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Siqueira Bioética Clínica

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Conselho Federal de Medicina
Sociedade Brasileira de Bioética
BIOÉTICA CLÍNICA
(MEMÓRIAS DO XI CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA, 
III CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA CLÍNICA E 
III CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE O ENSINO DA ÉTICA)
Brasília 
2016
Bioética clínica: memórias do XI Congresso Brasileiro de Bioética, III Congresso Brasileiro 
de Bioética Clínica e III Conferência Internacional sobre o Ensino da Ética
Conselho Federal de Medicina, Sociedade Brasileira de Bioética (SBB)
Conselho Federal de Medicina – CFM
SGAS 915 - Lote 72
CEP 70390-150 – Brasília/DF – Brasil
Fone: 55 61 3445 5900
Fax: 55 61 3346 0231
http://portal.cfm.org.br/
Sociedade Brasileira de Bioética – SBB
SRTVN – Quadra 702 – Lote P – Ed. Brasília Rádio Center – Sala 1.014
CEP 70719-900 – Brasília/DF – Brasil
Fone/Fax: 55 61 3964 8464
http://www.sbbioetica.org.br/
Organizadores
José Eduardo de Siqueira, Elma Zoboli, Mário Sanches e Leo Pessini
Supervisão editorial
Paulo Henrique de Souza
Revisão e copidesque
Stéphanie Roque e Luan Maitan (Tikinet)
Projeto gráfico e diagramação 
Portal Print Gráfica e Editora Ltda-ME / Leandro Rangel
Ilustração de capa
Victória Romano
Tiragem
5.000 exemplares
Bioética clínica: memórias do XI Congresso Brasileiro de Bioética, III Congresso 
Brasileiro de Bioética Clínica e III Conferência Internacional sobre o Ensino da 
Ética / Organização de José Eduardo de Siqueira, Elma Zoboli, Mário Sanches, Leo 
Pessini. - Brasília: CFM/SBB; 2016. 
326 p.; 14x21cm.
ISBN 978-85-87077-43-1
1. Bioética clínica. 2. Congresso I. Siqueira, José Eduardo de, org. II. Zoboli, 
Elma, org. III. Sanches, Mário, org. IV. Pessini, Leo, org.
CDD 174.9574
Catalogação na fonte: Eliane Maria de Medeiros e Silva – CRB 1a Região/1678
Agradecimentos
Agradecemos ao Conselho Federal de Medicina (CFM) 
por todos esses anos de parceria com a Sociedade 
Brasileira de Bioética (SBB) e de contribuição para 
a Bioética nacional e internacional. Somos gratos, 
em particular, à Gestão 2014-2019 no apoio aos 
congressos e na elaboração desta publicação.
Agradecemos, também, aos professores José 
Eduardo de Siqueira, Elma Zoboli, Mário Sanches e 
Leo Pessini pelo importante trabalho na organização 
deste livro.
SUMÁRIO
Apresentação 
Prefácio
PARTe I: QUeSTõeS de FUNdAMeNTAçãO
1. O conflito público-privado na assistência à 
saúde (Regina Parizi)
2. Bioética clínica, biopolítica e exclusão social 
(Márcio Fabri dos Anjos)
3. Justiça sanitária como tema de reflexão para 
a bioética clínica (Elma Lourdes Campos Pavone 
Zoboli e José Roque Junges)
4. Bioética de intervenção – uma breve síntese 
de seus fundamentos e aplicações em tempos 
de globalização e desigualdades sociais (Volnei 
Garrafa e Leandro Brambilla Martorell)
5. Mistanásia: um novo conceito bioético que 
entra na agenda da bioética brasileira (Leo Pessini 
e Luiz Antonio Lopes Ricci) 
6. Bioética e espiritualidade (Waldir Souza) 
PARTe II: QUeSTõeS de ÉTICA APLICAdA
7. Tomada de decisão em Bioética Clínica 
(Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli)
8. Reflexão bioética sobre a responsabilidade 
cidadã e o ato de cuidar (José Eduardo de Siqueira)
9. Conflitos éticos presentes no início da vida 
(Mário Antônio Sanches e Evandro Arlindo de Melo)
 ........................................................................................... 11 
....................................................................................................... 15 
.............................................................................. 21 
......................................................................... 37
............................................................... 55
............................................. 73
................................................................... 95
................................ 123
............................................ 149
................ 177
................. 207
10. Reflexões bioéticas sobre a vida e a morte na 
UTI (Leo Pessini e José Eduardo de Siqueira)
11. Bio(po)ética narrativa: literatura, teatro 
e poesia como ferramentas no ensino e na 
aprendizagem da bioética (Jan Helge Solbakk)
12. Comitês de bioética clínica (Elcio Luiz Bonamigo, 
Bruno Rodolfo Schlemper Junior e Maria Teresa 
Campos Velho)
Posfácio
Sobre os autores
Sobre as entidades
................................. 229 
........................ 253 
.......................................................................................... 283
...................................................................................................... 307
..................................................................................... 312
................................................................................ 322
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 11
APReSeNTAçãO
A publicação deste livro tem um significado muito importante 
para a bioética brasileira, pois traduz parte do sucesso que foi 
o XI Congresso Brasileiro de Bioética, realizado na Pontifícia 
Universidade Católica de Curitiba (PUCPR), em setembro de 2015.
No evento, que também reuniu o III Congresso Brasileiro de 
Bioética Clínica e a III Conferência Internacional sobre o Ensino da 
Ética, foram comemorados os 20 anos de fundação da Sociedade 
Brasileira de Bioética (SBB) e homenageados grandes nomes da 
área, como o professor Giovanni Berlinguer, bioeticista italiano 
que muito contribuiu para o Brasil, e o professor Paulo Fortes, 
presidente da SBB (gestão 2009/2011); ambos falecidos em 2015. 
Portanto, a Sociedade Brasileira de Bioética e o Conselho Federal 
de Medicina, realizadores do evento, diante da importância e da 
qualidade técnica de que se revestiram as diversas conferências 
e palestras, aprovaram a publicação deste material do congresso 
relativo à bioética clínica.
O livro foi organizado em duas partes, sendo que na primeira 
prevalecem questões que integram a fundamentação da bioética 
clínica, ou seja, fatores e posicionamentos que repercutem na 
concepção da saúde e da doença, como a prática clínica baseada 
em critérios de justiça sanitária, a mistanásia sob o olhar bioético, 
os conflitos éticos interpostos nas formas de assistência à saúde, as 
desigualdades sociais como fatores determinantes das condições 
de vida e saúde, entre outros.
A segunda parte do livro, por sua vez, trata da aplicação das 
questões éticas e bioéticas – como de início e final de vida, 
doenças de grande impacto epidemiológico e com pouca 
atenção ou investimento –, bem como de determinados recursos, 
metodologias e instrumentos que podem nos auxiliar em escolhas 
e decisões marcadas por sofrimentos morais.
Bioética Clínica12
Assim, nós da SBB agradecemos, mais uma vez, a contribuição 
dos colegas, que além de prepararem suas palestras e/ou 
conferências, ainda se dispuseram a escrever os capítulos deste 
livro. Aos leitores desejamos uma ótima leitura. 
Regina Parizi
Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 15
PReFÁCIO
A ética das virtudes, ao longo da evolução histórica e filosófica 
da humanidade, recebeu diversas e importantes contribuições, 
como a do pastor alemão Fritz Jahr, que, em 1927, construiu um 
pensamento com características imperativas: “respeite todos os 
seres vivos como um fim em si mesmo e trate-os como tal, se 
possível”. 
O neologismo “bioética” foi utilizado, pela primeira vez, em 
1970, pelo bioquímico norte-americano Van Rensselaer Potter. 
Decorridos 46 anos, a bioética se apresenta, na atualidade, 
como a fronteira de um novo pensamento científico. Esse maior 
status epistemológico vem de sua transversalidade por temas 
específicos
e limites entre os extremos, como nascer/não nascer 
(aborto), morrer/não morrer (eutanásia), saúde/doença (ética 
biomédica) e bem-estar/mal-estar (ética biopsicológica).
Nos tempos contemporâneos, a bioética se insere em diferentes 
perspectivas de análise, nos campos de dilemas provocados pelas 
mudanças ocorridas nas relações sociais de um novo mundo, 
de extrema racionalidade, técnico e científico, e pelo avanço do 
conhecimento − como a clonagem (ética genética), os confrontos 
entre jovens e idosos (ética de gerações) e as agressões ao meio 
ambiente (ecoética).
A bioética passou a tratar das relações humanas, da prevenção e 
solução de conflitos, da atenção à saúde e à vida, com ênfase na 
dignidade do ser humano e em sua autonomia, em um contexto 
de convivência das liberdades. 
