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AS DUAS PRINCIPAIS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: REALISMO E LIBERALISMO 
 
Simara Magalhães Pimenta 
 
RESUMO: 
 
 O objetivo deste artigo é apresentar um breve histórico sobre como surgiu e evoluíram as 
duas principais teorias das Relações Internacionais, assim como apresentar os aspectos e os 
argumentos defendidos por essas duas teorias e alguns dos seus principais teóricos. 
 
Introdução 
 
 Embora as relações internacionais existam desde a formação das primeiras unidades políticas, 
a disciplina dedicada exclusivamente a seu estudo é bastante recente, tendo se firmado como 
tal, na segunda metade do século vinte. A História, a economia, o Direito e a Filosofia tiveram 
sua parcela de contribuição para o desenvolvimento desta disciplina. O início do estudo 
acadêmico das Relações Internacionais foi uma tentativa de compreender as causas da 
primeira guerra mundial, entender a razão pela qual os Estados haviam iniciado um conflito 
tão devastador, tal compreensão poderia ser a fórmula para evitar sua reincidência. 
 A concentração dos estudos acadêmicos das Relações Internacionais inicialmente foi na 
Inglaterra e nos Estados Unidos, os dois países assumiram na Conferência de Paz de Paris, o 
compromisso de criar um centro de pesquisa no campo das relações internacionais, foi criado 
na Inglaterra, o Royal Institute of International Affairs, e, nos Estados Unidos, o Council of 
Foreign Relations. 
 Com o desenvolvimento da disciplina foram surgindo as primeiras teorias com o objetivo de 
orientar as relações internacionais. Entre as teorias que fazem parte do corpo da disciplina das 
Relações Internacionais, é possível destacar duas de maior relevância, o realismo e o 
liberalismo. 
 
LIBERALISMO 
 De acordo com MESSARI e NOGUEIRA (2005:58), “o Liberalismo é uma grande 
tradição do pensamento ocidental que deu origem a teorias sobre o lugar do indivíduo na 
sociedade, sobre a natureza do Estado e sobre a legitimidade das instituições do governo.” O 
ponto central do pensamento liberal é a liberdade do indivíduo, a representatividade da voz da 
maioria no governo, através da democracia, o direito à propriedade privada e ao livre 
comércio. Essas ideias dos pensadores liberais como John Locke, Montesquieu, Adam Smith e 
Immanuel Kant passaram a influenciar essa teoria das Relações Internacionais. 
 O principal líder político a praticar o liberalismo nas Relações Internacionais foi o Presidente 
norte-americano Woodrow Wilson, ao final da primeira guerra mundial, na Conferência de 
Versalhes (1919-1920), Wilson apresentou seus famosos “14 Pontos”, nos quais condenava as 
alianças secretas entre os Estados, defendia uma diplomacia regulada pela opinião pública de 
cada país, a promoção da democracia, a autodeterminação dos povos, o livre-comércio e 
terminava com a proposta da criação de uma organização internacional. Para Wilson, uma 
organização internacional com regras comuns de direito internacional aplicada a todos os 
Estados, proporcionaria relações internacionais mais pacíficas. Para o pensamento liberal das 
Relações internacionais a lei que proporciona a ordem interna nos Estados poderia ser 
instaurada entre eles, regulando suas relações. Apesar das possíveis imperfeições, seria 
perfeitamente plausível para o pensamento liberal uma instituição interestatal capaz de zelar 
pela paz por meio de simples apelos as normas do direito internacional e as normas morais. 
 As instituições internacionais, o livre-comércio e a democracia são para a teoria liberal, 
pilares para o desenvolvimento de relações mais cooperativas e amistosas entre os Estados. 
Dessa forma para os teóricos liberais o livre-comércio entre os Estados seria um dos caminhos 
para manter a paz, isso porque a guerra atrapalha a atividade econômica tanto internamente 
quanto externamente. As relações comerciais possibilitariam a criação de laços entre os 
Estados, contribuindo para relações menos agressivas e mais amistosas, culminando assim em 
relações internacionais mais civilizadas e menos propensas a guerra. 
A alegação de que o livre-comércio colabora com a paz entre os Estados é difundida pelos 
teóricos liberais. De acordo com, JACKSON e SORENSEN (2007), 
 
