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1 Edição 59 - 2010 http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/59/cuidados-com-o- cuidador-a-continua-exposicao-ao-estresse-decorrente-191392-1.asp A contínua exposição ao estresse decorrente da prática profissional, além da constante e imperiosa necessidade de repressão dos próprios sentimentos, favorecem a vulnerabilidade do profissional de Saúde Cuidados com o cuidador Por Cristiane Wener Alasmar, Daniela Achette e Fernanda Rizzo di Lione O estresse é uma das características da prática profissional relacionada ao cuidado com a saúde. Isso acontece porque a disponibilização do cuidador para com o alvo do cuidado, o paciente, desvia seu pensamento e seu tempo do cuidar também de si próprio. Como consequência, temos como distúrbios emocionais mais frequentes o uso abusivo de substâncias, como álcool e drogas; questões relacionadas a conflitos existenciais (dificuldades afetivas, divórcios); dúvidas em relação à escolha profissional; quadros psicopatológicos, sendo os mais comuns os distúrbios de humor, além de uma síndrome muito observada em profissionais de saúde decorrente da necessidade de uma interação paciente-profissional intensa e/ou prolongada que foi definida como Síndrome de Burn-out. Essa síndrome é definida como o processo latente de erosão psicológica, decorrente de uma exposição por longos períodos a um tipo específico de estresse (LEE & ASHFORTH 1996; MANASSERO e cols., 1995). Em nosso cotidiano, vivenciamos a experiência do cuidado. Seja em família, com amigos ou em nossa profissão, o cuidado pressupõe que sempre haja no mínimo dois 2 participantes: quem cuida e quem é cuidado, muito embora, de modos diferentes, ambos sejam afetados por esta experiência. O profissional de saúde experimenta o cuidar de forma amplificada, pois mesmo não estando no seu local de trabalho, nem mesmo no seu horário de trabalho, não deixa de ser visto como profissional capaz de cuidar dos outros. "A disponibilização do cuidador para com o paciente desvia seu pensamento e seu tempo do cuidar também de si próprio" Todos ao seu redor a ele recorrem quando precisam de bálsamo para sua dor. Desse modo, o profissional de saúde ainda é visto como alguém imune às mazelas que o indivíduo comum enfrenta, é dotado de resistência às doenças de qualquer origem, não precisa de horas de sono ou lazer e sua presença sempre desperta a oportunidade para desfazer uma dúvida sobre um remédio ou exame de alguém. É como se ele estivesse permanentemente à disposição do sofrimento, da dor, da angústia e do medo dos outros, com um elixir capaz de banir para além dos sentidos a aflição humana. Profissionais estressados O estudo Avaliação do nível de stress em profissionais de Saúde, realizado pela Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Liliane de Carvalho e pela professora de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Lucia Emmanoel Novaes Malagris, revelou que entre os 31 profissionais pesquisados, 18 (58%), mostraram-se estressados. Constatou-se que em 10 (56%) deles, houve predominância de sintomas físicos e em 8 (44%) os sintomas psicológicos foram os prevalentes. Muito mais que zelo Em relação ao cuidar, Liberato (2008) comenta que este ocorre à medida que são estabelecidas relações e que as pessoas participam ativamente delas. Ressalta ainda que: “O cuidado abrange muito mais que um momento específico de atenção e de zelo; implica preocupar-se com quem ou com o que está sendo cuidado, ocupando-se dele com responsabilidade e envolvimento afetivo. [...] É fazer parte de uma relação com interesses e tarefas comuns e a incumbência de tratar uns dos outros” (p. 557). 