No âmbito da medicina, a bioética clínica – uma das áreas 
de aplicação desse método científico – proporciona, hoje, 
a oportunidade de reflexão e avaliação do melhor percurso 
profissional, na busca do resgate de um caráter humanista e 
Bioética Clínica16
humanitário e do crédito e respeito entre o médico e o paciente, 
submersos em um caldo de insumos materialistas. 
Bernard Lown, um dos mais destacados cardiologistas do 
século XX, com base em sua experiência de ensino e assistência 
profissional, observou que o conceito do médico como 
conhecedor do homem passou ao do médico, como conhecedor 
de uma técnica operativa sobre um órgão ou uma patologia.
De fato, a prática médica se tornou uma atividade em que o volume 
dos conhecimentos e a pluralidade das técnicas impuseram, com 
maior vigor, a exigência da especialização. Sem dúvida, a ânsia 
pelo saber radical pôs em risco uma acurada visão de conjunto do 
organismo humano e o sentido do próprio saber. 
Professor emérito de Harvard, em seu livro A arte perdida de curar, 
Lown chama a atenção para o foco desproporcional das escolas 
médicas no tecnicismo em detrimento da arte de ser médico. Para 
ele, a verdadeira “sabedoria médica” é adquirida pela capacidade 
de compreender um problema clínico a partir da integralidade do 
indivíduo.
Na procura desse elo perdido, no mister de cuidar do ser humano, 
de um ser em constante renovação nas relações consigo mesmo 
e com o meio que o cerca, de um ser em permanente vir a ser, 
o Conselho Federal de Medicina (CFM), com as suas normas e, 
particularmente, com o Código de Ética Médica, tenta estimular 
uma prática orientada por princípios fundamentais, que preservem 
a medicina como profissão a serviço da saúde do indivíduo, da 
coletividade, e exercida sem discriminação de nenhuma natureza. 
O compartilhamento de esforços do CFM com a Sociedade 
Brasileira de Bioética (SBB) nas realizações, em setembro de 2015, 
do XI Congresso Brasileiro de Bioética, do III Congresso Brasileiro 
de Bioética Clínica e da III Conferência Internacional sobre o 
Ensino da Ética é relevante ao futuro que precisa ser planejado e 
construído para ser justo. 
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 17
Eventos dessa envergadura, cuja síntese de palestras e debates 
preenche essas páginas que chegam ao leitor, são oportunidades 
ímpares para o fortalecimento dos compromissos hipocráticos, 
em um paradigma benigno-humanitário.
Temas como justiça sanitária, mistanásia, desigualdades 
sociais, doenças raras e negligenciadas, entre outros trabalhos 
produzidos por alguns dos mais renomados bioeticistas nacionais 
e internacionais, foram apresentados com maturidade, sapiência 
e humildade, indispensáveis às melhores reflexões. 
Por fim, nesta edição de Bioética Clínica, há de ser feita uma 
homenagem ao cirurgião e professor William Saad Hossne, falecido 
em 13 de maio de 2016. Conhecido como “pai da bioética” no 
Brasil, Hossne fundou a SBB e ajudou a criar a Comissão Nacional 
de Ética em Pesquisa (Conep), coordenada por ele entre 1996 e 
2007, um marco histórico na proteção dos direitos dos sujeitos de 
pesquisa. 
Culto, eloquente, comprometido com a profissão, com o ser 
humano e, sobretudo, com a ética, Hosnne certamente figura no 
mesmo panteão ocupado por Potter, Jahr e alguns poucos outros 
que defenderam, sem concessões, o respeito à autonomia, à 
justiça, à beneficência, à não maleficência e à equidade, princípios 
de base nos quais a bioética fixa residência como patrimônio 
universal e público da humanidade. 
Carlos Vital Tavares Corrêa Lima
Presidente do Conselho Federal de Medicina
PARTE I
QUESTÕES DE FUNDAMENTAÇÃO
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 21
O conflito público-privado na 
assistência à saúde
Regina Parizi1
No século XX, os debates sobre saúde – especificamente, 
assistência à saúde – assumiram diferentes enfoques mediante 
a conjuntura econômica e política mundial, principalmente 
nos países mais desenvolvidos. Assim, no período pós-guerra 
predominou um discurso solidário, de reconstrução dos países e 
elaboração de políticas que amparassem os cidadãos vulnerados 
pelos conflitos. No campo da saúde, a proposta foi criar sistemas 
universalistas, financiados com tributos estatais ou por intermédio 
do sistema de seguridade social, através da contribuição do 
trabalhador.
Entretanto, a partir da década de 1980, com o movimento 
neoliberal e de globalização da economia cresceram os conflitos 
na área da saúde, sobretudo diante do aumento de gastos 
(devido à grande incorporação de biotecnologia) e de demanda 
por serviços, em consequência do envelhecimento populacional. 
Dessa forma, enquanto para o setor público a saúde representava 
um ônus orçamentário cada vez maior, para o setor privado ela 
passou a ser uma das áreas de negócios mais lucrativos.
Aprofunda-se, pois, o principal conflito ético que vem integrando 
esse debate: considerar a saúde um direito humano fundamental. 
A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da 
Unesco, de 2005, aponta a necessidade de o Estado regular essa 
área; enquanto os teóricos neoliberais defendem que ela não é 
uma obrigação estatal (mas que o Estado é responsável pelos 
mais pobres) e que o cidadão deve ser provedor de sua própria 
saúde. 
1. Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética.
Bioética Clínica22
Marco regulatório
No Brasil, o direito à saúde foi consubstanciado pelos artigos 
196 e 200 da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei nº 
8.080, de 1990, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS). No 
entanto, esse mesmo arcabouço jurídico deixou livre à iniciativa 
privada a assistência à saúde, permitindo inclusive a dedução da 
contribuição fiscal com a assistência privada, conforme a Lei nº 
7.713, de 1988.
Esse cenário, embora não exclusivo da realidade brasileira, é 
produtor de conflitos que repercutem em diferentes setores da 
saúde, como na definição de fontes de financiamento, modelos 
assistenciais, distribuição da rede de serviços e profissionais, entre 
outros.
É importante ressaltar que, com a crise econômica dos países mais 
desenvolvidos iniciada na década passada (a qual se espraiou 
para os países mais pobres), a área da saúde é a que tem sofrido 
mudanças mais fortes no marco regulatório.
As reformas na legislação têm ocorrido especialmente no 
incremento de restrições no acesso à assistência à saúde nos 
sistemas universalistas – de maneira direta para o imigrante e 
indireta na instituição de taxas de copagamentos no momento do 
atendimento –, conforme se verifica, por exemplo, nas reformas 
introduzidas na legislação da Espanha (PERPIÑAN, 2013) e de 
outros países.
Esses debates, portanto, estão centrados nas dificuldades 
financeiro-orçamentárias dos países, cujas despesas crescentes 
acompanham o envelhecimento populacional e o aumento de 
custos com a agregação de tecnologias na saúde; enquanto a 
discussão dentro do campo ético é de que a saúde, assim como
a educação, é um direito de cidadania, devendo para tanto ser 
universal, sem qualquer discriminação de raça, credo ou condição 
socioeconômica.
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 23
Modelo assistencial
Os conflitos dessa área têm forte repercussão no campo do 
consumo de serviços, uma vez que o setor privado é baseado em 
doenças/procedimentos (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 
1992), sofrendo forte influência da oferta de novas tecnologias e 
produtos de saúde disponibilizados no mercado. Considerando 
esse contexto, Lucien Sfez (1995) publicou “Saúde Perfeita”, 
pesquisa desenvolvida com segmentos da classe média alta da 
França, dos Estados Unidos e do Japão em que foi observado 
alto grau de confiança desse extrato da população em relação à 
tecnologia para resolver seus problemas de saúde.
Por outro lado, na década de 1990, cresceu dentro do setor 
público – especialmente nos países com sistemas universalistas 
– o debate sobre um modelo assistencial voltado para toda a 
família, priorizando ações de promoção da saúde, com estímulos à 
adoção de hábitos saudáveis, envelhecimento ativo, entre outros. 
Um modelo, portanto, voltado para a promoção da saúde em 
contraposição ao modelo assistencial preconizado pelo mercado, 
que estimula o consumo excessivo de medidas de prevenção 
às doenças, sobretudo na realização de exames e utilização de 
medicamentos.
