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SALMOS DE SUPLICA OU LAMENTAÇÃO

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FACULDADE CATÓLICA DE POUSO ALEGRE 
 
BRUNO DOS SANTOS MOREIRA 
DOUGLAS HILÁRIO VIEIRA 
EDSON CASSIANO LOPES 
EZEQUIEL MESSIAS SILVA 
LEANDRO GOMES PORTUGAL 
PAULO CÉSAR TEIXEIRA 
VINÍCIOS FONSÊCA COSTA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
OS SALMOS DO GÊNERO 
“LAMENTAÇÕES OU “SÚPLICAS” 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
POUSO ALEGRE – MG 
2018 
1 
 
FACULDADE CATÓLICA DE POUSO ALEGRE 
 
BRUNO DOS SANTOS MOREIRA 
DOUGLAS HILÁRIO VIEIRA 
EDSON CASSIANO LOPES 
EZEQUIEL MESSIAS SILVA 
LEANDRO GOMES PORTUGAL 
PAULO CÉSAR TEIXEIRA 
VINÍCIOS FONSÊCA COSTA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
OS SALMOS DO GÊNERO 
“LAMENTAÇÕES OU “SÚPLICAS” 
 
 
Trabalho apresentado como requisito para 
obtenção de créditos junto à disciplina de 
Literatura Sapiencial, do Curso de Teologia, 
da Faculdade Católica de Pouso Alegre. Sob 
orientação do Prof. Dr. Pe. Dirlei Abercio da 
Rosa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
POUSO ALEGRE – MG 
2018 
2 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 03 
 
1 SÚPLICA INDIVIDUAL.................................................................................... 03 
1.1 SALMOS QUE COMPÕEM ESTE GRUPO.................................................... 04 
 
2 SÚPLICA COMUNITÁRIA.............................................................................. 05 
 
3 SALMOS PENITENCIAIS................................................................................ 06 
 
4 LEITURA, INTERPRETAÇÃO E PARTICULARIDADES DE ALGUNS 
SALMOS.................................................................................................................. 
 
07 
 
SALTÉRIO DOS CRISTÃOS.............................................................................. 11 
 
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 12 
 
3 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 Ao descrever os gêneros sálmicos, Asensio (1997, p. 288) faz algumas precisões de 
terminologia e de estrutura. Segundo o autor, o termo “lamentação”, frequentemente usado 
para caracterizar esse grupo de salmos, pode induzir a equívocos, pois não existem 
lamentações propriamente ditas no Saltério. É possível reconhecer que há poemas com um 
dúplice eixo: descrição de sofrimento e pedido de ajuda. Todavia, eles não correspondem aos 
critérios do gênero “lamentação”, ligados aos “cantos funerários”, nos quais encontra sua 
origem, a saber: expressões de dor e pranto; descrição da catástrofe; referência à situação 
favorável anterior; convite ao luto; queixa suavizada. São abundantes as citações de genuína 
lamentação no Antigo Testamento, especialmente nos contextos de guerras devastadoras. Os 
exemplos análogos do Saltério não deixam transparecer geralmente situações de infelicidade 
ou destruição irreversíveis, mas apenas voltadas para ela. Apesar de sua ausência no saltério, 
o gênero “lamentação” deixou nele seu vestígio (cf. Sl 35; 44, 74). 
 Stadelmann (1983, p. 16) considera que estes salmos têm por tema o perigo da vida, a 
opressão do inimigo, ou outra circunstância pessoal de aflição. Consciente de sua fragilidade, 
o homem religioso busca a mão poderosa de Deus para libertá-lo da angústia, pois sua justiça 
sabe punir o pecado, mas sua misericórdia sabe socorrer o penitente. Não está no horizonte do 
salmista a eterna bem-aventurança, mas uma vida longa na presença do Senhor. Para todos os 
efeitos, após uma precisão terminológica-estrutural e breve panorama geral, trabalharemos 
três categorias deste gênero: súplica individual, súplica comunitária e salmos penitenciais. 
 