 Norman Angell autor idealista liberal, em 1919, publicou o livro The Great Illusion (A grande 
ilusão), em que a ilusão se refere ao fato de muitos políticos ainda acreditarem que a guerra 
serve para propósitos lucrativos; que seu sucesso é benéfico para o vencedor. Angell 
argumenta que a realidade é exatamente oposta a isso: nos tempos modernos, a conquista 
territorial é bastante custosa e desagregadora politicamente, porque abala severamente o 
comércio internacional. 
 
 Para a teoria liberal, além do comércio, a democracia também proporciona um cenário 
internacional mais pacífico, um mundo menos conflituoso e mais cooperativo. A paz e a 
democracia possuem relação estreita, nações democráticas convivem em harmonia, buscam a 
resolução dos conflitos de forma legal, por intermédio do direito internacional. Sobretudo, nas 
democracias a voz da sociedade tem valor, e para o pensamento liberal a razão do homem o 
leva a escolher aquilo que o proporciona mais vantagens, no caso da paz, sua liberdade, seu 
bem estar e principalmente a sua segurança. 
 A teoria Liberal foi chamada de utópica e idealista pelos teóricos realistas, segundo estes, a 
teoria liberal estava baseada num “deveria ser”, analisando as relações internacionais apenas 
por aspectos morais e acreditando que apenas com democracia, livre-comércio e instituições 
internacionais essas relações trilhariam um caminho pacífico. Mas, com a segunda guerra 
mundial a teoria liberalista das Relações Internacionais sofreu um grande desgaste e seus 
teóricos precisaram rever alguns conceitos, dando uma base mais científica à teoria. De acordo 
com MESSARI e NOGUEIRA (2005), 
 
 O funcionalismo representa a tentativa liberal de fundamentar seus modelos teóricos em um 
método baseado na observação científica da realidade. Já não era possível dizer quais valores 
morais universais formulados racionalmente governavam a evolução das relações entre 
Estados na história moderna. Não era o suficiente afirmar que instituições internacionais bem 
desenhadas e comprometidas com o Direito Internacional promoveriam a cooperação e a paz. 
Também não era mais convincente dizer que o aprofundamento das relações econômicas e 
comerciais entre as nações tenderia a afastar, cada vez mais, o perigo da guerra. Tudo isso 
havia sido desacreditado pela catástrofe da Segunda Guerra Mundial. 
 
 Os teóricos liberais, denominados nesse momento de neoliberais, não abandonaram os 
pontos principais da teoria, só mudaram a abordagem, deixando de lado o idealismo e a utopia 
da teoria liberal clássica. 
 As mudanças no cenário internacional a partir da década de cinquenta como: o aumento da 
integração comercial e financeira entre os Estados; o surgimento de novos atores no cenário 
internacional, as multinacionais; o intenso intercâmbio cultural, “constituiu a base para o 
Liberalismo sociológico, uma tendência do pensamento neoliberal com enfoque no impacto 
das atividades transnacionais em expansão”. Outro aspecto da teoria neoliberal é a 
Interdependência complexa, que segundo KEOHANE e NYE (apud MESSARI e NOGUEIRA, 2005, 
p.84 ), “Na política mundial, a interdependência refere-se a situações caracterizadas por 
efeitos recíprocos entre países ou entre atores em diferentes países.” 
A Interdependência esteve em debate durante quase todo o século vinte, mas nas décadas de 
sessenta e setenta foi aplicada as questões econômicas. De acordo com HALLIDAY (1999, p.28), 
“duas economias são interdependentesquando existe uma relativa igualdade de poder entre 
elas e quando sua interação mútua é tal que cada uma é significativamente vulnerável às ações 
da outra.” O retorno do debate sobre a interdependência na década de setenta, surgiu devido 
aos acontecimentos econômicos que impactaram quase todos os Estados, como a elevação do 
petróleo pela OPEP e a queda do dólar. A abordagem da interdependência nos anos setenta se 
baseava em três pilares, 
 
O Estado estava perdendo a sua posição dominante nas relações internacionais para atores e 
forças não estatais, como as corporações multinacionais; que não mais existia uma hierarquia 
de questões internacionais, com os assuntos militares e estratégicos, a high politics, no topo, e 
as questões econômicas e de bem-estar, a low politics, mais abaixo; e que o poder militar 
estava perdendo sua importância nas relações internacionais. KEOHANE e NYE (apud Halliday, 
1999, p,28). 
 