Outro debate importante, também implementado a partir desse 
período, é referente à estruturação dos serviços, que necessita de 
amplo acesso e cobertura assistencial. Desse modo, programas 
como os de saúde da família (MENDES, 2015) e regionalização 
da rede diagnóstica e hospitalar são propostas elaboradas para 
garantir a entrada no sistema de saúde, e referência para organizar 
o acesso a ações e tecnologias mais complexas.
Vários estudos2 mostram que essa incorporação de tecnologia 
– tanto no setor público como no privado, com os planos de 
2. Como Os planos de saúde nos tribunais: uma análise das ações judiciais movidas 
por clientes de planos de saúde, relacionadas à negação de coberturas assistenciais 
no estado de São Paulo, de Mário Scheffer, e Demandas jurídicas por coberturas 
assistenciais: estudo de caso: CASSI, de José Antonio Diniz de Oliveira.
Bioética Clínica24
saúde –, nos últimos anos, vem sofrendo influência crescente 
de um fenômeno denominado “judicialização da saúde”, que 
ocorre em diversos países. Nesse fenômeno, o setor judiciário 
intervém no sistema público de saúde ou de planos privados, 
determinando o acesso a exames e/ou medicamentos para 
um paciente ou, de forma mais ampla, para a sociedade no 
programa de assistência em questão.
As críticas sobre o modelo assistencial baseado em interesses do 
mercado vêm aumentando (MENDES, 2015), pois ele desequilibra 
os fatores de demanda e oferta na saúde, dificulta o acesso e cria 
vieses na assistência. Assim, preconizam a criação de redes de 
atenção à saúde, nas quais as ações e os serviços são regulados 
pelos programas de atenção primária, que priorizam as medidas 
de promoção à saúde e não somente as de prevenção de doenças.
A equidade tem sido o princípio norteador no debate e na 
formulação desses programas, conforme discutido pela 
Bioética da Intervenção (GARRAFA; PORTO, 2003) e da Proteção 
(SCHRAMM, 2008). São as características dos agravos de saúde e 
as necessidades das pessoas que devem definir as prioridades de 
acesso aos serviços e não o poder aquisitivo, como é determinante 
nos modelos de mercado.
Questões administrativo-operacionais
Grande parte dos conflitos que surgem nessa área é em decorrência 
do modelo assistencial e da disputa entre o setor público e o 
privado. Um exemplo disso é a migração dos profissionais da 
saúde para programas, setores e/ou países que oferecem melhor 
remuneração.
Esse fator tem uma influência tão grande atualmente que 
acabou se transformando em um dos problemas estruturais mais 
debatidos mundialmente: a formação de recursos humanos na 
saúde. Assim, vários países e o Brasil, hoje, estão às voltas com 
os conflitos e com a discussão de como equacionar a relação 
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 25
quantitativa e qualitativa do perfil dos profissionais versus 
necessidade da população.
O Brasil, em particular, apresenta uma distribuição bastante 
heterogênea da rede de serviços e dos profissionais de saúde. 
Carvalho (2013) já mostrava que havia uma grande concentração 
dessa rede na região sudeste do país, que ultrapassava mais de 
50% dos médicos, serviços e operadoras de planos de saúde, 
que movimentavam a assistência e o mercado privado de saúde 
no país.
Essa questão ganha maior relevância quando avaliamos que, 
embora o Brasil conte com um sistema universalista de saúde como 
o SUS, ele não dispõe de uma rede de profissionais e serviços que 
garanta a assistência no setor público, o que determina a compra 
de serviços no mercado e, também, os conflitos entre os modelos 
público e privado de assistência à saúde.
Recentemente, a crise do Programa Mais Médicos – que foi 
elaborado diante do deficit desses profissionais no Programa 
de Saúde da Família (PSF) – ganhou proporções nacionais. É 
importante lembrar que o PSF foi concebido como contraproposta 
ao modelo assistencial baseado na lógica de mercado, com o 
objetivo de atuar na promoção da saúde e prevenção de doenças 
dos diferentes integrantes da família, nas diferentes etapas da 
vida e regiões do país.
O PSF sempre apresentou deficit de médicos, e, por isso, em 2013, 
o governo federal passou a admitir médicos de outros países para 
preencher as lacunas dos editais de contratação. Isso resultou 
em uma grande revolta dos médicos brasileiros, pois o governo 
dispensou a necessidade de equivalência do diploma estrangeiro, 
ferindo, assim, uma regra de reciprocidade que é praticamente 
universal na área da educação.
O grande conflito estabelecido é que uma parcela da população 
– sobretudo moradores de periferias, estados menos abastados e 
Bioética Clínica26
municípios de pequeno porte – apoia a medida, pois precisa de 
médicos; enquanto a outra discorda, defendendo o sistema de 
equivalência de diplomas, que visa à segurança da sociedade em 
relação à qualidade dos cursos de medicina realizados no exterior.
Do ponto de vista ético e político é necessário buscar uma solução. 
Para tanto, é fundamental que o governo e os profissionais de 
saúde, principalmente os médicos, elaborem propostas que 
atendam às necessidades da população em relação ao acesso 
à atenção, mantendo, por outro lado, as regras de segurança 
relativas à formação médica.
Questões econômico-financeiras
Tanto a globalização como a crise econômica, que foi sendo 
espraiada para diferentes países após 2008, impulsionaram o 
aumento da desigualdade com o incremento do desemprego e 
da concentração de renda, ampliando, assim, o contingente de 
pessoas vulneradas.
Diante da crise, vários países (sobretudo os europeus e com 
sistemas universalistas de saúde, como Espanha, Portugal, Grécia) 
fizeram cortes orçamentários, como medida de contenção 
de despesa, sendo a área da saúde uma das mais afetadas. A 
justificativa é a mesma: o crescimento acentuado de custos 
em decorrência da grande incorporação de biotecnologias, do 
aumento da demanda em função do envelhecimento populacional 
e dos fortes movimentos migratórios naquela região.
Por outro lado, mesmo os países em desenvolvimento, como o 
Brasil (que ainda apresenta um grande contingente populacional 
na margem da pobreza e da exclusão social), não aumentaram 
significativamente o investimento no setor público de saúde, 
como é possível observar na tabela a seguir, que apresenta as 
despesas da área em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
Conselho Federal de Medicina /
Sociedade Brasileira de Bioética 27
Percentual das despesas públicas e privadas na saúde em 
relação ao PIB, nos anos 2000 e 2010
despesas 
Países
% PIB despesas
Públicas
% PIB despesas
Privadas
% PIB despesas
Totais2
2000 20101 2000 20101 2000 20101
Alemanha 8,2 8,91 2,1 2,7 10,3 11,6
África do Sul 3,4 3,4 5,0 5,1 8,4 8,5
Brasil 2,9 4,1 4,3 4,9 7,2 9,0
Canadá 6,2 8,1 2,6 3,4 8,8 11,5
China 1,8 2,3 2,9 2,3 4,7 4,6
Espanha 5,2 7,0 2,0 2,5 7,2 9,5
Estados Unidos 5,9 8,3 7,8 9,1 13,7 17,4
Fed. Russa 3,2 3,5 2,2 1,9 5,4 5,4
França 8,0 9,2 2,1 2,6 10,1 11,8
Índia 1,1 1,4 3,3 2,8 4,4 4,2
Itália 5,8 7,4 2,2 2,1 8,0 9,5
México 2,4 3,1 2,7 3,3 5,1 6,4
Nova Zelândia 5,9 8,3 1,7 2,0 7,6 10,3
Reino Unido 5,6 8,2 1,5 1,6 7,1 9,8
1 Dados de 2009.
2 Totalização dos dados pela autora.
Fonte: ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (2012).
Algumas informações da tabela merecem ser ressaltadas, como 
o crescimento generalizado da despesa com saúde, na década 
analisada, em países de diferentes continentes. As despesas, para 
a maioria dos países, cresceram tanto no setor público quanto no 
privado, mas os que adotaram sistemas públicos universalistas, 
como Canadá e Reino Unido, conseguiram conter mais os 
gastos em relação ao PIB do que aqueles que adotaram sistemas 
predominantemente privados, como os Estados Unidos.
Observa-se, também, que os países em desenvolvimento, como 
Brasil, China, Índia e México, apresentam, em sua maioria, um 
maior percentual de despesa privada de saúde em relação ao PIB, 
Bioética Clínica28
mesmo quando contam com sistemas universalistas de saúde, 
como é o caso brasileiro.
Essa questão aumenta o grau de sofrimento e vulnerabilidade 
econômica das famílias, pois estudos de 2010 do IBGE mostram 
que as despesas com a saúde foram um dos itens de maior peso 
no orçamento familiar, chegando naquela época a 5,9% das 
despesas nas famílias de renda média e 7,3% nas de renda baixa.