1. SÚPLICA INDIVIDUAL 
 
Esse tipo de prece corresponde à necessidade de ajuda divina que sente a pessoa 
vítima de uma infelicidade ou de enfermidade grave. Javé não só é consultado, mas reclamado 
como único recurso para superar a desventura. Gunkel apresenta elementos detalhados das 
formas e dos motivos da súplica individual: 
 
a) Invocação do nome divino, que pode ser seguido de um pedido de ajuda, ou 
manifestação da confiança, na qual o orante declara o que Javé significa para ele. 
4 
 
b) O início do corpo do salmo pode incluir transição literária, na qual o salmista declara 
que quer derramar sua alma perante Javé. A súplica dita prolonga-se na descrição do 
sofrimento. 
c) Elemento importante é a confissão dos pecados ou afirmação de inocência; o orante 
pretende revisar sua vida passada, reconhecendo que sempre está na presença de Deus 
onisciente. 
d) Como o salmista quer recuperar a antiga relação com Javé, multiplica expressões de 
confiança nele. 
e) A petição de ajuda dirigida a Javé constitui o elemento central da súplica, junto a 
imprecação contra os inimigos. 
f) A imprecação contra o inimigo. 
g) A segurança da resposta divina – parece fazer referência a um oráculo venturoso ou de 
salvação prévio. 
h) A segurança do fiel na ajuda de Javé. 
i) Elementos hínicos e bênçãos pode dar por conclusão o salmo. 
 
 
1.1 SALMOS QUE COMPÕEM ESTE GRUPO 
 
a) Súplica individual: Sl 5, 6, 7, 10, 13, 17, 22, 25, 26, 28, 31, 35, 36, 38, 39, 42, 43, 51, 
54, 55, 56, 57, 59, 61, 63, 64, 69, 70, 71, 86, 88, 102, 109, 120, 130, 140, 141, 142 e 
143. Total (39) 
b) Ação de graças individual: Sl 9, 30, 32, 34, 40, 41, 92, 107, 116 e 138 Total (10) 
c) Confiança individual: Sl 3, 4, 11, 16, 23, 27, 62, 121 e 131 Total (9) 
 
Os salmos de súplica individual são os mais numerosos. Nesses salmos, uma pessoa 
suplica a Javé, em tom de clamor, quase sempre por causa da injustiça e de mil formas de 
opressão. Essas preces são particularmente numerosas e seu conteúdo é muito variado. 
Devemos rezá-los nas necessidades pessoais: diante de uma fragilidade física, das injustiças 
sofridas, da perda da esperança, do desemprego, das incompreensões, doenças, etc. 
Deste grupo de salmos, dois podem ser destacados: o 22 e 130. O primeiro rezamos 
nos momentos em que nos sentimos pessoalmente como que abandonados, até mesmo por 
Deus, como rezou Cristo na cruz. Já o salmo 130 podemos rezar em situações de profunda 
amargura, por exemplo, quando nos sentimos infinitamente distantes de Deus, principalmente 
5 
 
numa vida encharcada no pecado. “Clamar das profundezas”, como diz o salmo. Outra 
observação: às vezes um salmo de súplica individual na verdade é de súplica coletiva. É o 
caso do Salmo 77. Nele uma pessoa clama a Deus, em nome do povo, diante de um mal geral, 
como uma epidemia, uma catástrofe natural, uma guerra, etc. 
Já nos salmos de ação de graças individual, percebe-se que uma pessoa, após ter 
suplicado e ter sido atendida, apresenta a Deus a sua ação de graças. Às vezes, porém, a ação 
de graças vem logo depois do pedido, deixando transparecer que o salmista agradece antes 
mesmo de ser atendido, dada a sua forte esperança em Javé. Mas, como se vê, os que 
agradecem são menos numerosos que os que suplicam. Podemos rezá-los na superação de 
toda necessidade pessoal, reconhecendo o amor de Deus por nós, em pura gratuidade. 
Também rezá-los pelo dom da vida, agradecendo na verdade todos os dons de Deus. 
 Nos salmos de confiança individual, o salmista coloca em Deus sua inteira confiança. 
São salmos que devemos rezar quando queremos manifestar a nossa fé no meio das lutas, a 
nossa confiança no Deus amoroso e providente e certeza de que Deus nunca nos abandona. 
Ainda que haja nos salmos que compõem este grupo preces iniciadas com o pronome“nós”, 
eles devem ser lidos e interpretados como feitos individualmente. 
 