3 Podemos imaginar pela definição acima o quanto valores, crenças e sentido de vida permeiam a escolha de uma pessoa ao se prontificar a exercer uma função de cuidado. A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2000, apontou a necessidade que todas as pessoas envolvidas no processo de cuidado à saúde das pessoas, sejam elas os profissionais ou cuidadores formais, sejam os familiares/pessoas afetivamente próximas, ou cuidadores informais, recebam assistência emocional para que a manutenção deste cuidado seja possível. É vasta a literatura apontando a importância do cuidado com a saúde mental de profissionais de Saúde (NOGUEIRA-MARTINS, 1996, 2003; RODRIGUES, 1998; CASTRO, 2004) e, além disso, não podemos nos esquecer dos demais profissionais que também são extremamente presentes no cotidiano das Instituições de Saúde, tais como: seguranças, copeiros, auxiliares de higiene, concierges e etc. Tal necessidade se justifica pelo constante contato com situações de tensão, dor, sofrimento e morte de outras pessoas, fruto do processo do adoecimento e, por vezes, decorrentes dos tratamentos. Pensando nos aspectos acima citados, a promoção de espaços de cuidado à saúde mental dos profissionais que atuam na área de Saúde tem procurado prevenir situações de esgotamento emocional decorrentes do exercício profissional. Dependendo do caso e da gravidade deste, existe a orientação para que se busque um atendimento mais intensificado, como Psicoterapia e/ou o encaminhamento ao psiquiatra, para tratamento medicamentoso. Em raros casos, existe a opção de uma internação, isto quando aquela pessoa se encontra em situação de colocar em risco a própria vida ou de alguém próximo, o que felizmente é muito difícil ocorrer, pois procuramos acompanhar mais de perto e o olhar das pessoas próximas também está mais treinado a identificar situações ou sintomas que demonstrem que as coisas não estão bem e acabam encaminhando para a orientação com o psicólogo. Triagem para tratamento Não é raro observar situações envolvendo profissionais da saúde com a dependência química, sendo ela o álcool, drogas e o tabagismo. Assim, quando se pensa na saúde 4 mental e qualidade de vida do profissional da saúde, temos que incluir o tema de prevenção às drogas. O tabagismo, desde 1993, é considerado uma dependência química decorrente do uso de substâncias psicoativas de acordo com a décima versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da OMS. A recomendação para o abandono do tabagismo deve ser universal, tendo em vista que está envolvido com o aumento da incidência de várias doenças. Tanto as intervenções farmacológicas quanto as não farmacológicas, bem como o simples aconselhamento de parar de fumar, possuem benefício comprovado para efetivo abandono do tabagismo. No entanto, é fundamental que o paciente esteja disposto a parar de fumar. Contra o tabagismo existe todo um trabalho, inclusive veiculado pela mídia, sendo feito com o uso de medicação apropriada indicada pelo médico e também o acompanhamento psicológico. A dependência química só pode ser tratada quando existe o desejo e a conscientização do dependente para tratá-la como doença, seja ela qual for. Com relação à dependência a outras drogas, a orientação para o tratamento na maior parte das vezes é a internação, pois afastando o individuo do meio em que está inserido por alguns dias, pode-se observar maior adesão e tratamento intenso para ele e melhor entendimento da família com relação à doença, pois esta, na maior parte das vezes, está sofrendo a codependência e também precisa de tratamento. Para o acompanhamento e nos casos de não indicação da internação, ressaltamos que os grupos de anônimos são entendidos por nós como a melhor forma de tratamento e acompanhamento desse dependente em questão e sua família. Em momentos onde o afastamento do trabalho ocorreu por transtornos psiquiátricos,e até outros motivos, torna-se inevitável o suporte psicológico que deve acompanhar toda a readaptação do funcionário. Esse acompanhamento é Os demais profissionais presentes no cotidiano das Instituições de Saúde, tais como: seguranças, copeiros, auxiliares de higiene, etc., também precisam cuidar de sua saúde mental porque estão em constante contato com situações de tensão, dor, sofrimento e morte de outras