O impacto dos gastos com a assistência à saúde para as famílias 
tem sido tão relevante que a Organização Mundial da Saúde (2012) 
divulgou um relatório mostrando que, somente no ano anterior, 
mais de 150 milhões de pessoas estavam pagando sua assistência 
do próprio bolso. Dessas, 100 milhões de pessoas foram à falência 
e empurrados para a linha da pobreza.
A saúde, portanto, que deveria ser um setor de distribuição de 
renda e de inclusão social, passou a ser um fator produtor de 
iniquidades ao gerar e ampliar diferenças injustas. Diante disso, a 
OMS apontou, nesse mesmo documento, que a pauta prioritária 
seria a discussão sobre financiamento e cobertura universal na 
assistência à saúde.
Apesar de haver maior consenso na discussão sobre financiamento 
– que também apresenta um intenso debate sobre a necessidade 
de aperfeiçoar a gestão para coibir desvios, desperdícios e 
ineficiências –, é na questão da cobertura universal que se 
estabelece o maior conflito e debate ético.
Os críticos sobre o posicionamento da OMS apontam que, embora 
a necessidade de universalização da cobertura assistencial seja 
também um consenso, há uma divergência importante sobre 
se essa expansão se daria mediante financiamento público 
ou privado, uma vez que em alguns países essa ampliação da 
assistência tem se dado pelo crescimento dos planos e seguros 
privados de saúde, inclusive com subsídios estatais.
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 29
Assim como está evidenciado na tabela anterior, essa tem sido 
a realidade no Brasil, uma vez que há maior participação do 
financiamento privado, o qual cresceu bastante na década 
passada, chegando a uma cobertura de 50 milhões de brasileiros, 
em setembro de 2009 (BRASIL, 2009). No entanto, com a crise 
econômica, assim como nos países europeus, esses números 
começaram a diminuir, dado que a maioria dos planos privados 
de saúde são coletivos empresariais, ou seja, dependem do nível 
de emprego no país.
Os conflitos sob a perspectiva bioética
A bioética é uma disciplina que preconiza a ética aplicada à 
análise dos fenômenos e das condições de vida de todos os seres, 
inclusive do ambiente que habitamos, tendo como horizonte a 
responsabilidade para com as gerações atuais e futuras. Seus 
estudos tratam de valores éticos e morais que devem ser agregados 
ao desenvolvimento econômico dos povos, em conjunto com as 
dimensões humanas e sociais, as quais são imprescindíveis na 
área da saúde.
Essa disciplina é uma ferramenta cuja aplicação se dá tanto na 
discussão e elaboração de políticas quanto na orientação de 
instituições que prestam serviços e de pessoas nos cuidados e 
decisões, sobretudo no campo sanitário.
A bioética tem como base a transparência das informações, o 
reconhecimento dos interesses diversos, o respeito às divergências, 
a mediação de conflitos, a formulação e reformulação de acordos, 
considerando que muitas verdades são transitórias em função 
das desigualdades, da diversidade e da complexidade da vida 
contemporânea.
Na assistência à saúde, há uma variedade de fatores que 
interferem nos resultados. Todos eles são igualmente importantes 
e se retroalimentam, como as questões éticas que vão balizar 
Bioética Clínica30
políticas – que por sua vez vão estabelecer direitos na legislação, 
baseados nos conhecimentos técnico-científicos da área. Assim, 
ao se avaliar políticas e setores dessa área assistencial, é preciso 
levar em consideração se há uma conjugação coerente entre os 
elementos acima mencionados e se os resultados encontrados 
são culturalmente aceitáveis.
No Brasil, a saúde foi considerada, do ponto de vista ético, como um 
direito fundamental de todo cidadão, que deveria ser construído 
em um sistema lastreado no princípio ético da equidade, tendo 
como horizonte a universalidade e a integralidade da atenção, de 
maneira que fizesse frente às diferentes condições de saúde da 
população em decorrência das desiguais condições de vida da 
sociedade brasileira.
Grande parte dos países no mundo, hoje, adotam a equidade e 
a solidariedade como princípios norteadores das suas políticas 
de saúde, explicitados na Declaração Universal sobre Bioética e 
Direitos Humanos, da Unesco.
No Brasil e com as ideias expandidas para a América Latina, Garrafa 
e Porto (2003), desde a década dos anos de 1990, vêm apontando 
a equidade como princípio fundamental nas discussões das 
políticas sociais e na mediação de conflitos que ocorrem na 
assistência à saúde. Os autores preconizam, em decorrência 
do cenário da globalização, a utilização de uma corrente crítica 
denominada “Bioética de Intervenção” (BI), que tem a equidade 
como eixo central das políticas na redução das desigualdades 
produzidas pelos sistemas econômicos.
Nessa linha de pensamento, para a BI, os investimentos e as ações 
do Estado devem priorizar as populações mais necessitadas, 
dentro de um lógica utilitarista, consequencialista e solidária que, 
a partir de decisões e ações concretas, busquem a obtenção dos 
melhores resultados possíveis, para o maior número de pessoas, 
pelo maior espaço de tempo e que resultem nas melhores 
consequências coletivas.
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 31
Atualmente, a crise econômica dos países mais desenvolvidos, 
gerada pela globalização do ideário neoliberal com repercussões 
nas políticas de bem-estar social, sobretudo nos países europeus, 
tem colocado o princípio da equidade no centro do debate, 
auxiliando na formulação de políticas sustentáveis que procurem 
combinar o desenvolvimento econômico, social e humano com a 
preservação das condições de vida no planeta.
Ao avaliar a participação do setor privado na saúde, por outro 
lado, poderíamos considerar que do ponto de vista econômico, 
do financiamento da assistência, seria uma medida
equitativa a 
participação do empresariado brasileiro (uma vez que mais de 
70% dos planos são coletivos empresariais) e de determinadas 
faixas socioeconômicas da população na contribuição de maiores 
percentuais para assistência à saúde. Nessa linha de reflexão, o 
setor público, no caso o SUS, poderia aplicar maiores recursos na 
atenção à população mais necessitada.
Alguns estudiosos, como Carvalho (2010), no entanto, refutam 
essa sugestão ao apontar o benefício da renúncia fiscal permitida 
pelo Estado brasileiro na assistência privada de saúde, que 
resultaria em um menor pagamento de impostos por parte das 
pessoas e do empresariado que utilizam a assistência privada de 
saúde. O Estado, nesse caso, perceberia um menor recolhimento 
de impostos, diminuindo o poder de investimentos no setor 
público, ou seja, para os mais necessitados.
A aplicação do princípio da equidade na contribuição tributária é 
fundamental, pois além de promover maior justiça fiscal e social 
na distribuição de recursos, no caso da saúde brasileira ela pode 
permitir a constituição de patrimônio público na construção da 
rede de serviços. Essa possibilidade não ocorre no financiamento 
direto, indireto e/ou na compra de serviços privados, além de 
aumentar a dificuldade do Estado na regulação do mercado, 
sobretudo porque este não é o maior financiador e nem o maior 
prestador direto de serviços de saúde no Brasil.
Bioética Clínica32
Além disso, determinadas regras assistenciais do setor 
privado, quando compatibilizadas com questões de equilíbrio 
financeiro e margem de lucro, podem gerar desigualdades, 
conflitos e distinções na atenção à saúde, como na questão do 
envelhecimento ou na interferência da autonomia do profissional, 
situações nem sempre compatíveis com os valores éticos e morais 
da sociedade.
Na bioética o entendimento é de que essas parcelas mais 
vulneráveis da coletividade não estão relacionadas somente com 
as de menor poder aquisitivo, mas também com pessoas expostas 
a condições de maior fragilidade, como crianças, gestantes, idosos, 
pessoas com deficiências, entre outros.
Tais condições, portanto, não podem ser objeto de negociação 
em relação a fatores que possam aumentar a condição de 
fragilidade, pois a saúde (definida como um direito do cidadão e 
dever do Estado) tem sua assistência financiada pela população, 
seja mediante contribuição de impostos ao poder público ou 
pagamento ao setor privado, tanto para diminuir os riscos de 
agravos à saúde como para contribuir com a dignidade da vida 
humana.
A bioética, portanto, tem se mostrado uma ferramenta de análise 
essencial nos debates dos sistemas de saúde, pois ao tratar de 
questões pontuais tem a capacidade de estender a análise para 
temas mais gerais, mantendo coerência com princípios éticos e, 
ao mesmo tempo, permitindo a discussão do contraditório, que, 
conforme Habermas (1987), nada mais é que a outra face da 
mesma razão.