2. SÚPLICA COMUNITÁRIA 
 
Os salmos que compõem este grupo surgiram a partir do enfrentamento de uma crise 
de fé da nação ou da comunidade em período de guerra, fome, peste ou seca – Sl 43 (44); 73 
(74); 78 (79), 79 (80); 88 (89), de modo especial, após a derrota militar de 587 a.C. e a queda 
de Jerusalém. A lamentação era formulada em três sentidos: sobre as ciladas do inimigo, a 
aflição do homem oprimido, e a ausência de Deus; súplicas por intervenção divina, pedindo 
que Deus escute, salve e castigue; motivos de atuação de Deus; ato de confiança, pedindo ou 
promessa de louvor (Sl 12, 14, 44, 58, 60, 74, 77, 79, 80, 83, 85, 90, 94, 108, 123, 137). O 
clima que predominava era o de jejum, que era proclamado com antecedência (Jz 20, 26-28; 
21, 2-3; Is 58, 3-5; Jr 14, 2; Ne 9,1) e também expresso pelos gestos de bater no peito, rasgar 
as vestes, raspar a cabeça, vestir-se com sacos, cobrir-se de cinzas e outras manifestações de 
dor ou consternação, expressivas da miséria na qual o povo havia caído. Também eram 
exigidos a abstinência sexual e a paralisação de todas as atividades civis. As súplicas eram 
cantadas por coros, sacerdotes e toda a assembleia, no ápice de uma cerimônia. 
 
 
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3. SALMOS PENITENCIAIS 
 
Dos salmos individuais de súplica, confiança ou ação de graças, que são claramente os 
mais numerosos de todos, revelando bem a atenção à experiência e aos problemas pessoais da 
fé, no âmbito da liturgia do povo, costumam ser designados como salmos penitenciais os 
salmos 6, 31, 37, 50, 101, 129 e 142, dado o seu espírito e o uso litúrgico tradicional. 
Estes salmos possuem, mais que os demais, sentimentos de penitência, com os quais o 
salmista comprova a gravidade do seu pecado e roga a Deus o perdão imerecido. Vê-se 
claramente nestes sete salmos a Majestade Divina que é insultada com a torpeza do pecado. E 
pari passu a isto verifica-se o verdadeiro exemplo do salmista, que se arrepende inteiramente 
da má ação cometida, implorando a Deus indulgência para com os seus delitos. A partir desta 
atitude de contrição, nasce uma outra súplica: a de que Deus aplaque a sua santa ira, e 
considerando a infinita bondade divina, roga o salmista que Deus abrande o castigo. 
Pode-se apresentar uma estrutura comum aos salmos penitenciais, ainda que não se 
encontre em todos, não obstante a repetição aponta um padrão: confissão e petição. O salmista 
é enfático em suas confissões, seu pecado é sua morte, ele se refere a debilitar-se fisicamente, 
a ausência de paz de espírito, a proliferação dos inimigos externos, o isolamento total da 
presença de Deus. Mas ao mesmo tempo admite que Deus é justo: ainda que esteja sofrendo 
tremendamente, ele reconhece que isso é merecido; e também confessa a amorosa bondade de 
Deus. Depois de confessar seu pecado, a justiça e o amor de Deus, o salmista faz o seguinte 
pedido: “Lavai-me do pecado”, se é o pecado o que o afasta de Deus, ele deseja que seja 
removido. Tal desejo vem somente depois de ele confessar claramente e tristemente o que fez 
de errado. O perdão não é conseguido onde não tenha sido buscado. 
Desde tempos imemoriais, adotou a Igreja a estes salmos para utilizá-los como uma 
“fonte penitencial”: por meio deles incutir nos fiéis o verdadeiro espírito do arrependimento 
dos pecados e, deste modo, fazer com que todos se penitenciem das suas faltas. O resultado é 
que esses salmos figuram em vários momentos da vida da Igreja, seja no Ofício Divino, seja 
na Sagrada Liturgia. Orígenes afirmava que o motivo que levou a Igreja a eleger sete salmos 
penitenciais equivalia a sete modos pelos quais se adquire o perdão dos pecados, que seriam: 
por meio do batismo, do martírio, pelas esmolas, perdoando os pecados alheios, convertendo 
o próximo, pela efusão da caridade e, por fim, pela própria penitência. 
 