 O desenvolvimento da teoria neoliberal ocorreu principalmente na década de setenta, em 
meio à distensão das relações entre União Soviética e Estados Unidos, entretanto, na década 
de oitenta, o endurecimento dessa relação anunciou o fim da interdependência. Enquanto na 
década de setenta previa-se que o Estado ficaria obsoleto e que haveria um declínio no uso da 
força militar, na década de oitenta foi a relevância das organizações internacionais como 
atores no cenário internacional que foi colocada em dúvida. 
 
REALISMO 
 
Nas Relações Internacionais, o Realismo é a abordagem mais associada ao pensamento político, 
pois o núcleo de todo seu programa teórico é o Estado, ou, mais especificamente, o papel 
preponderante desse ator no palco em que se travam as relações internacionais. 
Inicialmente, os teóricos realistas buscaram pensadores como Tucídides, Maquiavel e Hobbes, 
e adaptaram alguns de seus princípios à teoria realista. A influência de Tucídides está 
relacionada à falta de um poder soberano e legítimo, portanto existe uma anarquia 
internacional e prevalece sempre o interesse do Estado mais forte. O mesmo conceito de 
anarquia internacional de Tucídides prevalece em Hobbes, o estado de natureza hobbesiano 
equivale ao estado de anarquia internacional. Na obra de Maquiavel, O Príncipe, o autor tem 
uma visão negativa sobre o homem e baseado nessa visão ele define a política. Na sua 
concepção o homem possui uma natureza essencialmente egoísta e as consequências dessa 
natureza ficam claras em momentos de lutas políticas, seu único objetivo é aumenta o seu 
poder. Para os teóricos realistas o homem de Maquiavel pode ser visto como o Estado, 
atribuindo as mesmas características a ambos, assim quando o objetivo final é adquirir poder, 
as relações entre os Estados ocorrem da mesma maneira das relações entre os homens de 
Maquiavel. Na disputa entre os homens, o meio para adquirir o poder é a violência, assim 
como entre os Estados é a guerra. 
Na visão realista o Estado é o único ator no cenário internacional, sendo que os Estados vivem 
num contexto de anarquia internacional, pois nenhum Estado abre mão da sua soberania em 
favor do outro, o objetivo principal é a busca pelo poder, pois somente o poder garante a sua 
sobrevivência. 
Na década de trinta, a teoria liberal começou a ser chamada de utópica e idealista, pois ao 
invés da democracia regimes autoritários aumentavam na Europa e a Liga das Nações, a 
organização internacional criada para manter a paz, faliu no seu propósito. Um dos teóricos 
liberais que denominou de utópica a teoria liberal foi E.H. Carr em seu livro Vinte anos de crise. 
Segundo JACKSON e SORENSEN (2007), 
 
Carr argumenta que os pensadores liberais de RI interpretaram totalmente errado os fatos da 
história e não entenderam a natureza das relações internacionais- equivocadamente, os 
liberais acreditaram que tais relações poderiam ter por base uma harmonia de interesses entre 
países e pessoas. Segundo Carr, o ponto de partida correto seria o oposto: deveríamos assumir 
que há intensos conflitos de interesses tanto entre países e como entre pessoas. Algumas 
pessoas e alguns Estados estão em melhor situação do que os outros, e tentarão preservar e 
defender suas posições privilegiadas. Já os perdedores, sem nada, lutarão para mudar essa 
situação. 
 