O mundo como se apresenta, entretanto, com tantas diferenças 
e desigualdades entre os povos e as pessoas, demanda aplicação 
de princípios que possibilitem a abrangência dessa diversidade, 
sendo a equidade um dos poucos que se revestem dessa 
capacidade. Pois, como tão bem ressalta Ribeiro (2006, p. 8):
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 33
Quando definimos se queremos uma sociedade de ampla 
liberdade individual e de escassa solidariedade, ou uma que 
tenha muita solidariedade, mas limite a liberdade de empreender, 
esta é uma grande escolha – uma escolha política. É a escolha, 
digamos, entre o egoísmo esclarecido e a solidariedade.
Os debates sobre a universalização do acesso à saúde, não só no 
Brasil como no mundo, vêm refletindo essa tensão, tanto com o 
aumento, em um primeiro momento, do financiamento privado 
na saúde em decorrência da expansão do projeto neoliberal e 
da globalização econômica, como da sua crise com retração do 
financiamento nas últimas décadas.
Assim, bioeticistas, profissionais de saúde e organismos 
multilaterais, como a Unesco e a OMS, têm se debruçado sobre 
esses conflitos e a questão da cobertura universal na saúde, que 
permanece como um dos grandes desafios para a humanidade 
neste novo século.
O Brasil pode e deve aprofundar os debates em relação ao modelo 
de atenção, da melhor regulação público-privada entre o SUS e 
o setor privado de assistência, não se limitando a intervenções 
pontuais e fragmentadas, diante do agravamento dos problemas. 
Uma melhor governança desses setores, no entanto, exige 
posicionamento ético, diretriz e metas, que no Brasil devem 
concorrer para o acesso universal da população à saúde.
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Bioética Clínica34
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Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 37
Bioética clínica, biopolítica e 
exclusão social
Márcio Fabri dos Anjos1
Em bioética clínica, tratar de exclusão social é como lidar com 
más notícias em saúde. Trata-se de um assunto desagradável 
até para ser abordado apenas na teoria. Isso se deve em parte 
porque é sempre penoso entrar em contato com as carências, a 
dor e o sofrimento das pessoas, e também porque tais situações 
perturbam o sossego ao se tornarem uma interrogação subjacente 
a nossas posturas pessoais diante dos fatos. Dessa forma, não é 
rara uma reação de rejeição quase a priori ao tema.
De fato, criamos instintivamente defesas – assim como anticorpos 
do sistema imunológico – e certa resistência a essa realidade, 
as quais nos impedem de tratar sobre a exclusão social. Essa 
característica foi identificada por Popper (2009) até mesmo 
em especialistas e em suas teorias científicas. Além disso, a 
desinformação sobre essa realidade social pode agravar esse 
quadro. Entretanto, é necessário lembrarmos o quanto a 
desigualdade excludente que nos rodeia também nos afeta 
(POCHMANN, 2015). De fato, a expressão “corpo social” não é uma 
simples metáfora, mas uma consistente analogia que inclui as 
relações de saúde que temos em comum, como veremos adiante.
Dentro dos vários aspectos que o tema abrange, este estudo 
visa a mostrar alguns fundamentos que ajudam a ilustrar uma 
aproximação da bioética às questões da exclusão social, tendo 
como referência as áreas clínicas da saúde. Nossa contribuição é 
de esclarecimentos conceituais, dentro de um contexto de outros 
estudos que expõem outros temas e aspectos.
1. Doutor em Teologia, docente do Programa de Doutorado em Bioética do Centro Univer-
sitário São Camilo (SP), coordenador do grupo de pesquisa sobre Fundamentos de Bioética 
nas Atividades Profissionais, membro da Câmara Interdisciplinar de Bioética do Cremesp, 
secretário da Sociedade Brasileira de Bioética (2015-2017), licenciado em Filosofia.
Bioética Clínica38
esclarecendo conceitos
Para maior compreensão do tema, selecionamos aqui alguns 
termos recorrentes em nosso assunto, em busca não apenas de 
uma melhor precisão conceitual, mas também para introduzir 
vários problemas que estão subjacentes às conceituações.
exclusão social: Na linguagem acadêmica, a expressão “exclusão 
social” tem usos variados – podendo ser um termo genérico, 
uma noção sugestiva (mesmo que imprecisa), um conceito 
bem definido ou uma categoria de análise – e é, de certa forma, 
considerada recente, uma vez que faz parte de diversas análises 
contemporâneas de processos sociais. Essa expressão ganhou 
força na década de 1980, com a percepção do que se chamou de 
“nova pobreza”, difícil de ser enfrentada por estar sendo provocada 
pela adoção de sistemas de vida social difusos, desfavoráveis à 
inserção das pessoas e grupos sociais nas novas formas de vida 
(LAFORE, 2008, p. 414). No Brasil, Martins (1997) a chamou de 
“nova desigualdade”. 
Mesmo que seja necessária uma discussão sobre as possíveis 
definições conceituais do termo, não se deve perder de vista 
nem obscurecer a dura realidade que lhe dá origem, ou seja, as 
disparidades das condições sociais – que abrigam sofrimento, 
dor, insalubridade e morte para grande número de indivíduos e 
grupos sociais. 
exclusão social inclusiva: A exclusão social denota uma violência 
(em geral mais implícita do que explícita) através de atitudes e 
gestos responsáveis pela não participação de indivíduos ou 
grupos de sujeitos humanos nas atuais formas de vida em 
sociedade. Isso acontece de diferentes modos – seja por meio 
de discriminação, interposição de obstáculos ou eliminação 
de condições favoráveis à participação – e se mostra por suas 
consequências, como pobreza, fome, insalubridade e demais 
condições desfavoráveis de vida, tanto mais paradoxais quanto 
se apresentam abundantes os recursos. É fácil perceber que a 
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 39
exclusão tem formas variadas, com espaços filtrados de inclusão − 
o que não significa ser dolorosa e nefasta. Como veremos melhor, a 
exclusão social resulta de jogos de poder que atuam segundo suas 
conveniências e interesses, em que uma exclusão social radical e 
absoluta, mesmo que aspirada por poderosos, é praticamente 
inexistente. As exclusões sociais se dão de forma segmentada, 
inclusive por interesse dos próprios sistemas que excluem ou 
incluem as pessoas em diferentes áreas, sob o critério do poder 
de domínio que exercem. Uma amostra disso está na condição 
dos pobres para os quais se reserva uma faixa de mercado, em 
que o poder se serve das parcas potencialidades de consumo dos 
chamados “menos favorecidos” – um eufemismo que está cercado 
pela hipocrisia do poder oculto, particularmente responsável 
por tal desfavorecimento. Esses apartheids se multiplicam em 
diferentes áreas, dando lugar a “inclusões excludentes” também 
nas relações de cuidados de saúde.
desigualdade: Com frequência, o termo “desigualdade” recebe 
uma especificação da área em que esta se dá, como desigualdade 
econômica, étnica, de gênero e semelhantes áreas da convivência. 
Lexicamente “desigualdade” expressa uma condição de vida, 
enquanto “exclusão” alude a uma ação. Entretanto, o fato de 
se tomar com frequência uma pela outra parece se justificar 
pela estreita interação entre ambas: a desigualdade resulta 
de diferentes formas de exclusão, que a tornam crescente, 
persistente e resistente aos esforços de reversão. Por esse motivo, 
através da expressão “exclusão social” se busca chamar a atenção 
para o próprio processo com que se tecem as desigualdades. A 
desigualdade social é, às vezes, outro nome dado à exclusão e à 
inclusão subordinadas.
Nessa dinâmica de ação, “exclusão social” é uma expressão cuja 
razão de seu uso na bioética tem um caráter transitivo, isto é, 
visa chamar a atenção para um processo em curso que aspira 
à outra realidade. Desse modo, não é um jogo de provocação 
muitas vezes entendido como feito apenas para irritar e perturbar, 
mas, na verdade, pretende ser um caminho pelo qual se busca 
Bioética Clínica40
compreender a exclusão exatamente para se sair dela (CLAVEL, 
2000). Pensar sobre a exclusão social na bioética supõe um 
movimento de saída para a inclusão social, que, por sua vez, 
implica o desafio de compreender
as diferenças através das quais 
nos constituímos na vida.
diferença e igualdade: O conceito de “diferença” é de extrema 
importância quando se trata de pensar a ética da exclusão social, 
especialmente porque, às vezes, ocorrem equívocos ao se propor 
a igualdade como superação das desigualdades provocadas 
pela exclusão. As diferenças são pertinentes a nossa condição 
de ser. Mais do que isso, fazem parte essencial do megaprocesso 
de construção, sustentação e evolução da vida em todos os 
sentidos, pelo qual temos a possibilidade de nascer, crescer, nos 
sustentar, transformar e progredir exatamente pelas diferenças 
com as quais interagimos. A isso se deu modernamente o nome 
de “biodiversidade”, que, ao descrever a enorme variedade das 
formas de vida, mostra ao mesmo tempo a indispensável rede de 
relações com que se tece também a vida humana. Fritz Jahr (1924) 
formulara esses conceitos em termos de bioética, que foram 
aprofundados filosoficamente por Jonas (2004) e estudados, 
mais tarde, por vários autores como Naves e Sá (2013), que, em 
nossos dias, ressaltam o grande ambiente da vida entrelaçado 
pelas diferentes formas de vida biológica, e especificamente pelas 
diferenças nas experiências humanas do pensar e adotar formas 
de viver.