 
 
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4. LEITURA, INTERPRETAÇÃO E PARTICULARIDADES DE ALGUNS SALMOS 
 
a) Salmo 5 - Oração da manhã 
 
1 [Ao maestro do coro. Com flautas. Salmo de Davi.] 
2 Escuta, Senhor, as minhas palavras, atende a meu clamor; 
3 fica atento à voz da minha prece, meu Rei e meu Deus. 
4 Pois a ti suplico, Senhor, já de manhã ouves a minha voz, bem cedo te invoco e 
fico esperando. 
5 Pois não és um Deus que gosta da maldade; o mau não encontra em ti acolhida; 
6 os insolentes não aguentam ficar na tua presença. 
7 Odeias todos os que fazem o mal, destróis os que falam mentira. O Senhor 
abomina quem derrama sangue ou comete fraude. 
8 Eu, porém, confiado na tua grande piedade entro em tua casa, me prostro diante 
do teu santo templo no teu temor. 
9 Senhor, guia-me na tua justiça, por causa dos meus inimigos aplana à minha 
frente teu caminho. 
10 Pois não existe na boca deles sinceridade, seu coração é perverso, sua garganta 
é um sepulcro aberto, usam a língua para adular. 
11 Castiga-os, ó Deus! que fracassem seus planos, em razão de seus muitos crimes 
rejeita-os, já que se revoltam contra ti. 
12 Mas que se alegrem todos os que em ti se refugiam, exultem para sempre; Tu os 
proteges e em ti se rejubilem os que amam o teu nome. 
13 Pois abençoas o justo, ó Senhor; como um escudo o cobre tua bondade. 
 
Comentário: 
vv.2-4. Invocação e súplica. A invocação de Deus vem acompanhada de insistente súplica, 
que a liturgia matinal no templo inclui na oração dos fiéis. 
vv.5-7. Ato de confiança do homem de fé. Baseia-se no testemunho de sua consciência: não 
há incompatibilidade entre ele e o Deus santo, que odeia o mal e há de destruir os malfeitores. 
v.8. Testemunho de inocência baseado não nos méritos humanos, mas na misericórdia divina. 
vv.9-10. Lamentação. A situação opressiva, descrita na lamentação, suscita a súplica por 
orientação divina. 
vv.11-13. Pedido. Pede-se para os inimigos o castigo merecido por seus crimes e sua rebeldia 
contra Deus; para a comunidade dos fiéis, a proteção divina. O nome divino representa o 
próprio ser pessoal de Deus e indica também seu aspecto invocativo. 
Conclusão. A benção repete o tema fundamental do salmo. 
 
b) Salmo 109 - Na tua bondade, salva-me, Senhor! 
 
1 [Ao maestro do coro. Salmo de Davi.] Deus do meu louvor, não fiques mudo. 
2 Pois abrem contra mim uma boca malvada e pérfida. Falam-me com língua 
mentirosa; 
3 com palavras de ódio me rodeiam, sem motivo combatem contra mim. 
4 Em troca de minha afeição, me caluniam, enquanto eu fico rezando. 
8 
 
