSD irá 
para a Revolução".) Idêntica missão foi confiada a Tancredo Neves 
(PSD) ao ser indicado líder da bancada do Governo na Câmara. 
Porém, o fosso entre o PTB e o PSD aprofundava-se na razão direta 
da aproximação deste com a UDN, os quais se alarmavam com a 
"agitação social", a "desordem" e a "comunização crescente do 
país" promovidas — segundo estes — por Goulart, pelo PTB e pelas 
"forças subversivas" (CGT, UNE, FMP, etc).
De outro lado, os setores nacionalistas e de esquerda, 
criticavam Goulart pela sua indecisão e indefinição em relação a 
uma série de medidas concretas de caráter nacionalista e popular 
que poderiam ser tomadas pelo governo, independentes de qualquer 
reforma constitucional. Entre essas medidas — algumas delas 
defendidas pelo próprio presidente em seus discursos — ressaltavam 
as seguintes: regulamentação da Lei de Remessa de Lucros (aprovada 
pelo Congresso, mas "engavetada" pelo Executivo); nacionalização 
das concessionárias de serviços públicos, moinhos, frigoríficos e 
indústria farmacêutica; intervenção no mercado de gêneros 
alimentícios; monopólio das operações de câmbio pelo Banco do 
Brasil; monopólio das exportações de café pelo IBC; ampliação do 
monopólio estatal do petróleo, etc.
Administrativamente pouco se realizava, pois o governo se 
consumia em sucessivas crises políticas. Como assinalavam os 
observadores políticos, havia — do ponto de vista administrativo — 
"uma pasmaceira geral contaminando todas as hostes governistas"; 
da mesma forma, o Congresso apresentaria em 1963 um dos seus 
períodos de maior improdutividade legislativa. Esta realidade dava 
munição aos setores de direita que alardeavam a "incompetência 
administrativa" do Executivo e a "crise de autoridade".
O isolamento e debilidade política do governo
A sucessão de crises políticas advinha das contradições em que se 
debatia o governo: ao mesmo tempo que agitava a bandeira do 
nacionalismo e das Reformas — solicitando, pois, o apoio das 
massas populares e dos setores políticos de esquerda — Goulart, 
por outro lado, protelava indefinidamente a realização de medidas 
populares, afastava colaboradores ideologicamente progressistas, 
combatia os setores independentes (não pelegos) do movimento 
sindical, condenava abertamente iniciativas políticas de esquerda 
(em abril de 1963, na cidade de Marília, SP, usou a típica 
linguagem de direita ao proibir um congresso "comuno-fidelista"). 
As concessões à reação não se reduziam a estes fatos, pois o 
governo reservava os cargos mais importantes da administração 
federal (particularmente aqueles responsáveis pelapolítica 
econômico-financeira) apenas para os representantes das classes 
dominantes, indicava também "duros" das Forças Armadas para 
estratégicos postos de comando e mantinha compromissos com o 
conservador PSD.
Sob a permanente desconfiança da direita e da esquerda, o 
governo Goulart acabaria isolando-se politicamente. A ambigüidade 
e a debilidade política do governo se mostrariam de forma 
definitiva no episódio do Estado de Sítio. No dia 4 de outubro, o 
presidente da República encaminhava ao Congresso mensagem 
solicitando a decretação do Estado de Sítio em todo o território 
nacional, pelo prazo de 30 dias. A justificativa do Ministério da 
Justiça esclarecia que o Executivo necessitava de poderes espe-
ciais para impedir "grave comoção intestina com caráter de guerra 
civil" que punha em "perigo as instituições democráticas e a ordem 
política". Explicitamente eram indicadas algumas das situações in-
ternas que perturbavam a ordem institucional: "manifestações 
coletivas de indisciplina" nas polícias militares de alguns 
estados; "sublevação de graduados e soldados" (Revolta dos 
Sargentos) que punha em risco a disciplina e hierarquia militares; 
as freqüentes reivindicações salariais que passavam a "ser fatores 
de agravamento da crise político-social" (na ocasião ocorria a 
greve dos bancários em São Paulo e o PUA anunciava a decretação de 
uma greve geral caso aquela paralisação fosse julgada ilegal por 
parte da justiça trabalhista) e, por fim, o fato de existirem 
governadores de importantes estados "conspirando contra a Nação". 
A ira de Goulart e de seus ministros militares voltava-se 
particularmente contra o governador da Guanabara que, em 
entrevista a um jornal norte-ameri-cano (Los Angeles Times), havia 
ridicularizado a autoridade do presidente da República, além de 
insinuar que os militares brasileiros estavam confusos e 
desorientados diante de uma administração inteiramente 
"desastrosa" para o país. Coerente com a "vocação golpista" de seu 
partido, Carlos Lacerda conclamava o Departamento de Estado a 
deixar de lado sua "passividade" face à grave situação em que se 
encontrava o Brasil, presidido por um "totalitário à moda sul-
americana" e que "descambava para a esquerda". Não havia dúvida de 
que o Estado de Sítio objetivava, imediatamente, a intervenção na 
Guanabara e a conseqüente derrubada do conspirador-mor da UDN. 
(Carlos Lacerda afirmaria, posteriormente, que havia escapado, 
naqueles dias, de um atentado por parte de um comando pára-
quedista a mando de Goulart. Embora a denúncia fosse negada por 
oficiais militares, a UDN e o PSD conseguiram aprovar a 
constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito a fim de 
apurar a denúncia de Lacerda.) Logo a seguir, caso manifestasse 
solidariedade ao seu aliado da Guanabara, poderia "rolar a cabeça" 
do governador de São Paulo, Adhemar de Barros — acusado de 
fornecer armas (contrabandeadas da Bolívia) a grupos paramilitares 
("milícias patrióticas"). Mas, indagavam os setores de esquerda: 
quem garantiria que Miguel Arraes também não fazia parte da "lista 
de saneamento" elaborada pelos militares, com a inteira complacên-
cia de Goulart? Idêntica pergunta faziam as lideranças sindicais e 
populares de todo o País acerca do destino que viriam a ter as 
organizações em que militavam.
Embora por razões distintas, todos os grupos políticos e 
associações de classe — à direita e à esquerda — opuseram-se à 
concessão do Estado de Sítio (apenas os setores "pelegos" do 
movimento sindical e fração do PTB tradicionalmente fiel a Goulart 
tentaram o apoio inútil à medida de força). Os setores 
nacionalistas e de esquerda viam no Estado de Sítio uma grave 
ameaça às liberdades democráticas e aos movimentos progressistas. 
Afirmava, por exemplo, uma nota do CGT: "Somos, por princípio, 
contrários ao Estado de Sítio porque entendemos que a manutenção e 
ampliação das liberdades democráticas são meios insubstituíveis e 
necessários às lutas contra os inimigos do Brasil e aos interesses 
da povo". A direita, por seu lado, via no Estado de Sítio uma 
tentativa de golpe tramada por Goulart a fim de permanecer no 
poder, tal como o fizera Getúlio Vargas em 1937. Diferentemente da 
ditadura estadono-vista, estaríamos, então, face a uma "ditadura 
esquerdizante", proclamavam os setores de direita.
Quem dará o golpe?
Nos meses seguintes ao frustrado pedido de Estado de Sítio — 
retirado pelo governo tão logo se deu conta da fragorosa derrota 
que sofreria no Congresso —, ressurgiria, mais

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