Resulta que seria um equívoco superar as desigualdades visando 
eliminar as diferenças, pois isso representa uma tremenda violência 
sobre os seres, bem como põe a grande questão do critério ou 
poder que decide sobre o padrão da igualdade que se impõe. O 
colonialismo (FEITOSA, 2015) é uma das críticas contundentes 
que põe ao descoberto a imposição de padrões de uma cultura 
sobre outra cultura, em suas formas de relações e produção de 
vida e sua moralidade; em que a pretensa igualdade implica 
desmerecer os valores do outro com consequente exclusão. 
Muitas vezes a saída desse processo de dominação é formulada 
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 41
em termos de se postular igualdade, aliás, uma das bandeiras da 
Revolução Francesa. Contrapondo-se à desigualdade, o postulado 
da igualdade é sem dúvida uma vigorosa reivindicação ética, 
mas seu sentido fundamental, para não ser contraditório, deve 
subentender a igualdade de direitos de os diferentes sujeitos 
individuais e coletivos serem respeitados em suas diferenças. 
Em outros termos, postula-se igual qualidade de direitos em 
diferentes materialidades ou condições da vida das pessoas. Essa 
questão, como se verá adiante, tem uma particular incidência na 
área clínica.
Inequidade: Este termo nem sempre é reconhecido pelos 
dicionários e os aplicativos de correção automática, mas não 
são esses instrumentos que determinam a validade conceitual 
de um termo, pois eles correm exatamente atrás dos termos e 
códigos de linguagem para prestar o serviço de registrar seus 
significados. “Equidade” é o termo de referência ao qual se 
contrapõem dois outros: iniquidade e inequidade. Essa diferença 
de termos, ainda recente em nossa linguagem, presta um serviço 
à exatidão do discurso bioético para distinguir o envolvimento 
ético das pessoas nas desigualdades sociais. De fato, em sua 
conceituação básica, a equidade é o exercício virtuoso da justiça. 
Em contraposição, iniquidade significa a responsável adoção da 
injustiça, por procedimentos ou atitudes. Entretanto, a variação 
nas concepções de justiça se abre em grande debate de propostas 
e gera, consequentemente, uma interrogação sobre a retidão do 
seu exercício. Dessa forma, teóricos como John Rawls se veem 
diante da necessidade de explicitar a “justiça como equidade” 
(RAWLS, 2003). A bioética moderna, sensível à pluralidade dos 
discursos, cuidando de evitar um apressado juízo moral sobre as 
pessoas, serve-se do termo “inequidade” para expressar falta de 
equidade enquanto condição ou circunstâncias desfavoráveis 
a esta. A inequidade, portanto, se refere criticamente aos 
contextos, deixando para um segundo momento a avaliação 
ética das responsabilidades. Na literatura de bioética em inglês 
é recorrente o uso atual dos termos “iniquity” e “inequity”, com a 
variação conceitual de que falamos.
Bioética Clínica42
Corpo social como desafio em bioética clínica
A exclusão social, pelos termos de sua expressão, não se entende 
senão por referência às relações sociais. Uma primeira compreensão 
de clínica, centrada no cuidado hospitalar à saúde de indivíduos, 
pode subentender que a exclusão social não lhe diz respeito, isto 
é, que na estrita relação com o indivíduo, a clínica não se envolve 
com o sistema de relações sociais. A evolução das percepções 
sobre esse assunto leva a reflexão hoje a propor o conceito de 
clínica ampliada. Por ele se reconhece a necessidade de entender 
o ser humano “também na sua inserção social, política e cultural, 
na dinâmica de suas relações na família e comunidade, no acesso 
a serviços de saúde, trabalho, educação, entre outros aspectos 
que constroem seu processo de saúde/doença” (UNIVERSIDADE 
FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2012, p. 11).
Superando uma visão de saúde e doença reduzida aos aspectos 
biológicos individuais, descobre-se a rede de relações sociais, 
implicada em condições de salubridade, alimentação, moradia, 
educação, trabalho, entre outras, da qual depende a saúde/doença 
individual. Isto implica dizer que serviços e tratamentos médicos 
prestados aos indivíduos estão estreitamente relacionados a 
fatores sociais interferentes na constituição de sua saúde/doença, 
sendo as situações individuais uma “representação da [sua] 
inserção humana na sociedade” (Ibid., p. 14).
A expressão “corpo social” é aqui provocativa, por considerar o 
alcance da exclusão social em bioética clínica. Sua analogia com o 
corpo biológico dos indivíduos, e as interações da saúde/doença 
individual com os processos sociais sugerem um ilustrativo 
exame da saúde/doença do próprio tecido social. A interação 
entre corpo e sociedade tem sido atualmente estudada em seus 
diferentes aspectos, como o ilustra a interessante obra de Turner 
(2008, 2014), mostrando especialmente espaços de interferência 
social na representação dos corpos e suas consequências para as 
formas de inserção, condicionamento ou exclusão das pessoas 
nas relações.
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 43
Entretanto, o passo das interferências da sociedade nos corpos 
dos indivíduos, para se chegar à concepção da sociedade como 
corpo é constituído, na visão de Foucault, exatamente pela 
relação de poder que a sociedade exerce sobre a determinação 
dos corpos individuais. Esse filósofo descarta a ideia de que um 
corpo social seja constituído pelo conjunto das vontades, para 
afirmar que “não é o consenso que faz surgir o corpo social, mas 
a materialidade do poder se exercendo sobre o próprio corpo 
dos indivíduos” (FOUCAULT, 1986, p. 146). Esse corpo social que 
emerge pelo poder exercido não é anônimo, mas é constituído 
por sujeitos concretos de ação política atuando “através de um 
conjunto extremamente complexo de relações, que funciona de 
forma extremamente sutil nos seus movimentos” (RODRIGUES, 
2003, p. 119).
Isso permite dizer que o corpo social mostra o exercício de seu 
poder autoconstitutivo, nos corpos das pessoas. O rosto de 
pessoas excluídas mostra, no sofrimento de suas privações, a 
truculência do corpo social sobre si mesmo. Como também é na 
face de alegria das pessoas que se pode começar a ler o poder 
benéfico do corpo social em ação. De fato, Foucault se contrapõe 
a uma redução do poder a sua ação destrutiva, notando que “se 
apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. 
Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos” em diferentes 
níveis, como no campo do saber. E prossegue: “é a partir de 
um poder sobre o corpo que foi possível um saber fisiológico, 
orgânico” (FOUCAULT, op. cit., p. 149).
Comentando as concepções foucaultianas de poder, Machado 
(1986) ressalta que o poder não existe em si fora de práticas 
e relações, mas se constitui a partir delas. E conclui que “esse 
caráter relacional do poder implica que as próprias lutas contra 
seu exercício não possam ser feitas de fora, de outro lugar, do 
exterior, pois nada está isento de poder” (Ibid., p. XIV). Admitindo 
tal ponderação, há dois aspectos que merecem ser notados. 
O primeiro consiste na realidade de um exercício de poder 
ativamente destrutivo no desdobrar de suas relações. Foucault 
Bioética Clínica44
(op. cit., p. 145) é contundente em ressaltar o exercício do poder 
autodisciplinador do corpo social em vista de uma modelagem 
seletiva com procedimentos cirurgicamente excludentes:
É este corpo que será preciso proteger, de um modo quase médico: 
em lugar dos rituais através dos quais se restaurava a integridade 
do corpo do monarca, serão aplicadas receitas terapêuticas 
como a eliminação dos doentes, o controle dos contagiosos, a 
exclusão dos delinquentes. A eliminação pelo suplício é, assim, 
substituída por métodos de assepsia: a criminologia, a eugenia, 
a exclusão dos “degenerados”.