5 Pagam-me o bem com o mal e o amor com ódio. 
6 Seja instaurado contra ele o processo, que o acusador fique à sua direita. 
7 Quando for julgado, que saia condenado, e que seu apelo resulte em condenação. 
8 Que seus dias sejam abreviados, que um outro assuma seu ofício. 
9 Que seus filhos fiquem órfãos, viúva sua esposa. 
10 Que seus filhos sejam errantes e mendigos, sejam expulsos de suas casas em 
ruínas. 
11 Que o credor lhe tome todos os bens, e que os estrangeiros roubem o fruto do seu 
trabalho. 
12 Que ninguém lhe demonstre compaixão, que ninguém tenha dó de seus órfãos. 
13 Que sejam exterminados seus descendentes e que seu nome desapareça na 
próxima geração. 
14 Que o Senhor se lembre da culpa de seus pais, e que o pecado de sua mãe jamais 
seja apagado. 
15 Que sempre estejam diante do Senhor, e que ele retire da terra sua memória. 
16 Porque não se lembrou de exercer a misericórdia, mas perseguiu o pobre e o 
indigente e o homem de coração ferido para matá-los. 
17 Ele amava a maldição: que ela venha sobre ele. Não gostava de bênção: que se 
afaste dele. 
18 Revestiu-se de maldade como de um manto; que ela entre nele como água, e nos 
seus ossos como óleo. 
19 Que ela lhe seja como veste que o cobre, e comoum cinto que o aperte sempre. 
20 Seja esta da parte do Senhor a recompensa de quem me acusa e dos que falam 
mal de mim. 
21 Mas tu, Senhor Deus, trata-me pelo amor do teu nome; liberta-me conforme a 
ternura da tua bondade. 
22 Pois sou pobre e indigente e meu coração está ferido dentro de mim. 
23 Como sombra que se alonga, eu vou indo; atirado para longe como gafanhoto. 
24 Por causa do jejum meus joelhos vacilam, meu corpo emagreceu, descarnado. 
25 Tornei-me para eles alvo de insulto; vendo-me, meneiam a cabeça. 
26 Socorre-me, Senhor, meu Deus; salva-me segundo tua bondade. 
27 E que eles saibam que foi tua mão, que foste tu, Senhor, que o fizeste. 
sua justiça dura para sempre. 
28 Que eles maldigam, mas tu abençoas. Que meus adversários fiquem 
envergonhados, mas que se alegre o teu servo. 
29 Os que me acusam sejam revestidos de ignomínia e recobertos com sua vergonha 
como um manto. 
30 Com minha boca darei muitas graças ao Senhor, e eu o louvarei no meio da 
multidão; 
31 pois ele se mantém à direita do pobre para salvá-lo dos que o condenam. 
 
 
As súplicas são a prece de Israel, mas não em qualquer ocasião. Diante disso, o salmo 
109 é certamente uma súplica, mas de forma particular. Esse salmo abrange uma longa parte 
central (v.2b-29)1 entre um preâmbulo (v.1-2a) e uma conclusão (v.30-31) particularmente 
curtos. No entanto, essa oração pessoal de súplica (Sl 109) tem como plano de fundo um fiel 
inocente que enfrenta falsa acusação2 (ideia principal do salmo, que aparece nos versículos 4 e 
6, depois no v.20, na conclusão da parte 16-20 e v.29; conclusão da parte central) de amigos 
bem próximos. Diante da tamanha traição, calúnia e maldade, o justo emprega linguagem 
 
1 O corpo do salmo divide-se em duas partes: a exposição do caso (v.2b-15) e a reação do salmista (v.16-26). A 
exposição do caso é feita de dois modos: anunciam-se as maldições de que o salmista é objeto (v.2b-5), depois 
elas são citadas no discurso direto (v.6-15). 
2 O verbo acusar vem da mesma raiz que o substantivo satã. 
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violenta e vingativa, para amaldiçoar os inimigos (v.6-15). O motivo da vingança é um 
profundo sentimento de justiça (v.16). Traído por gente de inteira confiança e fazendo a 
experiência de profunda solidão, só resta ao justo recorrer à ternura e ao amor de Javé (v.21). 
Há quem fique chocado com esse salmo e não possa fazer dele sua oração, mas antes 
de condenar o salmista, é preciso compreender o salmo: 
 
1ª PARTE: referem às palavras pronunciadas contra o salmista. 
(O acusado é Israel e seu acusador é Satã). 
 