pessoas 5 fundamental, pois o tempo de afastamento nesses casos costuma ser prolongado, impondo, muitas vezes, uma desatualização do profissional diante das rotinas de trabalho, o que acentua a insegurança e a desconfiança sobre sua própria capacidade. O receio de ser discriminado no ambiente ou de não ser reconhecido por seus pares precisa ser trabalhado continuamente. Cabe ao psicólogo organizacional trabalhar, integrado com o médico psiquiatra, o médico do trabalho e o psicoterapeuta, buscando a recuperação do trabalhador. Contatos telefônicos e sessões mensais são ferramentas úteis e eficientes, até como medidores da adesão ao tratamento. CONSEQUÊNCIAS DO ESTRESSE NA ÁREA DA SAÚDE Na área de Saúde especificamente, o exercício profissional é envolto em tensão e estresse, sendo comum os profissionais enfrentarem conflitos que envolvem valores pessoais e profissionais. Sentimentos contraditórios como piedade, compaixão, raiva, ansiedade e culpa são experimentados em relação a pacientes, familiares e os próprios colegas de trabalho e isto pode colaborar para o surgimento da insatisfação, o abandono de tarefas, doenças psicossomáticas e problemas de saúde que elevam os níveis de absenteísmo e afastamentos. A promoção de espaços de cuidado à saúde mental dos profissionais que atuam na área da Saúde tem visado prevenir situações de esgotamento emocional decorrentes do exercício profissional Trabalho em grupo Essa abordagem se reveste mais de cunho preventivo, pois possibilita às equipes de trabalho abordarem temas de suas vidas que afetam os indivíduos de forma diferente. Lidar com a perda de um paciente depois de longa permanência, com a dor intratável, 6 com a sequela e a súplica do moribundo, são vivências que se tornam menos áridas quando temos a oportunidade de perceber que nossos colegas também experimentam sentimentos, por vezes, conflituosos e que sua maneira de lidar com tal condição pode ser uma alternativa. Tal dinâmica possibilita ao psicólogo também identificar características dos participantes e/ou alguns sinais e sintomas precoces de transtornos de comportamento, permitindo atuar preventivamente. O grupo progressivamente aumenta a sua integração, a equipe amadurece e aprende a lidar com os conflitos comuns no dia a dia de uma unidade crítica ou de cuidados especializados, minimizando o impacto das tensões comuns no ambiente de cuidado. Pela OMS, todos os envolvidos no processo de cuidado à saúde das pessoas devem receber assistência emocional REFERÊNCIAS BENEVIDES-PEREIRA, A.M.T.(org.). Burn-out: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. LIBERATO R.P.; CARVALHO, V.A. Estresse e síndrome de burnout em equipes que cuidam de pacientes com câncer: cuidando do cuidador profissional. In: Temas em psico-oncologia. São Paulo: Summus; 2008. p.556-571. NOGUEIRA-MARTINS, L.A. Saúde mental do médico e do estudante de medicina. Vol.Psiquiatr. 29 (1): 07-09, 1996. ________. Saúde Mental dos Profissionais de Saúde In: BOTEGA, N.J. (org.) Prática Psiquiátrica no Hospital Geral: Interconsulta e Emergência. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002, pags.130- 144. LEE, R. T.; ASHFORTH, B. E. A meta-analytic examination of the correlates of the three dimensions of job burnout. Journal of Applied Psychology, 81 (2), 123-133, 1996. Manual técnico de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças na saúde suplementar / Agência Nacional de Saúde Suplementar (Brasil). – 3. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro : ANS, 2009. Cristiane Wener Alasmar é psicóloga da Saúde do Colaborador e Gestão de Pessoas do Hospital Sírio Libanês e psicóloga clínica. Daniela Achette é psicóloga da unidade de Psicologia Hospitalar, do Serviço de Reabilitação do Hospital Sírio Libanês e psicóloga clínica Fernanda Rizzo di Lione é coordenadora da Unidade de Psicologia Hospitalar e Serviço de Reabilitação do Hospital Sírio Libanês e psicóloga clínica existencial
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