O segundo aspecto que merece atenção está na própria lógica da 
afirmação de que a fragilidade do poder do corpo social se mostra 
em seus aspectos negativos; somada à afirmação de que o poder 
não existe em si, mas se constitui nas relações, pode-se concluir que 
o rosto dos excluídos tem a capacidade de mostrar a fragilidade 
do poder. O poder histórico dos excluídos de transformar as 
relações sociais é um tema amplamente argumentado por Dussel 
(1995, 2000), comentado no interessante estudo de Pinto e 
Raposo (2014) e refletido por muitos autores em aproximações 
filosóficas comunitárias e de libertação. Entretanto, mesmo sem 
entrar nessa discussão, parece lógico reconhecer ao menos o 
poder atuante do sofrimento das pessoas excluídas em revelar as 
fragilidades do corpo social. Esse clamor que vem do sofrimento 
persiste como interpelação constante sobre os processos sociais 
das organizações do poder. Ele revela a impotência e fragilidade 
de sistemas sociais que se acham ideais, e bate igualmente às 
portas de indivíduos e grupos capazes de o escutarem.
Bioética clínica, exclusão e biopolítica
As necessidades dos cuidados em saúde estão implicadas nos 
jogos sociais do poder de tal modo que tem crescido a consciência 
de que uma adequada organização desses cuidados exige 
uma ação política na sociedade global. Vimos acima como as 
concepções propostas em termos de clínica ampliada se referem 
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 45
à ampla rede de interações da saúde/doença com as diferentes 
áreas da convivência. O aprofundamento analítico desse fato tem 
procurado entender os bastidores dessas interações, os sistemas 
e organizações que delas resultam, e através de critérios éticos, as 
alternativas a serem propostas.
A “biopolítica” é um termo contemporâneo que, de modo geral, 
compreende as formas de exercício do poder sobre a vida em 
sociedade como sistemas de interferência e controle a serem 
devidamente considerados em vista do bem comum. Abre-se em 
diferentes concepções de política, com consequentes variações 
em sua conceituação (BAZZICALUPO, 2012). Aqui nos limitamos 
apenas a lembrar alguns autores e obras que trazem importantes 
contribuições aos fundamentos da bioética clínica diante da 
exclusão social. Destaca-se, nesse sentido, a crítica aos sistemas 
da saúde/doença, que subtrai a área médica dos sujeitos para 
servir ao interesse dos seus controladores. Uma importante crítica 
sobre tais distorções é feita por Ivan Illich em A expropriação da 
saúde: nêmesis da Medicina, de 1975.
Em 1979, foi publicada a primeira edição de Microfísica do 
poder, de Foucault, em que há explícitas considerações sobre a 
área clínica, abrangendo o nascimento da medicina social e do 
hospital, entre outros. Na mesma época, o autor desenvolve um 
curso no Collège de France sobre o nascimento da biopolítica, 
postumamente transcrito e transformado em livro (FOUCAULT, 
2004). Ele distingue na biopolítica uma forma de poder disciplinar 
que exerce controle sobre os corpos, que pode ser absoluto 
como o poder soberano de impor a pena de morte; e contrapõe 
a passagem às formas contemporâneas de biopoder, pelo qual 
se governam as dimensões globais da vida das populações, 
controlam as formas de fazer viver ou de deixar morrer (Id., 1999). 
Mais recentes, merecem atenção as contribuições de Hardt e 
Negri, principalmente na obra Império, em que argumentam 
sobre a articulação de um domínio não mais territorializado, mas 
Bioética Clínica46
tornado virtual e expandido com incrível eficiência, de tal modo 
que a sociedade se caracteriza 
por uma intensificação e uma síntese dos aparelhos de 
normalização e disciplinaridade que animam internamente 
nossas práticas diárias e comuns, mas, em contraste com 
a disciplina, esse controle estende bem para fora os locais 
estruturados de instituições sociais mediante redes flexíveis e 
flutuantes. (HARDT; NEGRI, 2001, p. 42-43)
A trilogia de Agamben em Homo sacer (2004) também dedica, 
nessa direção, o precioso volume O poder soberano e a vida nua. 
O autor, em intensa interação com pensadores contemporâneos, 
desenvolve a distinção entre o simples viver (vida nua), e as 
qualificadas e complexas formas do viver em grupo e sociedade 
(biopolítica). Valério (2013, p. 188) sintetiza que, para Agamben,
a partir da modernidade […] o espaço da vida nua, situado 
originalmente à margem do ordenamento, vem a coincidir 
com o espaço político e, assim, exclusão e inclusão, zoé e bíos, 
direito e fato, phýsis e nómos entram em uma zona amorfa e 
tornam-se indistinguíveis. Este espaço […] é o espaço biopolítico 
por excelência, pois, ao embaralhar as duplas categoriais 
fundamentais da política ocidental, o poder soberano tem diante 
de si uma vida nua sem qualquer mediação, ou seja, uma vida 
totalmente desqualificada, mas no entanto e justamente por 
isso, excessivamente politizada à mercê, portanto, de um poder 
que, no limite, é um poder de morte. 
Esposito (2004, 2008, 2012) contribui para o tema situando a 
biopolítica na contraposição dos conceitos de “comunidade” 
e de “imunidade”, na qual, sob certo sentido, a imunidade é o 
contrário de comunidade por ser isenção de obrigações de 
cuidado e de solidariedade nas necessidades comunitárias; mas, 
em outro sentido, assim como os corpos individuais necessitam 
de imunidade, também para os corpos sociais a imunidade tem 
dimensões benéficas. Essa é uma das interessantes vertentes com 
que Esposito coloca os desafios da biopolítica, inclusive diante da 
questão de métodos totalitários para defender um corpo social.
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 47
Na América Latina, em perspectivas da bioética, muitos 
conceitos básicos da biopolítica vêm sendo pensados há várias 
décadas, mesmo que não seja sob esse título. Sem menosprezar 
a sensibilidade de teóricos de outras regiões a injustiças, a 
trajetória latino-americana, porém, tem se caracterizado por 
um procedimento inverso, colocando à frente a experiência das 
inequidades e exclusões sociais, solicitando de modo contundente 
teorias e práticas capazes de revertê-las. São ilustrativas, nesse 
sentido, as formulações teórico-práticas que, a partir da década 
de 1960, emergiram e se desenvolveram – como a teoria da 
dependência (SANTOS, 2000), a teologia da libertação (GUTIERREZ, 
1972), a teoria sobre a colonialidade do poder (QUIJANO, 1967), 
as propostas de Paulo Freire (1992) na Pedagogia do oprimido, 
a Bioética da Intervenção (GARRAFA; PORTO, 2003) e a Bioética 
da Proteção (PONTES; SCHRAMM, 2004; KOTTOW, 2004). Um 
momento também notável pela qualidade e
projeção mundial 
do pensamento latino-americano a esse respeito se deu com 
a realização, em 2002 em Brasília, do V Congresso Internacional 
de Bioética sobre o tema “Bioética: poder e injustiça” (GARRAFA; 
PESSINI, 2003).
Com a entrada do termo na linguagem acadêmica, as abordagens 
com referência explícita à biopolítica, em perspectivas de bioética, 
são hoje frequentes. De modo sistemático se realizam encontros 
acadêmicos organizados por universidades, como o V Colóquio 
Latino-americano de Biopolítica – realizado pela Universidade do 
Vale do Rio dos Sinos em 2015 –, voltado especificamente para a 
Educação.
Sem perder o foco deste estudo, vemos que a exclusão social está 
reconhecida como uma realidade sistêmica de grande proporção, 
cuja reversão exige atuações correspondentemente em âmbito 
de sistemas, sob o risco de se reduzir a ações assistenciais e 
paliativas. Essa percepção biopolítica tem sido uma expressiva 
marca da bioética na América Latina de modo geral e no Brasil em 
particular. Expressa-se com abundância em críticas e propostas 
referentes a políticas públicas, entre as quais, as políticas de saúde 
Bioética Clínica48
e, especificamente, clínicas têm um lugar privilegiado. É ilustrativa, 
nesse sentido, uma análise desenvolvida por Cunha (2014) sobre 
as propostas – lideradas pela Organização Mundial da Saúde e 
agências da Organização das Nações Unidas (ONU) – referentes ao 
lugar da saúde global na Agenda de Desenvolvimento Pós-2015. 