vv.6-7: referem as palavras pronunciadas contra o salmista. Uma singularidade salta aos 
olhos: esses acusadores não acusam, mas exigem. Exige que as condições normais sejam 
radicalmente invertidas: que o defensor (que fica à direita), seja de fato um acusador (um 
satã), que o juiz seja o ímpio e que esse ímpio leve a audácia até o ponto de condenar o 
salmista por impiedade! Esses versículos produzem talvez menos efeito que os seguintes. 
Com efeito, esses desejos são espantosos! Felizmente, não serão ouvidos e será Deus quem 
vai defender o salmista (v.31). 
vv.8-9: precisam a pena solicitada: a morte de quem o condena. 
vv.10-11: pedido de justiça, que nada sobre do condenado. 
vv.12-13: insistência na descendência (órfãos), espoliados, nome extinto. 
vv. 14-15: que ele caia no esquecimento. 
 
2ª PARTE: a reação do salmista 
 
vv.16-20: pela boca do salmista, é Israel que fala. O salmista diz algo de muito natural: deseja 
que apareça claramente o que Satã é na realidade: maldição. Que esse acusador não possa 
mais hipocritamente transformar-se em defensor. 
vv.21-27: o salmista reza por si mesmo; solicita aquele amor do qual Satã quisera que fosse 
privado. 
vv.22-25: apresentam um fenômeno de sobredeterminação: ao personagem de acusado se 
substitui ou se acrescenta o de penitente (a dimensão cultual- celebração penitencial). Um 
penitente que abstém de óleo, isto é, de festas, faz jejum. O salmista proclama-se inocente e 
faz recair a culpabilidade sobre seus acusadores (Seu Acusador). Ele rejeita o mal. Isso tem 
semelhança com o rito do bode expiatório, rito que exprimia simbolicamente a ruptura com o 
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pecado. Aqui também amaldiçoando aquele que já é maldição, o penitente não se liberta dos 
seus pecados, que só Deus pode perdoar: exprime com rigor sua recusa de pactuar com o mal. 
vv 28-29: resumem a reação do salmista e agora se tornam facilmente compreensíveis. 
 
CONCLUSÃO (vv. 30-31) 
 
 Pode louvar e celebrar a Deus, o defensor do pobre. Com isso, chega-se a alguns 
pontos conclusivos: 
 
▪ As maldições fazem parte de uma celebração penitencial (pode-se constatá-lo no 
tocante aos salmos 69, 102 e 137). Esses salmos indicam que não se abre ao um 
escoadouro à violência e ao ressentimento, pois o mal que ataca se acha primeiro na 
pessoa. 
▪ Os salmos de imprecação nos levam a tomar consciência da nocividade do mal e da 
aspereza da guerra escatológica. 
▪ Não é contra pessoas humanas que essas imprecações são lançadas, mas contra o 
próprio mal. 
 
 
c) Salmo 123 
 
1 [Cântico das romarias.] Para ti levanto os olhos, para ti que habitas nos céus. 
2 Sim, como os olhos dos escravos olham para a mão dos seus patrões; como os 
olhos da escrava olham para a mão da sua patroa, assim nossos olhos estão 
voltados para o Senhor nosso Deus, até que tenha piedade de nós. 
3 Piedade de nós, Senhor, piedade, pois estamos saturados de insultos; 
4 estamos saturados das zombarias dos abastados, do desprezo dos orgulhosos. 
 
Para melhor compreender os salmos de súplicas coletivas, a análise do salmo 123 nos 
ajudará a compreender esse estudo. O salmo 123 exprime a confiança coletiva no auxílio de 
Deus e exprime a expectativa da intervenção divina em favor da nação, sob o peso dos 
impostos e exposta aos insultos de homens prepotentes. Os versículos 1-2 expressam na forma 
de metáfora elaborada a submissão do homem à divina majestade, mesmo em situações 
aflitivas, e implora o auxílio do Deus salvador, visto como última instância possível para 
conceder a salvação. Na prece do homem aflito, reflete a situação do povo eleito, reduzido à 
dura servidão por condições econômicas opressivas e pela prepotência dos poderosos. Ao 
11 
 
invés de alimentar sentimentos de revolta, o homem de fé apela para a relação de dependência 
religiosa que vincula o povo com Deus, confiando na solicitude Dele. Os versículos 3-4 
expressam a prece da comunidade de fieis. No santuário, os fiéis retomam esse apelo e 
invocam o auxílio da misericórdia divina, na esperança de que Deus não permitirá que 
prevaleçam, por mais tempo, os ímpios. 
 