A segunda guerra mundial alguns anos mais tarde, parece confirmar a afirmação de Carr, a 
intenção da Alemanhã, Japão e Itália era adquirir por meio da força o poder e o status quo de 
países como França, Inglaterra e Estados Unidos. 
Outro teórico realista de grande destaque é o alemão Hans J. Morgenthau, seu livro Política 
entre as nações: a luta pelo poder e pela paz (1948) teve grande influência nas Relações 
internacionais. Para Morgenthau o Estado age como o homem que busca atingir seus 
interesses, o que geralmente ocasiona choques de interesses e consequentemente os conflitos. 
Esses conflitos são inevitáveis nas relações internacionais, por mais que existam períodos de 
paz. Os realistas acreditam que a força militar tem mais preponderância na manutenção da paz, 
e que uma maneira de regular os conflitos era o equilíbrio de poder, a força de um país seria 
compensado pelo aumento da força ou a aliança de outros. 
A teoria realista predominou nas relações internacionais durante várias décadas após a 
segunda guerra mundial, somente na década de setenta que esse domínio foi desafiado pelo 
neoliberalismo e pelas mudanças ocorridas no cenário internacional. 
Mas o teórico realista Kenneth Waltz, em seu livro Teoria da política internacional (1979), 
apresenta uma reformulação da teoria realista, no neo-realismo, Waltz procura dar uma base 
científica a teoria. Segundo JACKSON e SORENSEN (2007), 
 
O foco de Waltz está na estrutura do sistema internacional e em suas consequências para as 
relações internacionais. Para o teórico, o conceito de estrutura é definido da seguinte forma: 
primeiro o autor percebe que o sistema internacional é uma anarquia; não existe um governo 
mundial. Em seguida, o sistema internacional é composto de unidades semelhantes: cada 
Estado, independentemente do tamanho, precisa realizar uma série similar de funções 
governamentais como a defesa nacional, a cobrança de impostos e a regulamentação 
econômica. No entanto, há um aspecto no qual os Estados são diferentes e, muitas vezes, 
divergem bastante: o poder, que Waltz chama de capacidades relativas. As relações 
internacionais são, portanto, uma anarquia composta de Estados, que variam somente em um 
aspecto importante: o poder relativo. E de acordo com Waltz, a anarquia tende a perdurar, 
porque os Estados desejam preservar sua autonomia. 
 
A reafirmação do realismo através do neo-realismo considerou a relevância que as questões 
econômicas possuíam na década de setenta, mas reassegurou a prioridade do Estado e das 
questões militares na sua tese central. Para os realistas, as atividades comerciais e financeiras, 
dependiam da segurança e regulação que somente o Estado poderia proporcionar. No 
contexto internacional da década de oitenta, guerras entre democracia não era muito provável, 
mas o acirramento das disputas no campo comercial corroborava a tese realista dos Estados 
egoístas, preocupados somente com seus próprios interesses e sempre em busca do aumento 
do seu poder. 
 
CONCLUSÃO 
 A intenção desse artigo era apresentar de forma resumida aspectos importantes das teorias 
liberalista e realista, mostrando que no decorrer do desenvolvimento acadêmico das duas 
teorias houve intenso debate entre ambas. Um desses grandes debates ocorreu nos anos 
trinta, e as transformações ocorridas após as duas grandes guerrasratificavam o pensamento 
realista. 
 Na década de oitenta as teorias neo-realista e neoliberal chegaram a um consenso com 
relação a preponderância do Estado como ator e a tese da anarquia internacional, mas os 
neoliberais continuavam convictos da capacidade das organizações interestatais de promover 
cooperação entre os Estados nesse cenário de anarquia. 
 As duas teorias, a partir de diferentes conceitos sobre o homem e sociedade, construíram 
diferentes padrões de funcionamento das relações entre os Estados. 
 
REFERÊNCIAS BILBLIOGRÁFICAS 
 
JACKSON, Robert & SORENSEN, Georg. Introdução às Relações Internacionais. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar Editor, 2007. 
MESSARI, Nizar & NOGUEIRA, João Pontes. Teoria das Relações Internacionais. Rio de Janeiro: 
Elsevier, 2005. 
HALLIDAY, Fred. Repensando as Relações Internacionais. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1999. 
 
 
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[ 1 ]. Aluna do curso de Pós-Graduação Relações Internacionais.

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