Cunha (Ibid.) identificou apropriadamente incoerências éticas 
nessas propostas de política internacional, que, à primeira vista, 
parecem bem consistentes. Seu estudo, derivado de tese doutoral 
assim como outros, indica que os cursos stricto sensu de bioética 
no Brasil vêm incentivando o aprofundamento dessa perspectiva 
crítica, com a inserção de nova geração de bioeticistas.
das teorias às práticas
Ao final dessa abreviada visita a fundamentos teóricos da bioética 
clínica perante a exclusão social, vale considerar os desafios de 
quem se encontra em meio às práticas diárias das atividades 
profissionais, gestão de instituições, pesquisa e serviços dos mais 
diversos cuidados clínicos. As teorias nem sempre se ajustam às 
práticas, às vezes por serem inadequadas aos contextos, ou mesmo 
insuficientes. Contudo, muitas vezes parecem distantes porque 
apontam para espaços a se conquistar, caminhos a percorrer.
A reflexão sobre exclusão social e aspectos da biopolítica pode 
parecer um devaneio para quem se dá conta dos condicionamentos 
e pressões que cercam seus empreendimentos e atividades diárias. 
E é compreensível que um sentimento de impotência leve com 
frequência a uma acomodação dentro dos sistemas, ou mesmo a 
estratégias de sobrevivência diante de poderes maiores. Mas, de 
um modo ou de outro, todo ser humano participa das relações 
sociais através de seus sistemas e organizações, sob a condição de 
não se fazer imune a suas dinâmicas.
Um ponto de desequilíbrio possível nessa condição é assumir 
a dimensão de poder que se tem (mesmo que seja limitada) e 
passar a interagir nas relações. Isso até se verifica com facilidade 
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 49
nas competições frequentes entre indivíduos e entre grupos 
pela disputa de espaços e vantagens, mas mais se parece a 
uma simples reprodução do poder maior, como o biopoder que 
domina e orquestra as vontades individuais e grupais. Por isso, 
o desequilíbrio decisivo se dá nas escolhas que levam a escapar 
do poder como dominação, um poder no fundo frágil e medroso, 
como se apontou. Nesse contexto, o reconhecimento das 
exclusões sociais expõe as fragilidades do poder que domina. E a 
busca de superação das exclusões significa a opção por realizar o 
biopoder como realmente capaz de servir ao bem de todos.
A bioética na área clínica procura ser uma instância de atenção 
e crítica às questões éticas que permeiam as organizações 
e as atividades cotidianas. As exclusões sociais repercutem 
diretamente nessa área exatamente pela relevância dos benefícios 
que nela se propiciam, e que se tornam objeto de controle de 
muitos a serviço de interesses particulares. As leituras críticas, 
por mais árduas e incômodas que sejam, visam a uma construção 
conjunta, reconhecida e associativa das pessoas que lutam por 
convivências sociais cada vez mais includentes e participativas.
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Justiça sanitária como tema de reflexão 
para a bioética clínica
Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli1
José Roque Junges2
A inclusão da justiça sanitária na discussão da Bioética Clínica 
significa ampliar os referenciais éticos desta, fazendo-os ultrapassar 
os princípios da autonomia, beneficência e não maleficência, o 
que, de certa maneira, propicia a inclusão de outros enfoques 
nas reflexões, não as restringindo ao principialismo. As exigências 
éticas do cuidado clínico têm o direito à saúde como horizonte 
ético, que precisa balizar as reflexões e processos de tomada de 
decisão em conflitos morais. Isso significa partir de uma visão 
ampliada de saúde e clínica, que engloba os determinantes sociais, 
o contexto sociocultural e a (inter)subjetividade na compreensão 
e acompanhamento dos processos de saúde e doença. Por isso, 
preconiza-se que o ponto de partida e chegada da clínica seja 
a Atenção Primária à Saúde (APS), que se caracteriza pela visão 
ampliada de saúde e cuidado e é a porta de entrada preferencial 
do usuário para o acompanhamento clínico na Rede de Atenção 
à Saúde (RAS). Assim, a bioética clínica precisa se desfocar 
dos problemas morais típicos da realidade hospitalar a fim de 
englobar as questões éticas implicadas no cuidado longitudinal, 
característico da clínica ampliada. A inclusão da justiça e da 
responsabilidade sanitárias na reflexão da bioética clínica 
pretende responder à preocupação de não restringir as questões 
éticas ao nível individual do cuidado, mas incluir as dimensões 
coletivas, pois não se pode cuidar de alguém individualmente 
1. Docente associada da Universidade de São Paulo (USP), professora visitante do 
Programa de Doutoramento em Enfermagem da Universidade Católica Portugue-
sa (UCP) e coordenadora da Dupla Titulação para o Doutorado em Enfermagem 
(EEUSP/UCP).
2. Professor de Bioética nos cursos de graduação da área de saúde e professor/
pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade 
do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa 
da Unisinos, líder do grupo de pesquisa CNPq “Bioética e Saúde Coletiva”.
Bioética Clínica56
se não existir, ao mesmo tempo, interesse pelo contexto social 
dessa pessoa, incluindo as possibilidades ofertadas pela RAS de se 
efetivar o direito à saúde (FORTES, 2003; FORTES; ZOBOLI, 2003).
Confrontar a bioética clínica com a justiça sanitária significa 
redirecionar as reflexões sobre justiça, ainda que tomada como 
princípio, para a perspectiva do coletivo e das políticas públicas, 
afastando-se do “hospitalocentrismo” e da especialização que 
marcam o sistema de saúde e a formação dos profissionais. A 
clínica precisa ser eticamente questionada a partir dos princípios e 
diretrizes do SUS: universalidade, integralidade e equidade. Estes 
são referenciais éticos que propiciam discutir o lugar do coletivo 
e o papel da responsabilidade sanitária na bioética clínica. Ao 
refletirmos sobre esta área, precisamos ter como ponto de partida 
não o hospital, mas a APS, que toma a atenção à saúde como uma 
produção corresponsável entre o trabalho coletivo da equipe e o 
usuário. Desse modo, as reflexões acerca da bioética clínica não 
envolvem somente problemas éticos da relação médico-paciente, 
ou melhor, esta relação abre-se em chave de cidadania e justiça 
sanitária. Nessa chave, quando se encontram o profissional de 
saúde e o usuário, entende-se que estão presentes no encontro 
de cuidado dois cidadãos: o que usufrui um bem público por 
direito (usuário) e o que tem a responsabilidade de distribuir e 
promover o acesso a esse bem. Ou seja, compreende-se que é, 
também, nesse encontro intersubjetivo, que se dá o trabalho vivo 
em ato3 da atenção à saúde, e que se efetivam, ganham vida e 
corpo na clínica os princípios e diretrizes norteadores da política 
pública de saúde. Os encontros de cuidado, assim, são vistos 
como espaço corresponsável de produção de saúde que inclui, no 
mínimo, duas pessoas (um usuário e um profissional) iguais em 
dignidade humana e cidadania – por isso, são merecedoras do 
mesmo respeito. O profissional de saúde e o usuário são pessoas 
com biografias e trajetórias de vida distintas e, no processo 
saúde-doença em tela no encontro de cuidado, estão em posições 
3. Na saúde, o “trabalho vivo em ato” é o trabalho humano no exato momento em 
que é executado e que determina a produção do cuidado. A produção na saúde 
realiza-se, sobretudo, por meio desse trabalho (MERHY; FRANCO, 2009).
Conselho Federal de Medicina / Sociedade Brasileira de Bioética 57
e momentos diferentes. Assim, cria-se a necessidade ética de um 
diálogo entre ambos, com base na igual dignidade que têm para 
que seja possível o bem cuidar, o cuidado justo (ZOBOLI, 2009).
Atendendo ao que está determinado na Constituição Federal, 
as políticas públicas de saúde precisam ser responsivas e 
democráticas, pois respeitar o direito à saúde, como definido 
constitucionalmente, supõe mudanças de ordem social e 
econômica, que determinam condições precárias e insalubres de 
vida e trabalho e de ordem jurídica e política para que se deixe 
de perpetuar as desigualdades na distribuição de bens e serviços 
(ARAUJO, 2015; OLIVEIRA, 2015). Então, os recursos precisam se 
alinhar às reais e atuais necessidades de saúde da população, a 
fim de garantir a efetividade do direito à saúde, que perpassa a 
qualidade das ações e serviços. Dessa forma, será “considerado 
inefetivo o direito, se a ação ou o serviço não for realizado 
com qualidade” (OLIVEIRA, 2015, p. 81). Apesar de o sistema de 
saúde brasileiro ser universal, persiste a exclusão, iniquidades e 
o “despertencimento dos mais vulneráveis, acarretando trágicas 
perdas para a cidadania” (Ibid., p. 83). Portanto, para a efetividade 
do direito à saúde, é obrigatória a procura de soluções e o 
fortalecimento de iniciativas para combater a injustiça e a exclusão 
sanitárias

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