5. SALTÉRIO DOS CRISTÃOS 
 
O Saltério é utilizado desde os judeus até os cristãos hoje. Ambos leem ou cantam os 
salmos. Por outro lado, o modo de compreender os salmos não é o mesmo entre a comunidade 
judaica e a cristã. “Os cristãos lêem os salmos referindo-se a Jesus Cristo. E vêem nos salmos 
‘a própria oração de Cristo e também a expressão da oração dirigida a Cristo’” 
(MONLOUBOU, 1996. pág. 87). 
Algo bastante pertinente é a relação entre Jesus e os salmos: 
 
A passagem de Lucas (...) “‘Era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito 
sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’. Então abriu-lhes a mente 
para que entendessem as Escrituras, e disse-lhes: ‘Assim está escrito que o Cristo 
devia sofrer e ressuscitar dos mortos ao terceiro dia...” (24,44-46), dá a entender que 
a leitura cristológica dos salmos, a utilização dos salmos para compreender e 
explicar Jesus, remontam muito atrásna história da Igreja, até Jesus 
(MONLOUBOU, 1996. pág. 88). 
 
 Cabe ressaltar que não se sabe afirmar ou negar se Jesus realmente referiu-se aos 
salmos. O que sabemos é o que nos chega por meio dos Evangelhos. O que chega até nós com 
segurança é que os primeiros discípulos de Jesus se serviram dos salmos para exprimir a nova 
fé. Os Padres da Igreja compreendem que os salmos devem ser compreendidos à luz da fé na 
vinda de Cristo. 
 Santo Agostinho é considerado a testemunha mais celebre da exegese cristológica dos 
salmos. “Ele resolve com um senso teológico muito profundo a dificuldade hermenêutica 
proveniente do fato de certas frases sálmicas não poderem ser atribuídas a Cristo, filho de 
Deus, de modo apropriado. Se essas palavras não podem vir da pessoa de Cristo, provêm do 
seu Corpo” (MONLOUBOU, 1996. p. 95). 
 É preciso evidenciar o que se precisa antes de tudo, para melhor compreender o 
saltério, que “uma compreensão melhor do Evangelho faz descobrir uma significação mais 
rica nas fórmulas sálmicas. A frequentação dos salmos conduz a uma assimilação melhor do 
Evangelho” (MONLOUBOU, 1996. p. 99). 
12 
 
 Os escritores do período patrístico sabiam do enriquecimento proporcionado pela 
leitura dos salmos junto ao Novo Testamento. As obras escritas e as pregações proferidas 
estavam inspiradas nessa perspectiva ensinado pelos autores do Novo Testamento (cf. 
MONLOUBOU, 1996. p. 99). 
Por fim, “aprender toda a riqueza do saltério, graças ao conhecimento do Evangelho... 
Abrir-se a toda a riqueza do Evangelho, graças à leitura do saltério, tal é o fundamento último 
da leitura dos salmos na Igreja, da existência e do uso do ‘saltério cristão’” (MONLOUBOU, 
1996. p. 99). 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
 
ASENSIO, Víctor Morla. Livros sapienciais e outros escritos. Trad. Mário Gonçalves. São 
Paulo: AM Edições, 1997. 
 
Bíblia Sagrada Ave Maria. Edição de Estudos. Direção de Marcos Antônio Mendes, CMF. 
São Paulo, SP: Editora Ave Maria, 2016. 
 
MANNATI, M. Para rezar com os salmos. São Paulo, SP: Paulinas, 1981. p.20-27. 
 
MONLOUBOU, L. Os salmos e os outros escritos. Tradução Benôni Lemos. São Paulo: 
Paulus, 1996. 
 
STADELMANN, Luís I. J. Os salmos: estrutura, conteúdo e mensagem. Petrópolis: Vozes, 
1983.

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